Que época seria melhor para infiltrar uma semente podre dentro de um reino falido do que a época em que a meiga e adorada filha única dos reis estivesse escolhendo um marido para governar em um futuro breve?

Não havia época melhor. Não havia chance melhor. Não havia ideia melhor.

E era para isso que eu existia. Era para isso que eu havia sido criado. Era nisso que eu trabalhava em toda a minha vida.

— Você tem que vencer, Martin – foi a última frase de meu pai, antes que eu o deixasse na plataforma do trem – Iléa conta com você.

As rugas em seu rosto já marcavam os vários anos lutando contra a miséria e a desigualdade do país. Meu pai, Frederic Golens, era o líder da Facção Vermelha, a maior facção rebelde do país. Ao contrário do que os jornais afirmavam, era ele quem conseguia comida e agasalhos para mais da metade da população do estado de Virgo, o estado mais pobre e desolado do reino. Seu nome, porém, era divulgado como o de um criminoso, e seus feitos eram redirecionados à coroa.

“Iléa diminui a população pobre”, “Iléa consegue manter os direitos humanos básicos assegurados”, “Iléa tem queda de desemprego”.

Meu pai era quem coordenava tudo isso.

A sociedade já não tinha castas, mas os que antes eram 2, 3 e até 4, chamavam-no de O Rei Dos Ladrões. Os que antes eram 5, 6, 7 e 8 chamavam-no de Salvador. E esse era o resumo do que meu pai fazia: tirava dos que muito tinham e dava aos que nada tinham.

— Senhor Martin Rudolf? – alguém chamou pela terceira vez este nome.

Olhei impaciente para o homem que estava de pé ao meu lado. Ele segurava uma plaquinha de metal com o nome “Martin Rudolf” para ser colocada em minha nova roupa. Eu já havia me acostumado com o falso sobrenome, mas já estava de saco cheio de ser requisitado por almofadinhas que me ordenavam alguma coisa nova e irritante para fazer a cada segundo.

Peguei a plaquinha e coloquei-a com cuidado, murmurando um “Obrigado”. Por mais que a minha vontade fosse jogá-la pela janela, eu precisava manter a compostura, e era bom nisso. Calcular e controlar era o meu forte.

— O senhor está pronto e será conduzido até o salão nobre, onde a princesa lhe aguarda.

Verifiquei meu reflexo no grande espelho que cobria uma das paredes daquele lugar. Eu duvidava que meu próprio pai me reconhecesse. Estava usando uma lente de contato castanha-escura e meu cabelo diminuiu cinco dedos de comprimento. Antes ele batia em meu ombro e eu o prendia na maior parte do tempo. Agora, parecia cabelo de um príncipe, cortado e alinhado com meu rosto.

Mesmo que houvesse alguma foto minha nos arquivos confidenciais do reino, e por algum mínimo descuido soubessem de minha ligação com Frederic Golens, não me reconheceriam daquela forma.

Mas eu era uma nova pessoa apenas por fora. Por dentro, minha convicção permanecia intacta e a certeza de que tudo sairia como o planejado foi crescendo. A cada passo em direção ao salão eu ficava mais confiante. Estava preparado para lidar com a princesa irritantemente sorridente que aparecia em todos os jornais de sexta-feira.

Não é como se eu estivesse tentando a sorte. Eu havia estudado tudo sobre ela.

A semente podre estava pronta para brotar dentro daquele castelo.