O Rebelde de Ferro escrita por ValentinaV


Capítulo 8
Os estábulos


Notas iniciais do capítulo

Tenham uma boa leitura :)
Por favor, leiam as notas finais.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/697273/chapter/8

Amora não parava de bater os dentes atrás de mim. Eu tinha pego a dianteira para traçar um trajeto seguro por entre as trilhas mais vazias do castelo, e fiz isso apenas porque sabia que ela não pensaria em nada naquele estado, ou então eu poderia ser questionado sobre como sabia de tantos caminhos escondidos sem nunca sequer ter estado no castelo.

A noite caiu rápido. Fizemos uma volta grande até chegarmos perto dos estábulos, exatamente no mesmo local em que havíamos nos encontrado mais cedo e que dera inicio a toda a competição.

Mandei que ela esperasse encostada em uma árvore grande, enquanto eu ia checar o local. Fui andando agachado até chegar em uma das esquinas da construção retangular e térrea de concreto e madeira. Todas as luzes de dentro estavam acesas. Fechei os olhos para aguçar a audição, mas não ouvi nada. Nem os relinchos dos cavalos. Quieto demais.

Virei a esquina por fora e entrei agachado pelo portão de trás, mas não esperava que ele fizesse tanto barulho. As trincas enferrujadas guincharam e qualquer um que estivesse ali dentro já poderia saber que havia um invasor entrando.

Fui rápido e corri para me esconder dentro da baia mais próxima, que estava aberta. Entrei e encolhi-me no chão, fechando os olhos de novo para ouvir melhor.

Sem barulhos, sem passos. Esperei o tempo suficiente que aprendera na academia, para poder voltar a fazer o reconhecimento do local. Saí da baia e devagar percorri o longo corredor olhando cuidadosamente dentro de cada um dos cubículos onde os cavalos deveriam repousar. Mas não havia nenhum. E não havia ninguém. Já haviam passado por ali e levaram absolutamente todos os animais.

Saí pelo portão de trás e avistei a cabeça de Amora, nada discreta, me olhando por detrás do tronco onde mandei que esperasse. Fiz um sinal para que viesse, e ela veio mancando devagar, toda encolhida e com o queixo batendo.

Quando a garota chegou, e subiu o olhar para mim, não pude deixar de me amaldiçoar mentalmente. Suas bochechas e lábios estavam completamente roxos, e seus dedos já tremiam sem o menor controle. Eu sabia o que deveria fazer, mas de algum modo travei e não consegui mais olhar para ela.

Ao invés disso, fui procurar os mantos dos cavalos que, com sorte, estariam jogados em algum canto do estábulo.

— O-os man... Mantos – a voz de Amora murmurou tremendo atrás de mim, parada aonde eu a havia deixado – Deveri-riam estar no a-armário do ou-outro lado.

Corri, aflito pelo estado em que ela já estava, e por estar travando no momento que mais deveria estar agindo. Saí pelo portão da frente, e à direita havia um balcão de madeira cheio de ferramentas bagunçadas e três pares de portas de madeira embaixo, provavelmente o local que ela indicara. Abri todas as portas até achar uma pilha de tecidos grossos e escuros. Eram os mantos.

Antes de fechar o armário, porém, vi um objeto reluzir em minha vista e percebi ser um lampião velho e empoeirado. Peguei o objeto e com a mão, tateei o fundo do armário até encontrar exatamente o que eu precisava: um isqueiro.

Se o lampião ainda tivesse combustível, poderia aquecer as mãos de Amora.

Fechei o armário, mas antes ainda que pudesse voltar, avistei um uniforme grande, com calça, luvas e camisa de manga comprida, pendurado na parede pelo esquecimento de algum funcionário que lá o deixara. Peguei as peças e voltei correndo pelo corredor, mas Amora não estava mais parada aonde eu deixara.

— Princesa? – chamei, já pensando no pior.

— Martin – uma voz fina veio de três baias à minha frente, do lado esquerdo.

Fui até o cubículo, e encontrei a garota em posição fetal no chão, segurando as pernas e tremendo muito. Um bolo se formou em minha garganta, e minhas mãos começaram a tremer de nervoso. Respirei fundo e ajoelhei no chão ao lado dela, deixando as coisas que trouxera do outro lado.

— Vossa Alteza, precisa retirar esta roupa molhada – eu encostei nos pulsos dela e com um pouco de força tirei suas mãos duras de seus joelhos – Tente relaxar o abdômen, pois quanto mais tremer, mais frio sentirá.

Ela parecia não me ouvir. Estava com os olhos cravados no teto e não se movia conscientemente.

— Princesa – chamei-a, esperando que voltasse ao normal.

Não recebi respostas, apenas batidas de queixo que já começavam a me levar à loucura. Sem mais poder hesitar, levantei o tronco dela com considerável força e apertei suas bochechas, trazendo seu rosto para perto do meu.

— Amora, olhe para mim – eu falei alto – Amora! Acorde!

Os mesmos olhos que apareceram em minha mente no fundo do lago, piscaram algumas vezes com força, até que focassem em mim, finalmente.

— Você precisa me ajudar – eu disse, sabendo que ela já me ouvia – Consegue se trocar sozinha?

Em meio a alguns espasmos, sua cabeça fez que não, do modo como eu previa e temia.

— Fique sentada e não se encolha.

Peguei uma das mantos que trouxera e estendi no cubículo, que era de longe, a melhor baia do local. Estava limpa, sem dejetos e pelos de animal algum, o que indicava que Amora ainda raciocinava há poucos minutos quando escolheu o local para ficar.

Peguei o lampião e tentei acendê-lo, mas não consegui. Parecia velho demais, talvez quebrado. Praguejei, e deixei-o do lado, sendo forçado a fazer o que eu tanto estava evitando.

Para quem estava confiante no primeiro dia, você virou um frangote.

Sim. Eu – ou meu lado mais realista – tinha razão. Em comparação à confiança que demonstrei no jardim, eu parecia uma menininha assustada que perdera a boneca.

Patético.

Dei um tapa forte em minha própria bochecha e voltei a realidade. Sempre funcionava.

Abaixei novamente ao lado de Amora, que parecia fazer enorme força para ficar na posição que estava. Puxei-a para o meu colo e andei até onde o chão estava forrado. Coloquei-a com cuidado e esticando suas pernas, retirei seus tênis encharcados. Depois retirei as meias e então, sem olhar para ela, segurei o cós da calça grudada em seu corpo e comecei a puxar para baixo.

— Ai!

Levei um tapa na orelha. Como ela tinha acertado tão bem?

— Se ficar assim, vai morrer congelada!

— E-eu vou t-tirar. – ela disse, quase sem voz – M-manto.

Só depois que a garota apontou para a pilha de mantos, que eu entendi o que ela queria: privacidade. Peguei um manto e coloquei sobre ela, para que pudesse se trocar sem que eu a visse. Deixei o uniforme também ao seu lado e virei-me de costas, mostrando respeito à garota.

— P-pronto.

Voltei-me a ela, e a vi com as roupas largas, ainda debatendo-se de frio. Parecia mais roxa que antes. Então eu teria mesmo que fazer. Tirei a camisa gelada que grudava em meu corpo e notei que a garota se assustara e se encolhera, enquanto fitava meu peito sem nada cobrindo.

— E-eu v-vou gritar – ela avisou.

— Não seja tão tola – eu disse impaciente, segurando o penúltimo manto que trouxera – Eu não farei nada com você. Só preciso te esquentar, então não dificulte a minha vida.

Ela engoliu seco e se encolheu mais ainda.

— Não pense que eu estou gostando disso – eu disse, retirando meus sapatos, meias e calça – É tão embaraçoso quanto para você.

Eu não pretendia ficar quase pelado para a princesa nunca. Não chegava a deseja-la de maneira alguma, e então fui pego tão de surpresa quanto ela parecia estar. A sorte era que eu usava uma cueca discreta e que não marcava nada, embora estivesse molhada também.

Estendi as roupas molhadas e senti o frio percorrer meu corpo. A adrenalina começava a dar trégua, e eu começava a sentir pequenos tremores no abdômen. Peguei o último manto e sentei um pouco longe da princesa, estendendo o tecido sobre nós dois.

— Deite de lado.

Amora hesitou por alguns segundos, até ceder a mim, ou ao frio que lhe atormentava.

Ela se deitou encolhendo os braços e pernas, e começou a tremer mais ainda. Reação normal de seu corpo, já que o sangue agora circulava em uma altura só. Deitei-me atrás dela, e lentamente encaixei meu corpo ao seu, envolvendo-a com o braço direito por cima de suas costelas.

Sua respiração estava rápida e aos poucos podia sentir as batidas violentas de seu coração na parte onde meu braço encostava em suas costelas. Peguei uma de suas mãos e entrelacei meus dedos nos pequenos dedos dela. Minha mão estava fria também, mas logo começaria a aquecer e ajudar aqueles blocos de gelo derreterem.

Com a outra mão, empurrei os cabelos emaranhados dela para cima e encostei meu queixo em sua nuca, assim minha respiração também a aqueceria aos poucos.

Fechei os olhos com medo de dizer ou fazer mais algo constrangedor ali. Concentrei em voltar minha respiração no ritmo quatro por quatro e comecei a pensar no que poderia estar acontecendo no castelo. Eu queria ter ido para lá, mas a princesa teria caído no meio do caminho, dura como o gelo, caso continuássemos. Não estávamos exatamente em um local seguro, mas a chance de alguém vir até os estábulos já vazios era pequena.

Aos poucos, senti as costas de Amora relaxarem, e sua tremedeira excessiva passou. Suas pernas se afrouxaram e esticaram um pouco, e seu ombro se soltou. As mãos começavam a estar em uma temperatura não gélida, o que era um grande avanço.

Foi quando ela reuniu forças para, sem tremer, falar:

— Muito obrigada.

Não respondi. Não queria começar a pensar novamente naqueles olhos, e no que quase fiz a ela.

— Você salvou a minha vida três vezes hoje.

Os invasores, o afogamento e a hipotermia.

— Eu fiz o que deveria fazer – resumi, sem forças para dizer muito – Por favor não fale muito, para poder se aquecer mais rápido.

— A minha dívida é eterna – ela jurou, solene – Não importa o que aconteça com...

Amora soluçou, de repente, fazendo-me abrir os olhos. Seu pescoço fino e seu corpo pequeno pareciam tão frágeis que poderiam partir a qualquer momento ali mesmo.

— Os guardas protegerão o castelo e seus pais – eu disse, sabendo o que ela pensava – Não se preocupe.

— Muitos morreram por mim – ela parecia não acreditar nas próprias palavras – Eu os conhecia desde criança. Suas famílias vão chorar todos os dias, e eu sou a culpada pela morte deles.

Ela voltou a se encolher e tirou a mão que estava entrelaçada à minha. Ergui minha cabeça, para olhar por cima dela.

— Não repita isso – eu disse firme – A culpa não é sua. Aqueles homens morreram com honra, fazendo o que escolheram fazer. Morreram por Ilea, e a culpa é de quem atirou neles, e não sua.

Amora virou o rosto para me fitar, e de repente não existia distância entre nós. Seu nariz arrebitado encostou no meu e seus olhos azuis e profundos mergulharam dentro de mim. Uma sensação ruim percorreu meu peito, e eu não sabia mais o que estava falando antes, tudo se apagara em poucos segundos.

Agora sim, eu via o que realmente tinha naquelas íris translúcidas, e não era inocência: era pureza. Embora toda sua vida, família e status real estivessem sob grande risco, Amora estava preocupada e se culpando pela morte de seus guardas.

Ela era a pessoa mais pura que eu jamais conheceria.

E isso fazia com que eu quisesse me afastar dela, ou melhor, nunca mais vê-la. Nunca mais precisar mentir, ou encarar aqueles olhos sabendo que em algum tempo, eu os trairia. Que eu já estava os traindo.

Voltei para trás da cabeça dela, sentindo-me sufocado.

— Por que não me beijou? – ela perguntou com um tom estranho.

 Engoli saliva, mas o bolo em minha garganta ainda estava lá. Mordi a língua antes de mentir:

— Não vou me aproveitar de você nesse estado.

Ela suspirou. O que aquilo significava?

— Eu nunca estive com alguém assim.

Meu coração estava disparado. Mas que droga. Por que ela tinha que tocar em assuntos íntimos naquele momento? Ela não deveria fazer isso nunca, ela só... Deveria casar comigo. Sem mais delongas.

— Se quiser se afastar quando estiver quente, é só avisar – eu disse, tentando contorna-la.

— Não, assim está bom – ela murmurou, como se não quisesse ser ouvida – Você me traz segurança agora, Martin.

Agora.

— Já esteve assim com alguém antes?

— Não – menti – É a primeira vez.

Amora suspirou de novo. E de novo eu não sabia o que significava.

— Acho que no fim das contas, o destino deu o que você pedia.

— O quê?

— Algumas horas comigo – ela deu uma risada abafada – Talvez fosse melhor não ter pedido.

Por reflexo, abracei-a mais ainda por cima das costelas, e ela pareceu se confortar com aquilo. E o mais estranho de tudo, era que eu passara a ficar confortável com ela.

Comecei a sentir minhas pálpebras caírem. Antes que o sono me arrebatasse, respondi quase inconsciente:

— Eu pediria de novo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Meus/minhas queridos(as) leitores, lhes peço que deixem um comentário pelo menos para avisar se estão gostando ou não, e o que esta passando na cabecinha de vocês!
É muito desgastante escrever no escuro, sem saber o que posso melhorar e o que devo continuar. Por favor, me ajudem a melhorar a história para vocês mesmos!
Alguém aí já entendeu como Martin funciona? O que exatamente ele quer? Palpites?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Rebelde de Ferro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.