Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 34
XXXIV


Notas iniciais do capítulo

Olá! Depois de muitos problemas envolvendo vida + tendinite e também terríveis dificuldades em colocar imagem nesse capítulo e a formatação dele, volto com muita coisa nova para vocês e espero que gostem. Boa leitura!



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Wanda chorou a noite inteira que se seguiu após a missão em Viena.

Seu corpo estava pesado e a mudança de fuso horário não ajudou a colocar sua cabeça dentro dos limites do crânio. Ela chorou e chorou, enquanto abraçava o travesseiro e temia que os curativos em seu tronco se desfizessem com seus soluços fundos e incessantes.

Não estava em condições de conter suas lágrimas ou seus poderes, por mais que aquilo a estilhasse. Sabia que Steve podia ouvi-la. Sam, Nat. E sabia que isso os estilhaçava também.

Ela dormiu por exaustão e por efeito de analgésicos. Ela acordou quase sem saber em que planeta estava, seu sonho recheado de cantigas infantis, vozes metálicas e fios de marionete em seus pulsos e pernas. Evitou imaginar seu corpo retornando aquele estado magro, pálido, apático em que estava quando voltou da prisão no meio do mar.

Decidiu não chorar mais. Não.

Wanda compareceu às consultas de Njeri nos últimos dois dias, ás noves horas da manhã, como o de costume.  Sua médica estava deveras preocupada com o estado de sua paciente, pois tinha ouvido de seu rei e de Capitão Rogers o tamanho do estrago causado em sua psiquê. Estava prestes a recomendar um calmante para aliviar seus ânimos quando a dor fosse mais forte, quando a noite fosse mais escura, embora soubesse o quanto ela era avessa a essas alternativas.  Mas o espírito de Wanda estava além da dor.

Estava cansada. Conhecia os discursos de médicos bem intencionados, aliás, de pessoas muito bem intencionadas. Stark. Ross. Visão. Em seu íntimo, ainda que desejasse melhorar, seus ouvidos não suportariam mais ouvir algo que já tinha ouvido, seu corpo rejeitaria substâncias manipuladas e doses de serotonina controladas.
Njeri tentou falar sobre luto. Sobre ódio. Citou Freud, dizendo que sentimentos enterrados voltariam ainda piores.

Seus dedos balançaram um pouco, seus olhos tornaram-se rubros por inteiro durante as sessões – não somente as escleras avermelhadas pelo choro de antes– e num passe de mágica, Njeri sentia que Wanda apresentava melhora. Que só sentia dor física, que somente estava cansada. Estava liberada.

** ** **

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Wanda brincava com os fachos de luz que atravessavam o vidro da janela e incidiam mornos sobre sua mão. Parecia querer desfiá-los um a um e inserir dentro de seu coração, sabendo que aquilo era impossível.

O corte em seu tronco estava devidamente enfaixado, já querendo cicatrizar, mas haviam feridas que não podiam ser vistas ainda sangrando. Seu rosto, porém, não demonstrava emoção além de sua melancolia usual, fato que seus amigos conheciam e um observador pouco atento conseguiria notar. Olhos grandes, verdes e um tanto tristonhos, somada a sua boca tantas vezes mudas: um retrato de Wanda Maximoff.

Ela não queria comentar sobre o que acontecera em Viena. Não pessoalmente. Não sobre como Pietro...

Engoliu em seco. O lado esquerdo de sua face ardia.

Deveria imaginar o que aconteceria. Nada adiantou possuir poderes além do próprio corpo físico se não pudera supor que seu irmão, seu irmão morto e enterrado, não estaria ali para abraçá-la de verdade. Nunca mais. E era tão óbvio, tão sórdido.

 

Quando Sam conseguira levantar-se na ocasião, procurou por ela, Mística. Ele sabia que havia mais alguém no Museu, mas não teve tempo para avisar Wanda ou Shuri. Pelo o que contaram depois de retornarem a Wakanda, fora exatamente desse mesmo modo que enganaram Steve e Sam, e antes deles foi assim que Mística tapeou Natasha.

Mística se tornou Yelena para Natasha.

Para Steve e Sam, tornou-se a própria Viúva Negra.

E para Wanda... Bem, Mística tinha um catálogo inteiro de pessoas que poderia assombrar a Feiticeira Escarlate, mas escolheu justamente a que lhe era mais cara.

Não viu Shuri nos últimos dois dias.

Pelo o que podia ver na sua pulseira Kimoyo, ela estava online – quase o tempo todo. Mandara uma breve e seca mensagem dizendo que estava ocupada e só. Não se viram no corredor, nem na biblioteca, nem em lugar algum.  Wanda supôs que fosse algum peso de sua consciência ou algo relacionado ao objeto metálico que sua parceira pegara do chão ao invés de ajudar Natasha, e qualquer que fosse a razão de seu sumiço, sabia que logo se encontrariam.

Quando fosse a hora, ela iria saber.

Permaneceu sentada, esperando o tempo passar e seus amigos chegarem. Era mais um encontro para discutir o que diabos tinha acontecido em Viena e o que descobriram até então. Ela estava ali mais por obrigação do que real interesse. Existiam olheiras fundas abaixo de seus olhos.

Wanda tirou seus pensamentos sobre coisas que ocorreram e sobre fatos que ainda iriam acontecer. Por mais que Charlie Xavier e Agatha dissessem o contrário, ela não se sentia no poder de mudar nada sobre a própria vida. Seus dedos tentaram mais uma vez segurar a luz, em vão. Olhou para a janela, para o mundo lá fora, frio tomando conta de seu estômago. Sentia que deveria embora e sabia que um dia, iria.

Estaria ela preparada para deixar tudo para trás? Ás vezes pensava que sim. Tudo a deixara e ela poderia fazer o mesmo. E nas outras vezes, ela se lembrava do azul, da luz, da doçura. E também de alguém que a escutava sempre, sempre, de modo que partir era muito mais difícil.

— Olá, bruxinha. — Natasha sentou ao seu lado. Sua voz rouca era um bálsamo para os ouvidos e o modo que dissera “bruxa” não a incomodou. Era quase como... Como Clint dissera, tantos dias atrás. — Te incomodo com minha aura rosa?

Wanda soltou um breve sorriso, que logo murchou em seus lábios.

— Não. De modo algum.

Nenhuma das duas acreditava que era necessário preencher o silêncio. Elas sabiam, simplesmente. A russa compreendia as entrelinhas das alegações de Wanda, que dizia e confirmava que estava bem. Bem, bem. Uma palavra curta e seca, somada a falta de apetite e viço. A sokoviana, em troca, entendia que acontecera algo que sua amiga gostaria de enterrar em sarcasmo.

Não quisera usar seus poderes novamente para saber, mas o a fala ainda era um terreno incerto. Wanda balbuciou na sua língua materna, um tanto protegida pelas palavras que se desenrolavam em sua boca. Uma língua que o vento também conhecia. Natasha cerrou as pálpebras durante alguns segundos, um tanto admirada pelo som que inundou a seus ouvidos.

“O que ela te mostrou, Natalia?” Ela perguntou. Não era preciso que explicasse quem era ela. De certa forma, Wanda também imaginava a resposta.

“Yelena.” O ar soprou mais frio. “Ela era astuta e, se havia alguém que podia fugir de mim... Era ela. Mas,” tomou fôlego “Era também passional.”

“Como... Como eles conseguiram saber? Que você e ela…

“Bom,” Disse ela com pesar, arrumando o próprio cabelo. “Pelo o que Wilson disse, a tal Emma procurava algo. Disse que a Viúva Negra transladou o corpo, qualquer que seja esse corpo. Se bem que suspeitamos de Magneto. Talvez eles achassem que tenha sido eu e na verdade seja Yelena... E para chegar até mim, acredito que chegaram nela antes. Você viu o qual era o tema da nova exposição do Museu?”

“Não.”

“Arte Soviética.”

“Oh.”

“Há uma foto, uma que jamais consegui recuperar, minha e dela.” O raciocínio vinha e voltava, em frases cortadas. Wanda pôde ver lapsos de memórias com seus próprios olhos, sendo mais uma vez facilmente tragada à suas memórias. Rodopios, sapatilhas. “E tutus. E brilho... Eu achei que ela estava brincando. Que trabalhava para o inimigo, mas que me deixava pistas. Eu sinceramente achei que... Que ela iria tentar pegar a foto. Ela era passional e eu também sou, um pouco. E se eles a viram adulta, diferente da foto, para me enganar no Museu, acho que...”

“Que a mataram.”

“Sim.”

“Você… Você conseguiu? Digo, pegar a foto?”

Ela meneou a cabeça, em afirmativo.

“Mas não sei se vou queimá-la.”

A Feiticeira Escarlate não respondeu. Não existia nada certo a ser dito e ela não pôde esquecer-se da própria dor e luto, no entanto aproximou-se um pouco mais de Natasha. Ela piscou seus olhos com íris escarlates, enxergando também uma garota loira com sorrisos escusos e o inverno. Yelena. A doçura que não podia ser saboreada.

Wanda a abraçou de lado, de leve. E elas não choraram.

— Minhas garotas favoritas. — Sam chegou ao recinto, dissipando o ar pesado com sua luz e duas xícaras nas mãos, ainda com o líquido fumegando dentro. — Café, para você. E chá, para minha sobrinha.

Elas agradeceram, Nat soltou outra piada envolvendo o clichê óbvio de russos e vodka. Eles riram e mais uma vez Wanda notou que o olhar de Sam Wilson estava sobre si, de forma discreta e cautelosa. Sabia que ele a enxergava como uma garota instável, quebrada. Prestes a explodir. E ele estava certo.

Mas nada o impedia de tentar iluminar o dia e espantar as sombras de pesadelos que ainda rastejavam pela cabeça de sua colega, por mais que ela não conseguisse deixar de notar o quanto a situação era absurda. Aguardavam uma reunião para pesar o que houvera em Viena, ainda feridos e esperando pelo pior. Wanda não gostava de ficar em grupo no estado em que se encontrava, parte por sua tendência a evitar interações sociais, parte por sua cabeça girar em direções diferentes quando seus poderes ardiam por transbordar seu corpo.

E Sam estava falando que ave cada um do grupo seria.

— Steve, obviamente, uma águia. Símbolo americano, entende?

—Eu voto por cisne. — Nat deu de ombros. — Patinho feio para cisne elegante.

— Natasha, — disse Sam. — Isso não está aberto a discussão, mas vou atualizar Steve sobre seu elogio. É um avanço desde “fóssil”. Continuando, Clint obviamente é um gavião e eu sou um falcão. Nat,

— Sim?

— Você prefere ser um dom-fafe, um corvo ou afinal um cisne?

— Eu prefiro que você me deixe em paz.

— Definitivamente uma ave de rapina. Vou considerar uma coruja. Bom, eu ainda estou em duvida sobre você, Wanda. Se uma fênix fosse um beija-flor, seria adequado. Silenciosa e rápida.

— Por que ela é uma fênix em miniatura e eu um dom-fafe?

— Não está aberto à discussão, Nat.

Wanda conseguiu rir, e então perguntou:

— E Bucky?

A face alegre de Sam foi de súbito eclipsada. Ele ergueu uma sobrancelha e demorou mais do que o de costume para responder. Quando o fez, sua voz era séria:

— Um pato. Bucky, “the Ducky”.

— Por que estamos tendo essa conversa mesmo?

— Porque seu patinho feio americano está atrasado.

Era admirável o quanto Sam Wilson tinha sua mágica sem usar poderes escarlates. Wanda podia até mesmo sentir um tanto de sua melancolia ser levada embora com som da risada rouca de Natasha, por mais que lhe restasse um pouco de inveja. Acima de tudo, porém, gratidão.

Não houve mais espaço para o humor. Logo as portas duplas ao fim do corredor se abriram dali veio Steve, acompanhado de T’Challa e professor Xavier. Pareciam apressados e preocupados, tanto que o cumprimento foi breve e em seguida abriram a Sala de Inteligência.
A Feiticeira Escarlate fez o possível para manter seus olhos verdes e seus poderes neutros, mas sentia faíscas em seu peito. Steve tinha hematomas no rosto e a expressão pesada e o azul em sua aura era abissal. Também não passou despercebido ao seus olhos que Shuri não estava com seu irmão e este tinha um semblante sólido como uma rocha. Sabia que o que vinha a seguir seria ainda mais escuro, em puro contraste com a sala branca e absurdamente iluminada.

Fantasmas de laboratórios antigos assombraram seu espírito. Wanda apenas inspirou e sentou-se próxima de Sam, e do lad de Natasha, o mais perto possível da saída. Os ânimos exaltados de todos no ambiente serviam para distraí-la de seu próprio instinto, por mais que falhasse miseravelmente em se manter calma.

A iluminação artificial diminuiu à proporção que hologramas orbitavam a mesa e telas mostravam notícias do mundo nas últimas 48 horas. Após uma sucinta explicação sobre a ausência de Ororo Munroe, que partira de volta para a América para ficar com os alunos, Steve pressionou algumas teclas em seu bracelete no pulso, algo que já fazia parte de seu uniforme gasto.

— Onze de Janeiro, 17:13, Viena. Natasha foi em busca da suspeita Yelena Belova. — Fotos de arquivos rodearam a mesa, mostrando apenas vislumbres de uma mulher discreta, loira. Usualmente de preto e em carros de vidros escuros, com luvas. Nat tinha os olhos fixos nas telas, a expressão plácida. — Nós acreditávamos que fazia parte do grupo terrorista por conta de seus métodos de ocultação de arquivos e tiros com armas sem numeração. Munição russa. O Museu tinha algo de seu interesse e Viúva foi investigar.

— Por um momento achei que estava certa. Vi Yelena e ela me atraiu para a parte subterrânea e privada do Museu.

— Sim. — Steve continuou, com cautela. Com outro toque em seu dispositivo, as imagens da russa logo desapareceram, substituídas por um grupo ainda mais distinto. — Quem a recebeu foi a mutante conhecida por Mística, Raven Darkholme. Metamorfa. Com ela, encontramos Emma Frost, a Rainha Branca; Dominikos Petrakis, Avalanche, e Elizabeth Braddock, Psylocke.

As fotos, em sua maioria, eram antigas e um tanto desbotadas. Com um misto de surpresa e receio, Wanda percebeu que pareciam ter sido tiradas na mesma época do que as fotos vistas nos arquivos sobre mutantes mortos, experimentos, e Magneto. Fotos dos anos 60.

Enquanto Mística e Emma Frost permaneciam com a exata fisionomia do que  há cinquenta anos atrás, Psylocke tinha uma diferença notável: nas fotos antigas, era caucasiana. Ainda tinha cabelos pretos e energia púrpura em suas mãos, porém seus olhos não eram cerrados naquelas fotos. O desafio em suas feições, porém, era o mesmo.

Avalanche era o único com ficha criminal dos anos 2000. Nascido em 1981, em Kozani, Grécia. Conhecido por causar acidentes menores.

Natasha trocou um olhar com Sam, ambos confusos.  T’Challa, que até então encarava as figuras silente, virou-se para todos com a expressão grave.

— Como podem ver, existe um lapso de uma década entre as fotos e aqui. Emma deveria ter a mesma idade que professor Xavier e Psylocke estava presumidamente morta. Apesar das diferenças, nosso aliado aqui confirmou a identidade dela.

Xavier meneou a cabeça.

— A mesma mentalidade. Nem irmãos teriam algo tão semelhante. É ela, Elizabeth.

— O sinal de Natasha foi emitido às 17:31. Chegamos às 19:48, pousamos no prédio ao lado. Eu e Sam fomos detidos pelo grupo. Shuri e Wanda entram. Conseguem nos resgatar, mas as coisas saíram do controle. Nenhum civil ferido ou morto, nossas identidades estão preservadas, mas milhões de euros foram perdidos assim como parte do patrimônio histórico e cultural do Museu.

— Descobrimos quem está por trás dos ataques terroristas. — T’Challa fechou os esclarecimentos. — Confirmamos nossas suspeitas sobre Zola. No entanto, ainda não sabemos exatamente as motivações do grupo e nem como Emma Frost e Psylocke estão vivas e jovens. As duas, mais Mística, já fizeram parte de um grupo chamado Irmandade, e Emma Frost também participou do Círculo do Inferno.

— Por que agora? — Xavier perguntou, mais para si do que para o restante da sala. Ele passou as pontas dos dedos pelas têmporas, depois voltou seus olhos para as fotos.

Outras fotos começaram a cobrir as fichas criminais e notícias vazadas dos anos 60. Vieram imagens das galerias destruídas do Museu de História da Arte de Viena, os escombros das alas subterrâneas e restos de obras valiosas. Videos sem som passavam em imagens projetadas no ar, com inúmeros repórteres diferentes fazendo cobertura do ocorrido, depois vieram discursos de ativistas e políticos.

O ambiente parecia ter a respiração presa na garganta. Wanda sentiu arrepios, vindo de seu próprio corpo e das auras tumultuosas a sua volta. Foi neste instante que  a voz de Steve saiu mais rouca e ainda mais exausta.

— A mídia… Não tem muitas informações. Demos conta de manter civis afastados e câmeras de segurança desativados. Mas o estragos em Viena não passaram despercebidos. É claro que todos imaginam que tenham sido mutantes, por conta de ataques anteriores. —  Ele inspirou fundo. — O Serviço Sentinela está em votação no congresso americano. França e Inglaterra pretendem seguir o exemplo.

Sam soltou um murmúrio de desaprovação, seguido por uma afirmação de Xavier que Wanda não entendeu muito bem. Ela estava em silêncio, assim como Natasha, porém diferente dela, havia um vazio afundando seu estômago.

Steve também parecia ter dificuldades em prosseguir.

— O Serviço Sentinela, como nós sabemos, foi um programa criado por Bolívar Trask depois do assassinato de JFK. Além de propostas de leis e identificação de cidadãos com o gene-X, o Serviço Sentinela também possui projetos de executores. Robôs, Inteligência Artificial… E é só por essa última parte que não foi ainda aprovado, por conta da falha miserável de Ultron. Mata-Capas são cotados pela comunidade internacional no Acordo de Sokovia, numa emenda chamada “Viena”.

— Nós estamos perdendo. — disse Sam, por fim. Os hologramas projetados no ambiente apagaram-se aos poucos, à medida que a luz branca retornava. Wanda não sentia que fazia diferença.

— Eu… Eu preciso ver meus alunos. — Xavier fechou as pálpebras por mais de um minuto. — Eles devem estar assustados.

— É difícil revidar o argumento de “segurança nacional”. — O sarcasmo de Natasha era evidente. — Ainda mais com essa histeria toda.

— Quando todos os sistemas falham, de saúde, educação, monetário… O que os faz pensar que a regularização de mutantes e aprimorados adiantaria? Governos têm interesses. Meu presidente é uma piada. Vão catalogá-los? Como descendentes de japoneses depois de Pear Harbor? Ou então vão criar guetos?

Todo o autocontrole de Wanda estava por um fio. Ela desviou o olhar, segurando um choro que não era só seu. Ela lembrou-se. Lembrou-se de toda a restrição por ser romani, por ser judia. Aconteceria de novo com seu povo?

— Rogers.

Quando o Capitão América fazia perguntas retóricas, sabia-se que estava no limite de seu humor. Ele então se recordou que conversava com seus amigos, parceiros, quando T’Challa lhe chamou pelo nome e afinal restringiu-se a dar apenas um último suspiro exasperado. Passou a mão pelo queixo, sobre a barba. Algo em sua postura rígida se quebrou ao ver o rosto fragilizado de Wanda.

Por sua vez, ela não sabia o que dizer ou o que pensar. Ela sentia por Steve e todos o envolvidos, mas agora sentia principalmente por ela. Existia a possibilidade de que fosse também mutante, mas guardava tal informação com cautela. Ao mesmo tempo que queria dizer a Steve Rogers que ele não podia salvar todos - e que tudo bem se não salvasse - ardia também por ser aquela que destruiria aqueles que se colocassem em seu caminho, que matassem o seu povo, sua raça. Ela talvez não salvasse todos, mas puniria os culpados.

Steve Rogers, afinal, era só um homem. Wanda Maximoff, porém, ao que indicavam seus poderes e sua trajetória, não era somente uma mulher.

Com a ira sustentando seus ossos, ela ergueu o rosto.

— Talvez seja isso. Magneto era líder do movimento mutante nos anos 60. Visto como terrorista, mas visto também como uma resposta à altura para as medidas contra mutantes na Guerra Fria. Talvez não com os mesmos métodos, mas… Estamos lutando contra segregação.

—Eu já vi onde isso deu, Wanda. — O tom de Xavier, apesar de amigável, era preocupado. Ele a encarou como se já tivesse observado tal ira antes. — Guerra, sofrimento. Morte. Coisas que todos aqui conhecem bem e que não querem passar de novo.

— Nós não vamos matar pessoas no congresso.

— Não digo que eles estão certos, Sam… — Nat deu de ombros. — Mas não sei o que poderíamos fazer.

— Nós protegemos pessoas inocentes e vamos continuar protegendo. Os grupos terroristas não veem diferença entre um civil e um inimigo. Não ajudam a causa diplomaticamente. E se Zola está envolvido, tenho certeza de que não sairá nada de bom. Na sua justificativa de paz, ordem, ele criou um algoritmo para eliminar potenciais ameaças a HIDRA. Ultron fez o mesmo. Os “meios” são tão importantes quanto os “fins”.

As palavras do Capitão América pairaram no ar. Sam Wilson tamborilou os dedos na mesa, sem criar um ritmo.

— É um contra-senso querer que as pessoas entreguem sua liberdade e depois se aliar a um revolucionário.

— Não é. — T’Challa, muito silencioso, se fez ouvir novamente. — Ele criou um problema para forçar uma solução. Clássico.

— Se, de algum modo, Erik ainda estiver vivo… — A preocupação de Xavier era evidente. — E ver o mundo do jeito que está, depois de Polaris… Ele nunca vai parar. Nunca.

— Então o que fazemos?

— Vamos pesquisar quais focos de resistência mutante apresenta intenções hostis e métodos violentos. Sempre fomos muito discretos no Instituto, mas não podemos mais nos calar. Existem mutantes bons. Existem mutantes ruins. Assim como os puramente humanos.

— Nós… Vamos continuar salvando o mundo. Mesmo que pedaço por pedaço. Vamos impedir Zola, derrubá-lo de vez. Nós, — Steve Rogers retomou o raciocínio, repetindo-se. — Vamos salvar o máximo de pessoas que podemos. Lutaremos as batalhas…

— Que eles não conseguiriam.

Natasha e Steve compartilharam um olhar. Eles estavam naquela jornada há muito tempo, juntos. Xavier, Sam, T’Challa, todos deram a vida inteira por uma causa, por algo e qualquer um acreditaria que seriam eles à banir a maldade da Terra.

O que dizer sobre a Maximoff, a garota mirrada e quieta de Sokovia?

Ela quis violência. E ela a encontrou.

Ela sabia disso.

A conversa principal deu vez a diálogos esparsos. Xavier trocou algumas palavras com Sam, enquanto Nat compartilhava alguma outra informação sobre as missões. Não havia um consenso de qual seria a próxima medida imediata, mas ao menos o rumo estava traçado. Parar Zola. Defender pessoas. Tão simples e tão dificil.
Sam se ausentou da sala, pois iria passar já algumas informações para Clint Barton e Scott Lang. Também já era hora de saber como eles estavam e se Pym tinha alguma ideia do que fazer - se é que ainda estava interessado em lutar mais essa batalha. T’Challa encerrou a sessão, chamando Steve para uma conversa privada.
O cômodo estava claro e com a lembrança vaga e mórbida de um laboratório. Wanda tinha uma nuvem pesada e escarlate sobre si, talvez invisível aos olhos dos outros senão aos de Charles Xavier.

 

Sentiu-se miserável ao notar que nenhuma fúria estava nos planos. Estava somente nos dela. Soube então que não, não seria como eles - pois nunca fora. Aquilo não era uma surpresa, e ainda assim a deixava paralisada. O caos dentro de si queria soltar-se de uma só vez, em catástrofe e vingança. E aquilo a envergonhava.
Xavier e seus alunos continuariam seu trabalho sólido de conscientização, paz. Os Vingadores prosseguiriam com a luta além de causas, além de corporações. Salvar, apenas.

 

Mas Wanda não pôde salvar seu irmão. Não pôde salvar a si mesma. O único que pudera…

A luzes de sua pulseira kimoyo brilharam, interrompendo seus pensamentos. Ela franziu a testa e com um toque leve abriu a mensagem que tinha chegado na sua caixa de entrada, vinda da única pessoa que poderia lhe mandar mensagens usando tecnologia wakandana: Shuri.

“Observatório do Palácio, ás 19h. Não se atrase.

 

Jane Foster estará lá.”

 

Nenhuma explicação por seu sumiço, nem mesmo era um convite. Wanda estava deprimida demais questionar a ordem. Suspirou resignada. Faltava apenas meia hora. Ela encarou uma última vez aquele grupo de pessoas que salvariam o mundo e partiu.


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Notas finais do capítulo

*Eu não consegui me conter, me desculpem pelo Bucky, the ducky! hahaha
*Sim, uma das falas é referência ao trailer do Guerra Infinita.
*Originalmente, esse capítulo e o próximo eram um só, mas achei melhor dividi-los para a leitura não ficar cansativa.
*Caso encontre erros gramaticais, por favor, me avise. Comentários são apreciados - mesmo que para dizer apenas um oi.



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