O Rebelde de Ferro escrita por ValentinaV


Capítulo 15
Fuga em curso


Notas iniciais do capítulo

Espero que tenham uma boa leitura :)



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Tive que sair do palácio para conferir se não havia nenhuma outra armadilha ou plano B que meu pai escondera de mim. Felizmente não encontrei nada suspeito, ninguém iria atacar o castelo aquela noite. Sentei-me em um banco do jardim leste, perto de um posto de guarda desativado e lá fiquei, olhando para a escuridão da floresta mais a frente.

Passei um bom tempo me decidindo sobre o que fazer a partir de agora. Havia recebido uma ameaça de meu pai, e outro alguém ainda tinha uma prova contra mim, a foto em que Mariana me beijava. Contado que a partir daquele momento eu estava desvinculado aos planos da Facção, eu não receberia mais instruções e seria pego de surpresa no ataque assim como qualquer outra pessoa do castelo. Me sentindo completamente inútil e impotente para resolver a situação, deitei no banco e fechei os olhos, sem conseguir pensar em outra coisa a não ser no risco que Amora corria.

Desde quando eu me tornara alguém daquele jeito? Preocupado com a princesa? Era para ser apenas um teatro, eu entrei no palácio frio como uma pedra, treinado e aprovado para a missão, e no entanto, lá estava eu agora, separado da Facção e com o coração apertado, pensando na garota que tanto desprezei durante todos esses anos.

Ela era o motivo da minha mudança.

— Oh, me desculpe, princesa. - A voz de Eric Weiss atravessou o jardim, despertando-me de meus pensamentos - Não devia te-la trazido aqui, está uma noite fria.

Não me atrevi a sair dali. Estava mais na escuridão e mais distante do palácio, e torcia para que a princesa não me visse naquele estado, jogado no banco de qualquer jeito.

— Tudo bem, Weiss. A gente pode entrar daqui a pouco - A voz da princesa estava mais baixa, por isso precisei apurar mais a audição - É sempre bom tomar um ar fresco depois de dançar com 15 caras.

As risadas polidas de Eric não foram muito convincentes, mas logo ele pigarreou e começou a falar.

— Bem, eu não a chamei apenas para isso. - Seu tom era mais grave que o normal, e eu pude identificar um certo nervosismo no ritmo de sua fala. - Gostaria de lhe oferecer este anel, que está na minha família há 10 gerações, e vem de tempos que mal podemos lembrar. Estava com a minha mãe, até agora, e eu gostaria de dá-lo a você, como um sinal de que meu coração está e sempre estará somente com a princesa.

Meu coração, de alguma maneira, estava acelerado quando parei de ouvir a voz de Weiss, e o silêncio que se prolongou por cerca de um minuto apenas fez com que meu sangue dançasse loucamente em meu corpo. O que é que estava acontecendo? Eles haviam se beijado? Abraçado? Ela deu as costas e foi embora? Bem que poderia…

Cansado da minha própria curiosidade obsessiva, arrisquei levantar um pouco a cabeça para bisbilhotar, mas tão logo que fiz o movimento, Amora falou:

— É lindo, Weiss. Estou profundamente grata por sua lealdade a mim, mas infelizmente não posso aceitá-lo, pois estaria usando seu coração de uma forma imatura.

— Como assim, princesa? - Eric parecia realmente assustado, talvez tanto quanto eu.

— Eu já tenho um homem em meu coração, e cabe somente ele. - Ela parecia um pouco nervosa ao dizer aquilo. E eu fiquei também. Quem era o homem? - De você, posso aceitar apenas a lealdade e amizade que já temos. Desculpe por qualquer transtorno.

Outro silêncio castigante durou uma eternidade, até que a voz de Eric saiu baixa como um sussurro. Eu quase não ouvi quando ele disse:

— Shang, ou Martin?

— Quando for a hora certa você saberá, Weiss.

— Então é um dos dois. - Eric concluiu num tom falsamente tranquilo - Bem, lhe devo minhas sinceras desculpas por este incômodo, princesa, mas saiba que sempre estarei aqui, esperando por você. Se for como amigo, assim será.

Ergui a cabeça até vê-los andando de volta ao castelo, e então finalmente me coloquei de pé na escuridão. A princesa dera a entender que ou Shang ou eu realmente éramos as opções, mas não podia falar ainda. Meu coração parecia querer sair do peito, e logo o medo se alastrou em mim.

Amora estava sob enormes riscos, e mesmo que eu a tivesse conquistado, de nada serviria a não ser que o reino estivesse um passo a frente da Facção. Mas para isso, eu teria de contar o que sabia, de alguma forma, e trair meu pai e minha Facção.

Voltei andando para o salão, passei por meu pai e dei uma última olhada para ele. Era uma despedida silenciosa, que apesar de tudo, deixou meu coração apertado. A próxima vez que nos encontraríamos não seria nada agradável.

Saí da festa e subi as escadarias em busca de paz. Mas quando entrei em meu quarto, minhas coisas estavam reviradas no chão, todas misturadas, e um papel repousava intacto sobre a cama, a única coisa ainda organizada ali.

Nele estava escrito: Eu já sei quem você é. Seu pai é um mito, mas não tanto quanto pensa. E havia uma foto borrada dentro da cabine do banheiro que meu pai usara para ajeitar a máscara, e seu rosto verdadeiro estava metade visível. Como alguém havia tirado foto dele dentro da cabine? Ou essa pessoa fazia parte da guarda do palácio e colocara câmeras escondidas dentro do banheiro (o que era ilegal de se fazer), ou era alguém da competição que tinha o maior controle sobre as coisas que aconteciam, e não estava ali de brincadeira. No final, ele dizia: Saia da competição no dia do aniversário da princesa e ninguém ficará sabendo do seu pai e da sua namorada gostosa.

Minha respiração vacilou, e eu tive que sentar na cama. A mesma pessoa tinha tirado as duas fotos que me comprometiam, e pedia que eu saísse da competição no aniversário da princesa, que era… Em 7 dias.

Deitei na cama e não dormi aquela noite.

x.x.x

As famílias dos Selecionados foram embora domingo após o almoço, fiquei sabendo. Não desci para comparecer na despedida, e embora Zac houvesse me enchido o saco, fiquei deitado o dia todo, dormindo ou escrevendo várias tentativas frustradas de cartas me explicando à princesa. Queimei todos os papeis no fim do dia e dormi novamente.

Segunda-feira, sentia-me derrotado. Não conseguia sequer olhar para os fartos banquetes ofertados nas refeições. Tudo parecia enjoativo, sem graça e nada apetitoso. Notei que a princesa chegou tarde para o café, e mal tocou na comida também. Parecia sonolenta e um pouco perdida, e chegamos a trocar olhares que eu não sei dizer o que significavam. Ela parecia querer me perguntar alguma coisa, mas não o fez. Lembrei-me que havia prometido que a levaria em um lugar especial no sábado junto com Shang, quando ainda pensava que corriam risco de vida, e talvez ela não tivesse entendido o porquê de eu ter sumido depois.

O pior de tudo é que todos notaram quando eu não toquei na comida do café da manhã, fazendo piadas, já que eu era um dos que mais aproveitava o cardápio do castelo. Shang e Oliver, os que sentavam comigo sempre para comer, começaram uma chuva de perguntas que eu dispensei com uma desculpa de ir para a academia.

Por sorte, aquele era o dia de folga da Seleção, Amora e a família real não tinham nenhuma programação oficial, e até mesmo os funcionários tinham um jeito mais lento de fazer as coisas, após todo o rebuliço dos convidados do fim de semana. Era compreensível, eles não haviam parado um minuto sequer de servir, limpar, receber, orientar e ajudar os inúmeros convidados.

Desviei da academia e fui cavalgar. Era a única coisa que eu gostaria de fazer aquele dia, pois ninguém me interromperia e estar com a natureza, montado em um cavalo, me deixava mais relaxado.

Montei numa égua negra, mais dócil que o cavalo que costumava a montar, e segui para o mas longe possível do castelo. Comecei com uma cavalgada rápida e depois diminuí o ritmo do galope até estar andando bem devagar, aproveitando o sol e o som da natureza.

— Você não está bem mesmo. - uma voz suave me assustou, vinda de trás. Parei o cavalo, virei-me e deparei-me com a princesa, vestida à caráter para uma cavalgada, em cima de um cavalo branco - Desde que sua família veio.

Tratei de desfazer minha cara de susto logo. A princesa me encarava de um jeito sério e até mesmo um pouco frio, o que não era de forma alguma seu costume.

— Não tenho uma relação muito boa com a minha família. - Dei de ombros. O que quer que eu tivesse que inventar, não estava vindo em minha cabeça, então resolvi falar o que desse na cabeça - Me sinto mais acolhido aqui que em minha casa.

— Você nunca falou sobre sua família. Queria saber mais sobre eles, se for possível.

O cavalo branco de Amora se agitou um pouco, mas ela o controlou e emparelhou comigo. Era óbvio que eu não gostaria de ter aquele tipo de assunto com ela. Mas meu coração acelerou assim que seus olhos azuis - gélidos, naquela manhã - se posicionaram mais perto dos meus e me fitaram longamente, esperando a resposta.

— Vamos cavalgando e conversando. Pretendo chegar até o lago da fronteira até o meio-dia.

— Ora, pretende ir longe mesmo. - Ela percebeu e pôs seu cavalo a trotar - Que bom, porque era exatamente o que eu queria.

Cavalgamos por cerca de uma hora conversando. Contei que minha mãe morrera em meu parto, e em como meu pai era obstinado e frio. Inventei uma pequena mentira quando ela perguntou sobre Mariana, acrescentando à minha história o fato de ter tido uma irmã chata que só enchia meu saco.

Eu não suportava a ideia de ter que mentir por aquela… Garota. E o pior era lembrar o quanto eu gostava de estar com ela e fazer coisas com ela, antes de chegar ao castelo. Eu simplesmente não conseguia entender o que havia em minha cabeça antes.

— Ela parecia bem chegada em você. - Amora observou.

— É. - Respondi, aflito para mudar o rumo da história - Mas o fato é que não gosto dela. E meu pai é muito complicado. E agora que estou no castelo, ele ficou pior.

— Entendo. Então preferiu evitar a despedida deles no domingo. - Ela disse, espremendo os olhos, mirando o horizonte. - Chegamos ao lago.

Apressamos o trote e finalmente chegamos às margens do Lago Billings. Desmontamos e deixamos minha égua e seu cavalo pastando livremente pela pequena colina, e então descemos a pé até a beira da água.

— Fazia muito tempo que não vinha aqui. - Ela suspirou, olhando ao redor - É um local cheio de boas lembranças, porém muito antigas.

— Por que não vem aqui com mais frequência?

— Minha mãe não sai mais do castelo. Não tem mais graça.

Notei que sua voz tornara-se mais pesarosa, e então, subitamente lembrei de sua infelicidade no baile.

— O que houve com você para que ficasse triste no baile, Amora?

Ela deu um leve sorriso.

— É tão bom não ser chamada de princesa, ou Sua Alteza, ou Majestade, ou qualquer outra nomenclatura nobre. Me sinto mais real.

— Que bom que posso lhe chamar assim, e que gosta. - Sorri francamente.

Ela respirou algumas vezes e me olhou, averiguando alguma coisa em meu rosto antes de me responder.

— Eu resolvi que confio em você para contar isso. - Ela diminuiu o tom, até ficar bem fino. Seus olhos pareciam mais úmidos que o normal, e sua postura mudou de uma hora para outra, e de repente ela parecia frágil - E o que eu te contar agora, você não poderá contar a ninguém, por favor.

— É claro! - Afirmei com rapidez e firmeza. Meu coração estava batendo tão forte que eu não conseguia controlar minha respiração. - Prometo que não contarei a ninguém o que me contar aqui.

— Ótimo. - Ela suspirou - Minha mãe têm surtos recorrentes por causa de sua doença. Ela é alcoólatra e há muitos anos tenta abandonar o vício. Aliás, eu e meu pai tentamos que ela abandone.

Isso começou quando ela abortou naturalmente seu segundo filho, aquele que deveria ser meu irmão mais novo. Caiu em uma depressão profunda e começou a beber com mais frequência para atenuar os sintomas da depressão. Obviamente a coisa saiu do controle e ela não conseguiu parar quando queria. Meu pai chegou a proibir bebida alcoólica no reino mas não deu certo. Ela sempre subornava alguém e conseguia suas bebidas. Minha mãe deixou de governar, Martin. Não queria mais saber de Ilea, de mim ou de meu pai. Se afundou em seu próprio mundo de joias, beleza, álcool e loucura. Às vezes quer provocar meu pai e aparece com um jeito provocante a rapazes mais novos, e já aconteceu isso inclusive na Seleção, você deve ter notado.

Fiz que sim com a cabeça, e ela parou para respirar.

— Até aí, você pode se perguntar: mas ela sofre por causa disso? Já ouvi histórias piores. - Ela deu um sorriso triste. - Eu também já ouvi histórias piores. Mas quando minha mãe surta, ela fica totalmente fora de si. Já ouvi horrores que prefiro não lembrar, e também já apanhei de modos que eu prefiro não dizer.

Arregalei os olhos e engoli o que quer que estivesse em minha garganta. Após dizer aquela frase, Amora caiu em prantos, soluçando e contorcendo seu rosto em uma dor tão profunda que rapidamente os meus olhos começaram a derrubar lágrimas também.

Deixei que ela ficasse alguns segundos escondendo o próprio rosto, até que me aproximei e a envolvi em meus braços, com um abraço apertado.

— Desculpa. - Ela soluçou em meu peito e gemeu de tristeza. - Eu preferia não ter dito tudo isso…

— Não precisa se arrepender comigo. - Eu deixei uma lágrima cair. E a seguinte. E a seguinte. Um sentimento de culpa invadiu minhas entranhas e eu não consegui parar de chorar - Chore o quanto quiser.

Senti minha blusa ficar molhada, mas não a soltei por todo o tempo que ela soluçou. Ficamos ali juntos, um sentindo o perfume do outro e derramando lágrimas de tristeza. Eu sequer poderia ter imaginado que isso acontecia com ela. Quando lembrei que Zac havia me falado que a rainha havia surtado na sexta e no sábado, e da súbita tristeza da princesa, percebi a possibilidade dela ter sofrido alguma agressão naqueles dias.

— Você está machucada? - Perguntei quando ela respirava melhor contra meu peito.

— Nas costas. - Ela admitiu, e eu me afastei rapidamente - Você não tocou no lugar, e já está melhorando.

— Perdoe-me. - Voltei a me aproximar e afastei o cabelo grudado em sua bochecha molhada - Amora, eu não fazia ideia… Você quer fugir comigo?

Ela me olhou assustada e só então percebi o quão sério eu tinha dito aquilo.

— Fugir?

— É, fugir. - Repeti para mim mesmo, vendo a ótima ideia que havia surgido. - Dar um tempo nisso tudo. Eu quero te levar para o mais longe possível daqui, e nunca mais deixá-la se machucar.

Seus olhos se encheram de lágrimas novamente e sua boca se contraiu.

— Você está falando sério? - Sua voz saiu embargada, e me fez piscar algumas vezes.

— Nunca falei algo tão sério como isso. Acredite.

Ela olhou para o lago por alguns minutos. Percebi que estava pensando na oferta com grande determinação. Meu estômago de repente se embrulhou e meu coração bateu de uma forma estranha. Eu estava prestes a receber uma resposta sobre…

— Eu aceito. - Ela limpou as lágrimas e me olhou firmemente - Vou te declarar como vencedor da Seleção por uma carta, deixaremos em meu quarto, mas quando lerem já estaremos longe. Todos saberão que estaremos juntos e que um dia voltaremos para assumir o trono.

— Assumir o trono?

— É claro. - Ela esboçou um sorriso. - Eu te escolhi para ser meu Rei, o Rei de Ilea, Martin. E teremos o que é nosso por direito, quando voltarmos. Para onde vamos?

Uma mistura de emoções embaralhou minha mente, e a minha primeira reação foi segurar o rosto de Amora e beijá-la. Beijá-la com intensidade, com carinho, com medo e com amor. Com muito amor. Aquilo era o amor?

— Para um lugar que ninguém nos encontre.

Nem mesmo meu pai, ou a Facção. Tudo dando certo, eu salvaria a vida de Amora, tanto das mãos de sua mãe louca quanto das de meu pai louco. Depois do golpe, eu não voltaria. Parece que de uma forma ou de outra eu estava destinado a assumir Illea: pelo trono ou pela revolta do povo. Mas, assim como Amora, eu estava abdicando daquilo tudo, para ter uma paz ainda não conhecida, ao lado dela, da pessoa que me fazia bem, da pessoa que eu amava.


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Notas finais do capítulo

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