Twenty One escrita por Helly Nivoeh


Capítulo 10
Silêncio


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura



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“Não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a morrer. (...) Chegado o momento, o amor e a morte atacarão - mas não se tem a mínima ideia de quando isso acontecerá. Quando acontecer, vai pegar você desprevenido.” (BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos).

 

Nico sabia que os amigos deveriam estar preocupados com seu sumiço, mas ele não se importava. Thalia sabia que não deveria estar abrindo mais uma garrafa de Turmalina, mas também não se importava. Ambos sabiam que fugir de um cemitério de madrugada não era uma boa ideia, tampouco comum, mas nenhum dos dois queria se importar.

Eles já haviam rodado a cidade como loucos, o velocímetro ultrapassando muito mais do que o limite, o som ligado no máximo explodindo as batidas fortes de Blackbear e eles gritavam os versos em plenos pulmões, o Di Angelo sequer se importava com as palavras chulas das letras.

Enquanto dirigia sem rumo, virando em cada esquina com brutalidade, ele ainda se sentia fraco e atordoado, doente, mas o vento batia em seu rosto e ajudava a esclarecer os pensamentos. Isso, o remédio que havia tomado e, claro, a visão da bunda de Thalia. A garota havia colocado parte do corpo para fora do carro quando eles passavam pela autoestrada, o ar gelado lhe chicoteando os cabelos, os gritos abafados, e Nico aproveitando a forma como o corpo dela se curvava.

— Não quer se inclinar mais não, doce Thalia? — O Di Angelo derramava malícia na voz rouca, a fazendo gargalhar mais. — A visão aqui é maravilhosa...

A garota fez justamente o contrário: voltou o corpo para dentro do carro e se esparramou no banco, abraçando-se com frio.

— Isso é incrível! — Ela ainda ria, seus olhos ávidos por analisar toda a estrada deserta e cercada por árvores. — Luke me mataria se visse isso, mas é como voar!

— Achei que tivesse medo de altura. — O rapaz retrucou sarcástico, pressionando mais o acelerador, o ponteiro se aproximando de cento e oitenta.

— Você me faz querer fazer muitas coisas que eu tenho medo. — Thalia mordeu o lábio inferior, os olhos maliciosos ao analisá-lo. — Muitas coisas proibidas…

Nico a olhou de volta por poucos segundos, analisando a forma como ela tentava fazer as palavras soarem roucas, a forma como os cabelos negros eram uma confusão batendo no rosto graças ao vento na janela, a forma com os olhos azuis eram mais escuros na luz fraca.

— Você está bêbada, não está? — Questionou, ainda que soubesse a resposta. Thalia mordeu o lábio inferior novamente, lasciva.

— O que você vai fazer sobre isso?

Ele não respondeu. Pelo menos, Thalia não conseguia se lembrar de nenhuma resposta. De fato, ela não se atentou à muitas coisas: Lembrava de aumentar o som do carro, lembrava de virar mais algumas garrafas e lembrava de chegar ao parque, se deixando cair sob uma árvore e jogar “Eu nunca”.

— Esse jogo é uma droga. — Thalia reclamou logo depois de beber mais um gole da turmalina, o Di Angelo seguindo o gesto e também pagando a prenda.

Ela nem se lembrava mais qual havia sido a última pergunta — Era algo sexual, isso tinha certeza. Todas as perguntas do Di Angelo envolviam algo sexual. — e, se estivesse contando quantas vezes teve que beber, já teria perdido a conta, mas continuava o jogo assim mesmo, até perdendo em proposições que tinha feito.

O clima era tranquilo, haviam desligado o som do carro assim que desceram. A vizinhança era vazia de domicílios, havia prédios de comércios cercando a praça, alguns terrenos baldios cobertos de mato, era tudo silencioso e até sombrio. Thalia talvez arriscaria perigoso, mas seu cérebro não se preocupava muito com isso naquele momento.

— Eu nunca… — Parou, tentando pensar em algo que nunca havia feito. — ... fui trabalhar bêbada.

Ela sorriu provocativa e Nico apenas revirou os olhos.

— Isso é porque eu tenho uma boate? — Ele questionou, sorrindo sarcástico. — Eu levo meu trabalho à sério, Grace.

— Você está bêbado agora. E deveria estar trabalhando.

— Eu me dei folga. — Nico sorriu arrogante e fui a vez da garota revirar os olhos.

— Isso é injusto. — Thalia fez um bico, mas não teve efeito.

— Vamos continuar. — O Di Angelo ordenou, balançando o líquido que restava na garrafa. — Eu nunca… Fui algemado. Por qualquer motivo, se é que me entende.

Ele sorriu como um gato e deu um gole direto do gargalo. Thalia riu e tomou a garrafa, repetindo o gesto.

— Não sabia que curtia masoquismo. — O rapaz sussurrou, aproximando-se para tocá-la, enrolando uma mecha do cabelo nos dedos.

— Quem disse que eu curto? — Ela ergueu a sobrancelha e, mais uma vez mordeu o lábio inferior. — Eu nunca… roubei nada.

O sorriso da garota era provocante ao tomar mais um gole da bebida, e Nico não se deixou intimidar, tomando a garrafa e também pagando a prenda.

— Achei que você tivesse tudo o que queria de mão beijada. — Thalia fez chacota.

— Coisas de criança. — O rapaz explicou, ainda muito próximo dela. — Minha irmã nem sempre me emprestava o que eu queria.

— Claro. — A garota revirou os olhos, mas deixou as críticas para si. Logo o Di Angelo retomava o jogo:

— Minha vez. Eu nunca… — E sorriu, como quem ia aprontar. — Engravidei.

— Você rouba muito nesse jogo, sabia? — A Grace resmungou novamente e Nico ofereceu a bebida, a qual era negou com um sorriso. — Eu sei me cuidar, querido.

Nico sorriu de lado, seus olhos brilhando estrategicamente:

— Sua vez.

— Eu nunca… — Thalia apertou os lábios, a expressão de desafio. — Fui pego roubando.

Nico se manteve impassível e ela segurou na mão dele, guiando a garrafa até seus lábios e tomando um gole.

— Você me intriga, Thalia Grace. — O Di Angelo semicerrou os olhos, observando-a soltá-lo. Ele olhou o que restava de líquido na garrafa, não mais do que uns cem mililitros, e tomou o resto, ainda que não estivesse pagando uma prenda.

— Por quê? — Ela o provocou, um sorriso debochado.

— Duas mentiras e uma verdade, você se lembra? — Ele ergueu a sobrancelha, mencionando a primeira vez que Thalia havia ido à D’Lirium. — Você acaba de se entregar.

— É mesmo? — Ela ergueu a sobrancelha, sem desfazer o sorriso.

— Você nunca se apaixonou, Thalia. — O rapaz sussurrou.

— E você já? — Ela desafio.

— Não. — Nico deu de ombros. — Mas já tive o coração quebrado e eu já te disse que você não me engana com esse papo. Naquele dia eu já sabia que essa era uma das mentiras. Todavia, eu tenho que admitir que você me enganou: sendo bonita e até estúpida pra cair no meu jogo, eu apostaria em uma gravidez sem pensar duas vezes.

— Eu não caí no seu jogo.

— Você apareceu na D’Lirium naquela noite. — O Di Angelo retrucou com um sorriso debochado. — Dançamos no cemitério, pulamos de uma ponte. Você fez exatamente o que eu queria.

— Me acha estúpida? — Thalia ergueu a sobrancelha em desafio, sorrindo.

— Não sei mais o que pensar de você. — O rapaz deu de ombros. — Naquela noite eu achava, hoje já não sei.

Thalia não se importou em responder. Na verdade, ela sequer se importava, naquele momento, em ser estúpida ou não. Só queria aproveitar o resto da madrugada, aproveitar o resto da liberdade que estava se dando sem ter que se importar com todos os problemas da sua curta e patética vida. Infelizmente, não era tão simples. No silêncio da madrugada, com os olhos focados no céu escuro, seu sorriso se desfez e sua cabeça era uma confusão.

— Você está triste. — O Di Angelo comentou, os olhos antes fixos nas casas à sua frente, agora se voltando para a garota ao seu lado. — Aconteceu alguma coisa hoje, não foi?

Thalia desviou os olhos, se entregando. Apertou os lábios nervosa antes de tentar sorrir, mas era impossível. Nico a analisava de olhos semicerrados, sua mente trabalhando nas informações.

— Você não teve uma vida fácil, não é? — Ele chutou. — Você teve que roubar, e acho que foi pra comer. E não foi só uma vez.

Thalia se manteve impassível, seus olhos miravam ainda o céu e ela não lhe respondia, apenas suspirava.

— Você foi pega roubando. — Nico continuou em sua teoria. — Foi ai que levou um tiro, não foi? Eu só não sei se foi a polícia ou se foi um desses caipiras com espingardas.

— Descobriu tudo sozinho? — Thalia enfim o olhou, a expressão vazia, suspirando.

— Eu sou bem perspicaz. — O rapaz deu de ombros. — Você me deixa curioso. O que aconteceu hoje, Thalia? O que você precisa esquecer?

— Se eu preciso esquecer, não vou ficar lembrando, vou? — Seu sorriso era falso, mas nem o sarcasmo durou. Quando o rapaz deu de ombros novamente, Thalia suspirou e se recostou na árvore. — Minha mãe morreu.

Falou com simplicidade, tal como quem fala as horas. De fato, seu rosto era ilegível, e seu corpo sequer estava tenso. Ela olhou para o rapaz ao seu lado, esperando as condolências clichês, mas ele se manteve em silêncio, os próprios olhos castanhos fitando o céu.

— Não vai falar nada? — Questionou, franzindo a testa.

— O que você quer que eu fale? — Nico rebateu, olhando-o a de lado. O silencio ficou entre eles enquanto o rapaz pegava uma caixinha branca em seu bolso e tirava de lá um cigarro, não demorando a acender e oferecendo para a garota, dando de ombros novamente quando ela negou.

— Eu deveria estar triste? — Thalia perguntou, sem emoção na voz.

— Você a odiava não? — O rapaz retrucou, soprando a fumaça.

— Não! — Thalia exclamou, mas então suspirou. — Eu não sei.

— Quando minha mãe morreu, eu chorei por dias. — O Di Angelo contou, melancólico. — Quando meu pai morrer, eu vou dar uma festa. Isso porque eu amava minha mãe e porque eu odeio meu pai. Talvez você só não sinta nada pela sua mãe.

— Isso é cruel. — Thalia fez uma careta, mas se perguntava se ele não estava certo.

— Ou talvez você ainda não tenha processado isso. — Ele continuou em teorias, o cigarro no canto dos lábios. — E não quer processar. Como em estado de choque, sabe?

Tirou novamente o cilindro dos lábios, soprando a fumaça. Arriscou um olhar para Thalia, mas ela se mantinha imóvel, no rosto havia apenas uma ruga entre os olhos, mostrando a concentração. Não parecia triste, nervosa, nem feliz. Se fosse pra chutar uma teoria, Nico diria que ela estava torcendo para apenas não ter processado aquilo.

— Talvez por isso tenha corrido direto pra mim — Ele continuou, tentando soar solidário. —, você sabe que eu posso te ajudar a se libertar de tudo, até de você mesma.

O silêncio entre eles foi longo. Nico sabia como era tentador essa ideia de liberdade, de não se importar com nada, mas também como era assustadora. Como tão perto ela parecia com o total descaso, a total falta de empatia e humanidade. Em sua teoria, o ser humano sentia a necessidade de sofrer, não só pelos seus problemas, mas também pelos problemas dos outros. E Thalia parecia ser exatamente assim.

— Como vou saber qual é a verdade? — Ela murmurou, por fim. Desde que havia entrado no assunto, não havia o olhado e assim permanecia.

— Você espera. — O rapaz disse simples, dando de ombros novamente. — Se você sentir ódio, uma hora vai ficar com raiva. Se for amor, vai chorar, ou ficar com ódio também.

— Ódio? — Thalia franziu a testa.

— Ódio. — O Di Angelo esclareceu. — De você por não ter procurado ela antes, ou até pode se sentir culpada pela morte dela. Ou dela mesmo, por ter te abandonado. Ou de Deus, ou sei lá quem. Alguém pra botar a culpa. Foi o que eu fiz quando minha irmã morreu. Ela me deixou sozinho e não sei se já perdoei.

Mais uma vez o silêncio foi longo. Nico fumava calmamente e Thalia se mantinha perdida em pensamentos, por um momento pareceu angustiada, mas então voltou a expressão neutra. Por fim, ela olhou para o rapaz ao seu lado, que voltou-se novamente para a Grace.

— Eu não acho que eu amava ela. — Thalia confessou em tom baixo. — Ela não me amava.

Nico assentiu com a cabeça, dando-lhe tempo de continuar. Como isso não aconteceu, o rapaz apagou o que restava do cigarro e cruzou os braços atrás da cabeça, se acomodando melhor na árvore.

— Foi por causa dela que você fugiu de casa, não foi? — Ele perguntou e Thalia balançou a cabeça, uma espécie de “mais ou menos”. — Com quantos anos fugiu de casa?

— A primeira vez? — Ela ergueu a sobrancelha, um leve sorriso. — Sete.

— E seu irmão? — Nico franziu a testa, se lembrando da garota contar que tinha um irmão pouco mais novo. Ela havia falado dele com a adoração que o Di Angelo tinha pela irmã, não fazia sentido tê-lo deixado sozinho com a mãe que ela descrevia.

— Eu fui procurar ele.

Foi a vez de Thalia responder com simplicidade e o Di Angelo se espantar. Quanto ela havia dito que era a diferença mesmo?

— Como assim? — Perguntou curioso, mas Thalia apenas balançou a cabeça negando e voltou o rosto para o lado, onde os brinquedos estavam.

— Quer saber uma coisa estranha? — Ela trocou de assunto com um sorriso leve. Nico assentiu com a cabeça, ainda concentrado na história do irmão da garota. — Mesmo com medo de altura, eu sempre adorei balanços. Eu adorava fingir que tava voando.

Nico também sorriu, analisando os balanços simples de madeira pendurados por correntes grossas. Eles pareciam em bom estado, fortes o suficiente para aguentar o peso de adultos.

— Então o que estamos esperando? — O Di Angelo questionou e Thalia olhou para ele sem entender. — Vem!

Sem dar explicações, Nico se pôs de pé e a puxou pela mão, chutando os sapatos pelo caminho até que seus pés tocassem a areia que cercava os brinquedos.

— Vamos, sente! — O Di Angelo ordenou e Thalia sentou no balanço, também descalça.

Nico a empurrou e ela gargalhou. Não sabia se ria da sensação de voar, se ria porque se sentia livre, ou se ria porque queria chorar.

Talvez Nico estivesse certo e ela começava a processar a morte da mãe naquele instante, mas cada vez que as memórias, os pensamentos negativos, os problemas lhe viam na mente, ela apertava as cordas do balanço e gritava, pedindo para ir mais alto, mais rápido.

E Nico a atendia. Ele a atendeu enquanto ela pediu, enquanto ela era acolhida na sensação de voar, enquanto aquilo limpava sua mente. Thalia era empurrada e o sorriso do irmão surgia em sua mente, quase podia ouvi-lo a chamado de um jeito doce. O balanço descia e ela podia ver o rosto da mãe, seus olhos vermelhos de choro e uma garrafa próxima aos lábios. Thalia apertava os lábios e respirava fundo, querendo limpar a mente, pedia para ir mais alto.

As mãos de Nico a tocavam nas costas e a impulsionava mais forte, ela fechava os olhos e gargalhava, pensava nas horas anteriores, enquanto dançava na D’Lirium sem ritmo e sem problemas, apenas a música preenchendo seus pensamentos. O balanço chegava ao limite e, enquanto descia, o rosto de Luke era o que ocupava sua mente, ele deveria estar preocupado.

Mais um impulso e então ela pensava na noite em que havia pulado da ponte, em seu grito enquanto caia, e em como estava livre. O balanço descia e ela só conseguia ver as manchetes que havia lido naquele dia de manhã. Beryl Grace havia morrido há dois anos, depois de mais dois em coma.

Não foi minha culpa!”, Thalia disse a si mesma e mais uma vez foi empurrada, sua gargalhada não mais tão alta, seus pensamentos uma confusão de sorrisos do irmão, de Nico, de Luke e os gritos de Beryl. Quando o brinquedo desceu novamente, Nico não mais o empurrou, e ela também não pediu. A gravidade puxava não só o balanço e seu corpo, mas sua mente também, dissipando o sentimento de liberdade.

E, lentamente, seu riso foi se apagando e o balanço se tornou mais lento. O Di Angelo agora era uma companhia solitária que se empurrava com os pés no balanço ao lado. Tudo o que se ouvia era o ranger dos balanços, o canto dos grilos, e um carro ou outro que passava na rua.

— Você gosta de lugares abandonados. — Thalia comentou depois de um longo tempo em silêncio. Seus pés descalços tocavam o chão, se empurrando lentamente, seus olhos fixos na gangorra a sua frente. — Por quê?

— Quer a resposta filosófica ou a verdadeira? — A voz do rapaz ressou, calma e melancólica.

— Sem palavras difíceis, por favor! — Thalia suplicou, suspirando.

— Tudo bem. — Nico riu. — Eu não sei. Eu só gosto. Acho que minha cabeça é tão cheia e bagunçada, que ajuda a calmar.

Novamente ficaram em silêncio, Thalia fitava o céu que começava a clarear, anunciando o amanhecer.

— Você reza? — Ela perguntou em um sussurro.

— O que? — Nico franziu a testa, mas era difícil saber se não havia escutado ou se simplesmente havia estranhado a pergunta.

— Você sabe: você pensar em Deus quando vai dormir, pedir alguma coisa ou sei lá.

O Di Angelo ficou quieto por alguns segundos, refletindo, antes de abrir um sorriso maliciosos: — Geralmente são as garotas que chamam Deus quando estão comigo em uma cama. Ou garotos.

— Idiota. — Thalia resmungou, revirando os olhos, mas ele havia conseguido lhe roubar um sorriso mínimo. O silêncio, então, não era mais tão pesado, ainda que Nico o tenha quebrado segundos depois:

— Se você tivesse um pedido — Ele começou —, um único pedido. Qual seria?

Thalia não precisou de muito para responder: — Meu irmão de volta. E você?

— Honestamente? — Nico ergueu a sobrancelha, fazendo-a assentir. — Que minha mãe jamais tivesse conhecido meu pai.

— Por quê? — Thalia perguntou, recostando a cabeça na corrente que sustentava o balanço.

— Ela ainda estaria viva. — O rapaz respondeu em um tom suave, melancólico. Não havia ódio em sua voz, ou esperança, apenas cansaço, como quem já tinha pensado nisso várias vezes.

— Mas você não. — Thalia argumento e Nico deu um sorriso mínimo:

— Eu não me importo muito com isso.

Ela podia dizer que ele estava sendo sincero, era a coisa mais verdadeira que ele dizia à ela. E não era não o sentimento de não querer viver, era apenas o sentimento de querer que a mãe vivesse, que ela fosse feliz.

— Você amava muito ela. — Comentou o óbvio e Nico assentiu, ainda sorrindo:

— Ela é a melhor pessoa que eu conheci.

— Qual sua melhor memória dela? — Thalia perguntou, curiosa.— Sua favorita?

O rapaz ficou em silêncio por alguns segundos, pensando, antes de responder em um tom baixo:

— Quando eu tinha seis anos, eu passei o Halloween no hospital. E sempre foi meu dia favorito. Quando eu saí do hospital, minha mãe fez um Halloween todo só pra gente: enfeitou a casa, fez fantasias e me deixou comer muito doce. Eu nunca comi tanto doce assim na minha vida! — Riu, nostálgico. — Era só eu, ela e minha irmã. Mas foi o melhor dia da minha vida.

— Ela parecia especial. — Thalia suspirou, uma pitada de inveja na voz. Pensava em como seria ter uma mãe assim, que se importasse e que fizesse uma festa só pra você. O máximo de carinho que Beryl demonstrava… Bom, ela não conseguia se lembrar.

— E você? — Nico questionou, atraindo a atenção da garota. Ele também havia encostado a cabeça nas correntes de ferro e o ar soprava os fios negros que insistiam em cair em sua testa, seus olhos estavam semi abertos, e seu sorriso era leve. Ele parecia um anjo, Thalia pensou, tal como seu sobrenome. — Qual sua memória favorita?

Thalia tentou pensar. Sua vida não havia sido fácil, mas havia momentos em que ela havia sido feliz, que a havia marcado. Mas ter que lembrar de apenas um… A maior parte das suas lembranças eram agridoces. Tinham seus finais felizes, mas eles vinham a custo de muita dor e sofrimento, junto com memória ruins, como quando conheceu Luke.

— Eu não sei. — Ela deu de ombros depois de alguns segundos. — Essa é uma pergunta muito difícil.

— Qual é sua última memória feliz, então? — Nico continuou, bocejando. — Quando foi a última vez que se sentiu livre?

— Foi… — Thalia pensou, mordendo o lábio inferior. Por fim, suspirou, sabendo que ia se arrepender disso, mas era verdade. —… Quando pulamos da ponte.

— Eu disse que era incrível. — Nico riu baixo.

— Eu me senti livre de verdade.

— Posso te ajudar com isso. — O rapaz ofereceu, desencostando a cabeça das correntes. Ele abriu um sorriso malicioso, não parecendo mais tão manhoso ou cansado quanto antes. — Posso te ajudar a ser livre de verdade.

— Agora? — Thalia ergueu a sobrancelha. — Estamos bêbados demais pra pular de uma ponte.

— Existem outras formas de se sentir livre.

Nico entoou, levantando-se do balanço e caminhando até a Grace.

— Como? — Ela retorquiu. — Bebidas?

Nico não respondeu. Ele apenas lhe estendeu a mão e curvou o corpo, um sorriso malicioso ao pedir: — Dance comigo.

— O que?

— É uma tradição, não? Toda vez que nos encontramos, temos que dançar.

Thalia riu e balançou a cabeça, incrédula, mas aceitou a mão que o rapaz lhe estendia. Ele a guiou dois passos do brinquedos, o espaço suficiente para sair da areia e pisar na grama. Os pés nus tocavam o chão e a brisa os envolvia, o piso era irregular e não havia música, mas parecia perfeito.

— O que vamos dançar? — Thalia perguntou. Ela sabia que eles poderiam simplesmente colocar qualquer coisa no carro, mas o Di Angelo parecia ter outros planos.

Posicionando-se a frente dela, ele pousou a mão esquerda da garota sobre seu coração e segurou firme a direita, sua própria mão direita segurando-a nas costas.

— Ouça meu coração. — O rapaz instruiu e Thalia apenas riu, divertida:

— Que clichê. Por acaso ele me chama?

— Eu quis dizer literalmente. — Nico revirou os olhos dramaticamente, ainda sorrindo. — Siga as batidas. Pronta?

Thalia sorriu e, lentamente, Nico se moveu, guiando-a para um passo para trás. Seu coração bateu novamente e ele repetiu, antes de inverter, guiando-a para frente. Era uma espécie de dança de salão improvisada, onde o coração de Nico era o guia.

Seu corpos não estavam tão próximos, mas os olhos eram fixos, a única comunicação no silêncio do amanhecer, e era suficiente. Era mais que o suficiente.

Lentamente os batimentos de Nico aumentavam, mas eles ainda mantinham o ritmo inicial, Thaia se deixava guiar com facilidade. Nico a empurrou gentilmente com a mão direita e ergueu a esquerda, fazendo-a girar lentamente por dentro. Ela ainda sorria e o olhava nos olhos quando voltou a mão esquerda sobre o coração de Nico, mas o rapaz não seguiu o movimento anterior. Pelo contrário, ele a tocou no ombro e subiu lentamente pela nuca.

Eles não dançavam mais no silêncio, entretanto, seus olhos se encontravam e suas respirações eram irregulares quando Nico aproximou o rosto. Os olhos escuros fixaram-se nos lábios despidos de batom de Thalia, seus dedos a acariciavam agora no rosto. Novamente ele a olhou nos olhos, uma pergunta sutil se ela tinha certeza.

Aos poucos, os olhos de Thalia foram se fechando, dando-lhe permissão. E a boca de Nico tocou a sua.

 


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Notas finais do capítulo

Oi pessoinhas!
Primeiramente (fora-você-sabe-quem),
Quero agradecer e dar os créditos para a MaryDiÂngelo da parte da Thalia no carro, com o corpo pra fora do carro e o Nico pedindo pra ela inclinar mais. A ideia foi dessa pessoinhas ma(liciosa)ravilhosa que sempre me ajuda!

Em segundo, quero dizer que organizei os aesthetics da fanfiction no meu site. Ainda não postei alguns, mas se quiserem dar uma olhada: ellynivoeh.16mb.com/pipopinha/21

Em terceiro, há algum tempo eu disse que ia postar Twenty One como original. Bom, eu estou fazendo no Wattpad. Se quiserem conferir: https://www.wattpad.com/myworks/123411812-twenty-one
No momento as mudanças são mínimas e irei postando aos poucos, mas com o tempo as duas se tornarão diferentes.

Por fim, espero que vocês tenham gostado. Quem diria que o primeiro beijo Thalico ~de verdade~ ia sair primeiro aqui do que em EMNSC e Fita Azul, né?
Enfim, nos vemos nos comentários?
Obrigada pela atenção!