Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 55
LV


Notas iniciais do capítulo

21/07/2018
Olá! Dedico esse capítulo a todos meus leitores queridos, principalmente a ~ SwitchBlade, a Wanda Carter Barnes (que fez uma recomendação lindíssima), Paparazzi, Lili, Dana, Nath, Moe, Dhowechelon, Lyuba, nossa é tanta gente! Muito obrigada pelo apoio de todos ♥ E se eu não citei seu nome, me perdoa. Sou esquecida nas coisas mais importantes, então pode me cutucar por MP pra eu editar a nota hahaha
Lamento não ter postado antes. Aconteceram muitas coisas, uma quase promoção no trabalho, um velório, outras leituras e etc. Espero que esteja do agrado e à altura de leitoras tão legais quanto vocês.



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Alguém mal intencionado poderia dizer que Anthony Stark usava óculos escuros durante a noite só para parecer maneiro, mas além do fato de Tony Stark ser maneiro, o engenheiro mais cobiçado do mundo estava cansado dos flashes brancos fisgarem suas pupilas. Um dia foi acostumado com a sensação ofuscante dos paparazzi e dúzias de jornais exaltando seu nome, mas aquela vez era diferente. Ele colocou os óculos de lentes cor de vinho para escapar da luz irritante das câmeras e também na tentativa de enxergar a situação sob uma nova perspectiva.

Tony Stark não via com bons olhos aquela Conferência. Ainda acreditava que o Acordo de Sokovia traria benefícios aos aprimorados que se responsabilizassem por segui-la e ainda mais para os países que adotassem a lei. Evitaria conflitos políticos entre os países por conta de intervenção estrangeira dos Vingadores, um grupo paramilitar composto majoritariamente por americanos, com base no estado de Nova York. Existiria maior investimento nos equipamentos, treinamento e acomodações da equipe, bem como um plano de restauração e retratação caso alguma nação sofresse danos. Não era algo perfeito, mas era algo assinado por 117 países e guiado pelas Nações Unidas. Aquilo devia contar como alguma coisa. Alguma prova que Tony Stark fazia o certo.

No entanto, a Conferência Sentinela era uma situação a parte. Todo mutante poderia ser considerado um aprimorado, mas nem todo aprimorado era um mutante. Além do mais, ser mutante não era uma escolha, era genética, e as pessoas com o gene X tinham um triste histórico de opressão e segregação. É claro que alguns se tornavam algozes e cometiam crimes, mas uma raça inteira não deveria pagar pelos erros de alguns. Agora, por conta de uma confusão novamente em Sokovia em uma fábrica farmacêutica destruída por extremistas mutantes, o assunto de policiamento, registro e prisão sistemática de mutantes voltava à tona.

Ele não achava que uma Conferência dessa magnitude devesse ocorrer a noite feito uma baile de gala com todas aquelas figuras influentes e políticos, com flashes, glamour e hipocrisia. Não deveria parecer uma festa, num salão tão grande e bem iluminado, com o vermelho do carpete sob seus sapatos italianos, com dezenas de pessoas bem vestidas de uma sociedade seleta. Ele franziu o rosto numa expressão desgostosa, os vincos de sua face acentuando-se a fundo na pele. Andou mais um pouco, ignorando as perguntas de repórteres e focalizando seu lugar reservado nas fileiras da frente, que desenhavam um imenso semicírculo ao redor de um grande palco. Não era diferente da estrutura de um congresso, mas a sensação era de se estar no meio da Expo de 2010, onde apresentaram robôs assassinos das Indústrias Hammer.

“Seus batimentos cardíacos estão aumentando, senhor. Eu sugiro que se sente e peça um copo d’água.”

— FRIDAY. — Ele cumprimentou sua Inteligência Artificial, sem se importar com os níveis de pressão arterial indicados pelas figuras nas lentes de seu óculos. Encarou as pessoas ao seu redor e indagou-se alguma delas acharia estranho que ele estivesse falando sozinho com a voz feminina que saia da escuta em seu ouvido direito. Nao importava.— Diga-me, é impressão minha ou você anda muito preocupada comigo? Por acaso desenvolveu alguma paixonite secreta por mim?

Ah, humor para mascarar o estresse. Existem maneiras mais saudáveis de lidar com tensão, senhor.”

Tony Stark pensou num copo de whisky e lençóis revirados pela manhã, hobbies do passado que não o levaram a lugar algum. Pensou também nas suas tentativas de salvar o mundo, salvar seus relacionamentos. Isso também lhe fez topar com um final sem saída.

— Eu construo coisas como Inteligências Artificiais que debocham da minha cara depois. Deveria tentar, acho bem terapêutico.

“Você poderia retornar a ligação da senhorita Potts. Sabe que ela anda preocupada com você desde…”

— Hoje não, FRIDAY. — Ele cortou o final da frase de sua secretaria virtual. Pepper soube da revelação na Sibéria, sobre como realmente Maria e Howard Stark morreram, e desde então vinha tentando conversar mais com Tony. Já tinham reatado o relacionamento, mas nao se sentia pronto para revirar o assunto mais uma vez. Ele tinha que digerir isso sozinho por mais tempo, sem falar que estivera ocupado no tratamento de Rhodes e acompanhando o meninote do Queens. Riri Williams também fazia parte do seu novo dia a dia. — Vou te trocar por uma Alexa caso se comporte mal. Arrisco até dizer que sinto falta da Karen. Ela é meio homicida, mas tem senso de humor.

“E eu sonhando com uma realidade tipo Her...”

— Her? O final do filme é deprimente. Espera, você tem realmente uma paixonite por mim?

Eu localizei pessoas que você conhece aqui na Conferência.”

Surgiram círculos amarelos acima de rostos nas lentes de seu óculos, somados a breves descrições de tais pessoas. Definitivamente ele não ansiava por outro encontro com General Ross, não para ouvir mais palavras ácidas e um toque nada elegante de ameaças.

— A maioria realmente não me interessa. Me pediram para ceder tecnologia Stark ao desenvolvimento do Serviço Sentinela, já que eu sou agora um cidadão subordinado a ONU. Pym também recebeu essa proposta por conta do acordo com aquele vigarista, Scott Lang. Recusou. Eu também. Só aceito uma ou outra proposta indecente.— Ele soltou um estalo com a língua. — Como se fosse obrigado a concordar com Sentinelas só porque isso envolve robôs e também acordos internacionais.

E porque você construiu Ultron.”

Um instante vazio recheado pelo som de conversas alheias.

— Eu acho que te odeio. Mas acho que está certa também. Onde está Visão?

Andar de cima, à esquerda, junto com a pequena equipe Mata-Capas. Os convidados não ficaram tão confortáveis com a presença não-humana dele aqui e ele decidiu que seria mais sensato lidar com futuros companheiros de equipe. Chamou aquilo de ‘experimentar uma confraternização profissional’, mas logo virá para sentar ao seu lado.

Tony não disse nada, mas o sabor em sua boca era amargo. Imaginava onde diabos se encontrava Natasha Romanoff, antes tão empenhada em se tornar uma figura pública sólida e confiável, limpar o vermelho da ficha. A verdade é que ele sabia que sua amiga guardava segredos e suspeitava que envolvessem um amigo dos dois: Rogers.

Ele alcançou seu lugar e encarou o nome na placa de papel grosso dobrado acima da longa mesa. Afinal pegou a garrafa de água gelada, despejou um gole para si no copo de vidro e matou sua sede. Isso lhe deu tempo para esfriar seus circuitos internos e recomeçar suas impressões sobre o lugar.

— Aquele é o T’Challa? — Repousou seus olhos por mais um instante no príncipe de Wakanda, acompanhado por sua general e por outras pessoas de expressões duras e preocupadas. —  Estão numa boa conversa para as caras sérias. Nunca ouvi mais do que três palavras numa mesma frase dele. Nem da general dele. Mal o reconheci conversando. Quem é o resto?

São pessoas do Instituto Xavier, Escola para Crianças Superdotadas. Vieram representar os direitos mutantes. Ororo Munroe, vice-diretora; Charles Xavier, diretor e dono da escola.”

— Tem um cara de óculos ali também, mas um bem ridículo. Talvez por isso ninguém tenha implicado com o meu.

Scott Summers.”

— E a ruiva bonitona ao lado dele?

Jean Grey.”

— E porque pessoas tão importantes quanto eles, que têm acesso a uma Conferência de nível internacional, tem tão poucos arquivos disponíveis pra eu ler?

A sequência de dados era rasa nas lentes cor de vinho de Tony Stark. Alguns outros ícones subiram na tela na cor laranja, mas nada além de gastos pessoais e nível de escolaridade de cada um. A escola era enorme e os gastos totalmente dispendiosos segundo o declarado para a Receita Federal. Tinha programas de intercâmbio e por isso conseguira uma aliança com o reino de Wakanda. Não existiam informações detalhadas disponíveis, fato que obrigou até mesmo FRIDAY a soltar um suspiro com sua voz artificial.

Suspeito. Continuarei pesquisando durante a Conferência. Nao vai cumprimenta-los?”

— Falta pouco para começarem a falar e tenho a impressão que eles estão bem entretidos sem mim. Além disso, aquele cara barbudo parece que quer tirar um pedaço de alguém.

James ‘Logan’ Howlett. Bom, dele eu tenho dados preocupantes, senhor…”

— Esqueça, todo mundo já está sentando. Entre em modo repouso e só me avise quando algo importante acontecer, e não, os tweets do Happy não são importantes. E Parker pode me esperar.

Senhor Stark…”

— Tchau, tchau.

A Conferência começou. As pessoas começaram a se sentar e logo o sintozóide rubro veio de encontro com Stark, vestindo roupas finas para a ocasião. Seus gestos não eram travados, mas ainda havia um quê de artificialidade que deixava as pessoas nervosas - exceto Stark. Ele já era acostumado com o jeito das máquinas, ao silêncio frio de olhos de vidro e o calor das forjas. Máquinas eram suas companhias frequentes.
Visão cumprimentou-o de maneira breve e pôs as mãos sobre os joelhos, muito calmo e cordato. O filantropo bilionário sabia o quanto ordem, organização, deixavam Visão satisfeito.

O burburinho da multidão cedia aos poucos e, apesar de Tony esperar por uma longa, chata e infrutífera conferência, o sintozóide inclinou-se para dizer algo que chamou sua atenção:

— Se não estou errado, senhor Stark, onze aprimorados se inscreveram para a função de Mata-Capas, mas apenas metade do grupo estava lá. Não são muito receptivos, porém.

— Por que? Não te chamaram pra jogar sinuca? — O sintozóide não mexeu a expressão, talvez processando ainda o nível de humor utilizado por Stark. — Eles acham que máquinas podem trapacear? Te chamaram de torradeira?

— Não, não. — Respondeu muito sério, sem se tocar que as palavras de seu criador não passavam de gracejos tolos. Tony não deixou de revirar os olhos. — Disseram que havia uma ameaça de classe D-1-5 nos arredores da cidade, mas que não era para nós preocuparmos. Resolveriam dentro de uma hora no máximo e somente essa equipe estava autorizada pelo Acordo a lidar com isso. Você acredita que...

Stark sentiu um arrepio na nuca, seu ansiedade atrapalhando sua garganta.

Nível D não era uma escala de A a Z. Quando veio o Acordo de Sokovia, elaborado por um extenso grupo de especialistas de diversos países, os níveis de ameaças mundiais foram estabelecidos pela equipe oriental e organizados por uma escala de cinco graus*, de “Lobo” a “Deus”, embora suas siglas fossem em inglês assim como o alfabeto fonético da OTAN . Lobo, ou apenas “W”, significava um nível de ameaça indefinido, porém usado para algo de menor impacto. Tigre, ou “T”, para um level maior de perigo. Demônio, “D-1”, seria o termo para alertar a destruição em potencial de uma cidade e sua população, enquanto Dragão, ou “D-2”, se referia a perigos que afetavam mais de uma cidade ou uma nação inteira. Deus, ou “G”, era o pior nível de ameaça de todos: algo terrível o suficiente para aniquilar toda a humanidade.
Cada grau ainda era subdivido em 5, um pior que o outro, portanto ouvir da boca sintética de Visão que haveria uma ameaça nível D-1-5, última subdivisão antes de chegar a nível Dragão, significava uma ameaça grande o bastante para destruir Zurique.
E se somente Mata-Capas poderiam enfrentá-los nesta situação…

Não quis pensar mais nisso. Não queria imaginar que Steve Rogers cometia mais alguma bobagem. A frase de Visão ficou solta no ar a medida que os discursos começavam.

Mesmo com os óculos para ter uma nova perspectiva, Tony não via o que Secretários de Defesa viam - e não era porque usava os óculos escuros no salão à meia luz, com uma grande tela ao fundo e telas menores que ilustravam os discursos nas mesas. Enumeraram casos, dos mais antigos aos mais recentes, onde mutantes foram responsáveis por desastres, crimes, cataclismas. Morte de JFK. Tsunami de 2004. Aumento de taxas de mortes no EUA e na França nos últimos 10 anos.

Eles - os mutantes - precisavam de ajuda. O Projeto/Serviço Sentinela, caso votado e homologado pelos países pertencentes a ONU, ofereceria programas de pesquisa e mapeamento do gene até mesmo durante a gestação. Seriam registrados devidamente para que pudessem se desenvolver como cidadãos de bem e para que acidentes fossem evitados. Cada país investiria bilhões em centros de monitoramento e segurança a fim de organizar melhor a vida da comunidade mutante e cada nova criança cadastrada no Serviço Sentinela receberia um chip subcutâneo. Existiria a possibilidade de mutantes trabalharem no próprio Serviço Sentinela para manter a ordem, o que garantiria paz entre as populações com poderes e sem poderes. O uso das habilidades individuais dos mutantes seria permitido somente em áreas designadas para tal, como escolas especializadas e uso militar autorizado e, caso a habilidade em questão desperte interesse da Ciência, o Estado teria então direito a convidar seu cidadão a participar de pesquisas voluntárias ou remuneradas. Aqueles que infringissem a lei, se considerados culpados em um julgamento ministrado por juristas especializados, estariam sujeitos ao encarceramento em prisões adequadas e longe dos civis. E mais, se o mutante em questão ocupasse posição de paramilitar no Acordo de Sokovia, seria tratado pela corte internacional e Mata-Capas. A Polícia teria auxílio dos Sentinelas, máquinas capazes de identificar mutantes e classificá-los para ajustar o grau de resposta em casos de combate. São titãs a serem postos em cada cidade, equipados com o que há de mais moderno da tecnologia e com um sistema sensível o suficiente para minimizar danos estruturais às cidades e também evitar confronto na presença de Homos sapiens.

Tudo para diminuir o pânico, para evitar a morte de frágeis vidas humanas que estavam sempre em risco.

As mãos de Tony Stark tremiam enquanto mais pessoas vinham palestrar sobre a “questão mutante”. Era possível ouvir algumas vozes reclamando da proposta, principalmente ao serem mostrados figuras dos projetos de construção das Sentinelas, e também era possível ouvir outras vozes reclamarem de tais reclamações. Stark teve a certeza que ouviu a voz de T’Challa se torcer em raiva e horror quando anunciaram a demonstração de cinco máquinas Sentinelas no salão. A mulher de cabelos brancos ao seu lado, vice-diretora do Instituto Xavier, perguntou em voz alta se sem o registro do Serviço Sentinela um mutante ainda seria considerado cidadão.

O que aconteceria com crianças que usassem poderes sem intenção? Seriam presas? Haveria idade mínima para as punicoes do Serviço Sentinela, sendo que o Acordo de Sokovia ainda não estabeleceu limites claros para isso?

Tony soube o que aquela Conferência significava. Vigiar. Explorar. Segredar. Oprimir. Combater. Punir.

Lembrou-se de Pete. De Riri. Até mesmo de Wanda. Jovens num jogo de interesses de organizações. Realmente seus óculos de lentes escuras enxergaram somente isso: tons carmesim de sangue.

— Senhor Stark… Sinto que essa Conferência trouxe mais conflito do que ordem.

— Somente máquinas devem ter códigos seriais, Visão. Não pessoas. — Stark disse, fazendo uma comparação entre os chips subcutâneos propostos aos mutantes e as sequências numéricas únicas de dispositivos digitais. A verdade é que a voz de Visão remetia a inteligência artificial JARVIS, que por sua vez era nome de um mordomo da família Stark. Tony lembrava bem que seu mordomo educado e zeloso só viera a América porque sua esposa era judia - e seu país de origem queria marca-la também, por motivos de segurança, disseram na época. Bobagem. Preconceito. — Sem ofensas, porque… Bem, você é uma máquina.

Independente das reclamações, seguiram com o cronograma e anunciaram a apresentação dos protótipos Sentinelas, para mostrar o quanto seriam perfeitos, o quanto seriam seguros e eficientes.

Foi nesse momento que houve lapsos de energia elétrica. Fendas se abriram no palco para permitirem a passagem dos robôs inanimados pelo chão, porém a operação falhou aos poucos conforme faltou luz. Tony bateu com a ponta do dedo no próprio relógio de pulso, a tela sensível ao toque oscilou seu sinal. FRIDAY não respondeu. Não era uma simples falha elétrica, era eletromagnética, e até Visão pareceu enjoado com aquilo. O que quer que fosse de repente passou, tão rápido quanto veio, e por fim silêncio. Os palestrantes tentavam retomar o ânimo e a atenção do público. As máquinas estavam paradas e ocas no palco, as pessoas se encaravam assustadas. Tony só conseguiu pensar na ameaça D-1-5 lá fora. À distância, ele e o príncipe de Wakanda trocaram um olhar de preocupação. Para completar o momento, algo ridículo: um celular tocando.

Demorou para Stark perceber que o som que cortava a quietude vinha de seu bolso: o celular que recebera de Steve Rogers.

— Senhor Stark?

— Não me espere acordado, Cortana.

Em meio a confusão, Tony Stark levantou-se da cadeira sem oferecer maiores justificativas a Visão, apenas uma referência a assistente virtual da Microsoft. Desviou de algumas pessoas, trombou com um funcionário que trazia mais água aos participantes da Conferência. Devido ao choque geral por conta da apresentação de robôs Sentinelas no palco, não foi difícil para ele se ausentar sem chamar mais atenção para si e ele podia se aproveitar da fama de fanfarrão. Os fotógrafos e repórteres tinham algo mais interessante para capturar com suas câmeras do que um engenheiro instável. Seus passos foram apressados, FRIDAY gritava em seu ouvido sem que ele se importasse. O celular continuou a tocar e tocar, o número do contato pulsando na tela.

Ele inspirou fundo. Pressionou a tecla verde. O celular estava colado na lateral de sua face, a boca se abriu sem um único som. Nada mais fazia sentido. Esperou que o outro lado desligasse. Não sabia se ouviria um simples “alô” ou um seco “Stark”. Teve vontade de xingá-lo, mas não sabia se realmente seria Steve ou se era engano. Apenas o Capitão América sabia daquele número, embora não fosse o número ou nome de seu contato a aparecer na tela. Caso se tratasse de alguma empresa de telemarketing, ele iria surtar.

Tony? — Som de algo distante. Interferência. A respiração no outro lado da linha era ofegante. — Tony, está aí?

Segundos de silêncio. O Homem de Ferro teve certeza que ouvia barulho de impacto ao fundo, talvez uma exclamação. Um combate. É claro. Ninguém no mundo apareceria sem mais nem menos sendo uma ameaça D-1 sem ser ele. Steve devia ter arrumado confusão por algum motivo estúpido. Talvez estivesse livrando aquela cara suja de Barnes de alguma enrascada bem merecida, coisa que ainda se encaixava como motivo estúpido.

Tony segurou o espaço entre os olhos com as pontas dos dedos, fechou as pálpebras. Mesmo sem o reator Arc no centro do peito e sem ser envenenado justamente por usá-lo, sentiu uma fisgada no coração.

Steve Rogers sabia.

Sabia como Maria e Howard Stark morreram realmente. E, nesses meses que o separavam, ele se perguntou como sabia. Talvez fossem aquelas pesquisas que não levou muito a sério que Capitão fizera junto com Sam Wilson, sobre a vida e o paradeiro do Soldado Invernal antes de criar Ultron. O fato é que sabia e decidiu não contar sobre como seus pais foram mortos. O fato é que decidiu Barnes ao invés dele e as marcas de tal escolha ainda doíam.

Engoliu seco, ouviu mais algumas vezes Steve chamar pelo celular. Queria que simplesmente pudessem comer shawarma como se nada tivesse acontecido embora tudo tivesse acontecido. Queria poder soltar gracejos sobre seu linguajar ultrapassado e correto, de sua fama de bom senhor e figura lendária. Queria poder chamá-lo de amigo de novo.

Tony Stark havia refletido muito no meio tempo em que se viram pela última vez, e também se forçou a não pensar. Apesar de muitos projetos fazerem parte de sua vida agora, como Pete e Riri, a verdade é que a Torre dos Vingadores era habitada apenas por silêncio e máquinas. Ele podia escolher o calor da raiva e do ressentimento, mas era estupidamente honesto para mentir para si mesmo. Soltou um suspiro.

Tony tirou os óculos escuros com uma das mãos enquanto segurava o celular com a outra. Parecia segurar outra coisa também, talvez raiva ou um par de lágrimas estúpidas. Estresse.Enxergava a situação sem lentes escuras e rubras, tudo de repente muito claro.

A legalização das Sentinelas era simplesmente perigosa. Errada.

Natasha. Clint. Steve. Todos. Ficar longe de seus amigos era impossível, fosse por escolha ou por mais uma missão que os obrigava a se juntarem.

— Fala, Doritos.

Um arquejo aliviado.

Tony… Eu preciso de ajuda. E preciso que me ouça.

Tony Stark teve a bondade de ouvir uma história catastrófica de um senhor americano com quase cem anos de idade.

 

O bilionário jamais duvidara da própria capacidade de solucionar questões matemáticas e acertar problemas estruturais em qualquer projeto que fosse, porém a história que Steve Rogers contou foi difícil de acompanhar enquanto ele passava, ao mesmo tempo, instruções  à Steve para que pudesse enviar provas de seus argumentos. FRIDAY, felizmente, cuidava dessa parte de administrar os downloads emitidos da aeronave em que Rogers estava, armazenando o conteúdo em seu relógio - que era muito mais que um simples relógio. Conversaram da melhor forma que podiam, entre falhas de áudio e interrupções. O que o engenheiro entendeu poderia ser listado em três pequenos parágrafos:

Zola, um cientista já falecido da HYDRA, era a figura por trás do Projeto Sentinela e também do suposto atentado contra uma fábrica farmacêutica.

Erik Lensherr, o mutante responsável pela morte de JFK, se encontrava em Zurique naquele exato instante para um acerto de contas com Zola.

A Conferência estava no meio do fogo cruzado.

— Ok, ok. — Ele disse mais alto do que pretendia. Ao fundo, algumas luzes ainda piscavam devido a falha de energia, mas o Homem de Ferro não gastou sua atenção ali. Precisava entender o raciocínio em meio a ligação falha e a voz um tanto ofegante do Capitão América.— Se eu entendi certo, temos que ajudar um cara mal porque senão um cara pior vai ganhar e todos os mutantes do mundo vão sofrer as consequências.

Exato, Tony. Agora, você..

— É tarde para dizer que… — Ele olhou para os lados por uma fração de segundos e continuou, mais baixo, embora mais urgente. — Que tem uma equipe inteira de Mata-Capas aqui?

Som de estática do outro lado. Falhas na voz.

— Rogers?— Piscou um par de vezes.— Rogers?

— ...Mata-Capas. Estamos desviando dos ataques, mas a aeronave vai tombar a qualquer momento. Nat! - - -

— Nat? Natasha está aí com vocês — Silêncio. Ele levantou o queixo, viu que o pânico entre as pessoas havia diminuído, porém existia uma movimentação sutil na multidão. Seguranças apressados, conversas sussurradas. Jornalistas saíam, mostrando suas credenciais. Nenhum repórter perderia tal Conferência se não houvesse coisa mais interessante lá fora.Mais uma vez Tony Stark cruzou o olhar com T’Challa, que parecia entender que o que se passava no ambiente não era natural. Depois olhou para Visão, e ele mesmo também parecia entender com seus olhos artificiais que algo não estava certo.

Ameaça D-1-5.

— ...Mandando cópias dos arquivos para você. Se não acredita em mim, olhe isso. Eu sei que falhei e talvez não me ouça, mas me coloquei à disposição pra te ajudar sempre que necessário. E agora sou eu que preciso de ajuda,Tony. Eu sei que é um homem bom. O melhor defensor da Terra. E você é meu ami - - -

A ligação caiu, veio somente o toque da linha vazia e muda.

Os olhos de Tony Stark estavam muito abertos, sua garganta seca. Ele encarou a tela do celular antiquado por segundos que pareceram intermináveis, como se por sorte pudesse vir outra ligação, desta vez limpa e clara, com Steve Rogers dizendo que era seu amigo.

O aparelho em sua mão era pesado. Fechou-o.

Senhor? O download foi concluído com sucesso.”

À despeito da voz agradável e cautelosa da Inteligência Artificial, Tony não lhe deu atenção num primeiro momento. Sua cabeça estava zonza, sua mente disparava inúmeras variáveis e incógnitas. Zola era uma máquina, certo? Ou ao menos era agora. E o tal do Lensherr tinha poderes magnéticos. Era fácil calcular o vencedor, tanto que nenhum de deles, Steve, Natasha, Wanda ou ele próprio, precisava se envolver nisso. Era só deixar esses dois se enfrentarem. Mas ele não era ingênuo para tais pensamentos amenos e estúpidos, bastava enxergar a situação por uma perspectiva mais realista: Um mutante aparece do nada no mesmo dia em que Zurique sedia uma Conferência para a aprovação do Projeto Sentinela. Esse mutante, já acusado e preso pelo assassinato do presidente americano em 63, destrói um banco. Mata-Capas são acionados. Há aprimorados foragidos na cena. Talvez alguém morra, algo certamente é destruído. Torna-se claro que é necessário o Projeto Sentinela. Ele é aprovado. Vigilância, julgamentos e punição pelas mesmas mãos. Todos iriam perder.

Senhor?”

Ele colocou de volta os óculos escuros.

—FRIDAY, consegue localizar a aeronave em que Steve está?

“No centro de Zurique e perdendo altitude com rapidez.”

Na lentes escuras projetou-se a imagem do mapa da cidade suíça e o vetor que simbolizava o veículo do Capitão América.

— Queda livre?

“Não. A trajetória indica que é um pouso forçado, a aeronave claramente foi atingida. Porém é controlado e não vai atingir nenhum dos prédios da região. Os passageiros sofrerão apenas ferimentos leves.”

Ele soltou um bafejo no meio de um sorriso.

— Natasha está pilotando. Mídia?

Afastada do local por conta de dificuldades para transmissão de imagens e pelo perímetro aberto por policiais em torno do Banco RedSkull. Até agora só o movimento de alguns jornalistas e videos amadores de civis.”

— Então os olhos do mundo ainda estão aqui?

Sim.”

Ele inspirou fundo e encarou o salão enorme, o palco com robôs imensos e homens pequenos ao seu lado, um tão oco e artificial quanto o outro. Reluziam à luz de flashes ocasionais, pois é claro que fotógrafos queriam a melhor imagem da Conferência e seu contratempo envolvendo falta de energia, além dos protestos de representantes dos direitos mutantes.

Recordou-se do momento em que parou de vender armas. Todos ficaram chocados, as ações da empresa Stark despencaram, teve até uma discussão com Pepper. Era um paradoxo, pois todos condenavam um vendedor de armas, mas nunca seus compradores, seus clientes. Não raramente, para não dizer quase sempre, o governo dos Estados Unidos. E todos o condenaram quando parou de fornecer bombas e balas.

Então ele participou de um grupo. Os Vingadores, os heróis mais incríveis da face da Terra - e com os problemas mais pesados de todos, aparentemente. Eles salvaram o mundo, mais de uma vez. E erraram também. Foi quando seus olhos testemunharam visões do espaço e de coisas que um ser humano normal não precisaria ver em vida, coisas que lhe deram uma agonia de proteger o mundo com um escudo, uma armadura. O erro veio sob a forma de estruturas metálicas e o nome Ultron.

A condenação foi geral, afinal, a capital de um país inteiro se elevou na atmosfera e precisou ser explodida pra não acabar com a vida restante do planeta. Pessoas morreram. Eles precisavam se conter, entrar na linha. Assinar o Acordo Internacional de Sokovia parecia ser um gesto são, talvez até de humildade para o irreverente, rico e caótico Tony Stark. Achou que isso os aproximaria, ele e seus amigos disfuncionais.

Mas eles o condenaram também.

Agora recebeu uma ligação da pessoa que mais o feriu naquela confusão, uma ligação e um pedido. Steve, a figura da qual seu pai não poupava adjetivos para caracterizar. A lenda. Seu amigo, o homem que representava não o que a América era, mas o que deveria ser. E se ele, Defensor da Liberdade, conseguia fazer o certo ao mesmo tempo que infringia a lei, Tony Stark conseguiria fazer o mesmo ainda dentro dos limites estabelecidos pelo o Acordo de Sokovia. Ele era bom em encontrar brechas em um amontoado de palavras sobre um papel.

Steve Rogers poderia permanecer como a figura intocável de perfeição em livros de História e no imaginário coletivo, Tony não passava de figura recorrente nos tablóides. Por ele, tudo bem. O mundo precisava de uma diva e um bode expiatório.

Ele seria condenado. E ele faria a coisa certa.

Não havia se passado mais do que cinco minutos para que juntasse os pedaços dessa estrutura sempre em manutenção que era sua consciência. Hoje, suas engrenagens giravam rápido.

— FRIDAY, enumere os arquivos enviados pelo Steve.

Fiz isso enquanto o senhor olhava para o nada e tomei a liberdade de listar quais cláusulas da Lei cada um fere.”

— Minha garota. Parece uma lista longa. Exiba os mais importantes na tela dos meus óculos enquanto dou uma palavra com meu amigo príncipe. Ah, e analise com informações cruzadas de qualquer banco de dados que tenha acesso. Se conseguir nomes, eu quero saber.

Qual é o plano, senhor Stark?”

— O que faço melhor, querida. Um show.


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Notas finais do capítulo

*Os níveis de ameaças foram completamente picotadas do One Punch Man, um anime muito legal que dá pra ver na Netflix ~ e em outro qualquer site de filmes, séries e animes da internet hahah Eu achei interessante as classificações do universo do anime, bem como as classificações de heróis. É uma versão saudável do Acordo de Sokovia, apesar de algumas falhas evidentes.

*Cortana é uma assistente virtual tipo Siri ou Alexa. E sim, eu amo a FRIDAY e a Karen hahah

*Oh-oh, são os X-Men? Parece que são ♥

*Pensaram que eu nunca iria retratar o Tony nessa fic, huh? Errado! Ele não é um cara mal, é só um cara que tomou algumas decisões ruins e tem temperamento difícil. Se Pepper Potts pode amá-lo, nós também podemos.
Só não esperem grande participação eloquente do Visão, ou ao menos não nessa parte. Quem sabe mais para frente?

*Tô tão animada para mostrar a equipe de Mata-Capas para vocês. Só galera que não apareceu em filmes ainda hahaha

*O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela HYDRA. Caso encontre algum erro, favor reporte à Shalashaska.



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