Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 25
Devyat' - Parte Um


Notas iniciais do capítulo

OIE.
Espero que perdoem meu atraso. Certas coisas me atrasaram na construção do capítulo, mas fico feliz em dizer que já tenho outros prontos e programados para postar ao longo desse mês. Agradeço o apoio ♥ Os comentários de vocês sempre me dão gás pra escrever o mais rápido possível, muito obrigada! ♥



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Devyat’

“Nove”

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Alguém parecia sussurrar o número “nove” nos ouvidos de Wanda, distraindo-a do mundo externo. Era menos do que uma palavra, menos do que um pensamento e menos do que uma memória, tal era sua inefabilidade. Cogitou que a ideia não era sua, talvez captada por uma mente muito próxima e intensa, no entanto aproveitava a luz daquela manhã com quem aproveitara todas as manhãs dos últimos nove dias.

Sam. Steve. Shuri e, ás segundas-feiras, Njeri também.

Corria alguns quilometros com Steve ás seis da manhã, e ele sempre respeitava sua velocidade comum, ao contrário do que fazia com Sam. Ambos trocavam palavras, conversavam coisas supérfluas e que lhes significavam tanto. Certos dias, quando ele se sentia mais azul e ela menos escarlate, mostrava alguns rascunhos no caderno de bolso que ela lhe dera de presente no Natal, orgulhoso dos traços e das cores. E aquilo os fazia sorrir.
 Ás sete e meia, Sam tirava-a da guarda do Capitão para o outro lado da arena , onde praticavam um pouco com pistolas em alvos distantes. No início, ele se atreveu a pensar que sua protegida não sabia o peso de uma arma ou a força do recuo do disparo, mas vida em Sokovia tirara inocência dela e de outros muito cedo, de tal modo que as sessões de treino foram apenas uma questão de técnica e exaustiva repetição.

No primeiro dia, isso assustou Sam Wilson. Não era natural que uma mulher tão jovem pudesse se sentir tão à vontade com os dedos repousados sobre o gatilho e olhos tão fixos no alvo, mas ele logo se lembrou. Lembrou-se do que ela era capaz, do que havia passado. Lembrou-se de Romanoff, também criada para matar.

“Tantas pessoas ali, criadas para serem armas.” Pensou. Maximoff, Romanoff, Barnes. Em certo grau, até mesmo Rogers ou ele próprio. Em outros dias, percebeu que as mãos dela tremiam e que existia algo faiscando em sua expressão, de dor e de trauma. Não era somente ele que se lembrara da guerra e da fome, e então suspendeu as armas de fogo do treinamento, na alegação de que existia atividade melhor a se fazer para deixar Clint Barton orgulhoso:

Malhar os braços. Cuidar de Agneta.

Com a ajuda de Shuri, já havia melhorado consideravelmente sua precisão e rapidez, mas não queria ainda um arco mais moderno. Seus músculos tonificavam-se a cada esticada, suas pupilas miravam longe.

Agora eram nove horas de uma segunda-feira, e ela estava sentada de forma obediente na frente de Njeri, para outra consulta. A doutora parecia fazer de tudo um pouco, trabalhar tanto com pesquisas nas equipes de laboratório quanto cuidar das pessoas dentro do palácio, inclusive os asilados políticos do rei T’Challa. Ela carregava um sorriso no canto na boca, enquanto mexia em uma pilha de papeis numa pasta.

— Bom, bom...  Sabe, atividades ao ar livre tem lhe dado mais saúde. Não está tão pálida e até mesmo estou vendo um pouco mais de seus deltoides, Wanda.

Foi então que seus olhos se encontraram diretamente pela primeira vez durante a consulta.

Já haviam mencionado brevemente sobre formas alternativas de tratamento antes, e por hora era o que a paciente punha em prática: Exercícios físicos, exposição controlada ao Sol para produzir um pouco mais de vitamina-D, novos hobbies... Ela até aprendia wakandano com Shuri e outras mulheres das Dora Milaje. Não que todas confiassem totalmente na estrangeira, mas Ayo e Aneka eram agradáveis na medida em que podiam ser.

Wanda lembrou-se de responder ao sorriso, armando-se de uma máscara convincente. Dentro de si, havia a impressão de qualquer movimento em falso poderia lançá-la de volta as prescrições de remédios tarja preta que, verdade seja dita, a faziam se sentir melhor por um período, mas se voltasse a tomá-los, seria a segunda vez num período de dois anos. Na terceira, poderia passar por uma avaliação e tomar Sertralina para o resto da vida, e somente a sugestão disso a enjoava.

— Ah, — Ela mal escutou a própria voz. — Eu tento acompanhar o ritmo.

— E está se saindo bem. — A doutora deu uma pausa breve, esperando que Wanda se pronunciasse novamente, o que não aconteceu. Silente, Njeri piscou um par de vezes antes de começar um novo tópico: — Shuri pediu minha opinião em algumas pesquisas, foi quando ela me contou que vocês duas passam a tarde juntas na Biblioteca. 

— É.

— Um progresso e tanto para quem há um mês veio à enfermaria com o olho roxo e inchado.

A boca da Feiticeira Escarlate ficou muda. Ver sua médica confusa pela dinâmica agressiva entre as duas a entretia tanto quanto soltar farpas com a herdeira do trono, ou seja, nada. Mas brigar com ela era inevitável e aparecia exercitar sua cabeça, bem como distraí-la.

Ainda que ninguém naquele dia pudesse notar, Wanda sentia sua aura rubra acesa, captando cada estímulo e, portanto, ciente de cada movimento ao seu redor. E agora, sentada numa sala fechada com poucos objetos e Njeri à sua frente, sentia sua própria respiração e batimentos cardíacos, bem como os da doutora. Os passos de alguém no corredor, o farfalhar do vento nas árvores lá fora. E o nove.

Dia nove, nove horas.

Três vezes a Tríade; os Nove Mundos de Thor; Os nove círculos do Inferno de Dante;  E de acordo com a Cabala, as nove Sephiroth elevadas depois de Malkuth, o estado mais denso e primário do homem, ou teth, a nona letra do alfabeto hebraico. Nove também era o dia do nascimento dela e Pietro, em Março.

Nove, nove, nove.  Um estranho e cultuado número.

Ela brincou com o tecido da poltrona com a ponta dos dedos, concordando com coisa ou outra que Njeri comentava sobre o dia, sobre a filha, sobre coisas que deveriam importar mais para ela. Wanda não contava muitos detalhes de suas consultas para Steve e Sam, evitando usar as palavras “psicose” e “despersonalização” na frente deles, termos usados pela doutora para descrever seu surto antes do Ano Novo, depois que saíra das lembranças do Soldado Invernal. Era sua médica agora, e para ela deveria contar coisas que não compartilharia com ninguém.

E ainda assim, havia coisas que ela não conseguia falar.

Por exemplo, o nove que era murmurado em seu ouvido, repetidamente. Ou a sede que sentia, de algo que não era água. Seu corpo estava mais saudável e ativo, mas parte de si sentia-se atrofiar enquanto seus dedos não dançassem gestos delicados e exalassem poder escarlate. Amarrada, controlada, subjugada por si mesma, para não enlouquecer, para não ferir ninguém.

E nisto, sentia inveja daqueles que podiam ser quem eram. Era triste que seu interior fosse perigoso demais e suas asas, vermelhas e em chamas, tivessem sido cortadas. De tempos em tempos, suas penas eram aparadas e ela, mantida numa gaiola.

Não cantava, por mais que existisse uma canção dentro de si. Melancólica e polonesa, extraída de um sonho. De certa forma, quebrara um voto de esperança de Bucky Barnes:

“Você ainda vai cantar? Vai se lembrar de quem é e de quem ama?”

 

Há mais de nove dias não via o Soldado Invernal e não sabia o que era se sentir livre, mesmo que debaixo de um oceano denso e escuro.

E como poderia dizer isso para alguém, sendo que na última vez voltara ferida?

— Você parece distraída hoje, querida. Algo te incomoda?

Wanda piscou e piscou, como se flagrada em uma travessura de criança. Era estranho admitir para si que sentia falta de alguém que verdadeiramente não conhecia. Mas, ela sentia que sim, e mesmo que ele não soubesse nem direito o seu nome e a tivesse visto brevemente num aeroporto da Alemanha, Wanda gostaria que soubesse.

— Eu... Eu só estou pensando. Professor Xavier chega hoje. Sam e principalmente Steve estão bem animados com isso.

Foi uma resposta satisfatória para a doutora, que concordou com a cabeça e tomou um gole de chá.

— Sim. Busca saber mais sobre a visão de 1963, não?

— Nesta história toda só temos duas constantes: James e o homem das fitas. Acho que podemos descobrir quem é o segundo se o professor analisar minha visão, digo, minha memória.

Njeri assentiu, cautelosa. Não era a primeira vez que a via chamar o Sargento Barnes só de James ou estremecer a toda vez que ouvia ou falava “visão”. Tópicos sensíveis, como tantos outros.

— Então está ansiosa?

— É. — Respondeu ela, embora não se referindo ao fundador do Instituto Xavier. — Estou ansiosa.

Já era o final da consulta e Njeri sabia que deveria deixá-la ir, pois ela gostaria de estar junto a seus amigos quando os novos visitantes chegassem. Provavelmente tinha muitas perguntas, perguntas que a doutora não saberia responder. Ela encarou novamente a jovem na poltrona, que era um mistério ao seu método analítico e catártico, envolta nos contos de fada que ouvira na infância e para sempre marcada por uma vida na guerra no Leste Europeu. Jamais pensaria que sua resposta também a assombraria:

— Ele é um bom homem. Vai cuidar de você.


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Notas finais do capítulo

O capítulo é sempre revisado, mas um erro ou outro pode passar despercebido mesmo para o mais detalhista dos Vingadores! Caso encontre algum erro de concordância e/ou gramática, favor reportar à Shal.
Espero te ver nos comentários, estou ansiosa para saber o que achou do capítulo!
PS: Respondi a algumas pessoas que faltavam poucos capítulos para Bucky despertar. Embora seja verdade, os capítulos seguintes foram escritos sob a forma de apenas um, em outras palavras, tenho que terminar mais tres "momentos" para que isso ocorra. Sorry.



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