Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 63
LXIII


Notas iniciais do capítulo

10/10/2018
AHA! Cá estou. Como eu disse, algumas coisas vão mudar no decorrer do enredo. Hoje terminei uma parte que planejei há muitos meses, em Janeiro para ser mais exata. Espero postar novamente em breve e espero que gostam. Essa fic é muito importante para mim e adoraria que deixassem um alô no final do capítulo ♥ Agradeço o apoio e desejo à todos uma boa leitura!



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Wanda odiava desmaiar por mais do que a razão óbvia de que desmaiar não é legal. Ela acordava trôpega e com a boca seca, sempre com as mesmas perguntas na ponta da língua:

Onde estava?

Quanto tempo se passara?

Onde está Pietro?

Geralmente não verbalizava a última pergunta.

As pálpebras pesavam igual chumbo. Ela inspirou fundo, deixando a luz entrar em seus olhos e o colchão abraçar seu corpo. Lembrava-se de uma conversa cortada, uma história bizarra e uma canção reconfortante. O rosto de Erik Lensherr veio a sua memória, vívido. Em seu coração, ela sabia e agora tinha ouvido do próprio mutante, seu pai. Seu pai. A palavra dançou em sua ouvidos por alguns instantes. Só porque sentia a verdade no fundo de seu coração antes de escutá-la sólida na boca de outra pessoa, não significava que seu cérebro lidasse muito bem com a questão.

Não queria recordar do rosto de Django Maximoff, os bonecos de madeira que fazia e se perguntar afinal “por que?”. Por que ele e Marya não contaram? Estavam com medo? Como a encontraram? Tia Natalya estava envolvida? Mas as respostas não vinham. Talvez simplesmente não tiveram tempo de dizer toda a verdade, pois um míssel atravessou a casa e matou os dois.

Não queria lembrar do rosto de Pietro e ficar comparando traços em comum com Erik. O queixo. Os lábios. Deus, os olhos!

Wanda só queria sair da própria pele e nunca, nunca mais voltar.

Soltou um lamento e reparou no cômodo ao seu redor. Conforme seus olhos se ajustavam com a claridade, o contorno das coisas se tornou mais nítido. Já tinha estado ali, era um quarto na Ala Médica de Wakanda. Tinha plantas. E alguém estava sentado na poltrona ao lado. Wanda reconheceu quem era quando essa pessoa se inclinou para frente para vê-la melhor, conferir se estava mesmo acordada. A Feiticeira Escarlate esticou a mão direita e maneira fraca, coisa que a irritou um pouco. Esquecia que seus movimentos eram débeis depois de tanto tempo desacordada.

— Oi, boneca. — Bucky pegou a mão dela com a sua e apertou-a gentilmente.

— Oi, James.

Ela aproveitou aquele instante de mãos dadas com ele, Bucky deslizando o polegar sobre sua pele num gesto distraído. Depois começou a se ajeitar no colchão, reprimindo uma careta de dor. Já sabia que estava em Wakanda, agora precisava fazer a segunda pergunta:

— Quanto tempo…?

— Só um dia. Está com sede?

— Sim.

Wanda quis sorrir enquanto ele punha água num copo de vidro para ela, de pé com as mãos na jarra. Quis. Não conseguiu e, ao invés de ser capaz de ser forte como desejava, começou a chorar. Se sentia patética. A jovem que erguia muralhas de energia vermelha não conseguia segurar as próprias lágrimas. Ele logo deixou o copo em cima do criado mudo e aproximou-se, porém a jovem limpava o choro de modo que Bucky não enxergava abertura para se aproximar mais ou então abraçá-la.

— Me desculpa. — As palavras saíram quebradas de sua garganta. — Me desculpa. Eu deixei… Zola escapar. E daí…

— Não é sua culpa. — Sentou-se na poltrona. — Você não tem que se desculpar.

Ele alcançou de novo a mão dela com a sua, já Wanda acalmava a própria respiração. Sua cabeça estava pesada e ela sentia dor, encarou um ponto vazio por alguns instantes até enfim retornar sua atenção à Bucky.

— Eu não queria ter saído daqueles destroços. Não viva.

— Não diga isso.

— Eu sou uma bagunça!

Os dois ficaram em silêncio. Wanda se arrependeu imediatamente por ter surtado na frente dele, embora fosse sincera. Se sentia revirada de dentro para fora, seu passado sagrado violado nos pontos que lhe eram mais caros: sua família. Mas não queria afastar Bucky, coisa que inevitavelmente aconteceria depois de explodir daquele jeito. A Feiticeira o olhou com tristeza, preparando-se para ouvir palavras doces que soariam como uma despedida.

— Sabe, — Ele começou, muito calmo e muito sério. — Não queria que Magneto tivesse parado a bala. Eu estava preparado para morrer ali.

— Não fale isso! — Wanda respondeu rápido e baixo, não entendendo porque Bucky deu um ligeiro sorriso de lado. — Eu não iria… suportar.

— Mas eu sou uma bagunça.

Ela entendeu. Riu, mesmo com o rosto vermelho de chorar e fungando o nariz. Wanda o encarou longamente, sorvendo dos detalhes do rosto ameno e de ar vitorioso dele, por ter provado o seu ponto. Aquele mero diálogo significava de forma superficial que tanto ela quanto ele tinham devaneios fúnebres e consideravam a própria vida uma obra caótica e sem solução, mas também ficara subentendido que não pensavam mais em viver sem a presença do outro. Não é? Wanda poderia estar divagando coisas demais, embora seu coração dissesse o contrário. Seria aquilo outra não-conversa deles, metamorfoseada em palavras dúbias?

Você é um bagunceiro. — Sorriu, referindo-se ao que ele fazia com suas emoções. —Isso sim.

— Também é verdade.

Wanda teve que se lembrar que não deveria olhar tanto para os lábios dele, embora tenha percebido com certo susto que ele tinha encarado também esse ponto de seu rosto. Então cruzaram o olhar diretamente, numa pergunta silenciosa que os dois tinham medo de responder.

Quase deu um grito quando sentiu um peso pular sobre seus pés.

— Oh, meu Deus. Ebony, seu gato doido. — A jovem estava com a pele eletrizada. — Não dá para surgir igual a um gato místico, sei lá, num portal suave ou algo assim?

— Eu não sei se está me confundido com o gato de Coraline ou de Alice, mas o fato é que gatos místicos continuam sendo gatos. É engraçado pregar alguns sustos.

Bucky soltou um suspiro.

— Eu não consigo me acostumar com um gato falando.

— Pois supere, soldado. Eu estava falando bem antes de você sequer aprender o abecedário.

O gato afofou suas garras no lençol e depois andou de forma adorável até o tórax da Feiticeira. Seus olhos amarelos eram dois sóis de fim da tarde. Wanda sentiu o impulso de alertá-lo contra o peito num abraço, mesmo que os miados de Ebony sempre fossem carregados de sarcasmo.

— E você, Wanda, como está se sentindo?

— Como uma vítima de uma explosão.

— Justo. Soldado?

— Bem, eu acho. — Ele franziu o cenho, fez ar de desentendido e colocou a mão sobre a cabeça do gato. Ebony estava prestes a reclamar quando então inclinou-se, Bucky coçando atrás de sua orelha direita.

— Mais atrás. Isso, isso. Depois faça na esquerda.

— É. — Bucky disse. — Continua sendo um gato mesmo.

— Apenas continue, soldado.

Wanda sempre riria das interações Bucky-Ebony. Quando afinal o gato estava satisfeito, ele desviou a pequena cabeça felina e deu um tapa na mão de James Barnes.

— Então, Ebony… — A Feiticeira chamou sua atenção. — Onde está Agatha? Achei que não veria você ou ela até que… — Ela se tocou que não havia dito a ninguém que iria para casa da velha bruxa, aliás, mal explicou a Bucky quem era ela ou como a conhecera. Sentindo a língua bater nos dentes, Wanda amenizou a fala: — Bem, você sabe.

— Bem, minha cara, isso me leva ao assunto que eu queria discutir com você. Agatha não pôde te acompanhar em Zurique porque sentiu que outra pessoa precisaria de auxílio. É a sua amiga, Shuri. E ela vai precisar de ajuda.

***

 

Wanda sentiu remorso por não ter lembrando-se de Shuri imediatamente depois de acordar, mas não remoeu a culpa por muito tempo. A caminho do quarto da princesa wakandana, Bucky lhe contou o que soube nesse um dia que passara desacordada.

Shuri foi atacada por Mística naquela noite em que estavam em Zurique. A mutante azul se passou pela própria Wanda Maximoff e injetou uma dose quase letal de veneno na princesa. Acionou bombas PEM, que destruíram os locais por onde Zola poderia fugir, depois roubou uma nave e saiu de Wakanda. A nave foi localizada no sul de Madagascar e a guerreira que o pilotava havia sido ejetada dali, embora encontrada ainda com vida no continente africano. Agora os cientistas procuravam formas de acordar a princesa, mas pelo diagnóstico isso poderia levar semanas.

Isso a fez se sentir enjoada.

Quando chegaram até o maior e mais avançado quarto da Ala Médica do palácio, o próprio rei T’Challa estava lá, debruçado sobre painéis de monitoramento dos sinais vitais da irmã, com Ororo Munroe ao seu lado. Seus olhos estavam inchados, a face dura. Wanda entendia e sentia a dor como dela própria. Sabia o que era ter um laço de sangue, um irmão em risco. Sua presença despertou palavras agradáveis de surpresa por ter acordado e estar bem, embora tivesse literalmente o apoio de Bucky Barnes para andar com desenvoltura. Ninguém falou nada de Ebony, portanto considerou que ele estava visível apenas aos olhos da Feiticeira e do Soldado ou então gatos pretos eram bem comuns no palácio. Ela agradeceu mentalmente o fato de nenhum deles a culpar pelo ocorrido com a princesa. Algo em sua cabeça esperava isso.

Wanda observou Ororo afagar o ombro de T’Challa, repousar sua cabeça ali com carinho. Era um toque que o rei de Wakanda permitia, ou melhor, parecia até precisar. A mutante segurou as mãos do monarca por alguns instantes, gesto que obrigou a Feiticeira Escarlate recordar-se das próprias mãos envoltas pelos dedos de Bucky Barnes. Então Ororo disse algo baixo e afastou-se dele, dando passos em direção à Wanda. Deu um abraço forte nela, um abraço sincero. Explicou brevemente que ela, sua equipe, e o grupo de Wanda se encontram em Zurique para enfrentar os Sentinelas e rumaram depois para Wakanda. Nesse momento, os X-Men já haviam partido, mas Ororo decidiu ficar até que a situação com Shuri fosse resolvida.

— Você já viu os outros? Rogers, Wilson…?

— Não. Acordei e vim direto para cá.

Tempestade meneou a cabeça, compreendendo.

— E como você está? Digo… — Quis sonda-la com cautela, preocupada. Wanda pôde sentir a ansiedade ao redor dela. — Com tudo o que aconteceu e com o que Magneto disse…

— Eu… Eu não sei, Ororo. Eu não sinto nada. — A Feiticeira parou um pouco, faltando o pensamento tão fugaz. Bucky cruzou o olhar com ela, um pouco longe. — É como se um pedaço do meu passado tivesse sido roubado, mas eu não sei por quem e não sei direito qual parte. Nem sei se faz diferença. Eu sinto que… Não é mentira o que ele disse, só que eu não sei a verdade inteira. E talvez nunca vá saber.

Wanda recebeu um afago terno em suas mãos, coisa que quase a fez desmoronar novamente. Ela inspirou fundo, trazendo força em seu espírito para não chorar de novo. Afastou-se de forma delicada, grata pela simpatia de uma mulher tão forte e tão caridosa.

Parou um instante para observar Shuri deitada num aparelho ao centro do cômodo, quase numa câmara criogênica como Bucky permaneceu por alguns meses. A pele escura dela estava opaca, sem o viço de seu temperamento forte que Wanda aprendeu a amar.

Seu estômago afundou dentro do corpo.

Ebony” Wanda pensou forte, vendo que o gato captou sua voz mesmo que mentalmente. Ela deu mais alguns passos, lembrando-se das palavras de incentivo da princesa e seus socos doloridos. “Eu não sei o que poderia fazer por Shuri. Eu sou bruxa e telepata, ela foi acometida por um veneno.”

“Ela está num nível de sono mais profundo que as máquinas podem quantificar, num plano astral, e não consegue voltar. Entrando em Djalia, porém parada no meio da caminho é isso é perigoso. Bast até tem essa viagem planejada para a princesa Shuri, mas esse não é o momento e pode até atrasar o desenvolvimento dela. É hora de trazê-la de volta.”

“Não seria mais sábio trazer algum representante espiritual wakandano?”

“Com certeza seria mais demorado para explicar e não temos muito tempo.”

Ao ver que a jovem permanecia reticente sobre a situação, o gato continuou:

“Não estou pedindo que vire a protagonista da história pessoal de Shuri. Enquanto falamos, Agatha está segurando as pontas. Mas você consegue trazê-la à realidade, já fez isso com Barnes antes.”

“Foi diferente.”

“Pouco diferente. E seria bom retribuir, não? Toda a amizade que essa princesa lhe deu. Retribuir a amizade que Bast permitiu que tivessem.”

“Eu sei, eu sei. Apenas não sei por onde começar e não quero falhar. Não posso falhar.”

Wanda soltou um suspiro e se afastou. Sentiu os olhos de Bucky sobre ela, pensativo. Havia tantas coisas para se pensar naquele momento, mas ela sabia que não podia esperar todas as respostas de um certo gato preto. Estava na hora de fazer coisas por si própria. De lado, encarou o rei por um momento. Ele estava arrasado, pois não tinha mais da erva-coração para tentar salvar a irmã. Não achava que ele gostaria que Wanda se intrometesse com a cabeça de Shuri, ainda mais em seu espírito.

“Bom, eu não preciso pegar Shuri na mão e dizer que vou levá-la pro mundo real. Posso apenas dar dicas, não? Formas para que ela possa encontrar a saída por si própria. E então partir.”

“Como uma boa feiticeira faria e como Agatha tem feito com você. Fico feliz que tenha chegado a essa conclusão sozinha.”

“Bom… Me conte mais sobre Djalia. E sobre o meio do caminho. ”

 

Bucky, apesar de ajudar Wanda a andar pelos corredores do Palácio, tinha a sensação de ser arrastado pela Feiticeira Escarlate até os dormitórios reservados aos Vingadores Secretos. Ela parecia procurar algo enquanto Ebony dizia coisas que não faziam muito sentido, mas o soldado não questionava - afinal, já era loucura demais um gato falar. Não encontraram nem Steve, nem Sam ou Natasha pelo meio do caminho, portanto cogitou que estavam na parte de pesquisa aos fundos, no hangar subterrâneo que abrigava uma nave gigante: Outer Heaven, a base voadora de Steve Rogers. Os cientistas de Wakanda davam os retoques finais porque seria lançada ao ar em breve, e o trio checava constantemente os detalhes. Com toda essa questão de mutantes, Magneto e Mata-Capas, era bom que tivessem um lar para si, fora do alcance desses algozes - E que esse lar fosse equipado com tecnologia de ponta. Era também a maneira de fazerem algo enquanto Wanda estava desacordada, pois também pesquisavam como ela poderia ser filha de Erik Lensherr e, se Zola já se manifestara em algum canto. Bucky só não gostava muito de lembrar do momento em que se voluntariou para ficar com ela no quarto da Ala Médica. Na hora pareceu simplesmente a coisa certa a se fazer, mas vendo em retrospecto… Talvez tivesse respondido rápido demais, desesperado demais. Com certeza a expressão de Nat era de quem sabia alguma coisa, Sam abafou o riso na hora.

— Onde estão os meus incensos? Eu preciso de pelo menos um. Não lembro de ter acabado. Wanda remexia em uma gaveta do criado mudo ao lado da cama, já Bucky estava encostado no batente da porta. Não se sentiu à vontade para entrar e revirar as coisas dela. Ebony andava sobre toda superfície plana do recinto, por pouco sem quebrar os objetos.

— Incenso? Por que você precisa de incenso?

— Bem, eu usei um pra entrar na sua cabeça sem estar no mesmo cômodo que a câmara criogênica. Serviu pra eu me concentrar o suficiente, bem na vibração certa e...

Silêncio se seguiu por alguns instantes antes que Bucky questionasse:

— O quê?

Wanda levantou o rosto para ele, os olhos arregalados e a boca aberta. Sua testa tinha um vinco que se formava sobre sua pele quando suas sobrancelhas se erguiam demais. Bucky tentou não rir daquela expressão, forjando um ar sério.

— Isso não soou tão estranho na minha mente.

A boca de James Barnes teimou sorrir.

— Isso não foi muito convincente.

— O que quero dizer é que eu consegui te ver sem estar no mesmo lugar, consegui ver suas memórias que ecoavam. Foi quando você me encontrou pela primeira vez na sua cabeça, sabe? Argh, isso não fica bom de falar de nenhum jeito. Ai, pare de sorrir! Você tá me deixando nervosa.

Ele deu de ombros.

— Quando admitiu que tinha me procurado não pensei que fosse de uma maneira tão literal.

— James! Você poderia, sabe, ajudar!

Atentar o espírito de Wanda Maximoff era um esporte interessante, mas Bucky afinal deixou seu eu brincalhão de lado e aproximou-se, entrando mais no quarto. Reparou nos livros jogados no chão e na pequena bagunça de papéis sobre a escrivaninha. Ebony foi capaz de abrir o armário com suas patas e entrou ali, resmungando sobre o perfume adocicado das roupas penduradas.

— Certo, mas para quê a gente precisa dos incensos mesmo? Não seria melhor ver Steve antes? Ele estava preocupado e… — Ele encarou Wanda nos olhos. — Não sei se seria seguro você partir pra mais uma aventura tão cedo.

— Bom, é uma aventura astral. Não pode machucar meu corpo, não fisicamente. Nem mesmo é a Travessa da Bruxa. — Ela continuou a mexer ali, tirando algumas velas coloridas do lugar. Suas palavras soavam como uma constatação banal, mas Bucky absorvia cada sílaba como quem ouvia um mistério. Já havia contado de forma breve o seu plano, embora ele considerasse mais sensato avisar o rei. — E Shuri precisa de ajuda. Ela está parada no meio do caminho para uma, vamos dizer assim, dimensão chamada Djalia. Pode ser perigoso deixá-la lá por muito tempo e Ebony disse que a deusa Bast não consegue acessá-la facilmente por conta de certo ressentimento da princesa, o que dificulta uma abordagem direta. Então o plano é trazê-la de volta de um jeito sutil.

Ele não entendeu nada. Sabia da direção do vento, trajetórias de balas, munição, camuflagem. Falava dúzias de línguas. Mas não podia dizer que era conhecedor de planos astrais e deuses.

— Certo. — Disse ele mesmo assim, confiante. — Vai precisar da sua moeda? Eu a guardei para você. Estava no assoalho da nave que foi destruída em Zurique e esqueci de te dar.

Wanda interrompeu o que estava fazendo para pegar a moeda, sua expressão agradecida. Tocou nos entalhes de prata, o desenho de Ouroboros e o olho aberto. Bucky sentia um comichão ao segurar aquilo e não podia mentir que estava aliviado ao devolver o objeto à dona. A moeda, no entanto, parecia mais amena nas mãos dela, inofensivo. Wanda sorriu até que franziu os cenhos e disse, seu tom choroso.

— O lobo de madeira de Piotr! — Colocou a mão na própria testa. — Eu não sei onde está… Devo ter esquecido no apartamento de Yelena.

— Oh, eu… Sinto muito.

— Tudo bem. Ao menos eu tenho a moeda. Não sei se vou precisar exatamente dela agora, mas é bom ter algo de volta. Obrigada.

— Bom, — Bucky coçou a nuca. — Tem outra coisa. Não sei se, você sabe, viu quando Magneto te deu uma… Tiara.

— Tiara? Ah, sim. — Ela baixou os olhos com tristeza e parecia lembrar de algo. — Só… Ouvi ele fazendo, moldando o metal, enquanto me contava uma história. — Suspirou. — Onde está?

— Pensei em te dar depois. Está no meu dormitório. Prometi a Magneto que não ia perder.

E que ia te manter a salvo.” Bucky pensou, embora sem coragem de dizer. Wanda assentiu com a cabeça e dois se encararam.

Ebony colocou o nariz para fora da porta corrediça do armário e espirrou. Com um salto,  pulou dali, sacudindo em seguida o próprio corpo para se livrar do perfume que tanto reclamou. Bucky não entendia o porquê, pois o cheiro não o incomodava.

— Dá para os dois se adiantarem? Tem uma princesa em perigo e uma deusa me cobrando, sem falar que não achei nada aqui. Ou ao menos nada mais engraçado que um sutiã florido.

As íris de Wanda faiscaram em vermelho, de modo que uma almofada foi arremessada contra o felino só pela força de seus poderes escarlates. Atingiu-o em cheio na cabeça, mas ele só deu um riso meio abafado, um ganido de gato engasgado.

Bucky, por sua vez, sentiu as bochechas arderem. Orou para que sua imaginação fértil não fosse tão barulhenta a ponto de Wanda conferir o que ele estava pensando. Talvez não recebesse apenas uma almofada na cara, e sim um tapa forte o bastante para deixar a marca dos cinco dedos na sua pele. Ou então um soco. Ela socava bem.

— Bem, — Wanda continuou como se nada tivesse acontecido. — Eu vou abrir um círculo. Seria melhor se eu estivesse num lugar mais aberto, quem sabe no jardim lá embaixo, mas não posso ser interrompida e nem quero causar outro escândalo aqui.

— Você está bem para… Esse tipo de coisa?

— Bruxaria?

— É.

Ela mediu as palavras na boca.

— Eu não estou bem. Eu sei que não, você sabe que não... Mas se estou pronta pra ajudar uma amiga? — Ela suspirou e respondeu a própria pergunta: — Mesmo que eu estivesse morta. Continuando, Shuri está no meio do caminho, então espero que não seja tão difícil. Acho que não demoro.

— Hm, mesmo que não demore tanto... Você não acha que vão estranhar nós dois estarmos no quarto sem avisar ninguém?

Wanda ergueu apenas uma sobrancelha, o que o fez engolir em seco.

— O quê?

— Isso também não soou tão bizarro na minha mente.

— “Isso não foi muito convincente.” — Ebony imitou o sotaque e o jeito de falar de Bucky, debochando do momento. Foi a vez do soldado pegar uma almofada de cima da cama e jogar na direção do gato, que desviou do ataque de forma hábil.

— É por isso que prefiro cachorros!

Piscou demoradamente, comprimindo os lábios. Tinha todo o treinamento do mundo sobre comportamento, linguagem corporal, mas era difícil conter sua frustração. Esperava que os anos na criogenia tivessem retirado sua capacidade de ruborizar. Pela face dela e as gargalhadas do gato preto, parecia que não.

— O que quero dizer, — Deu uma pausa, a garganta seca. Na verdade, não queria dizer nada e nem considerava possível. As palavras não vinham. E no fundo, ele não queria dizer que não era aquilo que estava pensando porque tinha pensado em coisas sórdidas. Pensava nos lábios de Wanda mais do que era saudável e ver que ela também reparara nos seus naquela mesma manhã não tinha feito muito bem pra sua sanidade. O duro é que sabia que aquele não era a melhor hora para tratar do assunto. — É que…

— Não precisa se explicar, você tem razão.

—  O quê? — Disseram Bucky e o gato em uníssono, depois se encararam feio.

— Ebony, você é bom com feitiços, não?

— Sim, mocinha. Um dos melhores.

— Transfiguração está na sua lista?

— Não é minha coisa favorita, mas é fácil. Melhor que poção polissuco.

Wanda levantou-se, exibindo uma vareta de incenso com um sorriso triunfante.

— Espero que seu sotaque sokoviano esteja afiado, gatinho.


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Notas finais do capítulo

*O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela HYDRA. Caso encontre algum erro, favor reporte à Shalashaska.

*Eu amo Ebony e vou protegê-lo.