Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 11
XI


Notas iniciais do capítulo

Oi!
Voltei com um capítulo bem movimentado pra vocês.
Pretendo abalar as coisas, de uma forma não muito gentil. Obrigada pelo apoio, seus comentários são sempre gentis *-*



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O vento queria avisá-la.

Fazia as folhas das árvores farfalharem através de seu sopro, balançava os cabelos de Wanda mais uma vez naquela tarde. O vento queria sussurrar um segredo e ela sabia. Sentiu a perturbação no ar, aquele ligeiro e quase imperceptível desconforto a transpassar seus ossos. Sentira de madrugada, quando acordara de repente e banhada em restos de sonhos, em restos de pesadelos.  A mensagem era confusa, entrecortada e ao mesmo tempo muda. Não parecia um dia apropriado para treinar com o arco.

Não parecia um dia certo em geral.

Ela piscava e a flecha em seus dedos já estava voando. Ela piscava mais uma vez e dúzias de possibilidades apareciam aos seus olhos;flechas acertando o centro, a beirada, muito à frente, ou simplesmente não saindo do lugar.

Wanda limpou o pouco de suor que se acumulara na testa. Mexeu os braços para livrá-los momentaneamente da dor da exaustão, estralou o pescoço como se provocasse sua própria capacidade de resistência. Agneta era uma ferramenta rígida e ingrata, mas não podia negar que a fortalecia a cada treino.

Braços fortes. Tinha que mostrar uma mira impecável e deltoides respeitáveis para a próxima vez que encontrasse com Clint.

Inspirou. Era apenas uma sensação, talvez causada pelo próprio ambiente que a circundava, pois a natureza de Wakanda era composta de altos níveis de mutações devido à radiação de Okuqala, no início de sua história. Muitos estímulos, muitas respostas. Ancorou a mira, os dedos que seguravam a flecha próximos a altura de seu nariz. As fibras de seus músculos se estenderam e comprimiram de maneira alternada e perfeita, descrevendo o movimento repetido de puxar a corda do arco.

A flecha zuniu perto de seu rosto e atravessou a arena no mais fatal dos silêncios, acertando exatamente o centro do alvo à quarenta metros, tal qual o Gavião Arqueiro faria.

Wanda expirou, sua respiração então gélida. Seus braços ainda estavam estendidos, a corda tensionada. Mas aquela flecha não era dela.

O vento soprou mais uma vez, de súbito e urgente, direto em seus ouvidos. Sussurrara um nome, uma possibilidade que seus olhos não haviam previsto.

Deka.

A Feiticeira Escarlate reuniu todas as suas forças para domar seus instintos rubros e tempestuosos. Virou seu torso para trás.

— Espero não atrapalhar, senhorita Maximoff. – Wanda achou bem apropriado ouvi-la enquanto estava com a mente em outro mundo. Era ela, tal qual uma pantera, silenciosa até que desejasse ser vista e ouvida. – Embora não precise de ajuda para se atrapalhar sozinha.

O tempo escorreu bem até que ela percebesse que não havia respondido e a mulher estivesse mais próxima.

— Perdão?

Deka suspirou, seus olhos desinteressados no seu arredor. Desinteressada em Wanda. Havia, porém, esboçado uma expressão intrigada para o arco tradicional que a estrangeira tinha em mãos.

— Passei a última meia hora observando você brincar com essa... Ferramenta arcaica.

Algo em Wanda ferveu.

Deka passou a mão nos seus cabelos, pondo as mechas inteiras trançadas para o lado. Estralou o pescoço e alongou seus braços bem delineados em mais um tiro, direto ao lado de seu acerto anterior. Ela então piscou seus olhos de grandes cílios e de grande sarcasmo, calada e letal.

Dizia de maneira muda e pesada, com a luz da tarde refletida em suas íris escuras, o quanto a estrangeira era patética. Duvidava de maneira absoluta de que ela conseguiria fazer o que quer que fosse, principalmente acertar o alvo mesmo que estivesse à dois palmos de distância. Encarou mais uma vez o arco inglês nas mãos de Wanda, com deboche estampado em sua expressão aparentemente vazia.

Antes de qualquer besteira, ela aproximou-se de sua pequena bagagem apoiada numa pedra retangular, talvez esculpida a laser por ser tão bem polida e ao mesmo tempo natural. Franziu a testa, pegando sua garrafa de água fresca.

 A arena era pequena e particular para os padrões wakandanos, servindo apenas para treinos reservados das Dora Milaje ou quem mais da corte assim ordenasse. Wanda e Clint treinavam ali, Stevie e Sam corriam. Scott não acompanhara o ritmo de ninguém enquanto estivera em Wakanda.

Ela fechou os olhos.

Agora era só ela, caos e... Deka?

Um arrepio rubro quis fisgá-la para pensamentos mais pesados, para sentimentos mais baixos e violentos. Para aquele vazio abissal. Os ombros dela tencionaram-se, a água fresca em sua garganta não passava de uma sensação distante feito um sonho.

Era o primeiro dia depois do Solstício de Inverno, depois de sua promessa desvanecida sobre dias mais ensolarados.

Tudo bem, ela tivera aquele pensamento. O caos a chamou de volta. Ela hesitara em responder. Tudo bem. Não seria instantâneo, nem fácil, mas aquilo tornaria-se mais e mais silencioso.

Apagaria-se.

Mas por enquanto, tudo bem. Haviam inúmeras possibilidades. Wanda poderia ignorar a rudeza de Deka. Poderia ignorá-la completamente. Poderia trocar algumas palavrinhas com T’Challa, quando este voltasse, para saber por que diabos tinha lhe enviado Deka e por que sua grosseria era gratuita. Poderia inclusive simplesmente aceitar que era de fato patética, que não conseguia acertar o alvo e que o arco inglês tradicional era ridículo. Poderia deixar tudo isso passar e ser gentil com a aprendiz.

Mas o arco era um presente de Clint, e Wanda havia feito promessas.

Cuidar de Agneta. Malhar os braços. Fingir que não era uma babaca suicida.

Poderia fazer duas das três.

— E por que desperdiçou seu tempo? Tenho certeza de que você não precisa treinar arquearia. E eu não preciso de alguém dizendo o que estou fazendo errado. – Wanda derramou doçura em seu sorriso, cada vez mais incendiário e de rubra aura. – Vê, eu não preciso desperdiçar seu tempo. E você não precisa desperdiçar o meu.

Algo reluziu em Deka. Foi um lampejo muito passageiro em seus olhos felinos, deveras sutil, mas ela soube que a atingira.

— Eu não estou aqui por vontade própria.

— Então não vejo razões para você estar aqui de qualquer modo.

Wanda notou sua visão tingir-se de carmesim. Calor emanava de seu corpo e uma vontade irrefreável de jogar tudo pelos ares fazia sua garganta arder de sede. Não, não era de Deka de quem ela sentia raiva. Elas nem se conheciam. A ira que ambas sentiam não era direcionada uma à outra.

Mas elas estavam ali e não havia nada a ser feito.

A outra deu de ombros, largando o seu arco moderno e feito de ligas metálicas desconhecidas pelo o Ocidente. A tensão que surgiu em seu rosto por breves segundos se desvanecera, mas não a agressão que suas íris transbordavam.

— Você deve ser Deka. – Disse o óbvio, de súbito consciente de que falava à aprendiz escolhida por ninguém mais que o monarca. Xingou a si mesma em pensamento, recolhendo sua energia escarlate a escapar do corpo. Deveria ter ficado quieta, deveria ter ficado quieta, deveria ter ficado...

Wanda jamais vira um sorriso tão branco, tão calculado e tão ameaçador. A wakandana ouvira o próprio nome sair da boca da outra, mas mal parecia acreditar. Piscou demoradamente.

— E você é a garota que ronda o palácio a noite. É um prazer conhecê-la. – Ela tirou a proteção do antebraço de seu membro esquerdo, jogando-a em cima do arco no chão, e apoiou sua aljava em cima da pedra polida. A Feiticeira Escarlate engoliu seco. – Sabe, Wanda... Meu rei deve ter lhe dito que minha formação está no fim e tudo o que mais quero é terminá-la logo. Arquearia para mim basta. O que você me diz de ir até as...

— Dora Milaje?

Wanda sentiu sua cicatriz acima da sobrancelha ser encarada por Deka.

— Sim. Até as Dora Milaje. Há alguns movimentos de combate que eu gostaria de melhorar, e aliás... Você me pareceu bem interessada na Guarda Real. O quê me diz, Maximoff?

O caos rugiu.

— Seria ótimo.

Pela primeira vez na conversa, Deka pareceu minimamente satisfeita.

— Excelente. Vamos, largue esse... Arco. Vamos até as Adoradas.

******

As pernas de Wanda cambalearam sem rumo, quase tropeçando em seus próprios pés sobre o piso da arena. Talvez pelo impacto do último golpe, talvez também por causa de seu instinto urgente e primitivo de sair dali. Sangue acumulava-se dentro de sua boca e o sabor dele a deixava enjoada. Ela respirou fundo, tentando encontrar equilíbrio e o mínimo de força em sua postura.

Assim que colocara os braços a frente para proteger seu rosto, outro baque veio.

Enquanto uma exclamação abafada saía de seus lábios, o tempo escorreu devagar. Wanda tinha os olhos bem abertos. Enxergou o rosto duro de Deka, sua pele negra praticamente imaculada. Mal sofrera um arranhão. Enxergou-a girar com os punhos cerrados.

Enxergou sua perna direita flexionar-se. Enxergou seu joelho vindo em sua direção.

Sua visão escureceu-se com o impacto no tronco. Não sabia se Deka quisera atingir seu rim ou quebrar algumas de suas vértebras. Talvez tivesse conseguido ambos.

Deka a circundava sem grande postura de combate, sem grandes mesuras. Caminhava de maneira elegante em suas botas reforçadas até pouco acima do tornozelo, esguia e tranquila, vestida inteira de negro. Seus ataques eram súbitos, descomunais e cuidadosamente calculados.

Havia certa paciência em sua agressão. Uma calma proposital, um toque de satisfação em verter os punhos em outro corpo.

E havia também um sorriso branco, daqueles de iluminar uma noite.

Os sentidos de Wanda estavam atordoados. Ver com o olho esquerdo era difícil devido ao soco aplicado em cima do mesmo corte quase cicatrizado por completo, e ela já mal ouvia. Era possível ainda escutar comentários entrecortados na língua nativa das Dora Milaje, que observavam a sessão de combate sem interferir um momento sequer.

As Dora Milaje também não mediam seus golpes ou a tratavam de forma mais cautelosa. É claro que não. Ainda a olhavam da mesma forma que antes, tentando-a dissuadir o máximo possível da ideia suicida de treinar com elas, mas no fim não pegariam leve nos socos, cotoveladas e ataques de bastão. Elas eram as Adoradas e não seriam menos do que isso independente do estado da estrangeira silenciosa e ferida. Mas ela não se lembrava de sentir tanta dor ou de sentir tanta ira.

No começo, até atingira a aprendiz vez ou outra. Não com força, ou muita. Arrependera-se de ter entrado na aura rude de Deka e não queria ter trocado palavras ásperas com ela. Não queria machucá-la. Sentia que não deveria. Céus, nem se conheciam!

E então vieram os socos, os chutes.  

Os olhos de Wanda tornaram-se vermelhos, bem como uma fraca aura ao redor de seu corpo. Escarlate de puro caos e agressão, de sangue a escorrer pelo seu nariz. Mal aguentava-se em pé, mas o poder encobrira seus ossos e músculos, lhe dando nova sustentação construída inteira de cólera.

Agora o mundo estava silencioso, como se aguardasse.

Wanda partiria Deka ao meio.

Ela ergueu o queixo e encarou a oponente, com os braços estendidos ao lado do corpo. Seus dedos mal se mexiam, à despeito da energia pulsante e violenta que percorria suas veias. Assumira uma serenidade que poucas vezes alcançava, aquela frieza doentia e cheia de sede. Diferente de Deka, não era uma calmaria pelo prazer de agredir. Era por fazer sofrer.

Sua adversária parou por um momento, gotículas de suor a salpicar seus poros e nada mais.

A Feiticeira Escarlate inclinou o rosto. Deka não percebera que um filete grosso de sangue se abrir em sua testa.

Wanda então notou o que estava prestes a fazer, aliás, o que estava fazendo.

Estava partindo Deka ao meio.

— Não! – Implorou para si própria, para Deka, para tudo. Não soube se fato gritara ou se apenas era mais uma exclamação dentro de sua própria cabeça, mas ela pediu.

Por favor, não.

O punho da wakandana acertou a maçã de seu rosto com tamanha força que a jogou no chão. Suas mãos apararam o impacto antes de sua cabeça, tateando a textura áspera e dura do piso. Sua respiração precária rebatia quente de volta para sua pele e para ferimento que pingava.

Eu quase... Eu quase a dividi...

O som voltara em cheio aos seus ouvidos, como se regressasse acumulado durante todos os minutos em falsa quietude. Era possível escutar as Dora Milaje e tilintar metálico de seus bastões, armaduras e escudos; Era possível escutar os pássaros ao longe. Mais uma vez, o vento soprou gentilmente nos cabelos de Wanda.

O vento quis avisá-la, ela sabia. Só não conseguia recusar a tentação do caos.

Deka aproximou-se.

— Pensei que fosse uma... – Wanda resfolegava. – T’Challa me disse que você era uma aprendiz.

Que você poderia aprender algo comigo.

A outra agachou-se de cócoras para ficar ao nível da estrangeira. Soltara um riso breve, um riso felino. A palavra “aprendiz” de certo mexia com ela, embora não se tratasse de uma deliberada provocação. Wanda estava sem o que dizer, sem o que fazer. Curtia a dor muscular e o sangue quente escorrendo pela pele enquanto tentava compreender o que acontecera.

— E ele me disse que você era uma oponente formidável. – Ela deu de ombros, resoluta. – Parece Vossa Majestade mentiu para nós duas. Espero que eu não tenha mais que perder tempo; Nem o seu, nem o meu.

Antes de se virar, Deka arregalou os olhos. Levou as pontas dos dedos à sua pele, ao sangue da testa que já escoava em direção ao nariz. Franziu a sobrancelhas e lançou um olhar pesado, cheio de assombro, à estrangeira, a qual passava as costas da mão no queixo e exibia um sorriso tingido de carmim.

— Vejo você amanhã, Deka. Tenho a tarde livre.


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Notas finais do capítulo

E entãaaao? Estou ansiosa para saber a opinião de vocês! Correções/sugestões e outros são sempre bem-vindos. Adoro botar o papo em dia! :3