Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 32
XXXII


Notas iniciais do capítulo

Oie! Sim, eu demorei horrores para escrever esse capítulo, mas ele está enorme - tanto é que o dividi em dois. Essa fic é muito importante pra mim e fiquei bem pilhada ao ver o trailer da Guerra Inifinita - quem não ficou, não é mesmo? - e pretendo acelerar meu processo de escrita. Já tenho dois capítulos planejados ♥ E NO CAPÍTULO 35 BUCKY BARNES DESPERTARÁ.
muahahah
#boraescrevermais



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Wanda assistia seu grupo finalizar os preparativos da missão, parada e apática dentro do jato. Tudo passava rápido aos seus olhos vermelhos, pelo fogo interior, pelas lágrimas de nervosismo, enquanto Sam ajeitava seu traje de inverno e conferia o seu discreto e potente para quedas nas costas, resumo da tecnologia wakandana. Deu-lhe tapinhas amigáveis nos ombros antes de conferir outros dispositivos e o comunicador, com a expressão apagada. Steve conversava com Ororo Munroe, que insistiu em ir por mais que T’Challa lhe alertasse a não interferir em assuntos particulares dos até então chamados “Vingadores”. 

O monarca, é claro, não se sujeitaria a uma missão em solo estrangeiro. O motivo não interessava a coroa, e mesmo que ele os abrigasse em seu país e oferecesse ajuda em equipamentos e serviços de inteligência, não seria pego em plena capital da Áustria com foragidos da lei.

Xavier, porém, não se opôs.

A viagem, para Wanda, era uma experiência extracorpórea, diferente de todas aquelas que vivera. O tempo corria. O tempo arrastava-se. O tempo parecia não optava por demorar horas a chegar até onde Natasha estava ou simplesmente chegar ali de súbito, sem oferecer ar para que a Feiticeira Escarlate soubesse o que fazer.

Ela sentia peso nos ombros e sua respiração era forçada. Os lapsos de tempo agora começavam afetá-la seriamente. Piscava e seus olhos se tornavam vermelhos, não pelo choro. Piscava e parecia ouvir Tchaikovsky, dos treinos de Natalia Romanova.
Lembrou-se de praticar mudras com as mãos, para acalmar-se, e o gesto não passou despercebido por Steve. Sua face permaneceu imóvel, mas seus olhos demonstraram um lampejo de curiosidade. Ela queria contar a ele, contar que Bucky estava bem. Que a chamara de “boneca”. Mas o ar estava tão tenso e Steve Rogers tão inquieto que Wanda não se atreveu a relatar algo tão absurdamente adorável. De qualquer modo, ele somente anuiu e anunciou:

— Vinte minutos para pouso. — Não era a primeira nem a terceira vez que ele repetia o cronograma da missão durante as duas longas horas de viagem. Nem o jato mais veloz de Wakanda deixaria a Áustria mais próxima. — Tempestade irá encobrir o jato com uma nuvem espessa, mesmo que a tecnologia defletora nos provida uma camuflagem quase perfeita e a neve ainda nos dê vantagem.

Em seu pulso havia um bracelete feito de metal e sílica fundida. Ele apertou uma combinação de botões e um mapa holográfico surgiu no ar, mostrando cada nível da planta do Museu de História da Arte, no centro de Viena, e um marcador vermelho em um dos largos cômodos no último andar. A imagem então se distanciou para que fosse possível ver os arredores do Museu, onde existiam outros prédios históricos.

— O jato seguirá até a construção ao lado, mas eu e Falcão seremos deixados no topo do Museu. É inverno e seis horas da noite no horário local, fechamento das atividades. É possível que haja alguém nos arredores e vigias, portanto Wanda irá evacuar o lugar. Igual Sokovia, certo?

Ele se referia a como ela utilizara os seus poderes para fazer com que os cidadãos saíssem de suas casas para um lugar seguro, de forma calma, organizada e discreta, mas ela só pode lembrar-se da sensação de gravidade zero e a capital caindo, caindo, caindo.

— Certo, Wan?

— Sim.

O Capitão demorou seus olhos nela, receoso por causa de sua hesitação. Deixou passar. Tinha que confiar que conseguiria fazer o que pedia.

— Essa é uma missão de resgate. Só lutaremos caso a recepção seja hostil e ainda assim o foco é imobilizar. Munição não-letal. Faremos tudo isso no máximo de duas horas. O avião sai, com ou sem a gente. Dúvidas?

— Você poderia repetir pela décima quinta vez? Acho que ainda não ficou claro.

Shuri alargou um sorriso ácido. Sua postura era folgada no banco do jato, equipada e certa do que aconteceria, pois era acostumada a eficácia de seu país. Ela olhou para as próprias mãos como se apreciasse as unhas, mas suas luvas exibiam garras de vibranium.

— Claro que sim, principalmente a parte em que você não foi autorizada a vir pela Vossa Majestade. Ficará ao lado de Wanda e sob tutela de Ororo e não fará mais nada. Tem sorte de termos pouco tempo, pois do contrário eu teria dado meia volta com esse jato e lhe entregado ao seu irmão.

A princesa se levantou, seus dentes reluzindo como lâminas. Wanda observava muda, orando silenciosamente para Steve não mais a comparasse com o irmão ou ainda lhe colocasse abaixo de uma mulher que detestava.

— Olhe a língua, Capitão Rogers. Não preciso de autorização alguma ou devo-lhe satisfações. Eu seria mais respeitoso com que provê todo o seu equipamento e arqueia seus custos.

Ele arqueou uma sobrancelha, pesando suas palavras. O desafio era evidente em seu rosto, mas a decisão mais sábia era deixar passar – e foi o que fez. Leniente com o comportamento da princesa, deu-lhes mais detalhes sobre as condições de vento e funcionamento do Museu, que por mais que contasse com boas medidas de segurança, não seria páreo ao seu pequeno grupo.

— Comunicadores, canal dois. Curto alcance, justamente para não sermos pegos. Feedback da missão a cada vinte minutos ou evento importante.  E, — Soltou um suspiro. — Vamos esperar que não haja eventos importantes. Cada um teste o seu.

Wanda testou, ouvindo perfeitamente a voz de Sam, Steve e Ororo. A identidade deles não era segredo para ninguém, no entanto decidiram usar os codinomes na missão, coisa que ela achou um tanto tolo também. Todos conheciam seus codinomes: Falcão, Capitão, Tempestade, Feiticeira Escarlate. Shuri era apenas “Princesa” e havia raiva evidente no termo, o que tirou um sorriso breve de Steve.

— Isso é ultrajante. — Confidenciou à Wanda. — Eu tenho minha própria equipe de Inteligência, meus projetos... Sei o que “princesa” significa ao Ocidente, um arquétipo frágil e degradante. Deveria ser “Regente” ou “Herdeira”.

— Não leve a sério. — Deu de ombros. — Isso foi só uma provocação. — Wanda quis completar a frase “uma bem merecida”, mas evitou atritos. —E você é uma princesa, de qualquer modo.

— Você, Vossa Alteza. — Samuel interrompeu as duas, trazendo outro paraquedas. Estendeu as mãos na direção da princesa, que em troca ofereceu-lhe uma expressão de desdém.

— O que? Acha que vou precisar disso? Não venha me dizer...

— Só vista isso. — Foi firme e a fez pegar o paraquedas, cortando-a no meio da frase. Shuri o vestiu a contragosto, enquanto Sam apenas deu um suspiro e se afastou. Wanda, por sua vez, sabia o motivo da insistência dele e via cenas de guerra. Riley caindo. Rhodes caindo. Ele não suportaria outra queda, assim como Steve ou até mesmo ela própria não suportaria perder mais alguém.

Ela estava tão elétrica e ao mesmo tempo exausta, nuvens pesadas cobriam seu raciocínio. Nem tivera tempo ou coragem de relatar suas descobertas sobre Bucky para quem quer que fosse, principalmente para Steve, tão desesperançado pelo que acontecera com Nat.
Ela coletava informações sobre milícias mutantes que poderiam se relacionar aos atentados, e dissera que o grupo era tão bem organizado e seguia táticas eficientes que lhe lembravam alguém familiar. Wanda poderia supor que seria Yelena, por mais que não fosse capaz de imaginar como estaria relacionada à tudo aquilo. Seu último contato foi em Viena, onde ela mandou suas coordenadas e a mensagem que somente quem conhecia parte de seu passado poderia desvendar:

ATO IV

O cisne morre

48° 12′ 14.65″ N, 16° 21′ 36.71″ E

Não parecia nada, mas não mencionaria seu passado assim, de forma frívola, e Steve não estava para brincadeiras.

Wanda só gostaria de fechar os olhos e não pensar em mais nada. Queria somente encontrar Natasha e rasgar a garganta de quem a tivesse pego.

Abriu as pálpebras de repente, assustada com os próprios devaneios. Inspirou, expirou e tentava reunir cada centímetro de serenidade que pudesse para dentro de seu corpo. Não era sábio – nem fácil – tentar controlar mais do que uma pessoa simultaneamente quando seu estado de espírito estava tumultuado e assim que Capitão e Falcão estivessem em solo inimigo, ela teria que fazer sua mágica.

— Dez minutos. Tempestade, pode começar.

Ororo anuiu e realizou um gesto largo com os braços, seus olhos tornando-se alvos e luminosos. Havia vincos em sua expressão concentrada, bem como uma aura poderosa e quieta, feito uma grande nuvem carregada e impenetrável. Wanda inclinou seu rosto ao absorver tal momento, um tanto cobiçosa e um tanto seduzida pelo autocontrole de Tempestade. Gostaria de fazer igual, senão melhor, mas a pergunta que remanescia era “como?”.

Algo dentro de si tentava convencer-lhe de que esta, no entanto, não era a questão principal. Poderia. Deveria. Conseguiria. Seu coração vermelho e caótico apenas se indagava “quando”.

A tatuagem mágica em seu antebraço pareceu ferver naquele instante. Vegsvisir, aquele que mostra o destino. A tentação de ativá-lo, de encontrar Agatha e indagar mil perguntas ardia. Ela, a velha, parecia guardar todas as respostas para si e o Caos que sentia dentro do peito estranhamente consentia em ir visitá-la.

Devaneios tolos, ela pensou, sem concordar. Devaneios que ela voltaria a ter em breve.

Diminuíram altitude e velocidade. Steve e Sam deram uma última conferida nos dispositivos e despediram-se com breves palavras de encorajamento antes de abrirem as portas de metal. O jato sobrevoava o telhado do Museu, envolto em nevoeiro e engolido pelo silêncio da neve. Wanda olhou para o cenário como se recebida pelo clima, pelo ambiente. Estava perto de casa, Natasha também. Cenas de um passado distante - dela, de uma menina ruiva e de um soldado - entrecortaram seus pensamentos e bagunçaram-na mais que o forte vento.

Ela queria sair. Ela queria voltar.

Steve apertou o ombro de Wanda, reconhecendo a expressão de sua face. Seus lábios se entreabriram, mas nada disse. Soltou-a, chamou Sam pelo nome. Em poucos segundos eles já estavam lá embaixo e jato movera-se para o prédio ao lado.

Cinco minutos duraram horas para os ouvidos ansiosos da Wanda Maximoff.

“Nenhum alarme de segurança ativado, mas vimos guardas lá embaixo e civis. Devem ser os últimos do local.”

A voz de Sam Wilson ressoou pelo sistema de som da nave.

“Precisamos de discrição aqui.”

— Entendido. Feiticeira Escarlate... — Ororo a chamou pelo comunicador, a fim de que todos naquela rede acompanhassem os passos da missão. — Pode começar.

Shuri e Wanda trocaram um olhar confidente.

Fragmentos de memórias controversas e devaneios inúteis abocanhavam sua atenção, tentando desviá-la de seu foco como Fúrias a gritar em seus ouvidos. Havia inquietação em seus dedos, além de sua ânsia de usar de seus poderes escarlates, além de hesitação por justamente usá-los. Era alívio também. Wanda deu um passo à frente e posicionou-se de frente para a porta, permitindo que seus olhos fechassem mais uma vez e que a cor rubra dentro de si saísse.

Inspirou. Expirou.

Ela podia sentir as vibrações de pensamentos próximos. Afastou-se dos de Shuri e de Ororo, indo mais para baixo, na direção do Museu, sondando sua atenção nas pessoas que ali transitavam. Mal conteve um arquejo devido ao esforço de fisgar quarenta e duas pessoas simultaneamente. Por mais que tivesse atravessado memórias e até mesmo o tempo e espaço em Wakanda, não estava preparada para igualar sua concentração em tantos níveis diferentes. Foi diferente em Sokovia.

Ela tinha Pietro. Ela estava inteira.

Uma mãe fazia uma lista de compras mentalmente, irritada pelo clima e pelo súbito ar de nevasca. Um jovem repassava fórmulas matemáticas de uma prova, angustiado por odiar Álgebra. Um guarda cantarolava “Sweet Dreams” em sua cabeça, enquanto o parceiro ao seu lado refletia se deixava o emprego ou não. O garotinho no térreo tinha planos de pintar quadros tão belos quanto daqueles que vira no Museu, sua irmã só queria chegar em casa para assistir filmes de ação.

Sangue escorreu do nariz de Wanda.

De súbito, todos desejavam ir para casa. Suas cabeças ficaram vazias, moldáveis. Eles seguiam quase a mesma direção, saindo de um raio de pelo menos três quilômetros do Museu. Não olhavam para as nuvens tão grossas e tão baixas, não se importavam com a neve ou com os problemas cotidianos que vinham enfrentando ou xingavam em sua língua-mãe.

— Parece tudo limpo, Capitão. — Shuri disse pelo comunicador ao ver os civis já longe. Soltara um sorriso breve, porém orgulhoso, para Wanda, por mais que ela não pudesse ver.

“Entendido. Estamos entrando ao leste.”

— Entrando em modo de espera. — Tempestade afirmou, encerrando primeiro contato. Encaminhara-se à pilotagem do jato, tirando-o do modo automático. Sabia por experiência própria que não era recomendável esse tipo de facilidade em missões, pois a urgência e mudanças de rotas não seriam captadas tão rápido pela Inteligência Artificial do veículo.

Wanda voltou a respirar quando sentiu que as pessoas já estavam longe o suficiente. Teve dificuldade em desprender-se dos devaneios alheios, da confusão que todos tiveram até estarem em seus devidos carros ou em ônibus. Ela sacudiu um pouco a própria cabeça como se tirasse um pouco de água que tivesse entrado em seus ouvidos, depois limpou o sangue que escorrera de seu nariz com as costas da mão direita.

— Tem algo de errado... — Ela murmurou. Sentia que, de alguma forma, algo estivesse brincando com ela. Fora fácil demais, pois os guardas eram poucos, mas ela também buscara Natasha, sem sucesso. Ela estava ali, disso tinha certeza, porém... Porém algo a desviara tão bem que poderia até pensar que era incompetência sua.

No entanto, Wanda tinha o péssimo hábito de ser teimosa.

Sua visão estava obscurecida e seus joelhos falharam. Apoiando-se com as mãos nas paredes do jato, ela sentou-se nos bancos laterais e fazia esforço para assentar seus próprios pensamentos na cabeça. Shuri, por sua vez, tinha seu foco na tela de monitoramento. Lançou apenas um olhar de esguelha para se certificar que a outra estava bem e ao vê-la sentada, supôs que o mal estar logo passaria. Sem necessidade de tratamento especial.

Pelos pontos em vermelho na planta em arquitetônica em azul, elas podiam ver o deslocamento dos dois, Wanda ainda recuperando o fôlego. Por vezes se distanciavam um do outro nos corredores. Vinte minutos depois disseram que estava tudo muito quieto e sem sinal da Viúva Negra. Sem problemas com o sistema de segurança do Museu ou múmias na ala de antiguidades egípcias.
E depois desta inocente piada de Sam Wilson, silêncio. Silêncio por mais de vinte minutos.

Wanda queria dizer que havia algo errado, mas palavras não subiam sua garganta. O tempo passou novamente sem outra atualização e a Feiticeira lançava ainda seus poderes para detectar pessoas, civis ou não, que pudessem interferir no resgate. Ainda sentiu o desvio quase imperceptível, quase como uma refração.

— Pela deusa, como demoram! — A princesa soltou um bocejo irritado. Equipada do jeito que estava parecia querer encontrar um batalhão, portanto seu tédio era justificado. Olhou as garras das luvas, talvez pensando em dilacerar algo ou alguém.

— Talvez não possam falar agora. — Tempestade rebateu, embora não tão segura. Tomou um gole d’água enquanto também encarava a tela e os pontos parados. — Se bem que... Que os pontos não atualizam. Eles estavam em deslocamento contínuo até agora. Será que é alguma falha?

Os olhos de Shuri faiscaram.

— Não, senhorita Munroe. — O respeito em suas palavras era oco. — Não é nenhuma falha técnica. Tecnologia de Wakanda não seria descartável como certas coisas da América.

— Eu tenho certeza de que Vossa Alteza está falando de embalagens e gosto musical duvidoso. — Ororo não diminuiu o sorriso. Então deu de ombros, oferecendo descaso para a irmã de T’Challa, como se ela fosse uma criança mal educada. — Será que solicitamos status? Já faz um tempo.

— Só preocupe-se em me dar cobertura. — Shuri levantou-se. — Estou descendo.

— O que? Não. — Virou seu torso para enxergá-la melhor. — Rogers foi bem claro quanto a isso. Nós temos um plano e vamos segui-lo. E não posso deixar que nada aconteça contigo.

— Ah, sim. Porque sou uma criança.

— Veja, — Tempestade mudou a argumentação. — Tenho certeza de que um deles irá passar uma atualização logo. Talvez estejam escutando algo, talvez...

— Talvez estejam morrendo nesse exato instante. Isso não foi um pedido, foi um comunicado. Estou descendo.

— Não. Se alguém tiver que descer, serei eu. Você sabe pilotar esse jato e pode levar Wanda de volta, caso realmente exista algum problema. Vou ver o que está acontecendo.

A Feiticeira sentiu um nó no estômago. Sentia que deveria ir. Sentia que não deveria ir. Steve e Sam estariam bem? Natasha? Não poderia arriscar de novo, como na Nigéria. Pessoas se feriram. Por mais que tivesse evacuado o lugar, não podia... Não agüentaria se acontecesse mais uma vez.

Desejou que Barton estivesse ali. Steve não o avisara sobre a situação e paradeiro da Viúva Negra, pois ele estava longe demais para ajudar. Era uma decisão injusta e a escolha tomada também era cretina, mas alardeá-lo sem que pudesse fazer nada era simplesmente cruel.
Mas ele saberia o que fazer.

Wanda sacudiu esses pensamentos para longe. Tinha que confiar que Steve daria um jeito. Que Tempestade era uma pessoa apta para lidar com a situação.

— Olha, senhorita Munroe... Eu não desviaria minha atenção de cobrir o espaço com nuvens. Pode estragar nossa camuflagem e eu não gostaria que a imprensa visse um jato de Wakanda no local sem autorização de pouso. Tenho certeza que vossa Majestade, T’Challa, ficaria bem chateado com os problemas diplomáticos que isso causaria.

— O que está dizendo? — Tempestade duvidou, seus lábios entreabertos. Uniu suas sobrancelhas em sua expressão, os olhos incrédulos. Depois veio um sorriso nervoso. — Está brincando? Aliás, o jato tem camuflagem refletora para ser quase que invisível...

— Ah, sim. — Shuri aproximou-se do painel e rapidamente digitou uma seqüência de códigos. Depois deu um comando de voz em seu nome para que fosse desligado. — Boa sorte para reativá-lo.

Tempestade ergueu-se do assento do piloto de uma só vez para impedi-la, mas permaneceu no mesmo lugar ao assistir as nuvens se dissiparem ao seu redor. A possibilidade de ter o disfarce de sua equipe arruinado a motivou manter o foco no nevoeiro, os olhos totalmente brancos e relampejantes. Rangeu os dentes, seus cabelos movendo-se como se tomados por uma forte ventania – mesmo que só houvesse vento lá fora.

Wanda recobrou a energia ao sentir a tensão no ambiente. Sentira rajadas elétricas descendo sua espinha e aquilo foi o suficiente para retirá-la da exaustão. Frio tomou conta de seu estômago e seu cérebro ainda parecia derretido. Levantou-se um pouco bamba, momentos antes de sua amiga bater com força no botão que abria a porta traseira do jato. O vento lá fora rugia forte e tempestuoso, obrigando-a gritar para ser ouvida:

— Que porcaria é essa, Shuri? — Arfou. — Não ouviu o que Steve disse? Nós ficamos. E foi você que disse que viria para, sei lá, me dar apoio. Que droga você quer fazer?

— Me desculpe. — Não era um pedido de perdão. — Mas não devo explicações.

— Era melhor não ter vindo se fosse pra isso.

Ela riu.

— E você iria fazer o quê se seus amigos estivessem lá fora por mais vinte minutos? Deixaria Steve, Sam e Natasha aqui, exatamente como ele pediu para fazer? Não. Não mesmo. Seria uma idiota vingativa e iria explodir tudo, não?

Wanda sentiu seu sangue borbulhar.

— Você não está fazendo isso por caridade. E eu não estou fazendo isso por covardia.

— Não. — Disse simplesmente, enfrentando os olhos rubros da Feiticeira. — Mas ainda digo a verdade e sabe disso. Olhe, nós temos um trato. Eu te ajudo, você me ajuda. Estou cobrando minha parte, pois até agora só reviramos seu passado de contos de fadas, um soldado com estresse pós-traumático sem braço e, sei lá, gravações de um sujeito insano dos anos sessenta.

— Por que está fazendo isso? 

Ela não respondeu imediatamente. Deu dois passos para frente, voltou um.

— Não vou perderei a oportunidade de saber o que Natasha descobriu.

— É uma missão de resgate! — Disse ela, exasperada.

— Capitão Rogers não contou tudo. Isso é óbvio. Por que diabos Natasha Romanoff estaria em Viena? Ela era sua informante principal do mundo lá fora e disse que estava perto de saber a origem dos hacks, dos atentados. Ela descobriu alguma coisa e eu vou mais fundo nessa história. Quem a pegou, além de um excelente profissional, deve saber mais.

Amaldiçoou-se pelo dia em que concordara com aquilo. Somente desejava que Natasha estivesse sã e salva. Somente. Não importava mais as informações, os terroristas, nada. Ela era uma pessoa que sabia de suas dores e Wanda sabia as delas. Merecia melhor.

Pânico subiu seu esôfago ao pensar nas mil e uma possibilidades. Parecia enxergá-las uma por vez, cada vez piores. Entendia que havia algo a bloqueando, desviando de seus sentidos completos. Não conseguia ver com seus poderes escarlates o que acontecia dentro do Museu e isso não significava pouca coisa. A chance disto ser causado por um artefato místico era improvável.

Wanda estava certa, Shuri também, de certo modo. Mas Steve... Steve daria um jeito. Ele sempre tomava conta da situação da melhor maneira.

Certo?

— Isso não é uma competição. — Cerrou os punhos.

— Você só ainda está aqui dentro desse maldito jato porque tem medo de fazer alguma idiotice, Wanda! — As lágrimas que vieram aos olhos rubros de dela finalmente desceram seu rosto, em face de uma verdade dolorosa. — Você me disse que queria que as pessoas a vissem como alguém, como uma pessoa, e ainda está aqui quando pessoas que você ama estão lá embaixo, sabe-se lá vivas ou não. Está aqui, como uma boneca. Uma marionete movida por cordas, por ordens que sabe que não quer e não vai seguir.

A Feiticeira usou todo o seu autocontrole. Ela ainda podia ouvir a voz metálica de Ultron, a cantiga infantil sobre cordas. Podia ouvi-lo sempre, sempre; elogiando-a, dizendo o quanto ela os destruiria por dentro.

Ela o fez, mas foi o seu medo que se tornou realidade: Pietro a sete palmos do chão.

— Você está tentando me manipular. E só está fazendo isso porque é o oposto do que seu irmão quer.

A princesa sentiu a alfinetada.

— Estou dizendo o que você quer fazer e o que eu quero fazer. É apenas uma infelicidade que não seja a mesma coisa. Bom, — Ela apertou um ponto na base de seu pescoço e próximo à clavícula, fazendo com que o resto do traje cobrisse sua boca e nariz, oferecendo proteção parcial. Apesar de preto e detalhes em dourado, não remetia completamente a uma pantera, talvez por discrição, talvez por intuito de não ser igual ao irmão. Ela ergueu o punho e mostrou a jóia kimoyo para Wanda, asco presente em sua voz. — Pensei que isso significava algo para você. Pensei que me ajudaria.

— Shuri, não!

Shuri tirou o comunicador da orelha e o esmagou com as mãos, em seguida, deu um pulo para fora do jato. Wanda continuou encarando o ponto vazio e escuro além da porta, o coração quase saindo pela boca. Voltou seus olhos brevemente para Ororo, que apenas sacudiu a cabeça, apreensiva.

Ela não teve escolha senão segui-la em meio ao inverno de Viena.

** ** **

Wanda correu, mas em poucos instantes Shuri já havia pulado o topo do prédio onde sobrevoava o jato. Ela hesitou na beirada da marquise, o fôlego entrecortado no pulmão e ansiedade nas veias. Viu a outra atravessar a rua veloz e por fim saltou, usando seu poder escarlate para aterrissar inteira no asfalto, mal acreditando que não perdera o jeito. Seu coração bombeava adrenalina e caos enquanto corria da forma mais discreta possível, até que por fim lançou uma flecha de energia na direção do tornozelo de Shuri, em sua perna mais vulnerável. A fez parar com um puxão e agachou-se perto dela, caída e escondida por uma das vegetações cobertas de neve.

— Você veio.

— Não se faça de surpresa, você queria que eu viesse afinal de contas. — Wanda sacudiu a cabeça. Estava grata por ter vestido roupas adequadas para o clima, resistentes tanto quanto para o frio quanto para um possível combate. Era cinzenta e somente com pequenas faixas vermelhas, cortesia do bom gosto de T’Challa. — Qual é plano?

— Acredito que se localizarmos Capitão e Falcão, poderemos finalmente saber com quem estamos lidando. Pelo visto, a missão foi uma armadilha completa.

— E nós estamos indo direto pra lá.

— Mas eles não sabem disso. Uma wakandana e uma bruxa. E mesmo que soubessem, não conseguiriam lidar comigo.

— Certo. — Deixou o egocentrismo de Shuri passar. — Temos a última localização deles, que é o último andar, com acesso restrito e há bons degraus de distância de onde estamos. Como vamos chegar lá?

— Do jeito que você pensou: pelos fundos, de baixo para cima. A entrada da Biblioteca parece mais fácil. — Wanda soltou um suspiro, imaginando se a caminhada seria do tamanho do sarcasmo dela. — Duvido que não tenham deixado rastros em algum andar. E será ótimo para aumentar sua bagagem cultural. Andaremos por galerias maravilhosas.

— Shuri. Está escuro e não creio que acenderemos luzes lá dentro.

— Oh.

— E você quebrou seu comunicador.

Ela apertou o mesmo botão em seu traje, fazendo com que sua boca se tornasse visível novamente, embora pouco iluminada pelos postes. Havia um sorriso breve e matreiro ali.

— Em minha defesa, eu não queria você ou Ororo no meu ouvido.

— Parabéns. — Wanda disse, seus olhos cor de sangue. Caos rugiu dentro de seu tórax e ela sentiu mais uma vez seu poder erguendo asas, pronto para voar. Tateou a consciência de sua amiga mais uma vez, conseguindo encontrar a fenda que já sentira e penetrando seus pensamentos. Sua voz soou clara na mente da wakandana, mesmo que seus lábios sequer tenham movido: “Por que agora vai ter que me agüentar na sua cabeça.”

— Eu não sabia que podia fazer isso. — Shuri encarou-a bem séria. — Por que não fez isso antes?

— Porque não havia necessidade e porque... Porque é invasivo. Faço só quando necessário.

“Diga isso para James Barnes.”  Shuri respondeu em sua cabeça.

— Muito engraçado.

— Eu só estava testando, sinto muito. — Shuri deu de ombros. — Não, eu não sinto.

— Juro que se gritar mentalmente, eu explodo seu crânio.

A princesa apertou novamente o botão de seu traje, próximo a sua clavícula, e seu sorriso foi recoberto por completo. Sua voz, porém, foi ouvida perfeitamente:

— Vamos entrar?

— Vamos.

** ** **

Abrir uma porta dupla de trinta centímetros de espessura foi a parte mais fácil, pois não havia material existente na face da Terra que resistisse a unhas de vibranium wakandano. Shuri foi silenciosa e letal em desativar o código de segurança e abrir as portas do fundo em poucos instantes, fazendo um buraco na parede. Ver tal rombo numa construção centenária doeu um pouco no coração da Feiticeira Escarlate, mas as duas tinham coisas mais importantes do que pensar no peso histórico daquele Museu e nos prejuízos incalculáveis se acontecessem uma luta ali dentro.

— Quer parar de pensar nesses livros? — Shuri murmurou. Aparentemente, pedir para que Wanda deixasse de se preocupar com os exemplares centenários ou especulasse sobre o conteúdo deles era inútil, ainda mais quando sua voz era baixa naquela estranha conexão mental. — E não toque em nada.

Wanda se virou, o corpo levemente arqueado. Seus dedos estavam inquietos e sua cabeça dividia-se em inúmeros devaneios. Tateava o lugar com seu poder rubro, orientando-se na refração que a mantinha longe, procurando rastros de Steve e Sam. Enxergava possibilidades do que ocorrera, visões nubladas e indefinidas. Por último, também queria apreciar o Museu, de arquitetura rica e incontáveis prateleiras, recheadas de livros.

“Estamos na terceira sala e nada ainda.” Wanda respondeu sem mover os lábios, aproveitando da comunicação mental. Não precisavam que uma conversa tola as denunciasse.

“Bom, o caminho é óbvio. Vamos para última posição conhecida do Capitão.”

“Tem alguma coisa errada.”

“Você deixou isso bem claro nos últimos dez minutos.”

A Feiticeira desviou seus olhos dos móveis escuros e dos entalhes na parede. Entravam agora numa saleta pequena que dava abertura para outro corredor, com grandes colunas de mármore e quadros que as perseguiam com os olhos. A iluminação limitava-se a fachos de luz que entravam do lado de fora.

“Pareceu valer a pena repetir.”

Caminharam em alerta pelas galerias, desconfiando de estátuas e bustos, de sombras que logo sumiam. Minutos pareceram horas dentro daquele local silencioso, mesmo que a cada passo estivessem mais próximas do ponto em que Sam e Steve deixaram de dar resposta.
Ondas de pânico reviravam Wanda do avesso, mas Shuri conseguia se manter centrada e seguir em frente.

Então surgiram cores nos pensamentos da Feiticeira Escarlate. Primeiro o branco, duro e frio. A cor da neve lá fora, do inverno que prenuncia morte. Veio também a nuance violeta de hematomas e vaidade, depois azul.

Wanda parou, impedindo Shuri de avançar.

As íris de seus olhos eram vermelhas e fixos num ponto vazio. Ela escutou trechos indistintos de vozes estranhas, numa conexão mental paralela a sua e da princesa wakandana. Não pareciam ter percebido a presença das duas. Wanda sondou com cuidado,evitando se denunciar.

Azul escuro, quase preto. Viscoso.

Não era Steve.

"Segure minha mão, Shuri." A Feiticeira disse, enquanto suas escleras tornavam-se cor de sangue . A outra obedeceu e desta forma Wanda ergueu uma barreira mental sólida e intangível, para que ficassem seguras. Se insistisse, talvez captasse onde exatamente estavam e quem eram essas pessoas, mas o caminho inverso também era verdadeiro. Ficariam vulneráveis se tentasse furar a conexão psíquica. "Eles tem um telepata. Precisamos derruba-lo primeiro."

Andaram com os joelhos flexionados, próximas ás paredes e em determinado ponto, Wanda sentiu que a barreira psíquica era forteo suficiente para desenlaçar sua mão com a de sua parceira. Passando os arcos, chegariam finalmente no objetivo. A princesa deu um toque com os braços e seu traje soltou um brilho cálido e breve de eletricidade, enquanto Wanda sentiu suas mãos inquietarem-se escarlates.

A neve que caía lá fora observou as duas figuras paradas.

Sozinhas.

Você está certa. Tem algo errado.” Shuri aproximou-se de uma coluna, virando seu rosto para cima. As pinturas distantes não passavam de borrões, o brilho do ouro nos tramos e tracerias da parede era opaco. Indicou uma câmera com um movimento discreto da mão. “Desligada. Parece que alguém cortou o sistema de segurança inteiro... E não fomos nós.”

Wanda foi até onde sua amiga mostrou, depois um pouco mais a frente. Seus dedos pulsavam envoltos em luz vermelha, o que fez algo no chão reluzir. Agachou-se de joelhos e aproximou sua mão direita por cima, observando um rastro breve de sangue no piso e o comunicador quebrado.

“Aqui.” Disse Shuri, cautelosa. Indicou uma estátua alva de leão quebrada, na ponta de escadas que levavam para baixo, para o subterrâneo. “Houve luta. E uma bem interessante. Pouco rastro de destruição, mas nada de Rogers ou Wilson. Nós não sabemos com o que estamos lidando.”

Wanda sentiu um arrepio descer sua espinha, mas a sensação de frio na boca do estômago foi vencida pelo fogo do caos em seu peito. A gravidade cedeu ao seu instinto, fazendo-a levitar a alguns centímetros do chão.

“Esqueça os rastreadores. Existe outra forma de encontra-los”

Luz vermelha alcançou a silhueta de Shuri enquanto a Feiticeira Escarlate murmurava

Vegsvisir,

 Aquele que mostra o caminho


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Notas finais do capítulo

*As coordenadas de Natasha indicam o Museu de Artes, em Viena. Sim, eu pesquisei a latitude e longitude hahah E me refiro ao ato em que o Cisne morre do ballet.
*Yay, Wanda usou magia!
*Apesar de revisado um zilhao de vezes, não tenho o olhar aguçado de Clint Barton. Favor dar o relatório de missão caso encontre algum erro de gramática implantado pela HYDRA.
*Agradeço todo o incentivo para continuar escrevendo e juro que responderei os comentários assim que possível! Agradeçam também a Paparazzi, por me motivar e perguntar spoilers.



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