Twenty One escrita por Helly Nivoeh


Capítulo 8
Kiss Me Quick


Notas iniciais do capítulo

Oi gente, tô aqui pedindo desculpas por não ter postado mês passado, logo quando Twenty One fez um ano, mas é porque minha vida tá de cabeça pra baixo e minha mente bem ferrada por causa do meu estágio.
Algumas coisas que precisam lembrar:
Thalia e Nico estavam dançando na lanchonete de Sally Jackson;
Thalia tá sem emprego desde que pediu demissão do café de Dionísio;
Will ainda trabalha no café de Dionísio, onde Nico tinha o hábito de ir todas as manhãs e onde tudo começou;

Espero que se divirtam e mais uma vez peço desculpas pelas palavras e expressões de baixo calão que estarão neste capítulo.



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"Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão - esta pantera -

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!

( ANJOS, Augusto dos. Versos íntimos).

Enquanto dançavam, o sorriso de Nico parecia verdadeiro, até mesmo o negro dos seus olhos não era mais tão opaco. Era possível acreditar que ele não passava de um menino que sorria e dançava Kiss Me Quick e, por incrível que pareça, fazia de maneira péssima.

— Enfim algo que você não é bom! — Thalia riu, segurando na mão dele para girar por dentro.

— Ah, não, eu sei dançar! — Nico retrucou, mexendo os quadris como se encarnasse Elvis em seus melhores dias. — Mas to tentando ser tão ruim quanto você pra dividir a vergonha!

Thalia lhe deu língua, fora de ritmo e agitando os braços sem um pingo de sincronia.

— Você é uma vergonha! — O Di Angelo riu, puxando-a pelo braço e fazendo-a girar mais uma vez, antes de levar uma pisada no pé de propósito.

— Pelo menos dessa vez a dança parece ser menos poética! — Thalia comentou, rodopiando sem lógica.

— Como?

— Ah, você sabe: a última vez que dançamos assim, estávamos no cemitério, praticamente em cima da morte.

— Não acho que tenha mudado. — O Di Angelo lhe deu um sorriso melancólico. — Não sobre a morte…

— Por que não?

— A morte sempre nos segue. — Nico discursou, puxando-a para si e diminuindo o ritmo dos passos. Kiss Me Quick permitia que eles dançassem juntos e foi o que o rapaz fez, ajudando Thalia a encontrar um ritmo e tornando as palavras dele mais claras pra ela. — Alguns dizem que ela é uma amiga, outros, que é má. Mas, uma hora ou outra, nos encontraremos com ela.

— Você é do tipo que acha ela boazinha?

— Acho que é inevitável. —  Nico deu de ombros e Thalia notou que ele começava a arfar. _Mas, não significa que ela não me deixa nervoso.

— Achei que você não temesse a morte. — Thalia, em parte fez chacota, a outra parte realmente curiosa.

— Eu só não temo viver, Thalia. Essa é nossa principal diferença. — O Di Angelo sorriu, aproveitando que a música havia acabado pra descer da plataforma. Sua respiração ainda era descompassada e ele estava um pouco pálido, provavelmente consequência do medicamento que havia tomado no hospital.

Thalia o seguiu, voltando pra mesa onde Percy digitava no celular, alheio à conversa deles.

— Você sentiu o que é viver quando pulamos daquela ponte. — Nico continuou o discurso com um sorriso malicioso e o tom baixo, assim que pediu um copo de água para a Senhora Jackson.  — Se quiser experimentar mais disso, se quiser esquecer seus problemas, a D’lirium estará sempre de portas abertas para você.

— E você também? — Thalia instigou, retribuindo o sorriso. — Estará de braços abertos?

— Faríamos uma troca: eu abriria sua mente e você abriria o que eu desejasse.

— Você não sabe o quanto é tentador, Di Angelo. — A Grace flertou, piscando os olhos azuis lentamente.

— Ah, minha querida, eu diria exatamente o contrário: Sei perfeitamente o diabo que sou ao lhe oferecer o pecado. E, sinceramente, adoraria lhe mostrar o outro lado do inferno.

 

(...)

 

— Não estou gostando nada disso, Thalia. — Luke suspirou, cruzando os braços. — Não acho uma boa ideia você se aproximar desse cara.

— Não é você quem diz que preciso de amigos novos? — A Grace retrucou sorrindo, principalmente, ao ver a expressão fechada do amigo. Ela apenas se sentou no balcão da loja e balançou as pernas, mordiscando um pacote de bigodinhos.

— Amigos que possam te fazer feliz. — O loiro retrucou, inclinando-se para analisar a papelada ao lado de Thalia. — Não caras problemáticos que vão acabar te deixando pra baixo.

— Você e sua teorias de amizades ruins.

— Não são teorias. Isso é real: a convivência com algumas pessoas faz mal, elas podem te deixar tristes o tempo todo. De pessoas tóxicas na sua vida, já basta eu.

— E eu? — Thalia revirou os olhos, levando a mão suja de amido até os cabelos de Luke e bagunçando-os. — Não te faço mal?

— Nós parasitamos um ao outro. É um vício.

— Por isso nunca tentou achar, Annabeth? Saber se ela está bem?

A Grace observou o corpo do amigo se retesar e logo ele ajustava a coluna, tirando os óculos de leitura apenas para fitá-la nos olhos. Ele estava sério, de uma maneira até inquietante, a cicatriz que marcava seu rosto formando uma carranca.

— Nunca procurei porque sei que isso seria pior e por que fizemos um acordo, não é?  — Ele suspirou, dando fim as brincadeiras de Thalia. — Da última vez você saiu machucada, não quero que isso aconteça novamente.

— Ok… ok. — A Grace se deu por vencida, retomando a atenção para o salgadinho. Ela observou Luke colocar novamente os óculos e voltar aos cálculos de finanças, um silêncio pesado com apenas o barulho se Thalia mastigando até que o rapaz o quebrasse:

— Você pegou carona com seu novo amigo meio morto pra voltar?

— Não chame ele assim, é cruel. — Thalia acabou rindo, sabendo que o mal humor do amigo jamais durava muito. — E não, eu não peguei. Sai da sorveteria e fui andar um pouco, refrescar a cabeça.

— Você chamou ele assim, só estou repetindo. —  Luke retrucou, desistindo de tentar se concentrar. Ele apenas se sentou no banco de frente ao balcão e franziu a testa, analisando a garota. — Essa história dele mexeu com você.

— Não exatamente. — Suspirou, amassando o pacote agora vazio. — Só me fez pensar na minha mãe. Nem consigo lembrar da última notícia que tive dela. Me pergunto se ela está viva.

— Podemos descobrir. — Luke sugeriu em um tom calmo. — Podemos procurar por ela, se você quiser. Já faz quatro anos, Thalia.

— É melhor não. — Ela negou, engolindo em seco. — Ela pode me achar e seria pior.

— Se ela estivesse procurando por você, já teria achado. Esse é o primeiro lugar que viria.

Thalia se sentiu mal, com o estômago embrulhado. Ela sabia disso, é claro, mas parte dela — uma parte tola da qual se envergonhava — ainda sonhava com uma mãe que se preocupava, que a procuraria depois de fugir de casa mais uma vez, contudo, para sempre. Mas, Luke estava certo: se Beryl tivesse procurado a filha, a polícia já teria a achado há anos.

— Tudo bem, Lia. — Luke suspirou, levantando-se e a puxando para um abraço. — Não vamos falar mais disso, nem de entrevistas e nem de nada que você não quiser, ok? Nada triste.

— Existe algo para conversarmos sobre nossas vidas que não seja triste?!

— Um dia com seu amigo meio morto e já virou macabra! — O loiro brincou, afagando os cabelos dela. — Tudo bem, senhorita Grace. Não vou mais implicar com seu amigo zumbi por hoje. Que tal vermos Game Of Throne então?!

— Achei que o objetivo era ver algo feliz!

— Tem dragões! É pra ficarmos felizes!

— Se você tivesse usado o argumento “sexo” até eu relevava, mas dragões?! — Thalia riu, afastando-o e dando-lhe um beijo estalado na bochecha. — Não acredito que você está se tornando um nerdizinho virgem!

— Ah, cale a boca, Grace! Nós dois sabemos que de virgem eu não tenho nem o nome!

— Ah, sei lá, né? Você me acusa de ser sozinha, mas se esquece que eu fui sua última namorada! Tá tão cheio de teia de aranha quanto eu!

— Fazer o que se você colocou minhas exigências tão altas?! — Luke riu, batendo o dedo na ponta do nariz dela. — Não posso namorar ninguém inferior à você! E desde que vivemos nessa friendzone mútua, o que nos resta são travesseiros com braços!

— E aquela garota loira que sempre vem na loja?! — Ela retrucou com um sorriso travesso. — Cheia de sorrisinhos? Qual é mesmo o nome dela? Melly?

— Kelly?

— Isso. Ela é bonita!

— Chegamos ao nível que você quer arranjar alguém pra mim?! — O rapaz apenas revirou os olhos, desistindo da amiga.

— Eu só disse a verdade, ué!

— Não, nem vem, Thalia: tá escrito na cara dela que é uma garota tóxica! Deve trair mais caras que é capaz de contar!

— Não sei se digo que isso é machismo ou idiotice! — Thalia revidou, dando língua.

— Não invente, Grace: Não estou procurando um par romântico! Sabemos que, das histórias, estou longe de ser príncipe encantado. No máximo sou aquele vilão que ninguém se lembre no final.

Thalia revirou os olhos, e Luke desviou os seus. Parte dele se perguntava se Thalia não percebia como aquele assunto o magoava. É claro que ele queria se apaixonar, ter uma família, ser feliz. Mas ele não poderia, não com a maldição que carregava, não com seu DNA. Ele não poderia passar para mais ninguém sua cruz, bem como não poderia se casar, podendo a qualquer momento definhar e se tornar um peso para alguém que amou.

A amizade com Thalia já era seu pecado, já era o motivo de dor, mas ele sabia que sem a amiga ficaria sozinho e já estaria insano. Eles eram tóxicos um para o outros, mas eram como droga: se faziam mal, mas não podiam viver sem o outro, não naquele momento.

 

(...)

 

Não ter um emprego não significava que Thalia ficaria à toa. Algo que ela odiava era ficar em casa choramingando, então preferiu ir para a loja com Luke na semana toda, pelo menos lá, ela poderia ajudar com os afazeres e não se sentiria um peso pro amigo.

— Thalia, não precisa limpar cada objeto desse lugar! — Luke exclamou quando a viu limpar a prateleira com óleos medicinais, retirando cada vidro e verificando as datas de vencimento. — Daqui há pouco vai estar me dando um banho também!

— Só quero ajudar!— A Grace reclamou, sentada sobre as pernas no chão. Ela já havia limpo praticamente toda a loja, uma faxina completa que já a estava deixando com dor nas costas.

— Por que não ajuda comprando nosso almoço? — Luke sugeriu, verificando o caixa. O movimento pela manhã havia sido melhor que o comum graças à um grupo de estudantes que haviam comprado alguns amuletos e filtros de sonhos. — Já estou morto de fome.

O estômago de Thalia respondeu roncando e ela riu, pegando o dinheiro que o amigo o estendia. Perto dali havia uma mercado com um dos melhores sanduíches do mundo, na opinião da Grace. Já estava tão acostumada, que nem se apressava ao vagar pelos corredores, tentando se lembrar se precisavam de alguma coisa em casa.

Thalia já estava decidindo que sim, eles tinham manteiga de amendoim em casa, quando percebeu o que duas mulheres ao lado estavam conversando.

— Solace?! — Uma delas perguntou alto, chamando a atenção da Grace. Ela tinha cabelos berrantes vermelhos em cachos volumosos, as mãos trêmulas ao tocar os lábios em um gesto de descrença. Thalia tinha quase certeza que já a havia visto no café de Dionísio algumas vezes, ela sempre reclamava de muitas dores por causa da idade avançada e demorava meia hora pra pedir um simples chá. — Não diga!

— Pois é! — A outra senhora retrucou, também vagamente familiar com os cabelos brancos presos sob um lenço. — Dá pra acreditar?! O filho da Naomi Solace é moça!

Thalia apertou os lábios irritada e alcançou outro pote, verificando a data de validade apenas para ouvir mais da discussão.

— Mas também, né?! — A ruiva sibilou. — Menino criado sem pai! Pelo menos não virou um drogadinho!

— Eu não coloco a mão no fogo por ninguém! — A segunda mulher retrucou. — Pelo menos não matou a mãe! Já te contei do meu vizinho, né?!

A Grace apertou mais a mão em volta do frasco, o sangue fervendo pra mandar as velhas pro inferno. Ela reconheceu vagamente a segunda mulher, Senhora Gorgon, se não se enganava, morava na rua de cima da sua casa e era conhecida por trocar de marido a cada dois anos, sempre que um ia parar no caixão. Logo ela ia falar de boatos de assassinato?!

— Esses jovens de hoje! — A ruiva exclamou. — Eu conhecia a mãe dele: May. Mulher louca! Não é atoa que o filho ficou assim!

— Dizem que a namoradinha dele que deu veneno pra ela! Não duvido, se me permite dizer!

— Ai, credo! Mas, então menina, conta como você ficou sabendo do menino Solace?!

— Então, meu cunhado me contou! — A senhora Gorgon continuou. — Parece que ele entrou pra vida de… você sabe, só assim ganham dinheiro. Aqui entre nós, eu reparei que ele anda recebendo visitas tarde da noite, sempre quando a mãe não tá. Um carrão que, menina!

Thalia franziu a testa, pela menção do carro, ela já podia deduzir que a tal visita se tratava de Nico. Aquelas mulheres não sabiam de nada mesmo!

— Pobre Naomi, vive naquele hospital e nem faz ideia que a casa virou um bordel!  Foi por isso que Sodoma e Gomorra foi destruída! — E, como de praxe, a ruiva já colocava a bíblia no assunto.

— Nem te contei a pior parte: — A senhora Gorgon confidenciou. — Às vezes vai só um e, às vezes, dois homens!

— Dois?!

— Nem quero saber do que fazem ali! Mas isso explica porque Naomi tava com um vestido novo semana passa…

Foi a gota d'água pra Thalia. Deixando o pote de lado, ela marchou até as senhoras, o barulho do salto da bota chamando a atenção das mulheres.

— Pois é, dá o cú dá bem mais dinheiro que dá pitaco na vida alheia! — Thalia sorriu mordaz, vendo as velhas empalidecerem. Sem pressa, ela acenou um tchau e se dirigiu ao caixa, gritando por sobre o ombro. — Deviam tentar de vez em quando! Já ouvi dizer que seu marido gosta, Senhora Gorgon!

 

(...)

 

Thalia entrou na loja xingando e resmungando, querendo voltar e enfiar as duas idosas em um pote de conserva pra ver se morriam com o próprio veneno. Por um momento pensou em Luke falando sobre pessoas tóxicas, e de fato, aquelas dali podiam envenenar qualquer um com tanta asneira que saia da boca.

— Uou, que mal humor! — Luke comentou quando Thalia jogou as compras no balcão. — Sempre esqueço que não posso esquecer de te alimentar, ferinha!

Como Thalia nada respondeu, apenas se jogou no banco e tampou o rostocom as mãos para acalmar. Luke franziu a testa e a tocou no ombro.

— Hey, o que aconteceu?

— Duas velhas ignorantes falando do Will. Chamaram ele de moça, de prostituto. Acredita nisso?!

— Já ouvi comentários assim. — Ele suspirou, afagando-a no ombro.

— Como assim?!

— Infelizmente é comum, Thalia. — Contou, o tom amargo. — Já ouvi piadinhas sobre Will também. Em todo lugar tem isso, chamar ele de moça até foi leve. Acredite, já ouvi coisa pior.

— E não fez nada?!

— Não tem muito a se fazer. Você tenta mudar a cabeça dessas pessoas, mas, muitas vezes, não adianta nada. No máximo você pode ficar ao lado dele, ajudar a enfrentar. — Luke completou, esperando alguma reação da amiga, algo completamente em vão. Ele franziu a testa, notando que havia algo mais.— Por isso está assim?! Só por causa de Will?

“Também”, Thalia pensou. Mas admitir o “também” implicaria em ter que revelar o que mais as mulheres falaram e Thalia não podia contar, não o que disseram sobre Luke.

— Sim. — Mentiu, olhando-o nos olhos.

— Se está tão chateada, por que não visita ele? Aproveita a tarde e passa no café, Will é um cara legal.

— Vai tentar me jogar pra cima de Will Solace? — Thalia revirou os olhos, preparando-se para dar uma grande mordida no sanduíche que agora o amigo estendia.

— Ah, não. Sei que ele adora roubar seus alvos. — Luke riu, mais leve. — Quantos foram mesmo?!

— Idiota! — Thalia reclamou de boca cheia, empurrando o ombro no amigo, que apenas riu. E, por um lado Luke estava certo: Apesar dos pesares, Will era um cara legal. Que mal faria lhe fazer uma visita?

 

(...)

 

Na sexta de manhã, Thalia apareceu na cafeteria. Parte dela esperava encontrar Nico, sentado em uma mesa qualquer desenhando e tomando cappuccino. A outra parte usava como desculpa ir visitar Will, já que era bem mais fácil encontrá-lo no balcão do que em casa. No final, ela não encontrou nenhum, nem outro.

Havia uma fila grande de pessoas reclamando por não serem atendidas, as janelas estavam encardidas e havia um cheiro de mofo e café queimado. Thalia franziu a testa ao se aproximar do balcão, dando de cara com o homem roliço em camisas havaianas, já vermelho ao tentar atender tantas pessoas.

Ela não conteve o sorriso ao se inclinar no balcão e estalar a língua, deliciando-se com a expressão de choque do ex chefe ao encará-la.

— Um caramelo machiatto. — Pediu, ignorando a mulher ao seu lado reclamando que em seu latte havia chantilly demais.

— Thalia?! — Lentamente a expressão do homem se transformou de choque para alívio, como uma luz no fim do túnel. — Tá, pode pegar o emprego de volta. Dá a volta no balcão, pode trabalhar hoje sem uniforme. Aquele inútil do Solace não veio trabalhar de novo, pra variar!

Thalia sorriu, pronta para dedicar um venenoso “não” para o ex-chefe, quando ouviu sobre Will, franzindo a testa. Will Solace tinha inúmeros defeitos no trabalho: era lento porque sempre era doce e preocupado demais, dando “bom dia” e perguntando o “tudo bem”, realmente querendo ouvir a resposta das pessoas; No inverno sempre chegava dez ou, no máximo, quinze minutos atrasado; Dava mais amostras grátis do que o recomendado; Mas, faltar? Will havia ido trabalhar todos os dias quando gripou e não conseguia dar “bom dia” sem espirrar umas cinco vezes.

— Will não veio? — Thalia questionou, realmente preocupada com o amigo.

— Ah, claro, está na mesa três com óculos e bigode, se passando por espião! — Dionisio retrucou irritado, derramando mais café em uma xícara, e também na mesa, para um senhor que começava a gritar. — Acha que se aquele irresponsável estivesse aqui, eu estaria aqui?!

Era óbvio que não. Dionísio passava quase o tempo todo enfiado no seu escritório, alegando cuidar da contabilidade, mas se revezava em beber, dormir, jogar paciência e assistir reality shows na tevê. Todo o trabalho sempre havia sobrado para os funcionários, fosse fazer mais café, servir as pessoas, ou lavar o banheiro em estado caótico.

— Isso está se tornando comum? — Thalia questionou, ignorando a má resposta. Mentalmente, fez as contas: tinha por volta de um mês que havia saído do emprego, desde então, só havia visto o Solace na boate de Nico e uma ou duas vezes na rua, mas não chegaram a se falar.

— Todo dia inventa uma doença diferente! Dor de cabeça, gripe, infecção… Todo dia uma desculpa diferente!

— Ele pode estar realmente doente! — Thalia argumentou, recebendo um sorriso sarcástico. — Você não tem um pingo de humanidade?! Sequer perguntou o que ele tem?!

— Não precisa se preocupar, Thalia, estou reluzente como sempre!

Thalia se virou para trás e observou Will todo sorridente dar a volta no balcão, ignorando as ordens do chefe e despejando sorrisos ao começar a atender as pessoas. Thalia suspirou e se afastou quando começaram a empurrá-la da fila, ainda preocupada ao observar o jeito calmo de Will trabalhar, cada pedido irritado sendo atendido com o sorriso acolhedor. Contudo, ele parecia diferente, Thalia notou. Mais magro e pálido, com olheiras profundas e, sempre que dava as costas, seu sorriso parecia reduzir ou sumir, como uma máscara. Ele estava diferente, abatido.

Quando serviu a última pessoa da fila, parecia mais branco ainda e um pouco trêmulo, ao despejar o que restava do café no próprio copo, tomando um gole grande antes de se aproximar de Thalia com o sorriso de chacota.

— Veio aqui ver se o Di Angelo anda por aqui, Thalia? — Provocou, olhando-a por cima da caneca.

— Ah, não, não sou igual aquela japonesinha grudenta. — A Grace retrucou, mencionando uma jovem cliente. — Qual é mesmo o nome dela?

— Drew? — Will riu. —  Tadinha, é só uma adolescente apaixonada!

— Que todos os dias vem aqui pesquisar sobre o mesmo garoto no mesmo computador. Ninguém merece! — A Grace revirou os olhos, lançando um olhar para as máquinas empoeiradas perto do balcão.

Havia cinco guichês com computadores grandes para que os clientes que desejassem — e pagassem — poderiam navegar na internet com pouca privacidade. Eram computadores tão antigos e empoeirados, que apenas dois funcionavam razoavelmente bem, era mais uma forma de acumular poeira na cafeteria. Geralmente eram usados apenas por Drew, um ou outro adolescente que parecia à toa depois da escola, ou alguém que precisava emitir algum documento rápido e não tinha como chegar em casa. Apenas Will parecia saber fazer aquilo funcionar, a Grace via a hora de um ninho de ratos se hospedar ali permanentemente.

— Você é uma cobra, Thalia! — Will riu, chamando atenção. — Cuidado pra não afogar com o veneno caindo no café!

O Solace foi respondido com um gesto obsceno e um palavrão, fazendo-o rir mais, até que uma careta tomasse sua expressão e ele colocasse a mão na testa.

— Você está bem? — Thalia perguntou, realmente preocupada. A expressão de dor de Will se desfez e novamente ele sorriu sarcástico.

— A noite ontem foi boa. Você não imaginar o que o Di Angelo aprontou.

Thalia revirou os olhos, mais uma vez “dando dedo”, decidida a ignorar Will. Como ele conseguia ser tão irritante?!

— Falando em pessoas desiludidas, olha ali a Drew.

— Sério, qual a graça de pesquisar todo dia sobre a mesma pessoa?! — A Grace retrucou, sussurrando para que a japonesa não ouvisse. — O FBI vai acabar atrás dessa garota!

— Deixa a menina ser stalker! O bom da internet é isso: você consegue achar tudo das pessoas e, quase sempre, elas nem descobrem isso. Deixa a menina ser uma bobinha platônica, você já tá idosa e ficava encarando Nico mesmo!

— Ah, cale a boca, Will!

Thalia revirou os olhos, mas a fala de Will revirava sua mente.”você consegue achar tudo das pessoas e, quase sempre, elas nem descobrem isso”. Uma ideia surgia em sua mente enquanto levantava do banco, o coração disparando ao pensar no que poderia encontrar.

 — Will? — Thalia chamou, encarando Drew ligar um dos computadores com o sorriso sonhador. — Eu preciso da sua ajuda.

— Foi mal, Grace, mas não vou arranjar um encontro com o Nico pra você. Não com o que ele sabe fazer com a boca!

— Cale a boca, Solace. Não é isso. Só quero que você me ajude a achar informações de uma pessoa.

Will franziu a testa, tentado a continuar com a chacota. Mas, ao ver o tom nervoso de Thalia, optou por ficar sério.

— Que pessoa?— Perguntou e logo Thalia o fitava, os olhos azuis mais escuros que o normal, a boca firme e os ombros tensos. Ela engoliu em seco antes de dizer, e havia medo em sua voz:

— Beryl Grace.

 

(...)

 

Nico estava sem paciência naquela noite. Pra começar, ele se sentia febril, apertando a jaqueta de couro contra o corpo tentado amenizar a sensação de frio. A batida alta da boate parecia machucar seus ouvidos, ressoando em sua cabeça, e a luzes girando o deixava zonzo. Até mesmo sua boca tinha um gosto amargo e metálico, fazendo o licor vermelho que sorvia parecer gasolina. Ele queria ir embora, obviamente, mas Percy estava demorando e a boate estava mais cheia que o habitual. Por mais que confiasse nos empregados, não poderia se ausentar.

Suspirando, ele vagou até o bar, negando seu drink favorito que Silena, sua melhor bartender, oferecia. Ele queria ir embora, se enfiar de baixo das cobertas e adormecer.

— Hey, Neeks! —  Silena gritou em seu ouvido, chamando atenção. A música estava alta demais para entender o que ela gritava, mas Nico conseguiu compreender que ela apontava para a porta, onde o rapaz alto com carranca parecia o chamar.

— Eu devia ter criado uma fábrica de colchões. — O Di Angelo resmungou novamente, desvencilhando-se das pessoas para chegar até a porta onde o rapaz, Beckendorf, ainda o aguardava. Ele era o melhor segurança da D’Lirium, principalmente com a expressão de “poucos amigos” e, quase sempre conseguia resolver tudo. Se ele chamava Nico, isso provavelmente significava problemas.

— Garota, vinte anos. — Foi o que Nico entendeu do que Beckendorf relatou, sem esperar ordem. — Sabe seu nome. Convite de Will Solace.

Nico assentiu e abriu a porta da boate, mordendo a língua para não praguejar quando o vento gelado atingiu seu corpo. Ele se obrigou a relaxar e pisou fora da boate, logo identificando a tal garota.

Com roupa provocante e lábios vermelhos, Thalia Grace parecia imune ao frio e sorria como um gato, avaliando-o.

— Então, Di Angelo. — Ela falou, aproximando-se dele e tocando-o no tórax com os dedos. — é aqui que as garotas se divertem?

Nico sorriu de canto e passou a mão pelos cabelos dela, tocando-a a nuca surpreendentemente quente. Ele percorreu o caminho por toda a clavícula com os dedos, enfeitiçado pelos olhos azuis, e tocou os lábios da garota, sujando os dedos em vermelho sangue.

— Vai me ajudar a esquecer a porra dos meus problemas ou não?! — Thalia inquiriu, mordendo o dedo de Nico levemente. Ele apenas riu e se aproximou mais, como se fosse beijá-la, mas seus lábios tocaram a orelha da Grace, surrando rouco:

— Com certeza, Grace.

 


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Notas finais do capítulo

O diálogo da parte em que dançam foi obra da linda da Mary, que sempre me anima e me inspira. Obrigada, Little Mary!

Um dos motivos que demorei foi porque, cada vez que releio o trecho em que falavam do Will eu me sinto mal, porque eu realmente ouvi falarem isso sobre algumas pessoas, além de coisas mais pesadas. E, sinceramente, nessas ocasiões não soube o que fazer.
Enfim, espero que tenham gostado e eu adoraria ouvir opiniões sobre porque a Thalia foi atrás do Nico!
Qualquer erro me avisem!
NOs vemos nos comentários? Beijos!