O Rebelde de Ferro escrita por ValentinaV
Notas iniciais do capítulo
Clima de Olimpíadas, galera!
UHUUUUU
Não consegui dormir pelo resto da semana.
Após a eliminação de Nathan e mais seis concorrentes, todos ficaram tensos. Eu perdia o sono não pela chance de ser eliminado, mas sim de começar a perceber que a princesa não era exatamente como deveria ser. E isso estragava todos os cálculos feitos em minha mente até então.
Ela não apareceu em público por dois dias inteiros. Comecei a malhar em turnos vazios nas academias para não ter que ouvir tantas abobrinhas quanto eu já ouvia no Salão dos Homens. À noite, saía para mapear os pontos fracos do castelo e logo que percebia já era de manhã novamente.
No terceiro dia fomos convidados a jogar vôlei em uma das quadras que havia na ala Oeste do castelo, mas a princesa só deu as caras para pegar no braço de Shang e sumir pelo castelo. Aquela atitude deu um tempero a mais nos jogos, e os caras bateram com muito mais força na bola do que precisavam para marcar pontos.
Nada como a raiva para esquentar os ânimos.
No dia seguinte, antes do sol nascer, fui correr como o de costume. Na segunda volta pelo perímetro do castelo, porém, quando estava chegando perto dos estábulos, tive a súbita vontade de olhar os animais. Mudei a rota e entrei no estábulo, andando mais devagar para não assustar nenhum deles.
Meu barulho, porém, não passou despercebido. O primeiro cavalo, que parecia dormir dentro da baia relinchou inquieto quando me aproximei. Ele, claramente, não era um animal para se montar sem conhecer. Passei para a segunda baia e ela estava vazia. Na terceira, porém, um fantasma, ou quase isso, me assustou de forma impiedosa.
— Achei que ia continuar correndo em círculos pelo resto do dia.
Ela riu da minha posição de defesa. Teve sorte por eu não tê-la atacado imediatamente.
— O que está fazendo aqui? – perguntei, com o coração acelerado.
— Ora, ora – ela riu, saindo da baia segurando uma cela – O castelo é meu e você é quem pergunta o que eu estou fazendo.
Engoli seco e comecei a controlar minha respiração. Ritmo quatro por quatro como sempre.
Amora passou por mim e começou a ir embora, sem dar nenhum tipo de atenção para o nosso encontro. Por menos que eu gostasse daquilo, sentia-me descartado, e o pior de tudo era que eu estava sendo descartado pela garota que achei que poderia conquistar num estalar de dedos.
Já se deu por vencido? Por essa garotinha?
— Vossa Alteza – eu chamei com a voz controlada – Peço perdão por não ter escrito o poema.
Ela virou-se de frente para mim com um sorriso satisfeito. Com as mãos na cintura e vestida com trajes de montaria ela não parecia tão criança como no dia que encontrei Michelangelo.
Ela soltou o cabelo ondulado e mencionou com a cabeça para que eu continuasse.
— Eu achei que poderíamos nos conhecer melhor em um encontro – pigarreei, fingindo arrependimento – Sou à moda antiga, mas não tão artístico como a senhorita gostaria. Peço desculpas novamente, eu apenas queria encontra-la formalmente, e não nestes acasos que me deixam cheio de perguntas a respeito da senhorita.
Ela abriu os olhos um pouco mais, como se tivesse começado a se interessar. Foi a minha deixa para se aproximar dela. Parei em uma distância confortável para nós dois.
— Todos querem um encontro comigo, senhor Rudolf – ela deu de ombros e seus olhos azuis tornaram-se desafiadores – Por que acha que eu lhe daria algum privilégio?
— Eu não quero privilégios – disse firme – Só um pouco do seu tempo.
— Está tendo um pouco do meu tempo – ela rebateu – E aliás, foi o selecionado que mais conversou comigo, depois de Shang.
Definitivamente ela não era tão fácil de se levar como parecia ser. Respirei fundo, lembrando da cortesia que aprendi em toda a minha vida.
— Agradeço muito.
— Não, não agradece não – ela colocou um dedo de baixo do queixo, e ficou com um ar pensativo – Você é realmente um candidato com muito potencial, e eu já teria lhe chamado para um encontro se não fosse por um único defeito.
Sem esperar tamanha sinceridade, acabei recuando o corpo sem querer. Ela percebeu e apontou para mim com as sobrancelhas erguidas, como se aquilo demonstrasse algo.
— É esse o seu defeito – ela disse – Você é um grande controlador. Não o vi demonstrar insegurança, tristeza, raiva, ou até mesmo paixão, senhor Rudolf. Fico apenas tentando saber quem realmente é o senhor, sem descobrir nada. Eu queria ver suas emoções assim como vejo a dos outros candidatos.
Chocado por ser exposto daquela maneira, mudei o foco da conversa:
— E se eles estiverem fingindo certas emoções, princesa?
Ela balançou a cabeça como se aquilo não importasse.
— Eu tenho que acreditar – sua expressão se fechou e seu ar desafiador acabou – Se eu não puder confiar em vocês, como escolherei alguém para se casar comigo? Para ser o futuro rei deste país?
— O que eu quero dizer é que tenha cuidado – engoli seco, tentando parecer honesto e escondendo toda a hipocrisia de minhas palavras – Eu posso não ter lhe mostrado nada ainda porque ainda não te conheço, e por isso me pergunto como alguns rapazes podem demonstrar tantas emoções para alguém que mal conhecem.
Seus olhos grandes pareciam compreender o que eu dizia. A inocência da garota transpareceu novamente, e eu poderia ter uma nova vantagem ali.
— Eu gostaria de fazer um pedido – dei um sorriso fraco – Vamos fazer uma aposta. A senhorita gosta de esportes?
— Eu sou uma princesa – ela disse como se fosse óbvio – Sou boa em todos.
— Então eu aposto que sou melhor.
Ela riu debochada.
— Não sou fã de competições, senhor Rudolf.
— Ah, então já está fugindo antes mesmo da minha proposta.
Ela me encarou por alguns instantes, e cruzou os braços.
— Qual é a proposta?
— Escolha seus três melhores esportes e jogue comigo. Se eu vencer em pelos menos dois, quero um encontro com a Vossa Alteza, e só serei chamado de Martin, e se a senhorita vencer dois, poderá me pedir qualquer coisa.
— Eu poderia ordená-lo a fazer qualquer coisa mesmo sem essa competição, o senhor deveria saber.
— Eu sei – dei um sorriso de canto – Mas a senhorita prefere diversão às ordens, não estou certo?
Ela confirmou com a cabeça. Estendi a mão direita e ela estendeu a esquerda.
— Apostas comigo são feitas com a mão esquerda – ela disse séria.
Mudei a mão e ela apertou a minha com o vigor de um homem.
— Tenho que ir – ela falou e virou de costas – Prepare-se para jogar à tarde.
Despedi-me com uma reverência, peguei o primeiro cavalo que encontrei e fui cavalgar.
♛.♛.♛
Trapaceira!
Cochilei após o almoço e fui acordado por Troy, que avisava para me preparar para Os Grandes Jogos Da Seleção, uma competição que a princesa faria com todos os candidatos no ginásio de esportes. A espertinha usara minha brilhante ideia para facilitar sua vida e suas escolhas entre os rapazes, ao invés de competir apenas comigo.
Pelo visto eu não tinha ganhado tanta vantagem quanto pensara.
Vesti os trajes que Troy separou: calça de um tecido grosso e preto, camisa de manga comprida verde clara e um colete de couro com meu nome escrito.
Desci as escadas e fui para o ginásio rindo daquela placa na minha jaqueta, aquilo significava que Amora ainda não havia decorado o nome de todos. Eu não conseguia compreender como aquela garota funcionava: cabeça de vento e trapaceira, desafiadora e inocente, sensível e apertava minha mão como um homem. Ela não fazia o menor sentido.
— O que tanto pensa, Martin? – a voz de Shang tirou-me de meu transe mental.
— Em quais serão os esportes que competiremos – eu menti – Você é bom em algum especificamente?
— Eu dou sorte – ele colocou as mãos nos bolsos.
— Então quero você nos meus times – eu soquei seu ombro – Um de nós tem que ganhar.
Ele confirmou com a cabeça com inocência.
Quando chegamos no ginásio, tudo já estava armado e pronto para uma competição: dois alvos de arco-e-flecha, uma cesta de basquete com uma marcação no chão fora do garrafão e um palco de esgrima. A princesa estava com uma calça marrom de sarja e uma blusa preta sem mangas que dava a impressão de que seu corpo era menor ainda do que é. O cabelo preso em um rabo de cavalo e a expressão séria davam a entender que ela estava concentrada no evento que estava começando.
Nenhum sinal do Rei e da Rainha, para variar.
Um soldado ordenou que fizéssemos uma fila e entrei no meio, para não ser o último e nem o primeiro. A princesa vestia seus equipamentos para o tiro com arco com a ajuda de outro soldado. Ela pegou um arco vermelho e com uma flecha branca, esticou a corda e acertou no centro do alvo.
De repente, o burburinho dos rapazes na fila cessou, e todos ficaram embasbacados com a pontaria de Amora.
O soldado que a acompanhava mandou que o primeiro da fila fosse até o outro alvo. Outro soldado vestiu os equipamentos e deu um arco marrom e uma flecha ao rapaz baixinho que eu não lembrava o nome. Ele pegou o arco de mal jeito, mirou errado e atirou para fora do alvo.
Todos nós começamos a rir e gritar, comemorando a derrota dele.
O soldado ao lado da princesa fez um sinal para que nos calássemos.
— Cada um de vocês tem direito a um tiro. Quem acertar menos que 10 pontos está fora. Quem acertar os 10 terá novos tiros com a princesa, até que ela ou vocês façam a menor pontuação. Entendido?
— Sim, senhor! – todos respondemos.
O próximo candidato era Eric. Com o peito estufado ele mirou certo e atirou em 10 pontos.
Um “Oh” se espalhou na fila. O próximo era Lucas Ginger, o boboca mais alto de todos, que xingara a família real uma centena de vezes. Ele acertou 8 pontos e foi eliminado. Saiu xingando a competição, para variar.
Quando chegou em minha vez, a princesa, que tinha se sentado em uma poltrona estrategicamente colocada para assistir nossos tiros, se remexeu na cadeira e ficou olhando fixamente para mim. Amarrei a proteção de peito, a braçadeira e peguei o arco e a minha única flecha. Posicionei-me no local exato, estiquei a coluna, separei os pés, segurei o arco, puxei a flecha para trás, até que encostasse em minha bochecha e... Atirei.
Obviamente acertei, e passei para o lado de Eric, que era o único que já havia acertado os 10 pontos.
Depois de mim, Shang, Oliver, Phelippe e Josh fizeram 10 pontos. Jogamos novamente, e a princesa marcou mais 10 pontos.
Shang ria espantado com a habilidade dela. Amora voltou-se a sentar e esperou que nós atirássemos. Sobramos eu, Eric e Shang.
Soquei o braço do descendente de orientais mais forte.
— Sorte, hã?
— Humildade é uma característica que prezo – ele disse, rindo da minha cara.
Atiramos de novo e sobramos nós três de novo.
A princesa atirou mais uma vez em 10 pontos. Atiramos de novo e Shang acertou 8 pontos. Ele saiu e ficamos eu e Eric.
A princesa atirou novamente, mas fez 8 pontos. Atirei em 10 e Eric fez 8.
— Senhor Martin Rudolf, ganhador do tiro com arco!
Olhei para a princesa e fiz uma reverência debochada a ela, que ficou rindo. Fomos organizados novamente em fila e preparamos para o arremesso de 3 pontos na cesta de basquete.
A princesa posicionou-se primeiro no x marcado no chão e arremessou com maestria diretamente na cesta. Os rapazes gritaram, indo à loucura. Confesso que me empolguei quando vi tamanha habilidade em um corpo tão magro e pequeno. A princesa não fazia sentido.
Quem acertasse iria jogar novamente, no mesmo esquema do tiro com arco, e quem errasse já era eliminado. Sobramos eu, e mais dez selecionados. Basquete era mais popular, de fato. A princesa jogou novamente e acertou em cheio. Abri a boca, espantado novamente.
Sobramos cinco. Ela jogou de novo e acertou. Sobramos eu e Shang. Não acreditava que ele era tão bom nos esportes e havia sido tão humilde comigo. A princesa arremessou de novo e acertou. Ela não se cansava? Shang arremessou e acertou. Quando veio pra perto de mim, sussurrou em meu ouvido:
— Você vai perder agora.
— Vai sonhando – respondi, segurando a bola.
Ajeitei minha posição, flexionei os joelhos e arremessei.
Errei naquela vez. Shang começou a rir e eu soltei um palavrão alto, sem querer.
— Senhor Shang Futatsu, vencedor do arremesso de 3 – ele disse – Ordenem-se em fila para o último jogo: esgrima!
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