Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 33
XXXIII


Notas iniciais do capítulo

Aqui vai a segunda parte! Tem ação, draminha, outros personagens... Espero muito que gostem e convido deixar um comentário ao fim do capítulo ♥ Você será muito bem recebido!



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Shuri indagou-se em que momento Wanda Maximoff começara a lidar com runas nórdicas – já que a vira estudando Cabala e hebraico - mas achou que essa pergunta poderia ficar para depois. O símbolo acima de seu antebraço girava de forma semelhante a uma bússola, pendendo para um lado e para outro, e por instante pareceu terrivelmente quebrada. Girou 360 graus ininterruptamente, até que a princesa viu-a se concentrar e captou seus pensamentos compartilhados, Steve e Sam, azul e amarelo. Rosa?

Não questionou os últimos, não quando ela flutuava a dez centímetros do chão envolta em violenta aura rubra.

— Lá. — Disse, com uma voz que não parecia dela. Feroz. Shuri mal a reconheceu, depois entendeu que era exatamente assim como deveria ser. Flamejante. — Escadas abaixo.

Elas desceram os degraus em silêncio. Atravessaram corredores e portas, seguindo por um caminho escuro através das galerias subterrâneas, até que enfim chegaram a uma ala não mostrada ao público, onde repousavam quadros empilhados encostados uns nos outros, e estátuas cobertas por tecidos brancos. Luz.

A quietude foi vencida por um som de impacto, um gemido de dor. Era o som de Steve Rogers sendo derrubado por uma mulher oriental. Assim que teve certeza de que ele não se levantaria por um tempo, ela arrumou seus longos cabelos escuros e soltou um suspiro insolente.

Havia um brilho púrpura em volta de seus olhos, quase desenhando asas de borboleta. E havia também luz em suas mãos, formando lâminas.

— Está demorando. — Disse ela, virando-se para o fundo do cômodo. Dirigia-se a outra mulher mais alta. Wanda não sorveu de detalhes daquela figura, apenas que era loira e vestia-se inteiro de branco. A sua frente, o brilho inconfundivel dos cabelos ruivos de Natasha Romanoff, sentada com o pescoço mole e a cabeça apoiada numa cadeira de mogno.

A mulher de branco tocava as têmporas de Natasha. Tinha a expressão comprimida, os lábios tortos. Intensificou seu olhar, franziu a testa. Foi quando a russa soltou um soluço e sangue começou escorrer de seu nariz.

Wanda interrompeu o rugido de seus poderes de saírem de dentro do tórax, mas sentiu a respiração mais rápida, os olhos ainda mais rubros. O impulso de entrar no cômodo e destruí-los fibra por fibra, partícula por partícula, era latente e a incendiava.

Mas tinha medo e era sensata. Não poderia cometer os mesmos erros do passado.

Por mais que o azul estivesse pálido no chão e o amarelo não passasse de uma breve lembrança, Wanda sabia esperar.

— Não faz sentido.  — A loira disse com um suspiro, sem incomodar-se com sangue pintando um traço no queixo de Natasha. —Ela é a Viúva Negra, afinal. Segundo os documentos de Zola, foi ela que transladou a câmera criogenica dele. Ela sabe onde foi, onde ele está. E, ainda assim... Não encontro nada. Nada de útil, pelo menos.

— Vamos acabar com todos eles e ir embora. Não encontramosnada depois de semanas de pique - esconde com ela. E esse cara...   —  A oriental indicou Falcão com um gesto do rosto, que pairava a centímetros do chão,  no lado esquerdo. Havia também asas de luz púrpura em volta de seus olhos e ele ocasionalmente debatia-se, sufocado por algo invisível. — está me cansando.

— Apenas mais um pouco, Psylocke. O Salão Vermelho baguncou a memória de todas as suas bailarinas e Natalia pode ainda nem ter noção de algumas coisas. A única que ainda está viva... — Completou, com um misto de nojo e admiração. —Sendo que muitas de suas companheiras foi ela que matou.

— Urgh. — Psylocke resmungou. — Interessada na história dessa ordinária? Patético.

“O quê? Eu esperava um xingamento melhor, vindo de...De uma vilã.”

Wanda olhou de esguelha para Shuri, achando sua curiosidade um tanto inapropriada para a tensão do momento. Já era incrível o quanto estavam entretidos entre si para não perceberem ela e a princesa no canto, próximas a porta e olhando enviesado para o grupo, um tanto escondidas pela muralha psíquica de Wanda, um tanto pelas sombras.

“É um termo pejorativo para pessoas comuns. O contrário de mutuna, sabe?”

“Oh.”

— Parem com essa conversa. — Uma figura grande saiu das sombras, dirigindo-se ás duas aliadas, porém provocando um susto em Wanda e Shuri. Não era possível distinguir sua face, tampouco sua etnia, pois seu traje e capacete aliados a falta de luz faziam dele um ser indistinto. Era homem, isso era um fato, e o que também lhe denunciava era o sotaque estrangeiro, com palavras que pareciam sair cortadas de sua boca.  — Concentre-se em checar se os reforços desses dois estão vindo, senão nada adianta nosso plano B. Achou algo?

A oriental pareceu se concentrar, folgando a tortura mental passada para Falcão. Não estava desmaiado feito Steve, porém caiu ao chão e recuperava seu fôlego com dificuldades, agachado no piso empoeirado. Seus algozes nem lhe deram um segundo olhar, pois não representava ameaça.

— Por um momento. — Ela disse, depois se corrigiu: — Por um momento, cheguei a sentir que... Que ele estava aqui. Uma ira familiar. Lembrou-me dos velhos tempos, Avalanche... Dos velhos tempos.

— Uma mera sensação. Talvez porque estamos perto de finalmente...

Wanda voltou o seu rosto para o de Shuri, igualmente preocupada. Ainda que sua voz não pudesse ser ouvida pelo trio que conversava, não passava de sussurro urgente:

“Duas telepatas.” Havia pesar em suas palavras. “Precisamos derrubá-las primeiro, mas não sei se minha barreira aguenta. E tem mais ainda esse homem... Esse tal de ‘Avalanche’ que não sabemos o que faz, apesar de não parecer muito bom.”

“Espere mais, Maximoff. Meu traje detectou outra fonte de calor. Tem mais alguém no ambiente. Sem falar que podíamos descobrir mais o que querem... Veja, Wilson está no chão e parece razoavelmente bem dentro das circunstâncias. Temos mais tempo.”

— Psylocke.

— Sim, minha Rainha Branca? — Respondeu com ar de falso deboche, petulante frente ao tom autoritário da loira.

— Você sentiu mais alguém descer do avião?

— Não. Ainda não.

— Não deve demorar tanto mais, Emma. — O homem comentou. — Afinal... É o Capitão América.

— E o Falcão. — Sam Wilson murmurou, ainda de bruços no chão. Os três encararam-no com curiosidade, tal foi sua força de vontade para soltar um mísero gracejo.

A loira então afastou-se da figura pálida e inerte de Natasha Romanoff. Ira era visível em seu rosto de beleza angelical e em sua aura branca. Ela deu alguns passos para trás, passou as mãos pelos cabelos longos.

— Nada! — Inspirou. Sua postura de ódio frio era igual ou até mesmo pior que uma reação explosiva e ela parecia considerar estilhaçar a cabeça de Natasha por ela não ter as pistas que procurava. — Hora do Plano B. Nós vamos atrás deles, então.

“É.” Wanda disse, querendo estar errada. “Nós não temos tempo.”

Não estava.

O combinado entre ela e Shuri passou longe do que seria um acordo verbal e mesmo Wanda teria dificuldade em dizer a que nível de sintonia estavam para explicar o que fariam a seguir. Não podiam deixar Natasha e Steve largados semi-conscientes no chão, tampouco Sam ainda cheio de dores e hematomas. Ororo corria risco, não que Shuri ligasse tanto para esta última parte.

Wanda entrou no cômodo com suas mãos e olhos envoltos em magia escarlate. Não houve tempo para que o trio se preparasse, para que processassem a visão de uma mulher que mais parecia a fúria personificada. Com um gesto simples, uma faixa vermelha foi lançada no ar pelas mãos da Feiticeira, formando um gancho de energia psiônica que atingiu a Rainha Branca na testa e a jogou contra a parede.

Ela não levantou.

O tempo de reação demorou uma fração de segundo, mas antes que o homem pudesse bater seus punhos fechados no chão, Shuri correu até ele e, em um salto, sua mão enluvada foi de encontro com seu capacete. Ele era alto e de porte físico rijo, forte.  Apesar do som do impacto, não demorou a que se recuperar.
Enquanto Avalanche tentava desferir golpes na princesa de Wakanda, a Feiticeira Escarlate se preocupou com Psylocke. A outra tentou alcançar a mente de Wanda utilizando seus poderes púrpurase vis asas de borboleta, e em contrapartida, Wanda ardeu em caos.
A oriental soltou um urro como se tivesse postos as mãos em fogo, e logo sacou suas adagas brilhantes e violetas.

Mesmo que tivesse treinado com as Dora Milaje e com a própria herdeira do trono de Wakanda, seu instinto a fez manter distância da oriental. Ela era rápida, ela era forte e era também experiente. Um combate corpo a corpo não demoraria muito e Wanda precisaria ao menos atordoá-la para que pudesse ajudar Shuri, pegar Sam, Steve e Nat e assim fugir. Nada disso aconteceria se Psylocke desferisse um golpe em seu peito, talvez perfurando-o.

Portanto, Wanda atentava-se a manter ao menos vinte passos da mulher, lançando rajadas de energia que a ocupavam. Seu sangue borbulhava em euforia, em alívio, em ira. Ela queria tanto despedaçá-los e estava tão feliz por poder fazê-lo. Parte racional de si dizia, imerso em preocupação, para tomar cuidado. Cuidado com as paredes, favor não as destrua. Cuidado com o mundo, menina. Você irá destruí-lo por inteiro. A outra parte de si ouvia tudo isso e ria, ria, ria.

Havia cautela, entretanto. Não com o mundo, certamente não com o Museu. Cautela em manter todos os agressores afastados do azul, do amarelo e do rosa. Do metal também. Das quatro pessoas que ela carregava em seu coração. Então ela virava seu torso e atrapalhava Avalanche, jogando energia escarlate em suas pernas, depois em seus braços, para que em seguida Shuri arrematasse com um duro soco. Depois retornava à Psylocke, um tanto aborrecida por ter sida deixada de lado.

Falcão conseguiu enfim levantar-se, apoiando-se em suportes de esculturas vazios e derrubando alguns quadros, que estavam encostados, no chão. Caminhou bambo até Steve, checou seus sinais vitais e ao ver que ele estava bem, passou para Natasha. Wanda aliviou-se pela expressão de Sam Wilson, pois não denunciava algo grave nem em Nat, nem em Steve. Ele, no entanto, parecia preocupado com algo mais e olhou o cômodo inteiro ao seu redor, como se procurasse algo. Como se procurasse alguém. Quem?

A distração de Wanda lhe custou um golpe nas costelas. Desviara de algo ainda mais fatal por mero impulso do corpo, porém a lâmina violeta de Pyslocke rasgou uma linha contínua por ao menos quinze centímetros de sua pele e ela só pôde esperar que o corte não fosse tão fundo quanto ela sentia. Ela soltou umgrito longo, destilando ódio. A última coisa que ela precisava naquele instante era morrer por hemorragia. Mas, aquilo a fez ficar próxima da mulher, o que tornava as coisas mais fáceis.

Os dedos de Wanda se moveram e de repente havia uma coleira vermelha em Psylocke. Os dedos de Wanda se moveram mais uma vez e a coleira começou a apertar. Ar escapava dos pulmões da oriental enquanto ela se debatia, indefesa, arranhando o vazio. O desespero natural de seu corpo buscando por oxigênio a impedia de se concentrar e se defender, utilizando seus poderes adequadamente. A Feiticeira tinha uma mão no corte e outra suspensa no ar, fechando os dedos à medida que o anel sólido, de energia escarlate, diminuía mais e mais.

Ela a reduziria menos que pó, mas ao sentir a morte manchando a ponta de seus dedos, Wanda despertou de seu transe. Soltou-a, inerte. Ela demorou o que pareceu a eternidade para entender o que estava fazendo e ainda levou mais um tempo para se assegurar que a outra estava viva, embora desmaiada e com o rosto avermelhado.  Wanda mal acreditava o quanto seus dedos estavam pesados, pesados e tão trêmulos.

Ouviu tiros.

Era Falcão dando cobertura à Shuri, pois Avalanche conseguira contra-atacar. Ele parecia se conter, pois suas aliadas ainda estavam dentro do Museu e não seria sábio abalar as estruturas da construção com todos ainda dentro. Tinha marcas no rosto, já sem capacete, mas também acertara sua oponente, pois havia hematomas e alguns cortes no rosto dela, bem como pó.

Wanda levantou-se, trôpega e ferida.  Refletiria sobre como era um monstro e sobre como quase matara alguém depois. Agora tinha que protegê-los. Segurou o corte com uma das mãos, sentindo o sangue descer quente sobre o tecido de sua roupa, e ergueu a outra.

Avalanche desviou de um ataque de energia vindo de Wanda, e com um bruto gesto ergueu um pedaço grosso do chão para servir de escudo contra os tiros vindos de Falcão. Foi nesse momento em que uma peça de metal, um objeto pequeno e ordinário, se desprendeu da cintura do vilão e caiu com tilintar fraco. A Feiticeira e a princesa de Wakanda cruzaram o olhar por um breve instante ao encarar tal item e, foi também nesse momento, que Avalanche lançou a enorme porção de pedra na direção de Natasha Romanoff.

Wanda soltou um gemido de dor instintivo ao levantar a mão que estancava o ferimento para segurar o piso no ar. Já havia sustentado coisas maiores com seus poderes, mas estava machucada e tudo acontecia muito rápido. Retardar a velocidade daquilo e ainda segurá-lo exauria sua energia, de tão forte que Avalanche o jogou. Não fora capaz de impedi-lo de chegar até a Viúva Negra e agora suava para não permiti-lo cair em cima dela.

Sam aproveitara para investir contra o algoz e novamente atirar nele, agora com mais facilidade por não ter pedaços de sua armadura e tampouco seu capacete. Shuri recuperava-se de um golpe e viu sua parceira com dificuldades do outro lado do cômodo.

— Shuri! — Wanda gritou, lívida. — Tire Natasha daqui. Eu não sei por quanto tempo...

Gemeu novamente, voltando seu rosto para a princesa. Ela, por sua vez, alternou o olhar entre o item metálico no chão e Natasha, ambos a mesma distância, e por fim optou pela primeira opção. Correu e juntou-o com uma das mãos, já logo de pé para desviar de outros objetos lançados por Avalanche. Agora estava longe e não teria mais a mesma oportunidadede ajudar a Feiticeira.
Os joelhos de Wanda desfaleceram com todo o seu peso e raiva. Com um novo grito, desviou o pedaço de pedra a poucos centímetros de acertar Nat.
A cabeça dela doía. Sua visão obscurecia aos poucos, em tons escarlates. Tateou o chão em busca de equilíbrio, num misto de silêncio interno e sons de tiros e brados no ambiente. Ela pôs a mão ensangüentada nas próprias têmporas, buscando a figura de Natasha com os olhos. Estava bem, estava sentada de costas. Seus cabelos ruivos tão brilhantes, sua aura rosa.

Ao virar seu torso em direção à luta que continuava, viu que Sam estava apoiado em uma das colunas do ambiente, ferido e ainda atirando, enquanto Avalanche tentava se livrar de Shuri. Psylocke auxiliava a mulher loira e de branco a se levantar com dificuldades. Todos feridos. Era hora de bater em retirada.

Por este mesmo motivo, o homem não poupava seus golpes e parecia até mais motivado a ser mais agressivo, mais forte, mais rápido. Tornara-se claro que a alcunha dele se devia aos seus poderes de abalos sísmicos. Uma pisada mais forte no chão e um caminho se abria entre os rejuntes e placas de pedra, levantando dobras pontiagudas. Um soco tinha um grande raio de impacto. A wakandana que o enfrentava mal podia acompanhar. Sofreu uma concussão no quadril e estava ali, com os dentes cerrados de frustração e indefesa.

Avalanche içou os punhos fechados com ferocidade, formando quase um arco com seu corpo. Iria alcançar o chão e abrir uma vala, destruindo a parede do Museu para escapar. Wanda mal podia contar quantas coisas já haviam sido destruídas no depósito onde estavam, estátuas, quadros, relíquias. Bilhões de dólares em itens históricos. Não poderia permitir maiores estragos. Reuniu toda energia que ainda lhe restava, lembrando de todas as ruínas que já vira na vida, até mesmo aquelas que ela própria provocara. Sua aura tornou-se cálida e carmesim, de sangue e de caos. Ela podia ver as possibilidades que aquele embate levava... Não passaria despercebido pela comunidade internacional, para o bem, para o mal. Uma oportunidade de mostrar seu valor ou por tudo a perder, colocando à prova até mesmo a decisão dos Mata-Capas. Estava pronta. Levantou-se do chão com suas mãos erguidas e viu.

Viu alguém que vinha em sua direção, tão azul.

Todo o fogo em seu peito apagou-se com um sopro e de seus olhos vieram lágrimas. Balbuciou um pouco, sem ouvir as exclamações cada vez mais urgentes de Sam.

— Pietro? — Ela chamou com sua voz suave e tímida, sem acreditar. Suas mãos tentaram alcançá-lo quando ele sorriu, o sorriso mais perfeito que ela conhecia. Soltou um ganido ferido ao ver que conseguia tocá-lo, conseguia tocá-lo como nunca mais conseguiu. Não era uma ilusão de seus sonhos e pesadelos, não era a cópia feita em substancia escarlate quando a saudade era forte demais e ela queria vê-lo. Estava ali. Estava ali. Estava ali. Era real. — Oh, Deus.

— Irmã. — Ele respondeu. Seu sorriso permanecia enviesado, seus olhos claros muito fixos nela. Trajava a última roupa que estava antes de entrar num caixão e Wanda sentiu todos os cacos de seu coração remendando-se um a um. Não fazia sentido, mas não precisava fazer. Pietro estava ali e ela poderia se sentir inteira novamente. Ela chorou mais um par de lágrimas, no entanto,o sorriso dele sumiu e de súbito Pietro desvencilhou-se do abraço. — Você me deixou.

— O quê? Não. Não!

— Você me deixou morrer. — Ele deu um passo à frente. — Você me matou.

— Não, Pietro, não. — Wanda tentou pegar na mão dele, como fazia sempre que estava com medo. Ele desviou. Ela queria dizer que aquilo não era verdade, que sentia muito, que tudo não parecia existir sem ele. Que o amava. — Pietro...

Ele aceitou seu toque tímido. Olhou de volta para ela, com os lábios comprimidos. Depois um começo de um novo sorriso. Abraçou um abraço forte, beijou-lhe a testa. E no fim, quando a soltou, deu-lhe um tapa na face.

Wanda foi mais uma vez de encontro com o chão e sentiu-se tão pequena. Seus olhos eram grandes e assustados. Tocou a própria bochecha esquerda, sentindo ardor. Soltou um arquejo confuso, chorou. Nada nunca doera tanto.

— Pietro...

Os olhos dele foram de azul para o amarelo. E pele dele foi de branca para azul. Sua aura tornou-se viscosa e em poucos segundos era uma mulher que a encarava, interessada em sua dor. A Sereia Azul, a metamorfa recoberta por escamas que vira em uma das memórias do Soldado Invernal. A lembrança era de anos atrás, e ela procurava alguém. Em 2017, ela ainda procurava alguém. O homem das fitas de 1963, Magneto. Erik, para Xavier.  Por quê?

Ela não disse uma única palavra. Apenas inclinou o rosto, analisando-a por mais alguns segundos. Parecia entretida. Parecia também julgar se considerava-a forte ou patética. A sentença foi ambos.

Avalanche destruiu a parede do depósito com um som que parecia ter partido o mundo. A neve e o vento entraram enquanto os escombros caíam ao chão, trazendo outras peças de arte do andar de cima. Apesar do estrago colossal, nada atingiu Natasha, Steve, Shuri ou Sam, mas Wanda queria que algo tivesse lhe acertado e que nunca mais acordasse. Não tinha condições de mais nada senão somente os assistir serem engolidos pela noite.

***

A volta para Wakanda pareceu ainda mais longa. Enquanto Shuri estava sentada em um canto remoendo sua dor e seu ego, Sam Wilson auxiliava Steve, e Wanda jazia ao lado de Natasha. Ela limpou o sangue que havia escorrido do nariz da russa como se limpasse suas próprias feridas, de forma delicada e vagarosa. Tentava não pensar. Tentava não sentir. Mas o ardor em sua face e o corte na direção de suas costelas a lembravam de tudo.

Ororo estava silenciosa e guiava o jato.  Estancara o sangramento em Wanda e também auxiliara Sam ao cuidar do Capitão América, mas havia feridas que ela não conseguiria cuidar. Conhecia Mística e conhecia seus truques. Falcão relatara brevemente o ocorrido. Só era uma surpresa que a Emma Frost e Psylocke estivessem vivas e ali, pois deveriam ter morrido há muitos anos, muito antes de Ororo sequer se tornar a Tempestade, uma X-Men. Eram apenas personagens das aventuras de seu mestre, Charles Xavier... E mesmo que estivessem vivas, deveriam ter idade avançada igual ao telepata. Algo não fechava na história, mas aparentemente elas procuravam Magneto.

Não podia ser coisa boa.

Natasha acordou quando Steve já murmurava palavras desencontradas. Seus cílios longos piscaram docemente, em contraste a sua expressão desgostosa e enjoada. Ela tentou levantar-se, mas não conseguiu. Uma alegria pequena acendeu-se em Wanda, no entanto ela era incapaz de expressar. Somente disse que a outra estava bem, que estava segura. Deu-lhe um pouco de água e segurou sua mão.

— Como... Como vocês...? — As palavras não vinham aos seus lábios. Xingou baixinho em sua língua materna, coisa que Wanda entendeu perfeitamente. Não era preciso que Natasha se traduzisse para a Feiticeira Escarlate e aquilo pesava de tantas formas distintas. — Steve e Sam... Foram esmagados. Aquela mulher os enganou. Me enganou. Como vocês... Nos encontraram?

— Tirando as coordenadas que você mandou, eu segui sua aura.

Não havia resposta mais estranha para a Viúva Negra. Ela tentou sorrir e falhou miseravelmente, desorientada. Wanda sabia que a telepata, a mulher de branco que aparentemente se chamava Emma, tinha mexido a fundo com a cabeça de sua amiga. Levaria um tempo para que ela voltasse à realidade, por mais que ela fosse forte.

— Aura? — Por fim, conseguiu rir. — Que aura?

A voz de Wanda estava entalada na garganta, miúda, e seus pensamentos eram arrastados para longe. Parecia o primeiro dia depois de Ultron. Depois da Queda de Sokovia. Depois... Da morte de Pietro. Pensava apenas em nele pequeno – quando ambos eram pequenos – seu medo de ficar sozinho, de abandono. Ela prometera. Prometera que não o deixaria ir e quebrara sua promessa. Ela o matara, era verdade. Mesmo que só parte, era verdade.

— Wanda? — Viúva repetiu, sonolenta. — Que aura?

— Oh. —  Virou-se novamente para sua amiga. — É um tanto bobo. Inexplicável, acho. Eu consigo ver auras e apesar delas mudarem de acordo com o humor, existe sempre uma cor dominante. Steve é azul, Sam amarelo. Você é rosa.

— Rosa? Me senti tão ofendida agora. — Houve uma pausa. — Por quê rosa?

Wanda poderia pensar mil razões. Metade vermelho, metade branco. Em russo, a palavra “vermelho” tem a mesma raiz que “beleza”; e na Rússia essas duas cores chegaram a se enfrentar na Guerra Civil. Revolução. Paz. Ela podia também pensar na suas infâncias na neve e no fim da era soviética.

Era isso. E também não era.

— Pecado.  — Natasha não encolheu-se frente à resposta. — Combinado com pureza. Justiça. Rosa, de ternura. De inúmeras coisas doces.  — Wanda olhou para ela, querendo que suas palavras significassem mais do que significavam. — Você.

— Bom... — Respondeu, cansada. Seus olhos fechavam e seu corpo aninhava-se com conforto. — Muito bom. Pensei que diria rosa porque eu gosto de algodão doce. Algodão doce cor de rosa, especificamente. Você sabe disso.

Ela riu, mesmo querendo chorar. Sua amiga estava bem, afinal. Ferida, a bordo de um jato de volta para... Bom, não poderia ser para casa, mas poderia ser para sua família.
Wanda pensou em como queria ser rosa, depois de ser escarlate. Natasha era, sem dúvida, doce. Agridoce.

— E você, Wanda?

Quis responder, mas algo a deteve. Ela não sabia o que era. Vermelho era sua cor, pois Pietro havia lhe dado. Dissera, há tantos anos, que a cor era sua e era também um aviso.
Escarlate de quê? Abriu a boca, no entanto já não era mais importante. Natasha havia dormido e por fim, Wanda sorveu do sabor vazio do silêncio.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? A demora valeu a pena? Espero que sim!
Steve Rogers está d-e-s-m-a-i-a-d-o! hahahah



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