Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 10
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Notas iniciais do capítulo

Boa tarde, amores!
Espero que estejam todos bem.
Muito obrigada por concederem um pouco de tempo para lerem essa fic ♥ Muito obrigada mesmo!



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Wanda expirou o ar mais um pouco, de modo que as bolhas de sua respiração viessem à tona, uma após a outra até não houvesse oxigênio em seus pulmões. Abriu as pálpebras, contemplando o brilho cálido das velas incidindo e ondulando acima de si, sobre a superfície. Silêncio. Parecia um portal no meio do vácuo, um janela fulgurante, e ela estava tão perto. Então porque sentia que afundava?

De súbito, seu corpo liberou uma descarga de adrenalina por toda a sua pele. Era hora, era urgente. Não havia mais ar.

Mas, não era assim que se sentia o tempo inteiro?

Levantou seu tronco, sua garganta puxou o ar para dentro de si. Estava sentada na banheira no centro do cômodo à meia luz, cheirando a essência de junípero e o lento queimar do pavio das velas. Passou os dedos no rosto, puxando depois os cabelos molhados para trás. Abraçou os próprios joelhos e permaneceu assim, dentro da água morna.

Um dia, lembrara ela, um dia aquele silêncio estivera preenchido. Era vivaz, algo adoravelmente inquieto. Mesmo na noite, mesmo na confusão. Mesmo que ela nem prestasse atenção, estava lá. Wanda captara os mais peculiares pensamentos dele, suas indagações, piadas tolas e até sua grosseria petulante, pingando ironia. E agora, existia aquele vazio...

Era como se algo dentro de si tivesse se apagado e a sua mente, que viera irmã com a dele, não funcionasse mais direito. Seu poder rubro sorvia ávido de todas inusitadas fantasias e tristes lembranças de quem lhe passasse por perto, lendo diversas frequências das mentes com quem cruzava. Mas... Mas havia o silêncio daquela.

Suspirou, com o queixo encostado nos joelhos. Seus olhos levantaram-se de esguelha para um dispositivo posto sobre a bancada de granito preto, com luzes ciano acezas e som pulsando de suas saídas.

Sim, aquele silêncio existia e não iria embora. No entanto, Wanda poderia se enganar como havia se enganado durante dois anos.

Do pequenino aparelho vinha a melodia de um violão e de uma voz suave, na música que Pietro tanto escutava. Ela tentara aprender a tocá-la enquanto morava na sede dos Vingadores, embora não houvesse muito tempo para praticar no instrumento. A canção perspassava no repeat pelo cômodo inteiro, tão calma e tão diferente do seu irmão.

Seus lábios sorriram.

Levantou-se lentamente, consentindo que água perfumada por sais de banho escorresse gota a gota por sua pele, levando tudo aquilo que ela queria e precisava deixar para trás.Dos seus poros, sentiu vazar sua melancolia, seu coração transbordava saudade. Não deixaria nunca de transbordar.
Ela se enrolou na toalha e desligou o aparelho.

Mais uma vez, silêncio. Dentro de si, adoráveis ecos.

*** ****

A Feiticeira Escarlate caminhava pelo o ocaso.

Suas sapatilhas pretas pisavam na grama, desviando de flores silvestres já altas do chão e desabrochando sem medo. Com a mão esquerda livre, passou os dedos nas folhagens e nas pétalas de cor suave, carregando a cesta de vime com a direita. Estava há quase meia hora de caminhada de onde saíra, na parte reservada do palácio. Sabia que não haveria perigo de se perder e que as sentinela já haviam sido avisadas, uma vez que não iria para a mata alta mais adiante, adentro da floresta, mas sim para o prado que a antecedia.

O azul do céu começou a se tingir de negro e salpicar-se de estrelas. Não haveria lua, porém, para lhe receber e lhe vigiar lá de cima. Estava em sua fase minguante e Wanda tinha consciência do que aquilo significava. Sua sombra na vegetação diluía-se a cada passo, misturando-se com a escuridão.

Era a noite mais longa do ano. Seria a mais escura também?

Por mais que Wanda fosse nativa de uma terra fria e dura, a natureza de Wakanda fora generosa o suficiente para recebê-la. Ela estranhou não sentir as maçãs do rosto gélidas ou ver o branco da neve, mas o vento a saudou. Encontrou um local adequado, com formações naturais de pedras escuras e uma visão para o horizonte. Colocou sua cesta de vime em cima de um dos monolitos e ajeitou sua saia azul marinho para sentar-se na grama.

Tirou quatro velas de dentro da cesta. A primeira branca; a segunda verde; a terceira azul e a última vermelha. Acendeu-as uma por uma com a versão menor e wakandana de um isqueiro, depois acendeu um incenso de pinho. Entre as velas, depositou cristais coloridos e pontiagudos.

Para os que foram. Para os que ainda estavam aqui.

Os olhos dela observavam as chamas, suas íris também flamejantes. A escuridão serena lhe abraçava, e ela afinal decidiu abraçá-la de volta, abraçá-la bem apertado porque a escuridão fazia parte de si. Da ponta de sua língua, queriam saltar poucos dizeres. Não sabia se era uma oração, um pedido, um desabafo. Não sabia, no entanto precisava dizê-los e assim o fez. Sem nem bem formulá-los, ou ouví-los roucos, os disse.

Pela Lua minguante que desintegrava tudo abaixo dela, pela promessa pelos dias de Sol que viriam. Por ela. Por Pietro. 

Colocou três ameixas em cima da pedra. Aspirou o perfume que lhe lembrava de casa.

O vento soprou forte mais uma vez, levando embora as palavras murmuradas pelos lábios de Wanda, mas não o fogo.

Nunca o fogo.

*** ****

— Olá, James. – Ela disse após alguns minutos o observando e comendo um pequeno bolo de nozes endêmicas de Wakanda. A sala era mais fria devido à câmara de criogenia em que o melhor amigo de Stevie estava, de modo que ela puxou seu casaco verde e cruzou os braços. – Acho que sabe que os dois não estão aqui. Foram pra Veneza. Steve te contou. Sei que sim.

Aproximou-se, o rosto inclinado.

— T’Challa me convidou para assistir o festival de Solstício de Inverno. Têm um nome pra ele, mas não me lembro agora. Kubuya... Kubuya alguma coisa. Só não achei apropriado um rei se preocupar comigo durante seus ritos, sendo que vai viajar pouco depois também. Mas ele perguntou de Deka. Estranhou eu não tê-la visto ainda. – Deu de ombros, o pingente de olho-de-gato movendo-se gelado sobre a sua pele. – Está bonito lá fora. Todos estão celebrando, com cores quentes e lanternas artesanais. É tão estranho...É início do inverno. Quero dizer, aqui não é tão rigoroso quanto eu e você conhecemos, mas...

Ela não completou a frase. Nem tinha bem refletido no que iria falar. Estava só pensando alto.

— Eu não me sinto no clima de festejar o sol, entende?

Então ela riu. Era tão tola! Estava conversando com um homem posto para dormir numa câmara criogênica, sobre as festividades wakandanas que não se sentia honrada em comparecer. Nada daquilo fazia sentido.

As coisas não faziam sentido há anos.

— Sabe, Stevie me contou que você tinha voltado das compras quando ele foi te ver, em Abril. Antes disso tudo. Você tinha comprado ameixas. Achei isso tão... Normal. Vivendo uma vida, num apartamento na Romênia. – A voz dela entalou na garganta. – Talvez tivesse sido feliz antes desse problema todo começar. Talvez...

As possibilidades orbitaram a cabeça dela. Será que ele tinha vizinhos que gostava, ou será que queria adotar um cachorro? Será que esperava a semana inteira para assistir alguma série à noite, ou saía aos sábados? Como é que lidava com o mundo tão diferente, em pleno 2016? Como é que ele conseguia dormir à noite, com o som de disparos ainda ecoando em suas memórias? Com a imagem de uma garota ruiva sendo sufocada pelas próprias mãos?

Ela gostaria de perguntar. E gostaria que ele lhe ensinasse seu segredo.

— Stevie diz que não tem nada de errado comigo. Que não... Que não tenho um código também dentro do meu cérebro posto pela HIDRA. Como você. Mas, se ele estiver errado?

As mãos dela ficaram agitadas, acariciavam o pingente no pescoço, estralavam os dedos.

— Eu só fico esperando. Esperando o dia acabar. Esperando pelo dia em que vou explodir. E ás vezes acho que os outros também ficam esperando por isso. – Ela suspirou, lutando para que seus olhos não vertessem em lágrimas. – Desculpe, James. Talvez você estivesse melhor se eu não... Se eu não...

Então, por mais que desejasse pedir perdão e por mais que desejasse que tudo fosse diferente, Wanda decidiu poupar o pobre homem de suas palavras débeis e de aguda fraqueza. Nada mudaria. Ele nem estava escutando.

— Hoje é o começo do Inverno. A noite mais longa do ano. Sei que... – Sorriu. – Sei que sabe de tudo isso. Steve contou que você o levou numa feira de Ciências e até que gostava. – Wanda recuperou o fôlego. Só ela mesmo para rir e chorar conversando sozinha. – São tempos de esperar pelo Sol. Achei que hoje seria seu dia também. Você foi o Soldado Invernal. Eu sou a Feiticeira Escarlate. Acho que nós... Nós dois estamos esperando por algo. Seja lá o que for.

Wanda pegou uma ameixa da cesta, a qual deixara no chão. Colocou a fruta da estação sobre uma mesa próxima à câmara. Não importava o que os cientistas achassem quando a encontrassem pela manhã.

— Boa noite, James.


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Notas finais do capítulo

Sugestões/ correções/ comentários são sempre bem-vindos!



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