Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 54
LIV


Notas iniciais do capítulo

04/07/2018 - Hoje (na verdade ontem, mas passou pouco da meia noite) é aniversário do nosso muso, Steve Rogers! ~ É claro que o Capitão América faria aniversário em pleno 4 de Julho, não? hahah
Apesar do capítulo não ser focado nele, teremos aqui uma atualização para vocês, meus queridos leitores e leitoras ♥
Boa leitura!



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Ela está bem.”

Wanda ouviu uma voz conhecida dizer perto de seu ombro, ou melhor, dentro de sua cabeça. Não foi um som que ecoou no ambiente. Ela não assustou-se, embora tenha virado o rosto na direção onde supostamente viria a tal voz.

Lá estava ela, idosa e lilás, feita de névoa.

Eu gostaria mais de você explicasse as coisas, Agatha. E que as dissesse antes que problemas acontecessem.”

“Jamais menti para você, Wanda. Tudo o que sei, lhe passo na hora em que precisa saber. Nao antes e nem depois, no instante perfeito. Existem coisas que é necessário preparo para se ouvir.”

“Ainda assim… Sinto que eu poderia ter poupado muita dor. Você me diz que, além de tola, sou poderosa. Que notou minha magia latente há alguns meses. Não poderia ter me ajudado antes?”

“Eu lhe disse, Maximoff. Passo muito tempo na Travessia da Bruxa tentando resgatar a alma de Natalya, e quando não estou lá, transito em planos diferentes para conseguir uma solução. O que meus olhos velhos não podem ver, Ebony pode. O coitado, porém, é um gato e com suas nove vidas quase no fim. Nós não a conhecíamos...E foi trabalho e tanto investigar sua relação com a Montanha Wungadore. Só enxergamos sua magia como algo autêntico nos últimos meses, como falei a você no nosso primeiro encontro. Achávamos que ‘Feiticeira Escarlate’ era apenas um nome chamativo.”

Wanda assentiu lentamente, sem rir dessa última parte.

Eles podem nos ouvir?”

As duas encararam brevemente os dois homens na sala de jantar.

Não. Desta vez sou realmente uma mera voz em sua cabeça.”

“Eu não sou grata por todo esse sofrimento. Toda essa… Antecipação pra saber coisas terríveis e no fim descobri-las de forma cruel. Não sinto que tive preparo real, tanto para essas conversas quanto para as desventuras da minha vida. Não foi algo belo, foi só dor.”

“O sofrimento vêm. Às vezes nos sentimos preparados, às vezes não. O fato é que existem momentos em que ninguém poderá fazer a caminhada por você. E não, não é belo.” Deu de ombros. “Por si só, o sofrimento não enobrece ninguém, mas nobres são aqueles que modificam a si próprios face à ma tragédia inevitável. Ver sentido na vida, mesmo na miséria, é essencial para se continuar vivendoNão encare isso de forma pessimista, minha cara. É só uma constatação. O importante é o crescimento depois disso. E você cresceu muito nesses últimos meses. Veja, criança. Suas mãos tremem agora, mas não seu espírito. Você vê algo. Um sentido, talvez. Ou a mera ideia de um sentido.

“Uma amiga disse algo parecido enquanto falávamos sobre ballet. O que muda não é o exercício, é seu desempenho. E eu mesma, diante de um problema certa vez, disse que o nao poderia controlar o medo dos outros, mas poderia controlar o meu.” Uma pausa. “Obrigada.”

Ela disse por fim, feito uma roseira grata por parcos botões de flores em meio a tantos espinhos. Agatha sorriu e de seu corpo vieram ondas das brumas, vistas somente pelos olhos verdes da Feiticeira.

Então é isso? Veio me dizer que Shuri está bem. E parabenizar-me por não perder totalmente a sanidade.”

“Senti seu nervosismo e vi que era relacionado à princesa de Wakanda. Conferi com meus próprios olhos ela ser socorrida pelas Dora Milaje em seu país e sei que ela vai ficar bem. Ebony está procurando quem fez isso”

“Mística, uma mutante transmorfa. Raven Darkeholme. Talvez ainda esteja Wakanda, então é melhor tomar cuidado.”

“Nomes são bons para localizar pessoas. Ebony cuidará do resto.”

Wanda soltou um longo suspiro.

“Saber que Shuri está bem torna minha decisão mais fácil.”

“Qual decisão?”

A jovem colocou a moeda de prata na palma da mão direita, sorvendo de seu reflexo obtuso nos entalhes. O olho no verso pareceu piscar.

“Eu vou levar todos nós até Zurique.”

“Oh, querida…”

“Eu só precisava decidir se eu logo iria para a Cidade Dourada em Wakanda depois. Para vê-la. Para salvá-la. Vou confiar que Shuri seja realmente dura na queda.”

Wanda esperou uma reprimenda por parte da anciã, pois não tivera mais do que uma aula e as sessões de treinos com objetos pequenos progredia aos poucos. Teletransportar todos para uma regiao longe e desconhecida era um risco tremendo. A reprimenda, no entanto, jamais veio da boca de Agatha Harkness:

Você não vai precisar dessa moeda tola. Não a dei para substituir um anel tolo que alguns magos usam. Lhe dei como uma ferramenta de treino, uma muleta. Está na hora de largá-la então.”

“Vai doer?”

“Um pouco. Vou fazer o possível para que não te afete tanto. Ebony me disse que vomitou da outra vez.”

“É, eu pretendo não fazer uma cena na frente de todo mundo.”

“Mas devo dizer que não é algo que deveria fazer sozinha. Isso é insensato da sua parte e é bom que eu esteja aqui.”

“Seu gato preto já narrou todo os perigos de abrir portais e teleporte. É uma situação horrível pra mim, é verdade. Mas sei meus limites. E sei quando eles não existem. Eu posso fazer isso.”

“Bom, bom.” A velha sorriu por um segundo, depois voltou a seriedade e se pôs de frente a Feiticeira Escarlate. “É melhor avisar seus colegas.”

É claro.” As duas bruxas se encararam por mais um tempo. Wanda achava estranho como pudera confiar na estranha anciã que viera lhe dar lições de magia e ética em sua forma astral. Agora jazia com uma moeda de prata na mão, uma marca mágica no antebraço e uma firmeza que há muito não cultivava - ou então não cultivava da maneira certa. Usou seus poderes de maneira leviana em momentos anteriores, ela admitia isso, sempre levada pelas emoções. Ira. Luto. Medo. Tristeza. Agatha Harkness estava ali, nem sólida e nem névoa, inteira púrpura. Serena. Seus sorveram de tal cor com mais atenção, enfim sentindo o tom que era a combinação do vermelho vivaz e sóbrio azul. Transmutação. Sabedoria, embora um tanto sarcástica. Mudança, ao menos para Wanda, que conservara humildade o suficiente em seu coração para saber que certas coisas não poderia fazer sozinha, embora também carregasse orgulho ao não pedir ajuda. O fato é que precisava e o socorro se ofereceu sob diversas formas, sob diversas cores que a iluminavam feito um imenso vitral. Azul, rosa,  amarelo, terra, pérola, metal, preto e agora púrpura.

“Quando acabarmos…” A Feiticeira Escarlate disse. “Quando essa missão for concluída e tudo estiver mais calmo, se ficar mais calmo, irei até sua casa. E então nesse momento vou escutar o que tem a dizer sobre a Montanha Wungadore, sobre Natalya e Magda.”

“Há muito o que escutar, menina, e você vai encontrar um quarto bom e uma lareira acesa quando chegar. Você já sabe que é infinita, vai ver então o que essa infinidade é. A marca mágica em seu braço já está se desfazendo, mas sei que vai encontrar meu lar. Você sempre encontra um caminho.”

Wanda piscou, suas íris num tom morno em brasa. Foi nesse instante em que Steve e Natasha retornaram ao cômodo, afoitos e grunhindo reclamações ininteligíveis. Bucky diminuiu o som do noticiário na TV.

— Conseguiram algo?

— Nada além de chiado. — Sam respondeu. O Capitão América afirmou, um suspiro ansioso preso em seu tórax. Ele trocou um olhar com a Viúva Negra, depois encarou o transmissor ultrapassado em cima da mesa de jantar. — É como se nossas mensagens não chegassem. E vocês?

— Silêncio. T’Challa nao atende, acredito que as solenidades do evento tenham começado — Natasha afirmou pelos dois. Houve uma pausa desconfortável. — Mística fez mais do que nocautear a princesa Shuri, só me surpreende que tenha sido algo tão rápido.

—Mas foi inteligente. Digo, — Sam desligou o aparelho, desistindo afinal. — Foi algo que minou nossa comunicação. Talvez o inverso seja verdadeiro, talvez não consigam se comunicar de lá da Conferência.

— Faz sentido, mas… Sinto que há algo a mais que isso. — Era notável que os pensamentos de Steve atribulavam-se um nos outros, buscando uma forma de sair daquela situação. Não conseguiriam se deslocar até Zurique a tempo, agora não conseguiam transmitir mensagens para lá. Ele aproximou-se da mesa, das provas que captaram na Base ao Norte de Sokovia e algumas informações deixadas por Belova. Ali havia um mapa de bases utilizadas para experimentos, ao que pensavam até então. Nada confirmado sobre a finalidade daquelas bases terríveis  Nove pontos marcados, três na Europa, três nos Estados Unidos, dois na Ásia e um na África, todos próximos a centros importantes de tecnologia e comunicação. Belova, nas anotações que deixara, não estava certa do que ocorria ali, no entanto tinha razões para acreditar que se tratava de algo sobre Zola - e portanto mantinha-se afastada de tais lugares o máximo possível. — Alguma notícia sobre queda de comunicação na Suíça, algum satélite ou…?

— Negativo. Algumas emissoras relatam problemas técnicos, mas nada específico. — Bucky trocou os canais mais para frente. — A maior parte dos noticiários está focada na Conferência em Zurique e até o momento existe transmissão lá. Então não podemos dizer que aconteceu algo na região.

— Natasha. —  Steve aproximou-se da mesa. — Por onde você disse que o nosso sinal, aqui do apartamento, é retransmitido?

— Estônia. Tallinn, a capital, para ser mais específica. A função é repassar nosso sinal para pontos mais distantes sem perder tanto a qualidade.

— Tallinn é próxima a um dos pontos marcados no mapa. — Ele apontou, relacionando os dados que tinha com os deixados por Belova. — E se foi desligado pela Irmandade de Magneto, mas não afetou totalmente a comunicação em Zurique, isso servirá para outra coisa. Contenção, acredito. Se todos esses nove polos de tecnologia ao redor do mundo forem válvulas de escape para Zola, e Zurique for justamente o ponto principal…

— Magneto vai cortar a cabeça e o corpo da HYDRA de uma vez só. Desligou já o backup. Falta o principal.

— É. — Natasha concordou com Sam, porém logo fez um contra-ponto. — Mas ainda existe midia com recursos funcionando para demonizar os mutantes e o Serviço Sentinela para esmagá-los. Sem falar dos Mata-Capas.

— Tony vai ajudar quando souber o que está acontecendo de verdade.

— Isso se ele der oportunidade de nos explicarmos. — Bucky retrucou o argumento usado pelo melhor amigo. Até então Wanda não tinha notado grandes oscilações no humor de Bucky, tirando o fato dele se preocupar com Shuri, mas assim que Steve mencionou o Homem de Ferro, sua irritação foi notável. Era um eco do que aconteceu no ano anterior, pois Tony Stark não deu brecha para que Steve esclarecesse a situação de Viena e sobre Zemo - mesmo que isso tenha custado muito a todos os lados.

Steve inspirou fundo, Wanda estranhou. Parecia lutar contra algo dentro de si, no entanto, Steve Rogers não era um homem de dúvidas ou meias-palavras. Existia alguma coisa na ponta de sua língua, alguma coisa enterrada pela urgência dos problemas.

— De qualquer modo… — Natasha interrompeu maiores argumentações. — Não conseguimos viajar à Zurique e até o momento não conseguimos falar com ninguém.

— Eu posso nos levar até lá. — Houve certa surpresa em ver Wanda se pronunciar numa discussão tática do grupo. A jovem se aproximou, tímida. Encarou por breve instante a figura de Agatha, visível somente a seus olhos, e a mestra assentiu para encoraja-la. — Tenho,  huh, treinado meus poderes.

— Você… — Bucky franziu a testa. — Você tem certeza?

— A gente pode voltar na parte em que você conta pra gente que, além de levitar coisas,  lançar rajadas de energia e toda a parada telepática, você se teleporta também? — A voz de Sam Wilson estava entre o encanto e a indignação. — Quando começou a fazer isso?

— Eu… Hã, tentei antes dessa missão. E durante ela também, no vilarejo próximo a Novi Grad, no chalé de Belova. Bucky viu. Eu consegui. E… — Não soube como demonstrar confiança no método sem dizer esquisitices, nem mencionar Agatha Harkness. Por mais que ela estivesse ali para auxiliá-la, mencionar seu nome e sua ajuda complicaria ainda mais as coisas, custando um tempo que não tinham. Eram segredos demais para se despejar em seus amigos de uma só vez.— Sei que vou conseguir nos levar até Zurique.

— É muito longe. — Steve disse, dando um passo para mais perto dela. Seu rosto era neutro e até um tanto cauteloso, ainda que Wanda pudesse ver a injeção de expectativa nele. Seus olhos brilharam de maneira distinta. Esperança. — E você está cansada, ferida.

— Eu estou sim. Ainda dói um pouco para andar. — Admitiu, referindo-se aos hematomas no corpo - principalmente àquele que se formou na lateral de seu tronco quando um dos Sentinelas a jogou para cima durante o combate. — Mas eu sei que consigo e sei que preciso fazer isso.

O Capitão América desviou seu olhar do dela, buscando aprovação dos demais companheiros de equipe. Sam deu de ombros, achando aquilo incrível e bizarro, Bucky era um poço de reticências. Ele iria aonde eles fossem, seja por trem, avião ou feitiçaria. Natasha incomodou-se, afinal jogando na conversa o motivo por qual Steve pareceu incomodado por Bucky duvidar de Tony:

— Rogers. Você ainda tem o celular, não tem? Pra ligar de volta para o Tony. Eu sei que é um último recurso, mas… Mas é melhor do que sujeitar Wanda a esse esforço.

— Que celular? — Falcão franziu os cenhos.

— Arranjei dois celulares. Um eu dei à Tony para que ele ligasse para o meu quando… Quando precisasse de ajuda, só que não tenho o mais. Perdi em Sokovia. Acho que foi destruído. — Houve silêncio. —  Mas sei o número do outro celular de cabeça, o par que demos a ele. O problema é que...Não sei se ele vai atender. É isso que me causa mais medo. E, ainda que atenda, não conseguiriamos passar provas pra ele de através uma ligação.

Natasha assentiu levemente. Encarou o transmissor de Yelena na mesa, escutando o ruído de estática, cujo som gradualmente aumentava. A televisão apagou-se e acendeu-sem sozinha, bem como as lâmpadas do apartamento. Das imensas janelas, foi possível enxergar as luzes de postes e prédios oscilar. Pensou em voz alta:

— A interferência na comunicação já é forte o suficiente para fragmentar transmissão de arquivos. Só mandar as provas através do sistema da aeronave para Tony não vai adiantar.

— Parece com o que houve a Alemanha antes, mas numa escala maior. — Sam comentou durante as indas e vindas da eletricidade. — A perícia constatou que Zemo mandou uma bomba PEM para a Central de Energia para ter acesso a Bucky quando ele, aliás, quando todos nós estamos sob custódia.

— Precisamos estar onde Tony está para explicar o que houve. — Steve suspirou.

Wanda engoliu seco, Natasha assentiu levemente. A russa virou-se para a bruxa e disse:

— Vamos fazer isso com a aeronave. — Concluiu, afinal todos concordando com a ideia. A interferência não permitiria só se comunicar com Tony e T’Challa não atendia. Ir até lá era a única opção, mas custaria três horas de voo. Teletransporte pareceu algo estranhamente viavel. — Assim não corremos o risco de aparecer onde não devíamos, mesmo que seja no ar. Ou é grande demais para… Você sabe, fazer sua magia?

— Não. — Respondeu por reflexo. Somente então encarou Agatha, quieta até o momento.  Ela ergueu as sobrancelhas, mas deu um sinal afirmativo. Felizmente ninguém notou que Wanda havia olhado para um ponto que supostamente estava vazio. Mais confiante, repetiu: — Eu consigo. Eu consigo sim.

— Estou sem minhas asas. — Sam comentou. — É bom que tenha paraquedas na aeronave de T’Challa, caso algo dê errado. Sem ofensas, bruxinha.

— Certo, time. — Steve retomou dianteira da conversa. — Se aprontem. Nossas roupas estão aqui no apartamento, mas os dispositivos danificados na missão anterior serão repostos com o que Natasha trouxe. Vou levar esse documentos e provas até o painel da nave e preparar o navegador. Vamos.

Sam suspirou, Natasha também.

— Eu vou ser ainda mais odiada pelo Congresso.

 ***

Wanda estava no centro da aeronave quando ergueu os braços de maneira lenta, cerimoniosa. Estavam todos ali dentro, pairando no céu gélido e noturno de São Petersburgo. As luzes  Sam e Natasha iam nos assentos dianteiros, responsáveis pela navegação, enquanto Steve e Bucky cuidavam dos últimos retoques dos equipamentos. Wanda pode sentir a tensão entre os presentes, por mais que todos agissem - ou ao menos tentassem agir - de forma despreocupada. A verdade é que eles confiavam que a Maximoff tinha a capacidade de fazer o que era necessário, mas existia medo das consequências e também pelo fato que era uma habilidade nova e pouco treinada da jovem. Seria algo explicado pela lógica depois, em testes que podiam medir radiação e eletricidade? Segundo a Ciência, o conceito de teletransporte incluía a cópia e aniquilação de matéria. Não parecia algo indolor e isso definitivamente não trazia paz aos Vingadores Secretos. Ou tratava-se de pura magia? Independente da resposta, eles já haviam visto coisas terríveis - como Buracos de Minhoca trazendo aliens para Nova York e uma máquina com consciência autônoma e ímpeto genocida. Eles podiam lidar com um feitiço de Wanda Maximoff.

Ela respirou lentamente, seus dedos inquietos e envoltos em magia rubra. Capitão América conferia os escudos retangulares em seus antebraços, acoplados na vestimenta, quando parou para vê-la. Bucky, até então entretido com as armas wakandanas, fez o mesmo.

Era estranho para ela se sentir observada, mais estranho ainda era saber que existia mais alguém na nave sem que os outros soubessem: Agatha. Ela estava parada à sua frente, em névoa e seriedade, espelhando movimentos iguais aos seus para auxiliá-la a teleportar todos para o local correto e com segurança. A equipe mostrou fotos da cidade de Zurique para aprofundar a ideia que Wanda tinha do local e as torres da Igreja Grossmünster pareciam um lugar fácil de fixar na cabeça. O plano era teleportar acima da Igreja próxima ao rio. Agatha disse que, numa primeira vez ao teletransportar algo muito grande e muito distante, era melhor ter um vínculo com o lugar, alguém ou uma imagem clara do local, mas afirmou também  que não teriam problemas - pois ela costumava visitar tal cidade por um evento quinquenal de feiticeiras.

“Está se distraindo.” A mestra ralhou com ela, obrigando-a fechar as pálpebras. A jovem mergulhou mais no estado de concentração, sentindo algo no meio de seu tórax esquentar. Sua aura transbordava a cor escarlate, suas mãos tocavam os limites do mundo. De repente o chão pareceu desaparecer sobre seus pés, como se ela tivesse caído da própria realidade que a mantinha ancorada sob a terra. “Não se assuste. O frio no estômago é normal. Só… não faça a bagunça de querer pular para o ano de alguma memória. Se concentre no agora, mesmo que não seja no aqui.”

Engoliu seco. A moeda de prata estava de novo na moeda sob seu traje preto e vermelho, hoje um tanto desgastado pelo combate no Norte de Sokovia, e ela tinha a impressão que se sentiria mais segura se pudesse vê-la flutuar no ar como da primeira vez que teletransportou-se no cemitério. Foi o truque que aprendeu, a ilusão tola que Ebony afirmou não fazer sentido e que Bucky a ensinou na prática. Concordava, porém, que era bom não depender dela ou do tal anel que Agatha fazia questão de sempre mencionar.

Agora as mãos dela estavam próximas ao corpo e na altura de seu diafragma, segurando uma esfera de energia escarlate. A luz pulsava como um coração forte e se diluiu em meio ao ambiente quando a Feiticeira afinal esticou os braços e envolveu todas as coisas com sua aura. Ela soltou um arquejo curto, contido, o que despertou a atenção de Bucky Barnes. O soldado arregalou os olhos, apenas respirando.

A verdade é que ela segurava o eterno com suas duas mãos mortais e aquilo parecia escorrer para dentro de suas veias.

Sentia a textura da nave como se seus dedos deslizassem sobre sua carapaça e suas sinapses fizessem parte de seu circuito elétrico. Os pensamentos preocupados e azuis de Steve eram seus, assim como o riso eclipsado de Sam e sabor doce-azedo de Natasha. A reticência de Bucky era o que sua boca não dizia, suas emoções um espelho. A sabedoria de Agatha era sua, desfiada em brumas com cor e cheiro de lavanda.

Menina…” O tom da idosa era um alerta carinhoso. “Foco. Não existe necessidade de se apegar a sensações tão passionais, talvez seja esse seu vício. Venha comigo, vamos transpassar a realidade com nossas mãos.”

Wanda se distanciou dos sentimentos que subiam seu esôfago e seguiu a cor púrpura, sentido sua condução sutil como Ariadne, a que seguiu o fio só novelo de lã no labirinto no mito grego. A realidade em seus dedos se mostrou como algo que não era sólido, só não soube dizer se era liquido ou névoa ou se fugia inteiramente desses conceitos. Era moldável, ainda que abstrato.

Wanda, não tenha ideias.” Agatha disse mais severa ao notar os devaneios terríveis da jovem para desfazer o que foi feito, para deletar uma cova e restaurar as cores azuis e prata em sua vida. “O que disse para não bagunçar no tempo?”

“Eu sei, eu sei… Foi só por um instante.”

Ela afinal colocou suas próprias emoções de lado. Via o agora, via a possibilidade de folhear cada ponto no espaço e escolher a dedo. Teria sido mais fácil se conectar a Zurique se conhecesse alguma sinagoga lá, mas a condução de Agatha somada a imagem que fizera do lugar foram suficientes para enxergar os contornos da construção mesmo com os olhos fechados. Não esperava, porém, a fisgada em seu tórax. Um eco de seu coração com o de outra pessoa, em um ponto distinto da cidade, que batia no mesmo compasso que o seu. Vermelho, forte, violento.

“Você disse que não conhecia ninguém em Zurique.” Agatha comentou, sua voz um tanto distante. Wanda realmente havia dito que não existiam conexões fortes a alguém ou lugar em Zurique, pois quem conhecia estava na Conferência Sentinela. Apesar de ser amiga de T’Challa, não podia dizer que tinha conexões profundas com ele e as conexões que tivera com Tony e Visão despertavam memórias ruins. Não seria bom trazer aquilo para o momento presente. “Eu sinto laços de sangue.”

O eco que sentiu foi diferente do que a lógica lhe fazia pensar. Vagamente familiar e Wanda tinha suspeitas de quem se tratava, no entanto não se distraiu com aquilo.

A luz que tudo banhava em vermelho tornou-se intensa.

— É normal sentir a cãibra na perna direita?

— Sam. Você sempre sente cãibra.

— Não, Nat. É na perna esquerda. Isso é outra coisa.

Houve um suspiro, logo em seguida Steve disse abismado:

— Por Deus. Está realmente acontecendo.

Wanda abriu as pálpebras, seus olhos completamente rubros e luminosos. A realidade ao seu redor entrou em colapso, soltando riscos tortuosos como relâmpagos e padrões geométricos em torno da feiticeira. Ela rangeu os dentes, focada. Seu crânio pareceu se dividir exatamente em dois por um corte vertical.

E enfim estavam sobre o céu de Zurique, Suíça, e acima das duas torres da famosa igreja Grossmünter.

Ela caiu de joelhos, ofegante e exausta, sua visão embaçada. Ao menos não teve vontade de vomitar na frente de todo mundo, embora não achasse que sua mente estava dentro do lugar certo, nem seu espírito. Sua pele parecia se fundir com o universo, seus ossos tremiam. Seus ombros foram amparados pelo toque gentil de Bucky Barnes, mas seu rosto virou em direção a Agatha Harkness.

Querida.” Ela disse. “Eu parto agora, pois existem outros assuntos que exigem minha atenção. Não contará com a minha ajuda agora, mas até aí… Não é como se precisasse.”

— Não, eu… — Ela balbuciou em voz alta, o pescoço um tanto mole enquanto Bucky tentava a levantar, colocando o braço dela ao redor de sua nuca. Içou-a devagar. — Não consigo fazer isso sozinha. Não vá.

Quando vier a minha casa, irá executar tarefas para aprender e terá direito a perguntas, cujas respostas não sei se possuo.” Então, com um aceno breve e um sorriso, ela começou a se desvanecer. “Adeus.”

— Adeus.

Bucky a colocou sentada em um dos bancos acoplados na parede da aeronave, cruzando um cinto de segurança sobre seu tronco para mantê-la ereta enquanto ia buscar o cantil de água. Temeu pela sanidade dela ao ouvir os murmúrios indistintos de sua boca, talvez numa prece, numa memória ou na pior das hipóteses uma alucinação. Será que sua boneca viu Pietro? Ou então seus pais? A resposta era incerta, mas ao menos ela parecia recuperar mais a vitalidade a cada gole.

— Nós realmente estamos sobrevoando Zurique. — Natasha comentou, manobrando o veículo aéreo. O modo camuflagem estava ligado, mas nenhum deles queria vacilar e ser pego ali, logo na noite em que a segurança era assunto e existiam Mata-Capas na cidade. — Eu esperava algo mais…

— Doloroso?

— Isso mesmo, Rogers.

— Ou então que tocasse “Shooting Stars” durante o processo.

Bucky viu o punho da Viúva Negra atingir o ombro de Sam Wilson de maneira amigável, ainda que forte, nas poltronas dianteiras da nave.

— Bem, — O Capitão América olhou para a sokoviana e ajoelhou-se ao seu lado, para ter os olhos na altura dos dela. — Você fez um trabalho incrível, mas precisa se recuperar agora. No mínimo por alguns minutos. O melhor é ficar aqui enquanto resolvemos isso. Em teoria vamos apenas entregar provas e… E conversar com Erik Lensherr.

— Vão precisar de mim lá. —  Ela tossiu um pouco da água, tapando o engasgo com as costas da mão. — Uma telepata. Eu sinto que… Eu sei que Erik já está aqui.

— Ela está certa. — Bucky deu de ombros, irritado justamente por isso. Queria que descansasse, estava debilitada demais. — Uma telepata para convencer a ninguém fazer algo estúpido.

— Concordo com ele, Cap, — Sam assentiu.

Um longo suspiro. Steve deu alguns passos para a frente, apoiou-se com as duas mãos sobre os painéis. Deu a si alguns instantes em silêncio até que endireitou a coluna e abriu uma nova aba na tela, selecionando o sistema de comunicação da nave. Digitou uma sequência de números, seu dedo hesitante sobre a tecla que tentaria estabelecer contato com Tony Stark.

— Tudo bem, você vai. Mas antes… Preciso fazer uma ligação.


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Notas finais do capítulo

*Parte do que Agatha diz sobre sofrimento vem de insights do livro de psicologia (?) chamado "Em Busca de Sentido", do autor Viktor E. Frankl, um psicólogo que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz e fundador da "logoterapia". Terminei de ler hoje e senti que valeu a citação. Sinto que é uma abordagem muito válida e positiva, recomendo muito.

*Eu fiquei muito frustrada de saber que a diferença de fuso horário entre Zurique e São Petersburgo é só de uma hora. Sério. Eu queria alternar a cena entre uma cena à noite e a outra de dia, mas não pude XD

*Fiz referência tosca ao mito de Ariadne, a donzela que ajudou Teseu a sair do Labirinto do Minotauro com um novelo de lã.

*Referência ao meme ~vaporwave~ da música "Shooting Stars".

*Caso não tenha ficado claro durante o capítulo, o fato de Steve&Cia. não conseguirem falar com Tony não se trata de interferência em Zurique exatamente, mas sim entre os sistemas atingidos pela bomba PEM liberada por Mística, que afetou diretao o local (Tallinn, Estônia) que retransmitia a comunicação entre São Petersburgo e uma cidade qualquer, como Zurique. T'Challa não atende a joia kimoyo dele e Wakanda já tem com o que se preocupar. A solução foi se teletransportar até o local onde Tony está para entregar provas de que os problemas são causados por Zola, e que Magneto não seria um simples agressor naquela situação.

**O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela HYDRA. Caso encontre algum erro, favor reporte à Shalashaska.



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