Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 57
LVII


Notas iniciais do capítulo

12/08/2018
Primeiro quero pedir desculpas por deixá-los esperando. Passei por situações muito difíceis nessa semana que me tiraram toda a vontade de escrever ou existir. Mas, cá estou: escrevendo e existindo. Chorei por 1/3 do dia do meu aniversário, então vocês podem adivinhar a vibe que eu tava. Agradeço muito o apoio de vocês, queridos leitores. Vocês e amigos do trabalho me deram a força que eu não trocaria por nada ♥ E venho comunicar algo bem legal:
**SHALASHASKA ESTÁ CONFIRMADA NA CCXP, DIA 7!**
Então se alguém for lá nesse dia, poderá ver tanto o Seb Stan quanto eu ~~ mas provavelmente eu estarei ocupada vendo o Seb hahaha Que tal dar uma de ~famosa e assinar as fanarts winterwitch que vocês tiverem? HAHAHAHAH
Boa leitura!



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Os segundos em que sustentou o olhar de Erik Lensherr foram eternos.

Wanda estava um tanto distante e desorientada, mas não foram apenas os poderes magnéticos dele que a atraíram. Não, não seria algo tão óbvio e tolo. Ela sentia os olhos dele fervendo sobre si, enxergava sua ira carmesim transbordar todo o seu corpo e tingir o ambiente com sua cor viva. E aquele mesmo impulso caótico em si correspondia o olhar em reconhecimento, como se fogo tivesse consciência e pudesse reconhecer outro incêndio. Então ela abriu um pouco os lábios, tantos eram os pensamentos que lhe rodopiavam a cabeça. Eles não eram tão diferentes. A religião, mutação, a cor, a violência. Ali, entre os Vingadores e os Mata-Capas, com suas vestes escarlates gastas e queimadas, Magneto era um estranho reflexo de um futuro onde Wanda Maximoff perdera todos os limites e jurara vingança absoluta. Estava claro naquele instante que fora ele que jogou o helicóptero em cima do jipe com canhão, ainda que não fosse claro exatamente o porquê. Seria para protegê-los? Mas que laços existiam para tamanho sentimento? Wanda ao menos podia se identificar com essa atitude, pois era capaz de todos os males para defender quem amava. Isso significava que….? A hipótese era incompleta em sua cabeça, mas uma coisa era certa: Ela podia estar em seu lugar e era por conta disso que a Feiticeira o compreendia tanto. Como por magia ou mal agouro, a voz de Agatha Harkness crocitou em sua memória:

Eu sinto laços de sangue.”

Imaginou se aqueles segundos foram intermináveis para ele também. Imaginou se pensava no que ela pensava quando cruzavam o olhar, nas possibilidades que deveriam ser… Impossíveis. E imaginou se a verdade seria tão terrível quanto cogitava.

Foi nesse momento que Magneto quebrou o contato visual com Wanda e se virou aos Mata-Capas, sentenciando-os com dura voz: “Nunca mais.”

Ele ergueu as mãos num gesto suave. Tudo o que tinha componentes ferromagnéticos começou a tremer, incluindo as armas dos soldados e equipamentos acoplados em suas vestes. Até mesmo Caledônia, antes descrita brevemente como guerreira espadachim, foi paralisada por conta de sua armadura de metal, mesmo que estivesse a uma distância relativa dali. Isso deu tempo para Psylocke finalmente parar de lutar. Ela sentou-se na calçada, ferida e suada, e observou o espetáculo ao seu redor com um sorriso.

A lataria dos jipes chacoalhava e se entortava, os postes dobraram-se em mais de um ponto. O capacete de Paladino pressionou lentamente seu crânio e arrancava gemidos doloridos do mercenário, enquanto Silver Sable era sufocada pelo pingente discreto que usava no pescoço, sob o sobretudo branco. Acontecia tudo muito rápido para que os Vingadores pudessem reagir e mesmo assim existia hesitação. Como contrariar tamanho poder? Steve deu mais um passo a frente, chamando o primeiro nome dele numa tentativa vaga de captar sua atenção e interromper o horror. Ele não parou.

A coruja branca, que havia tentado impedir Paladino de atirar, metamorfoseou-se em um lobo cinzento e tomou velocidade na direção do mutante, já arreganhando os dentes numa posição de ataque. Magneto fez com que uma placa de trânsito voasse contra o animal. Em segundos, o canídeo tornou-se uma lebre alva e desviou, próxima o suficiente para aumentar seu tamanho de novo. Ganhou a forma e a força de um imenso urso polar, com a pata em riste para arrancar o capacete de sua cabeça, mas em resposta o cabo da mesma placa de trânsito tomou a direção contrária com apenas um comando dele e prensou o pescoço da fera no asfalto. O urso enfim tomou uma forma humana, de uma mulher loira e vestida de azul e branco. Isso despertou a atenção do mutante, porém não fez com que sentisse remorso. Pressionou ainda mais.

— Erik! — Steve repetiu, mais urgente e mais alto.

— Eles também iriam matá-los com o canhão. Não sinto pena.

— Eles já estão no chão, indefesos. Você não precisa fazer isso. Não é justiça. Pare!

As reverberações magnéticas cessaram. Paladino tirou o capacete da cabeça e ficou somente com seu visor de lentes roxas, quase chorando de dor enquanto xingava. Silver se apoiou no capô de um jipe próximo para tossir e recuperar o ar, com a pele avermelhada assim como a mulher metamorfa no chão, segurando o cabo da placa de trânsito agora com folga. Lá atrás, a guerreira com espada e armadura também respirava melhor depois que a pressão sobre sua carne se desfizera. Os soldados tremeram de alívio.

— Indefesos? Justiça? — Magneto inspirou, suas narinas dilatadas e expressão torcida em fúria. O som de metal entortando a distância foi ouvido por todos. Wanda, no entanto, foi mais afetada pelas ondas de raiva que o homem emanava. Bucky, ao seu lado, manteve firme o abraço protetor, por mais que tal gesto fosse questionável nesse momento - pois o mutante controlava metal e tudo o que James Barnes tinha era justamente um braço metálico. — Não são homens e mulheres indefesos, muito menos inocentes ou bons. Eles mastigam a moral que temos e a cospem em nossa cara.

Natasha chegou mais perto de Steve, pois o loiro já estava de frente para o homem de capacete vermelho. Capitão América não sentia medo, embora a Viúva Negra estivesse a postos com seus braceletes elétricos para ajudar ao menor vislumbre de perigo. Sam estava logo atrás. Steve voltou a argumentar com seu tom azul de reconciliação, mas foi interrompido por uma risada cáustica do mutante.

— Eu tentei. Quando eles chegaram, Capitão, — Disse ele, ríspido. — Eu tentei explicar o que me trouxe aqui. Que Zola está nesse maldito banco e irá destruir a nós todos, mutantes e humanos. Que… esse cientista suíço e nazista é responsável pela morte de irmãos e irmãs da causa ao longo desses anos todos. E eu fiquei congelado nesses anos todos por causa da HYDRA, por causa dele, senão teria salvado… Senão teria salvado minha filha.— Uma pausa, uma lágrima ácida que escorreu sua bochecha. — Não ataquei primeiro, nem ofereci violência e talvez esse tenha sido meu erro. Conte à eles, senhorita Sable. Conte o que fizeram, além de usar sua voz para repetir meus direitos.

A agente, que até então estava com uma das mãos no capô do jipe e a outra no tórax para acalmar os pulmões, olhou para a conversa do outro lado com um misto de culpa e confusão. Não disse nada, pois nem tinha fôlego para tal, mas fez um sinal negativo com a cabeça.

Magnus então puxou o pingente dela com seus poderes como puxaria a coleira de animal. Arrastou-a. Ela caiu sentada e tossindo aos pés do mutante, depois foi levantada pela gola de seu traje.

— Diga, Sable!

Steve tentou intervir, mas Magneto o afastou com apenas um gesto, devido aos escudos que tinha nos antebraços .

— Nós… — Ela fez força para falar, fechou os olhos por alguns instantes. — Nós fomos convocados assim que detectaram anomalias. Pulsos eletromagnéticos e dois aprimorados no centro. Perigo em potencial. Código D-1-5.

— Vamos. Seus amigos repórteres não estavam aqui quando vocês e seus amigos feriram os direitos humanos, embora até possa argumentar que não sou humano. Agora quero que diga a história inteira, para eles e para o mundo. E o que mais? O que mais?

O olhar dela brilhou em desafio, mesmo que na posição em que estava:

— E não há como uma Inteligência Artificial de Zola nos destruir. Ele está morto!

— Morto? — Magneto a sacudiu, sua face ruborizada pela cólera. Depois a jogou de volta ao chão. — Morto? E como os Mata-Capas decidiram trazer uma leva de armas sem ser de metal, justamente o que não consigo controlar? Como nos encontraram tão rápido se não atacamos primeiro? Como sabiam de nossos pontos fracos e me deram algemas de plástico? Talvez você não saiba de algo, mas seus superiores sim. São todos ventríloquos e nem se dão conta das próprias cordas. E nunca mais estarei nas mãos de homens e mulheres que só acatam ordens.

Natasha aproveitou o momento para ajudar a agente platinada a se levantar, trazendo-a para seu lado de forma segura. Sam a auxiliou na tarefa, segurando Sable pelos bíceps enquanto a mulher apalpava o próprio pescoço.

— Sable… — O Capitão América perguntou com cautela, entre ela e o mutante. — Isso é verdade?

— Você sabe a lei, Rogers. Nós a seguimos.

— Mas, — Ele continuou, um tanto a contragosto por argumentar a favor do lado agressivo da história. — Vocês tiveram acesso exatamente às vulnerabilidades deles. Isso não é coincidência.

— São dois mutunas assaltando um banco no meio da noite! — Paladino gritou, já de joelhos e sem se importar em usar o termo pejorativo aos portadores do gene-X. Sangue escorria de sua testa devido ao capacete prensado em sua carne. — No mesmo dia que o congresso aprova o Serviço Sentinela! Isso também não é uma coincidência. Nos entregaram uma ficha sobre cada um e equipamento. Levá-los vivos era um bônus, não obrigação.

Um punho encontrou o rosto dele. Psylocke.

— Seu mundano desgraçado! — Ela invocou energia psiônica na forma de uma katana e avançou sobre o agente da ONU. Parou no último segundo antes de cortar sua garganta, pois outra pessoa se interpôs rápido para impedi-la: Caledônia. A espada da mulher de armadura protegeu o mercenário, soltando faíscas quando as lâminas rasparam uma na outra.

As duas adversárias se encararam.

— O que não é coincidência é o fato que vocês vieram para cá e estão ao lado desses terroristas. — Caledônia se pronunciou, sua espada levantada para proteger Paladino. Ela vestia um elmo que deixava sua face determinada a mostra, bem como o cabelo ruivo que descia sobre as ombreiras de sua armadura. O sotaque em inglês denunciava sua ascendência escocesa. — Eles vieram para detonar um banco e talvez agredir os participantes do congresso. Vocês vieram para salvá-los. Se sabíamos ou não de algo, não é tão suspeito e vil quanto suas atitudes.

Steve tentou não parecer tão abalado com aquela sentença, embora claramente aquilo tivesse o incomodado. Sam tomou suas dores.

— Vou ignorar que vocês não passam de babacas que também atiraram primeiro pra perguntar: O que diabos realmente aconteceu aqui?

Quando Caledônia abriu a boca, um aperto magnético de Erik Lensherr calou suas palavras. Nada saiu de seus lábios além de um gemido sufocado. O mutante então retomou seu discurso:

— Eu só quero, de uma vez por todas, apagar a existência de Arnim Zola. Vocês viram em Sokovia. Pessoas mortas. Mutantes mortos. — Ele se voltou para Wanda. — Experimentos. Articulei toda uma estratégia para não deixá-lo sumir por vias de comunicação modernas. Estamos praticamente isolados por conta dos pulsos eletromagnéticos. E eu vou destruí-lo até que não sobre pó.

— O que ele quer dizer, — Psylocke ainda encarava Caledônia, embora estivesse mais calma. — É que chegamos bem. Seria só entrar, desligar o último cérebro dele, e partir. Fomos cuidadosos e até mesmo discretos. Vocês, humanos, na verdade mereciam aniquilação. Mal entramos no prédio. Fomos interceptados com avisos igual vocês. Eles esperavam por nós, de alguma forma, porque não hesitaram em abrir fogo.

— Eu tentei. — Magneto repetiu. — Eu tentei dizer por que estava ali. Mas eles atiraram com balas não magnéticas. Me algemaram. Me eletrocutaram. Feriram Psylocke. E depois me levaram quase desacordado até uma cela num veículo. Digam-me, estão realmente a serviço de todas as nações?

Silêncio.

Wanda tentou ficar de pé, Bucky a ajudou. Magneto lançou seus olhos sobre ela com muita calma, com um brilho opaco no rosto que a feiticeira não saberia explicar. Ele continuou a segurar os agressores com seus poderes magnéticos, impedindo um ato impensado de Caledônia. Paladino e a mulher metamorfa não estavam em perfeitas condições para tentar algo, tampouco Silver Sable. O restante dos soldados tinha as armas travadas, já que o equipamento não magnético para contê-lo foi destruído quando Erik Lensherr saiu da cela. Ele inspirou fundo.

— E eu não podia permitir que esses humanos ferissem vocês. Ajudaram em Sokovia. Considerem minha dívida paga. E… — Magneto mantinha o olhar fixo em Wanda, sua perfeita dicção um tanto falha no momento. Entretanto, sua voz adquirira um tom mais ameno. Em resposta, a jovem somente inclinou o rosto. — Não permitiria que a machucassem. Você é… Mutante. Os Sentinelas a detectaram. É uma das nossas e eu atiraria mil helicópteros na direção deles se necessário. Eu senti, digo, vi, quando chegaram. E também quando a nave foi abatida. Mas, — Ele deu uma breve pausa. — Por que estão aqui?

— Para ajudar. — Wanda se surpreendeu por responder tão rápido. Sentiu o olhar de seus amigos sobre si, embora não fosse tão importante naquele momento. Sua garganta quase queimara para redarguir depressa, em parte porque dizia a verdade e parte porque o fascínio por Magnus e sua fúria era recíproco. — Por você.

— Uma fonte segura nos disse que o cérebro central Zola está localizado aqui em Zurique, nos andares subterrâneos do LernaBank. Sabemos que você eliminou os backups. — Natasha se pronunciou, querendo também esclarecer as coisas para Sable, ainda apoiada em seus ombros. Nao esqueceu-se de que, há poucos quarteirões dali e tentando furar o bloqueio policial, alguns repórteres tentavam registrar o embate. Dava para ver alguns flashes na esquina. Deixar os lados bem claros era uma estratégia inteligente para evitar mal entendidos . — Realmente ele está por trás do Serviço Sentinela e inúmeras mortes mutantes, mas você corre risco. Ele tem uma máquina capaz de… Separar almas do corpo. E o próximo alvo é você.

— O quê? — Ele sorriu de forma incrédula. — Acha mesmo que vou acreditar…

— Quem controla metal controla a Era Moderna. Zola quer o corpo e os poderes do único que pode derrotá-lo completamente.

— Não há máquina capaz disso. — Repetiu, em negação.

— Foi o que houve com sua filha, Lorna Darne, em 99. Zola tentou usurpar o corpo dela, mas Polaris morreu e… Elizabeth Braddock acordou como uma menina japonesa. A máquina funciona.

O Mestre do Magnetismo arregalou os olhos e travou a mandíbula. Não esperava ouvir o que ouvira da boca de Sam Wilson, que havia acompanhado a explicação de Yelena sobre o que de fato aconteceu em Kosovo. Expor a verdade foi pesado. Wanda observou o homem tremer, assim como tudo o que era metálico.

Magneto se virou para a moça oriental, Elizabeth. Os pontos do seu corpo feridos e com cortes não se comparavam ao golpe que era saber então o porquê sua alma trocara de corpo. Ela, tão forte e amarga, começou a chorar em memória de sua amiga. Outra lágrima muda escorreu a face sólida do mutante.

— O quê? Essa bobagem toda é verdade? — Paladino limpou o filete de sangue da testa com uma das mãos, também cuspiu no asfalto. Então riu. — Máquinas que separam almas do corpo, meninas que reencarnam no Japão… Tudo orquestrado por uma mente artificial de um cientista morto há pelo menos trinta anos! Vocês são insanos, doentes. Mutunas doe—

A arma próxima ao mercenário - aquela mesma que usou para atirar na direção de Wanda Maximoff - levantou-se sozinha do chão, engatilhou e disparou contra o ombro de Paladino. Sua frase foi engasgada pela dor e um grito, porém nada mais aconteceu além da arma engatilhar novamente, desta vez com a mira perfeita sobre o centro da cabeça dele.

Wanda franziu os cenhos diante da cena, sentindo apenas aflição. Seu sangue quente secava em seu nariz, seus olhos ainda pulsavam rubros. Cores lhe afinetavam, afiadas e intensas demais. O azul, o amarelo, o rosa. Roxo de cor de hematomas, branco, prata. Vermelho, vermelho, vermelho.

Moldar a realidade antes foi algo um tanto impensado, embora necessário, que também borrou os limites do que era ela e do que era o outro. A ira de Magneto era sua, o deboche de Paladino estava em sua boca e a vontade de Steve de fazer o certo pesava em seu coração. Franziu os cenhos ainda mais. Não, não. Ela era Wanda. Wanda Maximoff. Uma memória invadiu seus olhos, a voz gentil de Bucky Barnes em seus ouvidos.

Wanda, que gosta de chás, silêncio e de ajudar os outros.

Ela então tomou consciência de si novamente e do abraço dele, sua aura escura.

Wanda, a Feiticeira Escarlate.

A tensão deixou seu rosto, assim como a confusão. Sobrou a coragem em suas íris cor de sangue. Ela segurou seu medo com as duas mãos, aceitou sua cor.

Escarlate, escarlate, escarlate. Era essa, pois Pietro havia lhe dado. Uma cor e um aviso.

Magneto estava prestes a dar o comando de disparar contra o cérebro do mercenário quando Wanda gesticulou de maneira intrépida, névoa carmesim alcançando-o por inteiro. Ela sentia-se fraca por ter usado seus poderes tão violentamente antes, mas lhe restavam adrenalina e força de vontade para mais uma vez impedir que a catástrofe ocorresse.

Piscou. De repente tudo se tornou silencioso, mesmo o grito de “pare” de Steve Rogers era distante. O gatilho da arma estava congelado no mesmo lugar. Parecia existir somente Wanda e Erik, na conexão que ela estabelecera. Ele notou.

— Você não deveria ser capaz de entrar na minha cabeça. Eu estou de capacete.

Por algum motivo ela achou a frase um tanto cômica, embora tal pensamento não tenha durado mais que uma fração de segundo. No instante seguinte, o luto, a dor e ira de uma vida inteira apunhalaram o tórax de Wanda Maximoff como se tais sentimentos fossem seus. Soltou um arquejo. — Como?

— Não consigo explicar com palavras exatas. — Disse, sendo na realidade mais uma voz que sussurrava nos ouvidos dele, feito uma memória. — Não acredito que eu esteja em sua cabeça. Em seus sentimentos, talvez.

Quem observava a cena nada mais enxergava que a feiticeira de mãos estendidas e envoltas em magia e Magneto parado. O tempo corria de um jeito anômalo. O som das palavras dele também era fugaz:

— Em meu coração?

Ela não respondeu. Erik continuou.

— Você sente isso?

— Sim. É muito… Sofrimento.

— Você sabe o que eu sei? Vê minhas lembranças?

Existia algo a mais naquela pergunta, então ela se limitou a uma palavra:

— Não.

— E você vai me manipular para não atirar nesse homem?

Ele se voltou para ela, vermelho encontrando vermelho. Wanda molhou os lábios, tateando os sentimentos daquele homem. Era ácido e formigava. Franziu a testa e engoliu seco, o mais delicada que poderia ser. Sabia que ele tinha entes queridos em seu coração, pessoas enterradas. Uma filha. Uma filha que amava mais do que achava que conseguia amar alguém. A cor verde de Polaris.

E era um pecado debochar de sua dor, como Paladino fizera. Um pecado que Magneto executaria prontamente sua pena. Era tudo tão triste para Wanda. Erik Lensherr poderia ser o melhor dos homens, pois era leal a suas raízes e determinado até o fim. Uma pessoa perigosamente inteligente, que seguia seus valores - por mais distorcidos que fossem. Ele ardia em seu sonho de libertar os mutantes, mostrar que eram muito mais do que os olhos humanos podiam enxergar. “Deuses em meio a insetos”, ele disse.

— Isso não a trará de volta.

— Ele não é inocente!

A exclamação dele foi real, não somente sua voz na cabeça de Wanda. Ela assentiu.

— E por isso é tão difícil. É uma escolha muito simples não matar um homem inocente. Agora, não matar alguém culpado é… Tentador. Mas matar é matar. E isso não vai lhe trazer paz.

Ele fechou os olhos. O eco das palavras o perturbou.

— Não. —  A frase há muito forjada em seu espírito mais uma vez foi sentenciada de forma dura por seus lábios. — Paz nunca foi uma opção.

Wanda cessou seus poderes, porém seu rosto permaneceu firme. Steve a encarou atônito, pois cogitara que a Feiticeira manipularia Magneto com sua magia para salvar Paladino e evitar o caos. Na realidade, poucos segundos se passaram desde o tiro que acertou o ombro do agente da ONU, agora sangrando no chão e amparado pela guerreira Caledônia. Wanda, no entanto, deu ao revolucionário a escolha.

— Mate-o e você o fará apenas por si próprio. Deixe-o viver e mostrará ao mundo o que somos. — Disse, surpresa por afinal por a frase no plural, incluindo-se no assunto. Mais uma classificação, portanto. Bruxa, judia, mutante. Não importava. — Superiores.

Ele rangeu os dentes.

— Você deve ter conhecido meu velho amigo, Charles. Um homem tolo que acredita que o mundo é bom. — O som do disparo da arma pôde ser ouvido há quarteirões de distância, a bala traçando um caminho reto até a testa de Paladino. Wanda arregalou os olhos, Sam soltou um arquejo alto e Natasha deu um passo para frente. Steve estava bambo sobre os próprios joelhos. — Mas você soube ser mais convincente.

Mais uma vez a bala pairou no ar, milímetros distante da pele suada e lesionada do agente. Ele havia franzido a testa por instinto, fechado as pálpebras, porém ao notar que o fim não chegava, abriu os olhos a tempo de ver o projétil suspenso na gravidade. Com um último gesto, a bala caiu.

E todos puderam respirar aliviados. 

Wanda observou Magneto dar sorriso enviesado de triunfo. Ela poderia até tê-lo convencido a não matar o agente, ou melhor, o mercenário da ONU, entretanto ele não permitiria que a situação saísse do seu controle. Ele disparou e fez a bala parar. Ceifeiro e salvador num único ato, brincando de deus. Pura demonstração de poder.

Tudo pela causa mutante, mais uma vez observada por flashes de repórteres incautos à distância. Noticiaram em diversas mídias como o luto dele era grande, mas que Magneto era ainda maior que isso. Que é uma esperança para os mutantes e uma promessa para os que desejavam violência: Nunca mais.

— Eu não estou realmente interessado em coisas pequenas, mas não hesito em calar aqueles que debocham de nossa dor. — Ele disse, entre a seriedade e humor cáustico. — Precisam agradecer essa jovem mutante.

Seu poder ainda travava o restante dos soldados, que usavam aparatos metalicos, e tal fato lhe deu liberdade para andar enquanto falava. Abriu caminho para o imponente prédio que estava atrás dos carros, a arquitetura neoclássica sólida e as janelas de vidro fumê, algumas já estilhaçadas pelo combate. As portas escancaradas emolduravam o imenso saguão, de piso frio e com colunas que sustentavam elegantemente o segundo andar.

A Feiticeira Escarlate lançou um olhar de dúvida para Steve Rogers. Deveriam pará-lo? Estavam lá justamente para impedir os planos de Zola… Mas era nítido o desconforto nos Vingadores Secretos em compactuar com os métodos nada gentis de Magneto, ainda que todos estivessem em Zurique e na frente do LernaBank pela mesma razão.

Essa questão ardeu a moral do Capitão América. Ele inspirou fundo. Também queria desligar o que mantinha o cientista suíço vivo, por todas as atrocidades que cometera. Talvez a violência do Mestre do Magnetismo não fosse bela de se assistir, mas naquele caso não havia muita alternativa. Tinham que retirar o cérebro central do banco fundado pela HYDRA e destruí-lo antes que Zola em si tentasse contra-atacar de alguma forma. Os Mata-Capas frustraram quaisquer planos de fazer isso de maneira discreta. Somente sacudiu a cabeça de leve e recuou.

— Vocês merecem certo crédito por terem tentado. E também por terem usado munição não-ferromagnética, isso foi inteligente. — Ninguém respondeu. Silver Sable rangia os dentes, pois a marca em seu pescoço a lembrava que poderia ser sufocada a qualquer momento. —  Mas não o suficiente. Eu só desejo acabar com toda essa insanidade de Zola e então partirei para casa, para o lar que estou construindo para todas as almas mutantes. — Virou-se por mais alguns instantes em direção à Wanda, algo a mais em sua voz. — As portas sempre estarão abertas para você.

Wanda nunca imaginou que ouviria o som do magnetismo, mas foi exatamente isso que achou que escutava quando Magneto elevou a mão para frente do corpo e gesticulou, elegante e cerimonioso. Estalos, tremor. A terra parecia se dobrar ao seu comando, as estruturas metálicas rangiam em obediência servil. O som de algo se partindo ao fundo, abaixo do chão, chegou ao ouvido de cada um presente.

Magneto fez uma expressão torta, concentrado. Puxou o ar forte pelas narinas.

E então o piso brilhante do saguão do banco se abriu com mil e uma rachaduras, pedra e concreto mastigados para permitir a passagem de uma grande estrutura recoberta por vergalhões de aço, uma espécie de cofre com fios soltando faíscas devido a remoção forçada. Deveria ter, ao menos, cinco metros cúbicos. Gravitou acima do solo e caiu na divisa com as portas, num um baque contra as escadarias da fachada do prédio.

Diferente de um cofre mecânico ou até mesmo de um cofre digital, existiam certos veios de luz na caixa metálica e o centro de uma das faces não havia manivela, mas sim um painel circular.  

— Então essa é a verdadeira forma de Arnim Zola. Cientista e nazista suíço. — Ele inclinou o rosto um pouco, num gesto que Wanda reconhecia em si mesma. — Confesso que esperava mais.

Nada aconteceu num primeiro momento, apesar da provocação. Alguns segundos depois de sua frase, antes mesmo que Magneto pudesse dar fim naquilo através de seus poderes, o painel circular começou a pulsar. Bucky deu um passo para trás e pegou a arma que tinha posto no chão quando amparou Wanda.

— Eu não tenho poderes psíquicos, mas… Isso não parece bom.

— Preciso concordar com o comedor de ameixas. — Sam completou, ainda sustentando Silver Sable pelo braço direito, enquanto Natasha a pegava pelo esquerdo. Wanda se colocou na frente deles.

— Fiquem atrás de mim.

Prontamente os dois recuaram para trás da Feiticeira Escarlate.  

— Oh, herr Lensherr. — O sotaque carregado da Inteligência Artificial se fez ouvir, cada consoante acompanhada pelo pulsar de luz da estrutura metálica. — Ou melhor, Eisenhardt. Tantos nomes para uma vida.

— Magneto.

Wanda arrepiou-se ao ouvir o diálogo entre Zola e o mutante. As ondas de cor vermelha eram cada vez mais fortes na aura do Mestre do Magnetismo, pois a mera voz do cientista despertava emoções intensas.

— Eu me lembro de você. Seu corpo em criostase e os avanços fascinantes que tivemos com experimentos. Líder revolucionário, senhor da utopia mutante… Onde está tudo isso, herr Magneto? Enterrado também? Bem, eu não esperava nada do senhor.

Sem mesmo um único movimento das mãos do mutante, as pontas da caixa se entortaram para dentro com um som agudo e arranhado.

— Você quer que eu implore? — Zola quase riu.

— Eu quero que sofra. E depois morra.

— Oh! Eu sou uma máquina, eu não sofro. Nem sinto dor, só sinto pena de sua mentalidade tão limitada. E sobre a minha morte… Bem, tenho outros programas marcados para hoje. Lamento. — Respondeu casualmente, depois animou-se. — Fraulein Maximoff! Então você e ele já se conhecem? Diga-me, vocês leram juntos os arquivos “M” na Base em Sokovia? Deve ter sido emocionante.

— Não fale com ela! — A caixa se entortou mais, a ponto das luzes oscilarem. Magneto também atraiu pedaços de placas de trânsito e hastes de ferro e atravessou-as no centro da estrutura metálica, enfiando-as fundo e lentamente. — Não dirija a palavra a ela! Nem exista perto dela!

Ninguém esperava tal explosão de fúria. Natasha piscou, Sable ao seu lado franziu os cenhos. Wanda, por sua vez, sentiu o caos em seu tórax descer para dentro do corpo, uma sensação pesada na boca do estômago.

— Oh, herr Magneto. Você merece certo crédito por ter lançado bombas PEM nas minhas outras bases para que eu não pudesse sair. Isso foi inteligente, mas… Não o suficiente.

— Está em minhas mãos. — Rangeu os dentes. — Você morre hoje. Agora.

— Quando disse que sua mentalidade é limitada, eu infelizmente falei sério. É claro que sabia que viria, e é claro que soube que teria ajuda. Montei minha estrategia também, tive alguns dias para me preparar. Ou então não perceberam que sempre converso para ganhar tempo?

O barulho seguinte não veio da caixa onde a Inteligência Artificial de Zola se abrigava. Era como se um enxame se aglomerasse no buraco onde a caixa de Zola saiu. A fenda dentro do LernaBank foi iluminada pela cor verde de baixo para cima, o barulho se aproximou. Até mesmo os agentes do serviço Mata-Capas se assustaram com a situação. Sable afinal firmou-se sobre os próprios pés, desvincilhou-se de Natasha e Sam, deu passo a frente. O som aumentou e aumentou, cada vez mais perto, quase na borda do buraco. E então parou.

— Mas o que diabos…? — Bucky levantou a mira, tentando ver do que se tratava.

O som voltou mais forte e enfim um enxame de robôs pequenos transbordou o saguão do banco. Eram do tamanho de rodas de um carro comum, esféricos e com um imenso olho esverdeado em seu centro. Se locomoviam através de um trio de tentáculos pretos com ventosas vermelhas.

Magneto ergueu sua mão e fechou os dedos como se espremesse-os, porém nada aconteceu.

— Vantagem da fibra de carbono. Não-ferromagnético. Meus trípodes possuem ligas de outros metais que  você não tem controle sobre. — Zola deu a impressão de suspirar. — Quando um deles tocar qualquer dispositivo conectado à rede, uma faísca de mim sobreviverá e se desenvolverá… Eu viverei para sempre. — Sentenciou sua sina, solene. — E quando um deles tocar qualquer dispositivo conectado, seus amigos Sentinelas despertarão.

Com um grito de cólera, Magneto destroçou a caixa metálica que era o cérebro central de Arnim Zola. Enquanto o metal rangia e se dobrava por cima de si mesmo, por vezes rasgando sua carapaça como uma lata de refrigerante, a voz cheia de sotaque e ego do cientista ecoou pela última vez.

— Hail HYDRA. Corta-se uma cabeça, nascem duas.

O enxame de robôs trípodes avançou de forma rápida e violenta para fora do Banco.


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Notas finais do capítulo

*mutunas: termo pejorativo para se referir à mutantes.

*mundanos ou ordinários: termos pejorativos para se referir a humanos comuns.

*herr: senhor, em alemão.

*fraulein: senhorita, em alemão.

*Se ficou confuso, darei uma resumida aqui: Zola sabia que Magneto viria e dividiu sua consciência em faíscas - "sementes" - inseridas nesses robôs, os Trípodes. Eles tem como objetivo se conectar em qualquer fonte conectada à internet, já que Magneto usou pulsos eletromagnéticos para isolar a comunicação do local - as bombas PEM. Assim que se conectarem, a faísca de Zola será disseminada na rede e os Sentinelas serão ativados. O design desses mesmos robôs foram inspirados nos gekkos-anões do jogo Metal Gear.

*Como eu disse, estou tentando melhorar minha frequência mesmo com todas essas coisas acontecendo. Espero postar o próximo o mais breve possível, já que ele promete ser divertido e desafiador de escrever.

*O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela HYDRA. Caso encontre algum erro, favor reporte à Shalashaska.