Twenty One escrita por Helly Nivoeh


Capítulo 6
Ave Maria


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoinhas...
Eu sei que atrasei o capítulo, mas só terminei o rascunho do capítulo hoje de madrugada, quando estava sonolenta demais para editar e tornar ele pelo menos legível...
Bom, não tem lá esses tiros, mas espero que gostem.
Dedicado à MaryDiÂngelo, que sempre me motiva e ainda recomendou novamente a fanfiction! Como te agradecer por tanta força, sweet?
Enfim, boa leitura!
Aviso: O texto a seguir contém palavrões. Eu não gosto de xingamentos, mas, ao levar em consideração o contexto social da Thalia, seria impossível construí-la sem ter ter alguns. Contudo, tentarei ao máximo evitá-los.



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— Você realmente me esperou? — Nico franziu a testa assim que saiu do consultório, mas era difícil definir se estava sendo sincero quando seus lábios estavam retorcidos em um sorriso malicioso.

Thalia somente deu de ombros, como se não fosse grande coisa:

— Você disse que não ia demorar a voltar.

O sorriso da Grace era leve, apesar de ter ficado impaciente esperando por cerca de vinte minutos. Parte dela ainda se perguntava o porquê de ter se dado tanto trabalho, a outra parte sabia que era culpa da curiosidade.

— Dar-me-ei a honra de vossa presença para saboreamos uma delicia gelada? — Nico ofereceu em uma mesura exagerada, fazendo Thalia revirar os olhos e balançar a cabeça negando a mão que lhe era oferecida, mas se levantando da cadeira de plástico azul.

— Qual é a das palavras difíceis?

— Gosto de confundir os tolos. — Ele sorriu, ainda parado ao lado do consultório. — Palavras rebuscadas velam interesses obscuros e mantém a sensualidades dos poetas. Elas serpenteiam a mente dos fracos e…

— Tá, chega Senhor Eu-Sou-Incrível-Porque-Sei-Falar-Bonito. — Thalia revirou os olhos novamente, apertando os lábios e cruzando os braços ao encará-lo. — Tem hora que parece que você tá jogando na minha cara que eu mal sei escrever meu nome.

— Perdoe-me, senhorita Grace. Mas, compreenda: Palavras complexas tem uma questão peculiar e por isso, atraem falsa companhia.

— Pode falar na minha língua, por favor? — A Grace suspirou impaciente, olhando o relógio no pulso que já marcava quase dez horas.

— Talvez eu possa, se deixar eu saborear o adocicado sabor de sua língua. — Nico sussurrou-lhe, um sorriso malicioso nos lábios ao dar dois passos em direção à Thalia.

— Existe algum momento do dia que você não flerte?! — Ela retrucou, engolindo em seco com a proximidade, principalmente quando o Di Angelo se inclinou para sussurrar-lhe no ouvido.

— Eu diria no banheiro, mas já tomei banhos bem quentes...

— Você é impossível! — A garota deu um passo para trás, sentindo o rosto mais quente que o normal.

— É por isso. — Thalia franziu a testa diante a fala do rapaz, sem entender a troca de assunto. — As pessoas acham interessante como eu falo, elas querem me usar como referência: olha, esse garoto é meu amigo e é um gênio por falar assim! Mas, elas não têm paciência por muito tempo. Se irritam quando não conseguem me entender, ou quando não conseguem me acompanhar: Elas desistem de falar comigo.

— E por isso você continua?! — Interrogou, cruzando os braços ao fitá-lo nos olhos. Havia algo de opaco no negro, como se pensasse em tantos que haviam se cansado do seu jeito.

— Veja bem, senhorita Grace: — Nico suspirou, colocando as mãos nos bolsos da calça. — Muitos se aproximam, mas poucos ficam quando me conhecem. Prefiro eliminar os parasitas de uma vez.

— Bom, eu só acho que isso faz você parecer um babaca.

— É exatamente isso, Thalia: Eu sou pior que um babaca.

— Não. Você só é um garoto... — “mimado”, Thalia se impediu de dizer. Mas Nico ergueu a sobrancelha, como se soubesse exatamente que era isso que ela pensava. — Um garoto com problemas de autoestima. Ou você se acha o Rei Supremo do Universo, ou você se coloca lá em baixo. Não sei se é apenas pra alguém negar, dizer que você é incrível e tudo mais, só pra você se sentir bem consigo mesmo. Falsa modéstia, sabe?

— Uau! — O rapaz ergueu ambas as sobrancelhas, assentindo com a cabeça ao apertar os lábios. — Você realmente me faz soar como um imbecil.

— Ah, eu tenho um radar para caras imbecis. — Thalia riu, feliz quando foi retribuída com um sorriso torto. — Parece um grande ímã.

— Você é atraída ou repudiada por eles?

— Me diga você enquanto tomamos um sorvete. — A Grace piscou, dando meia volta para caminharem até a saída, mas foi impedida quando a porta do consultório se abriu.

— Nico? — A voz da médica soou, fazendo Thalia virar-se novamente. — Não está pensando em fugir de novo, está?

Nico fez uma careta, a expressão culpada denunciando que era exatamente isso que ele pretendia fazer. Ele forçou um sorriso ao se virar para a mulher.

— Claro que não, Doutora Arrow. Só estava esperando-lhe ansiosamente.

— Você não me engana menino: eu te vi nascer. — Ártemis repreendeu, rindo e balançando a cabeça. — Nunca me enganou com esse sorriso encrenqueiro, eu disse pra Maria na primeira vez que ela te pegou nos braços que você quem daria cabelos brancos nela!

— Poxa, Artie, até parece que não me ama!

— Vamos, deixe de drama! — A doutora ordenou, ainda sorrindo, mas com uma persuasão incrível nos olhos dourados. — Se você se comportar, até posso te dar um pirulito vermelho!

Nico resmungou, suspirando para seguir a médica que lançou um sorriso doce para Thalia.

— Venha, mocinha  Não vai levar mais que dez minutos. Se esse menino ficar quieto, óbvio.

Como Nico não protestou, Thalia os seguiu pelos corredores ao lado do Di Angelo, que se remexeu inquieto ao praguejar em outra língua.

— Pode se sentar. — A doutora ordenou, gesticulando para entrarem em uma pequena sala com algumas macas e instrumentos médicos. Nico se sentou em uma das poltronas, enquanto Thalia olhava em volta as paredes de um azul bebê e inúmeros desenhos infantis. — Zoe já está vindo, espero não termos outro incidente. 

— Só peça pra ela achar minha veia dessa vez. — Nico resmungou mal humorado, fechando os olhos e respirando fundo ao recostar a cabeça no leito, sequer prestando atenção quando Ártemis saiu do ambulatório.

Thalia notou como ele apertava os dentes e engolia em seco, mais pálido que o normal, as mãos em punho e todo o corpo tenso. A Grace pensou em perguntar-lhe se havia algo errado, mas preferiu não se intrometer. Logo uma garota entrava no recinto, parecia não ter mais que vinte anos, cabelos castanhos e o olhar firme. Máscaras, luvas e o avental bordado em rosa claro mostrava ser funcionária do hospital, mas a tiara de plástico cinza sobre a toca em sua cabeça parecia completamente errada.

Ela murmurou um “bom dia” mau humorado, fazendo Nico apertar ainda mais os olhos antes de abri-los por tempo suficiente para apoiar o braço sobre a estrutura de metal ao seu lado. Thalia estava na dúvida entre observar a enfermeira preparar os medicamentos ou Nico que ficava cada vez mais tenso, mordendo os lábios a ponto de começar a sair sangue quando Zoe colocou o torniquete em seu braço.

A Grace suspirou e pousou a mão no braço esquerdo de Nico, afagando-o. Por um momento, o garoto retesou ainda mais o corpo, mas relaxou suavemente conforme Thalia lhe acariciava o braço. Pareceu uma eternidade até que Zoe lhe medicasse, Nico parecendo a ponto de gritar conforme a agulha lhe adentrava a veia, e Thalia assistiu com certo interesse e fascínio. Por algum motivo, sangue e agulhas sempre lhe chamaram atenção, ela sempre se lembrava de uma frase que havia ouvido em um filme sobre veneno e remédio e isso a fazia pensar em como o ser humano era frágil.

Quando a enfermeira enfim retirou a agulha do braço de Nico, Thalia notou uma linha negra pintada no pulso moreno. Daquela distância, ela não conseguia ler o que estava escrito na pequena tatuagem em letras cursivas e perdeu a chance quando o Di Angelo se ergueu do leito, os olhos ainda escuros e os lábios retorcidos em desagrado.

— Pronto? — Perguntou rispidamente, parecendo mais pálido que o normal. A enfermeira apenas suspirou, arrumando os equipamentos utilizados, mas foi Ártemis quem respondeu, aparecendo na porta.

— Espere um pouco, Nico. — A médica repreendeu. — Onde está Percy? Você não pode dirigir sozinho assim.

— Já vou ligar pra ele. — Nico se remexeu inquieto, obviamente mentindo.

— Pode esperar na minha sala então, estou com saudades dele.

Nico se remexeu novamente, procurando outra mentira, quando a Grace interferiu.

— Nós vamos tomar sorvete antes, Percy pode nos encontrar lá.

— Sorvete? — A médica ergueu a sobrancelha. — E o chiado em seu peito? Quer pegar uma pneumonia?

— É apenas um chiado, Ártemis. — O garoto resmungou incomodado, mas seu tom era baixo como se estivesse se controlando para não soar tão ríspido. — Nem estou tossindo! E só vamos tomar um sorvete, não dançar nus no Alasca!

— Eu só me preocupo com você, Nico. — A médica suspirou, um tanto quanto anti-profissional. — Tudo bem, está liberado para um sorvete. Mas nada de tomar friagem a noite!

— Eu nunca tomo! — Nico revidou.

— Claro, você nunca fica no sereno, não é mesmo?!

Nico deu um sorriso traidor, suscitando na memória de Thalia a imagem dele seminu enquanto pulavam da ponte. Com certeza Nico seguia as recomendações da médica!

— Vão logo, antes que eu mude de ideia e te interne.

Nico não precisou de um segundo aviso. Lançando um olhar hostil para Zoe, puxou Thalia pelo pulso dando tchau pra doutora, apressado para sair do hospital.

(...)

— Eu odeio esse lugar. — Suspirou quando enfim alcançaram a calçada em frente ao edifício, o garoto de olhos fechados e queixo erguido, recebendo com alegria os raios solares, quase fazendo fotossíntese.

— Nico? Por que um hospital infantil? — Thalia questionou, a curiosidade lhe afetando ao olhar pra faixa intimidante do prédio.

— Primeiro: Não me chame de Nico. — O garoto retrucou rispidamente, um tom carregado de sarcasmo e egocentrismo. — Pra você, é Di Angelo. Segundo, eu escolho frequentar um hospital infantil porque eu posso, porque eu tenho dinheiro suficiente para ir no médico que eu quiser, quando eu quiser.

— Olha, eu adoraria dizer palavras difíceis, mas vou ser bem direta: — Thalia exclamou alto, encarando-o nos olhos com toda sua paciência minada. — se quiser continuar agindo como um babaca, pegue seus sorvetes e enfie no seu cu. Eu não sou obrigada a aturar gente ignorante!

Thalia cruzou os braços, fuzilando-o com os olhos. Toda fragilidade de Nico exposta enquanto era medicado fora obstruída pelo olhar vexatório.

— Você perde a paciência muito fácil. — Ele comentou, um sorriso no canto dos lábios.

Nico colocou a mão nos bolso e começou a andar pela calçada, o andar leve e o corpo relaxado, como se nada o preocupasse. Thalia trincou os dentes e o seguiu ao lado, apertando os braços cruzados e xingando sua curiosidade com relação ao Di Angelo.

— Vamos tomar sorvete? — Nico perguntou novamente, sem olha-la.

— Não. — A Grace revidou, também sem encará-lo.

— Então pra onde estamos indo?

— Você eu não sei. — Ela retrucou rispidamente. — Eu vou pro metrô, preciso ir pra casa.

— Vamos, Grace. — Nico pediu, olhando-a de lado com um sorriso doce. — Conheço uma sorveteria incrível aqui. Qual o seu favorito? Flocos? Chocolate?

— Não é da sua conta.

— Eu estava brincando, Thalia. Prometo me comportar e te dar um banana split.

— Por que você quer minha companhia, afinal de contas?! — Thalia retrucou, parando de uma vez no meio da calçada ao encará-lo. —Acabou de dizer que pode comprar qualquer um! Compre um encontro com uma vagabunda, ela terá muito mais paciência!

— Você não pode me deixar sozinho! — Nico argumentou exasperado. — Já pensou se eu desmaio enquanto atravesso a rua e sou atropelado por uma velhinha em um carro de 1980? Não é um jeito digno de morrer!

— Oh, desculpe! Vou procurar alguém com uma Ferrari pra te atropelar! — Thalia retrucou, apressando os passos

O Di Angelo esperou um segundo, revirando os olhos e respirando fundo para tomar fôlego antes de se impulsionar para frente, puxando a mão da garota e correndo o mais rápido que podia, quase arrastando-a.

— Que porra você tá fazendo?! — Thalia gritou, mas Nico somente riu, pedindo “licença” conforme empurrava as pessoas para dobrar as esquinas. — Onde está me levando?!

— Sorveteria! — O Di Angelo arfou, diminuindo a velocidade quanto mais seu fôlego acabava, porém não soltando o aperto da mão de Thalia, mesmo quando parou, respirando exasperado e o rosto vermelho.

— Você é louco! — A Grace exclamou ofegante ao parar do seu lado, preocupada quando o garoto cambaleou, empalidecendo. — Não devia ter corrido!

— Você não me deu escolhas, Grace. — Seu sorriso, como sempre, era meio torto, puxado para a direita, algo entre malicioso e acanhado, o que deixava Thalia sem escolhas: ela o correspondeu enquanto revirava os olhos. — Então, virás em minha companhia por livre e espontânea vontade ou serei obrigado a chamar a emergência conforme venho a falecimento por ir contra minhas indicações médicas?

— Você é tão dramático! — A garota exclamou, olhando para o céu como se suplicasse mais paciência ou que Nico sumisse da sua frente.

— E persuasivo. — Nico ofereceu, apertando-lhe a mão e a puxando para frente, desta vez mais lento. — Não esqueça de persuasivo!

Thalia balançou a cabeça ainda sorrindo, deixando que ela a guiasse pelo caminho, aproveitando a sensação das mãos entrelaçadas.

— Há quanto tempo você faz esse trabalho? — A curiosidade venceu Thalia depois de um tempo, fazendo-a quebrar o silêncio confortável. — De visitar as crianças?

— Não sei dizer. — Nico deu de ombros. — Eu quase cresci naquele hospital, então sempre estive naquelas salas e fiz alguns amigos. Mesmo quando eles trocavam de hospital ou iam embora. Quando conheci Percy, nós tínhamos uma amiga que adorava fazer isso e, então, nós começamos a ir juntos um pouco antes das minhas consultas. Ficávamos brincando com as crianças, cantando, rindo… Era a melhor forma de escapar de tudo isso. E ainda é.

— É um trabalho bonito esse.

— Sabe, sua vida pode estar pendendo para a melancolia, mas às vezes tem como alcançar um equilíbrio, tornar a dor mais tolerável.. — O rapaz murmurou, parecendo falar mais para si, mergulhado em pensamentos ao observar as pessoas que passavam por eles andando apressadas pelas ruas. — Todos nós temos nossos próprios problemas, ninguém sabe o que acontece realmente na cabeça, na vida de alguém… Todos precisamos de uma válvula de escape.

Thalia balançou a cabeça assentindo, sem saber exatamente o que dizer daquilo. Eles ficaram em silêncio por alguns segundos, lentos em seus passos, cada qual refletindo sobre seus problemas.

— E você? — Nico a surpreendeu, chamando-a de seus pensamentos sobre uma mãe problemática. — Já tinha feito algo assim?

— Não… — A Grace suspirou cabisbaixa. — Isso nunca tinha me passado pela cabeça.

— Mas você se dá bem com crianças.

— Sim… — Ela sorriu nostálgica ao pensar nas poucas lembranças boas que tinha da infância. — Quando eu tinha cinco anos, ganhei um irmãozinho. Eu adorava cuidar dele, passava horas só tentando fazer ele rir, brincando com ele quando ele acordava chorando de madrugada. Eu ensinei ele a andar e até a falar “Eu sou uma batata”.

— Por que “eu sou uma batata”? — Nico interrogou, rindo ao imaginar uma criança dizendo aquilo.

— Por que não uma batata?! — Thalia retrucou, também não sabendo o porquê da frase. Ela  só se lembrava da mãe reclamando e gritando pra que ela deixasse o irmão em paz.

— Você parece uma irmã babona. — O Di Angelo suspirou, pensando em como sua própria irmã havia sido daquela forma. — Do tipo que travaria uma guerra só para protegê-lo. Aposto como ainda deve ser assim.

O sorriso de Thalia se tornou opaco e ela suspirou, olhando para o céu límpido e lembrando dos olhos azuis daquele mesmo tom que seu irmão tinha.

— Não… — A Grace sussurrou. — Não mais… Eu o perdi há muito tempo… — Nico apertou-lhe a mão suavemente, incentivando-a a falar, mas ela apenas apertou os lábios, tentando dissipar as lembranças agridoces. — Mas também teve uma outra menina, só não sei se posso dizer que eu cuidei dela.

— Me conte sobre ela. — Nico pediu suavemente.

— Bom, eu tinha dez quando conheci Annabeth. — Thalia sorriu novamente, lembrando-se da amiga. — Ela tinha sete, mas era muito inteligente, acho que até mais do que eu sou agora. Éramos apenas eu, ela e Luke, uma pequena e estranha família, sabe? Tinha o sonho de ser arquiteta e parecia saber tudo sobre isso, falava horas e horas sobre pontes, casas, arcos e um  monte de outras coisas. Era inteligente em um nível assustador!

— Acho que minha irmã me descreveria assim. — Nico riu, lembrando-se das discussões com a garota.

— Que você também é um gênio? — Thalia revirou os olhos vexativamente.

— Não, que eu falava horas e horas sobre a mesma coisa. — O Di Angelo explicou, um tom saudoso e até melancólico, apesar do seu sorriso. — Meu último vício desse tipo foi um jogo de cartas,  Mitomagia. Eu fazia ela ficar acordada até tarde jogando comigo, escutando eu contar mil histórias sobre mitologia grega, piratas… Bianca às vezes perdia a paciência por causa disso, mas sempre jogava de novo quando eu fazia um bico e derramava algumas lágrimas.

— Chantagem emocional! — Thalia acusou rindo, fazendo Nico assentir vermelho.

— Ah! Só um pouco! — Ele se defendeu, puxando-a para dobrar mais uma esquina. — Eu também aguentava ela falando horas e horas sobre as aulas de arquearia, garotos bonitos e famosos e, o pior: medicina!

— Medicina? — Thalia ergueu a sobrancelha. — Onde isso é pior?

— Ela tinha esse sonho de ser médica e tudo mais e ficava me mostrando imagens de cirurgias estranhas, machucados, agulhas… — Nico fez uma careta. — Quer dizer, tudo bem ela querer salvar o mundo e tudo mais… E eu com certeza não estaria vivo sem médicos… Mas eu já vejo tanto isso em hospitais, pra que me mostrar antes de dormir?! Eu odeio ter pesadelos com isso!

— Então deve odiar filmes de terror, não?

— Você está brincando, não?! — O Di Angelo exclamou, olhando-a nos olhos, quase alheio aos demais pedestres que passavam por eles. — O Exorcista é o melhor filme de todos os tempos! Eu preferia enfrentar a Samara se isso significasse sem mais uma agulha na minha veia!

Thalia riu, vendo o garoto erguer a mão direita livre e levá-la até a testa em um movimento rápido, depois descer e tocar o tórax e, por fim, cada um dos ombros.

— É tão assustador assim falar de agulhas? — Thalia riu ao reconhecer o sinal da cruz que Nico havia traçado.

— O que? — O Di Angelo parou, surpreso pelo comentário.

— Esse sinal que você fez: É pra tirar o mau olhado não é?

O rapaz desviou o olhar, as bochechas coradas ao encarar o edifício ao lado de Thalia. Ela seguiu seu olhar e encarou a estrutura imponente ao seu lado, um prédio com paredes em um tom pastel e portas duplas grandes de madeira escura abertas, exibindo bancos do mesmo material alinhados em duas colunas com um tapete vermelho cobrindo o intervalo e dando para o que parecia ser um altar. A Grace franziu a testa, começando a perceber que o ato de Nico fora completamente impensado.

— Na verdade é mais para abençoar, pedir a presença de Deus. — O rapaz murmurou, ainda vermelho e se remexendo. Parecia ter sido pego cometendo um grande pecado. — Eu não acredito nessas babozeiras, sabe? Mas minha mãe… Acho que ainda tenho algumas manias.

— Não precisa explicar. — Thalia riu do desconforto dele, notando como era raro Nico fazer qualquer coisa espontânea. — Só estou surpresa. Não é todo dia que você descobre que o diabo sabe rezar.!

O Di Angelo revirou os olhos, ainda vermelho. Ele olhou mais uma vez para dentro da igreja, perdendo-se em memórias ao escutar a música suave do coral que vinha dali. Ave Maria, Thalia reconheceu de algum filme que havia visto, as palavras em latim soando um tanto quanto melancólicas.

— Quer entrar? — Thalia ofereceu.

Ela não se lembrava de ter entrado em alguma igreja em toda sua vida. Sua mãe sempre foi a imagem da profanação sagrada, em um nível que faria o Di Angelo parecer, de fato, um anjo. Luke também não tinha religião alguma e Thalia tinha problemas demais para ficar pensando se existia ou não um ser superior que a observava.

— Não. — Nico negou, apertando-lhe suavemente a mão, ainda com a atenção voltada para a igreja.

— Tem certeza?

— É só que… — Ele sussurrou, mais para si, como se sentisse dor. — Faz tempo que não entro. Desde o funeral da minha irmã, eu acho.

— Eu nunca entrei em uma igreja. — Thalia contou, pensando em alguma forma de confortar o garoto.

— Nunca?

— Minha mãe nunca acreditou em nada disso, ou Luke. — Ela deu de ombros, tentando não soar muito amargurada.— Quando eu tentei pedir ajuda pra um Deus…  Não adiantou.

— Então temos mais em comum do que eu achava, Thalia… — Nico murmurou, ainda olhando nostálgico e angustiado para o altar.

— Vamos? — Thalia chamou.

— Vamos. — Nico assentiu, já a puxando em direção a sorveteria, quando seu nome foi chamado:

— Nico? Nico Di Angelo?

Eles se viraram novamente para a igreja, notando uma figura que saia dali.

Thalia observou o homem com uns sessenta anos, magro de cabelos esbranquiçados e túnica negra — havia um nome para aquilo, não é? Batina, talvez… —, sorrindo acolhedor para Nico, que parecia mais pálido ainda. Thalia já estava disposta a mentir e dizer que não conheciam ninguém com aquele nome, quando o Di Angelo se pronunciou:

— Hã… Olá Padre.

 


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Notas finais do capítulo

Nico e mitomagia: aquele OTP.
Aesthetic feito com a ajuda da minha instrutora favorita: Risurn! O que seria de mim sem as correções e dicas dessa coisinha linda?!
Sei que não teve esses tiros, mas foi essencial pra vocês conhecerem mais Thalia e Nico aqui. Como devem ter percebido, eu peguei muito da história original deles e transportei pra cá... Talvez isso facilite ao saber o que aconteceu com a família da Thalia e Cia...
Espero que tenham gostado e adoraria saber as opiniões, seja do capítulo ou do aesthetic. Perdoem qualquer erro e me avisem...
Enfim, obrigada por lerem!

Música Ave Maria: https://www.youtube.com/watch?v=hbA2jHDHG34