Defenceless escrita por Lia Sky


Capítulo 82
[2ªT] Capítulo Quatro


Notas iniciais do capítulo

Alooooou ♥

Estou bastante animada e ansiosa para saber como vocês estão lidando com tanta novidade, gente! Eu fico em polvorosa, rezando pra vocês gostarem dos novos personagens e coisa e tal...! Inclusive, mais novos personagens estarão chegando em breve, preparem-se!

Esses capítulos vão começar a se cruzar bastante no que diz respeito dos pontos de vista Natalie x Hunter, então a gente vai ver muito do céu e o inferno que cada um está vivendo, o momento em que cada um está conforme os meses vão passando. São dois momentos que acredito que os dois personagens precisam muito, pois é uma fase de transformação, de empoderamento dos traumas que eles sofreram.

Espero que gostem também, principalmente porque esse é um capítulo como aquele em que uma música liga toda a história *-* Então imploro que escutem a música que aparecer no momento certo, tá? É muito importante, porque ela é primordial para a ambientação, afinal, é a música que ele está cantando.

Ah! Como não coloquei a foto do pai do Hunter no capítulo anterior, inseri nesse!

Boa leitura ♥



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Natalie encontrou Benjamin sentado nas escadas, do lado de fora do prédio. Ele parecia bem confortável, apoiando os braços sobre as próprias pernas entreabertas.

— Desculpe o atraso. - ela comentou enquanto já descia os degraus, ficando no ângulo de visão do rapaz.

Benjamin a estudou dos pés a cabeça, os olhos azul-claros arregalados e atenciosos acompanhavam a expressão boquiaberta.

Anna havia produzido a amiga com dedicação: o body de alcinhas, a calça legging, as botas de salto e a bolsa eram igualmente pretas. No entanto, o look era quebrado pelo sobretudo marrom-claro, já que estavam em Dezembro, e o inverno estava prestes a lhes dar boas-vindas. O conjunto lhe dava um ar despojado, mas ao mesmo tempo bem urbano, que era o estilo mais apreciado por Natalie. Os longos cabelos castanhos da garota estavam soltos e naturais, com suas ondas livres se espalhando como cascatas nas costas dela. A maquiagem também era bem leve. Em ocasiões como aquela, Anna gostava desse estilo, que ela normalmente nomeava como “se maquiar para parecer que não está maquiada”. (FOTO)

— Sua amiga sabe mesmo como surpreender… - ele assentiu várias vezes em aprovação.

— Anna não brinca em serviço. - Natalie deu uma piscadela, contente com o elogio.

Benjamin se levantou da escada e deu umas batidinhas de leve nas calças, a fim de limpar a sujeira de onde estava sentado.

— Mas ela nem teve tanto trabalho assim. A modelo ajudou.

Natalie riu, empurrando-o de leve.

— Você também está lindo, se é o que quer saber.

Benjamin deu um giro lento na frente dela.

— Elogios são sempre bem-vindos.

Os dois sorriram cúmplices antes de Benjamin direcioná-la ao Toyota Hilux de cabine dupla preto que estava estacionado logo na frente do edifício deles. Natalie o observou surpresa enquanto o via abrir a porta do carro para ela. (FOTO)

— Não achei que fôssemos de carro. Ou que você tivesse um carro. Quer dizer… onde você o estaciona?

Benjamin riu da série de sentenças de Natalie. O questionamento dela fazia sentido, já que no prédio deles não havia garagem própria. Apenas os edifícios maiores e mais modernos possuíam.

— Há várias coisas que você ainda não sabe sobre mim, psychic.– ele fez um gesto para que Natalie entrasse. - Estaciono na rua de trás.

Natalie entrou no carro e Benjamin deu a volta para entrar pelo outro lado. Quando ele deu partida, o rádio ligou automaticamente em uma rádio pop, que por acaso apresentava um programa.

— …E pelo que parece, Luke Parish, da banda Elite Four, registrou uma música SOLO, Brianna!— o locutor exclamou.

Os olhos de Natalie se esbugalharam no mesmo instante enquanto Benjamin já dirigia.

Será que o assunto da banda nunca morria? Já não bastava Hunter importuná-la em seus sonhos e pensamentos quase que em tempo integral? Não bastava ela se humilhar diariamente tentando ligar no número de celular que ele provavelmente já havia desativado?

Será que eles deram só uma pausa ou a banda acabou de vez?

— Olha, eu não sei… mas a pergunta que não quer calar e que continua assombrando as fãs é: onde estará Hunter Saxt...

 

Quando Natalie deu por si, já havia trocado de estação, apertando o primeiro botão que viu na tela touch do rádio. O gesto acabou chamando a atenção de Benjamin, que a fitou pelo canto do olho rapidamente, sem tirar a atenção do volante.

— Você não se incomoda, não é? Odeio programas de rádio. - ela inventou.

— Uma jornalista que não gosta de rádio? - Benjamin provocou divertidamente.

— Pois é, não fazem mais jornalistas como antigamente… - Natalie brincou, aliviada por Benjamin não se esforçar para manter aquele assunto. - Agora vai me contar onde vamos?

— Claro… que não.

 

**

 

Natalie só descobriu que iam ao La Sabrosa, um restaurante mexicano, quando finalmente chegaram lá e um manobrista pegou o carro de Benjamin.

— Já passou pela sua cabeça que nem todo mundo gosta de comida mexicana? - Natalie levantou a sobrancelha seriamente.

Benjamin franziu o cenho no mesmo instante.

Fuckin’ shit… você não gosta? - o loiro parecia apreensivo.

— Gosto, mas imaginei que ver a sua cara de preocupado fosse muito prazeroso. E eu estava certa.

Benjamin estreitou os olhos como se estivesse profundamente ofendido. Parecia que o deboche lhes caía muito bem.

Wow. Você é a pior pessoa do mundo. - ele a direcionou até o restaurante.

Anytime! 

Os dois riram enquanto se sentavam na mesa que a garçonete lhes havia indicado. Pediram nachos como entrada, além de tacos e tortillas. Natalie optou por um suco de laranja, e Benjamin uma Coca-Cola com limão e gelo.

A garota estava terminando de mastigar um dos nachos quando um pensamento que lhe ocorreu a fez dar um pequeno sorriso.

— Que foi? - Benjamin perguntou antes de dar um gole de sua bebida.

— Nada…! - Natalie deixou uma risadinha lhe escapar, o que fez Benjamin lhe lançar um olhar inquisidor e levantar a sobrancelha, forçando-a a falar. - Geralmente as pessoas têm um ou dois encontros antes de transar… e a gente está no nosso primeiro encontro depois de ter transado. Somos péssimos.

Benjamin acabou rindo da análise da garota de sardas. Em seguida, ele apoiou os dois braços sobre a mesa, cruzando-os enquanto a observava.

— Não acredito que haja uma ordem certa. O que importa, realmente, é fazer o que se tem vontade. E nesse caso, basta que as duas partes estejam de acordo, claro. - Benjamin a estudou por alguns instantes, pensativo. - Você se arrependeu, é isso?

— Acha que vou perder a chance de realizar o fetiche de milhões de mulheres que sonham em transar com o vizinho? - ela provocou, rindo em seguida. Benjamin a acompanhou. - Só quis dizer que acho isso tudo meio louco. No bom sentido da coisa.

— O mundo é dos loucos. - Benjamin apoiou todo o seu corpo para frente, na direção dela.

Natalie sorriu no mesmo instante. Benjamin estava replicando a frase que ela havia dito a ele no rooftop. (GIF)

Estava nas nuvens. A sensação que ele lhe causava era tão boa que às vezes ela tinha a impressão de que tudo aquilo não passava de um sonho que ela torcia para não acordar. Parecia bom demais para ser verdade.

Natalie finalmente decidiu quebrar o silêncio e o contato visual.

— Certo… - ela deu um pequeno gole de seu suco de laranja. - Vamos fazer esse encontro um pouco menos louco, então. Você nasceu em New York?

Benjamin sorriu de canto.

— Sou de Chicago. Vim para New York há dois anos, quando iniciei o curso de cinema na New York Film Academy.

— Achei que a terra do cinema fosse Los Angeles.

— E é. Mas confesso que New York sempre me atraiu. E eu acabei vindo parar aqui.  - os olhos cor de mel de Natalie brilharam insanamente quando ela o ouviu dizer aquilo daquela cidade. Da sua cidade. - De qualquer forma, a New York Film Academy tem programa de intensivo para fazer em Los Angeles e outros projetos paralelos de “intercâmbios”. Quem sabe…

— É, quem sabe… - Natalie sorriu fracamente. - E a sua família?

— Pai empresário e mãe arquiteta. - Benjamin viu a garota levantar as sobrancelhas. - Sim, sou o que poderia ser chamado de “filhinho de papai”. Mas você pode riscar a parte da típica figura clichê de capitão do time de futebol americano da escola.

— Oh no, você acabou de arruinar meu roteiro de filme adolescente! - Natalie fez biquinho. - Isso explica a Hilux.

Benjamin riu baixo, estreitando os olhos azuis. Natalie começou a perceber que aquele gesto fazia parte dele tanto quanto qualquer parte do corpo.

— E você?

— Eu o quê? - naquele instante, Natalie já tinha preferido focar sua atenção nos tacos. Não queria ter de falar sobre ela. Sobre Hunter, especificamente.

— Sobre a sua família? - Benjamin respondeu retoricamente, jogando o corpo para trás e deixando as mãos sobre a mesa. (GIF)

Natalie sorriu e mexeu o canudo de seu suco por um tempo, organizando a história que ela queria contar.

— Sou do Brasil e vim para ser au pair de uma família por meio de um programa de intercâmbio. E New York roubou meu coração por completo. Nunca me senti tão em casa quanto aqui.

— Brasileira, huh? - Benjamin mexeu as sobrancelhas repetidamente.

— Faça a piada da bunda brasileira e pergunte se eu sei sambar que nachos voarão. - os dois gargalharam, chamando a atenção de algumas pessoas para a mesa deles. - Enfim… eu acabei aplicando para uma bolsa na NYU e bem… aqui estou eu, vivendo o sonho americano como terceiranista do curso de jornalismo. - Natalie usou um tom mais teatral, fazendo Benjamin rir. - Meu pai é publicitário e minha mãe jornalista. A hell of communication dentro de casa, como você pode ver.

— Sente falta de casa?

— Dos meus pais, sim. Todos os dias. Mas New York é minha casa também. Me fascina e me surpreende a todo momento, e eu sei que esse é o meu lugar. Além disso, eu tenho a Anna comigo. Então tá tudo bem. - Natalie floreou com a mão.

Até que não estava tão difícil assim evitar a parte em que Hunter surgia na história.

— Ela também é brasileira?

— Uhum. Nos conhecemos desde a época de escola.

— Cool. - Benjamin virou o resto de sua latinha no copo. - É engraçado que nunca tenhamos nos visto no prédio antes, você não acha?

Natalie engoliu em seco.

— Ah, não exatamente. - os olhos de Benjamin a focaram com atenção, e ela precisou se concentrar ao máximo para que não gaguejasse. - Trabalho como fotógrafa no tempo livre. E fiquei alguns muitos meses fora, fazendo um freela, viajando pelo mundo.

Ela deu um pequeno e fraco sorriso, apenas com os lábios, enquanto Benjamin parecia estudá-la por um tempo.

Wow. Parece ter sido uma experiência incrível.

— E foi. - Natalie tossiu disfarçadamente, com intenção de mudar de assunto o quanto antes e evitar que Benjamin fizesse uma pergunta mais específica sobre a tour. - E o Oliver? Achei que ele morasse naquele apartamento da festa.

— Oliver? - o loiro franziu a testa, como se não fizesse sentido o que ela havia acabado de perguntar.

Natalie mordeu o lábio inferior, meio sem graça.

— Trombei com ele antes de sair do seu apartamento.

Benjamin soltou uma gargalhada, jogando a cabeça para trás.

Right... ele mora lá onde teve a festa, sim. Mas tem a chave do meu apartamento, e entra e sai quando bem entende. Fuckin’ bastard... - ele o xingou mais para si mesmo do que para Natalie. - Ele divide o apartamento com a Winter.

— Winter? - Natalie o olhou um tanto confusa, segurando o riso. - Como a estação, “inverno” (em inglês)?

Benjamin deu um sorriso sacana e debochado, assentindo em seguida.

— Isso porque você não sabe o sobrenome dela. Mas vou deixar para a Winter mesma contar porque fica muito mais engraçado vendo a cara dela.

Natalie também riu. Ao que parecia, Oliver e Winter eram grandes amigos de Benjamin. E ela ficou um tanto surpresa quando se deu conta de que ela conheceria os amigos dele em algum momento não muito distante. E surpreendentemente aquilo não a assustou nem um pouco. Não era como se Benjamin a estivesse classificando como qualquer coisa. Além disso, conhecer pessoas nunca era demais.

Seus pensamentos foram interrompidos pela voz do rapaz:

— E aí, pronta para a próxima parte do nosso encontro nada convencional?

 

**

 

A única coisa que Natalie sabia quando estacionaram o carro uma hora e meia depois, é de que estavam em Long Island. E ela só possuía aquela informação porque havia ficado de olho nas placas ao longo da estrada que haviam pego, pois Benjamin se recusou a lhe dar qualquer pista que fosse. Estavam na cidade de Port Washington, uma cidade rodeada por marinas, parques, iates e campos de golfe. E foi para uma dessas áreas marinas que Benjamin a levou.

O rapaz estacionou sua picape de ré, próximo a um grande galpão industrial acinzentado e Natalie ficou olhando para ele quando o viu abrir a porta. O local estava vazio, além de muito mal-iluminado, e por segundos, a garota de sardas sentiu um arrepio percorrer a sua espinha.

O rosto sério de Benjamin estava minimamente iluminado por um poste distante, e Natalie só conseguia enxergar a metade do rosto dele.

— Onde estamos? - ela tentou não transparecer qualquer vestígio de insegurança, embora seu coração acelerado lhe provasse o contrário.

— É segredo. - ele sussurrou de uma forma um tanto assustadora. - Não posso correr o risco de você contar para alguém.

Natalie não conseguiu esconder a sua expressão atônita, com os olhos arregalados. Não demorou muito para que Benjamin explodisse em gargalhadas. Uma mistura de raiva e alívio se apossou do corpo de Natalie, que começou a rir enquanto desferia vários tapas no braço e no ombro de Benjamin.

— O que é? Não foi você quem disse que eu poderia ser um “serial killer maluco e assediador”?

— Você é a pior pessoa do mundo! Idiota! - Natalie o empurrou, ainda risonha. - Tem noção de que a minha mãe sempre falou para eu tomar cuidado ou eu poderia me tornar um dos casos de assassinato no Investigation Discovery? Isso não se faz, garoto.

Os dois continuaram a rir quando Benjamin finalmente desceu da picape. Natalie o seguiu e se encostou na porta do carro após fechá-la. Sentiu o vento gélido que tanto gostava, e que prenunciava a chegada do inverno, e enrolou-se no sobretudo, abraçando o próprio corpo.

Acompanhou o loiro abrir a porta de trás da caminhonete, para pegar dois travesseiros, uma manta azul-escura, e uma sacola de tecido média, com zíper. Ela franziu o cenho quando o viu subir na caçamba do carro, jogar os travesseiros e a manta ali, e retirar da sacola o que parecia um projetor portátil. Benjamin apoiou o equipamento em cima do teto do carro, acoplando seu celular logo em seguida e direcionando a lente para o galpão, que parecia estar a seis metros de distância da picape.

Aos poucos, os gestos dele deixavam a surpresa ainda mais clara, e Natalie não pôde esconder o sorriso quando o viu ligar o projetor. O ambiente ficou mais iluminado quando uma imagem foi refletida na parede do galpão. Benjamin, então, se virou para Natalie e foi até a ponta da caçamba, oferecendo sua mão a ela.

— Você já foi a uma sessão de cinema ao ar livre? - o rapaz de cabelos loiro-escuros levemente ondulados perguntou com um sorriso de canto nos lábios, pois conseguia ler no rosto de Natalie que ele a havia a surpreendido como ninguém antes.

Natalie balançou a cabeça em negativa enquanto aceitava a mão de Benjamin para subir. Ele a puxou para si, segurando-a pela cintura.

— Então espero que a pior pessoa do mundo, aqui, consiga te fazer ter uma das melhores experiências do mundo. - Benjamin falou com os lábios bem próximos dos dela.

— Você é, definitivamente, a pior melhor pessoa do mundo.

Natalie o viu sorrir antes de puxá-lo para um beijo.

 

**

 

MÊS 6

Hunter's POV

 

Estarei com você, não importa onde. Estarei onde quer que você deposite vida. Então viva. Viva e eu viverei.

It will be alright.

G.

 

Não importava quanto tempo passasse ou o fato de que Hunter já havia decorado a carta e os dizeres atrás da fotografia. O Natal já havia passado, e as memórias do último ano comemorado ao lado da irmã e de Natalie ainda o devastavam. E a dor parecia cada vez maior quando ele voltava a ler as palavras que Grace havia lhe escrito. A diferença é que antes a dor tinha como força principal o desespero; aquela angústia sem tamanho que o lembrava que ele nunca mais seria capaz de ver ou tocar sua irmãzinha. De ouvi-la rir de suas piadas sem graça ou de se divertir ao escutá-la reclamar de alguma coisa boba. Agora aquela dor dava as mãos à saudade e ao luto eterno que não o deixava esquecê-la, nem mesmo em seus gestos mais simples.

Sentia seu coração queimar só de lembrar da conversa que havia tido há pouco com seus pais no andar debaixo.

 

*** INÍCIO DO FLASHBACK ***

Estava na sala de estar com seu violão, dedilhando alguns acordes que pareciam ressoar o que o seu coração queria dizer e então se convertiam em melodia, quando Angelina se sentou no braço da poltrona:

— Parece que uma canção de sucesso está nascendo.

 

Hunter lançou um olhar com uma expressão um tanto risonha para a mãe.

— Nem adianta se animar, mãe… são só alguns acordes de distração, nada demais.

— Bom, precisamos começar de algum lugar, não é? Já são seis meses sem te ver encostar no violão.

Hunter respirou fundo e repousou o violão no chão para olhar para Angelina com mais atenção. Deu um sorrisinho fraco.

— Está me expulsando de casa, sra. Angelina Saxton? - estava usando de seu dom divertido para escapar da conversa que já estava prevendo.

— Oh, Hunter. — Angelina empurrou o ombro do filho levemente, devolvendo o sorriso doce. - Deixe de bobagens, meu filho. Essa casa também é sua, sabe disso. - a mulher respirou fundo. Já não sabia de que outra maneira abordar aquele assunto. - Eu só quero te ver bem.

— Eu estou bem, mãe.

Angelina encarou o filho por longos segundos com uma expressão desconfiada, estreitando os olhos. O gesto fez Hunter levantar as sobrancelhas, como se o ato reforçasse a sua afirmação.

— Quando você está bem, costuma cantar… tocar, compor.

— AH, mãe…

Hunter se levantou, um pouco nervoso. Aquela decididamente era uma conversa da qual ele queria fugir, e o teria feito com êxito se a grande figura de seu pai, Dominic, não tivesse bloqueado a passagem para a sala de jantar, parando bem na soleira da porta.

— Isso é algum tipo de complô? - ele olhou diretamente para o pai.

— Se com “isso” você quer dizer que estamos tentando evitar de perder o nosso outro filho… então, sim, é um complô, e dos grandes.

Hunter respirava com mais intensidade do que o normal, explicitamente tocado pelas palavras que o pai acabara de proferir. Dominic trazia uma feição ressentida, as rugas de expressão carregadas de um sofrimento que só um pai que havia perdido um filho entenderia.

Emocionada, Angelina cruzou o cômodo, deixando que Hunter ficasse entre ela e o marido.

— Pai… - foi a única coisa que Hunter foi capaz de dizer, pois sua voz já estava trêmula. Aquilo vinha acontecendo com certa frequência.

Eu falo sério, meu filho. - os olhos castanhos de Dominic estavam marejados, mas ele procurou se conter. - Sua mãe e eu não teríamos forças para passar por isso novamente.

Angelina abraçou Hunter por trás quando percebeu que ele estava prestes a chorar.

— Sei que parecemos chatos, mas precisamos te ver bem, Hunter. Você precisa voltar à sua vida, ao seu trabalho, aos seus amigos… - Angelina sentiu suas lágrimas caírem sobre a blusa de Hunter, que naquela altura já estava entregue ao choro e ao conforto do abraço da mãe.

— Se achar necessário, continue com acompanhamento terapêutico, faça o que precisar fazer… mas volte a viver, filho. - Dominic envolveu Hunter e Angelina em um abraço apertado, também emocionado. - Lembra do que a Gracie escreveu? Se você quer fazer algo pela memória da sua irmã, realize o pedido dela: viva.

— Mas e vocês? - Hunter perguntou entre soluços abafados pelo abraço. - Não posso deixar vocês, não posso deixar que nada lhes aconteça, não posso...

— Você não estará nos deixando, querido - Angelina beijou o ombro de Hunter. - Ver você feliz é o que nos manterá bem, de pé. Você e a Gracie são e sempre serão o nosso bem maior, meu amor. Viva, por todos nós, viva!

 

 

*** FIM DO FLASHBACK ***

 

Hunter fitou a fotografia dele com Grace com mais atenção, como se a sua irmã estivesse mesmo sorrindo para ele naquele instante. A verdade era que a morte dela havia despertado muito mais do que só a dor, o vazio, a saudade ou a desilusão com a vida. Havia lhe despertado o medo; o medo de perder as pessoas que mais amava; o medo de ser responsável pela morte de mais alguém - não importava o quanto a terapeuta ou seus pais dissessem, ele continuava a colocar toda a responsabilidade pela fatalidade com Grace sobre si mesmo.

Como seria capaz de voltar a viver a sua vida, como se nada daquilo tivesse acontecido? Como se a irmã ainda o fosse ligar toda a semana para se atualizarem sobre as novidades? Como se não houvesse um buraco em sua família? A morte de Grace havia sido uma ruptura, e já não existia mais espaço para o Hunter Saxton de antes.

“Então dê ao mundo um novo Hunter fuckin’ Saxton, damnit!”, Hunter conseguiu ouvir a voz de Grace ecoar em seu peito como se ela houvesse mesmo dito aquilo, e aquela sensação inflamou seu coração com afeição, fazendo-o soltar um riso fraco e caloroso. “E se você não quer perder mais ninguém, está fazendo um péssimo trabalho com a Natalie, big brother.”

Natalie. E no meio de tudo aquilo ainda havia a sua Natalie. Será que ainda poderia chamá-la de sua, afinal?

A notícia sobre Grace o havia baqueado de tal forma que seu cérebro parecia ter sofrido um impacto físico. Ele havia perdido os sentidos, a consciência, a sanidade… tudo. Começou a juntar as suas coisas com apenas uma coisa em sua mente: “Eu matei a minha irmã.” Tudo havia começado com Alina Stacey, mas ele estava cego, apaixonado demais para enxergar Grace se definhando. Ou para enxergar que era ele quem estava permitindo tudo aquilo. Sua vulnerabilidade e seu amor por Alina o fizeram trancar as portas de seu coração para sempre, pois para ele era muito claro que aqueles sentimentos o havia levado ao primeiro baque familiar, ao vício de Grace.

Só que aos poucos, com a mudança para New York City, tudo parecia estar voltando ao seu devido lugar. Grace parecia melhor do que nunca, e Hunter acabou dando chance para um amor arrebatador ao conhecer Natalie. Estava indo tudo tão bem…! Como em tempos não estava. E de repente…! Bum.

Ele era o culpado, e sabia disso. Estava claro, como dois e dois são quatro. Por isso foi tão simples entender que não poderia mais ficar com Natalie: ela poderia ser a próxima. Se ele foi incompetente para cuidar de Grace, uma das pessoas que mais amava no mundo, como seria capaz de cuidar de Natalie? Como seria capaz de cuidar quando o que ele fazia era destruir? Ele havia destruído Grace, ele havia dado todos os componentes necessários para que a química e a explosão acontecessem.

E de todas as pessoas do mundo, Natalie era a que menos merecia algo do tipo. Ela já possuía coisas demais para lidar, por que lhe dar mais com o que se preocupar? Por que arruiná-la também? Por isso, e apenas por isso, ele partiu. Odiou ter de dizer que não queria estar com ela pelo o que ela havia lhe contado, sabia o quanto aquilo a iria machucar… mas era o único jeito dela deixá-lo ir. E só Deus sabia como lhe doeu, como lhe quebrou ainda mais por dentro…! Eram dores distintas que se uniam para derrubá-lo.

Hunter puxou o caderno que estava com uma página marcada sobre a mesa de cabeceira, ao lado da cama.

Seus pais - e Grace, onde quer que ela estivesse, ele sabia - estavam lhe apoiando, lhe chamando para a vida, a vida que a sua irmã não pôde ter.

“- Lembra do que a Gracie escreveu? Se você quer fazer algo pela memória da sua irmã, realize o pedido dela: viva.”— Dominic ecoou.

“- Você não estará nos deixando, querido. Ver você feliz é o que nos manterá bem, de pé. Você e a Gracie são e sempre serão o nosso bem maior, meu amor. Viva, por todos nós, viva!”— a voz de Angelina ressoou.

“It will be alright”, Grace escreveu.

Abriu o caderno. O caderno que Lydia, a terapeuta, sugeriu a Hunter para que ele escrevesse tudo o que sentisse em relação a irmã. Não precisava mostrar para ela, era mais para colocar o que precisava para fora quando não estivesse em uma sessão e pudesse extravasar. E em alguns momentos, extravasar, para Hunter, era escrever poemas.

Hunter bateu os olhos no que havia escrito para Grace há algumas semanas, e suas cordas vocais simplesmente vibraram em um ritmo que veio surgindo em seu peito, fazendo o que melhor sabiam fazer: cantar.

 

Harry Styles - Sign of the Times (Acapella - Vocals Only) (N/A: OUÇAM, POR FAVOR!) 

 

Just stop your crying (Apenas pare de chorar)

It's a sign of the times (É um sinal dos tempos)

Welcome to the final show (Bem-vinda ao show final)

Hope you're wearing your best clothes (Espero que esteja usando suas melhores roupas)

You can't bribe the door on your way to the sky (Não dá para subornar a porta que dá entrada para o céu)

You look pretty good down here (Você parece muito bem aqui embaixo)

But you ain't really good (Mas você não está bem de verdade)

 

If we never learn, we’ve been here before (Nós nunca aprendemos, já passamos por isso)

Why are we always stuck and running from (Por que estamos sempre presos e fugindo)

The bullets? (Das balas?)

The bullets (Das balas)

We never learn, we’ve been here before (Nós nunca aprendemos, já passamos por isso)

Why are we always stuck and running from (Por que estamos sempre presos e fugindo)

The bullets? (Das balas?)

The bullets (Das balas)

 

Just stop your crying (Apenas pare de chorar)

It's a sign of the times (É um sinal dos tempos)

We gotta get away from here (Nós temos que sair daqui)

We gotta get away from here (Nós temos que sair daqui)

Just stop your crying (Apenas pare de chorar)

It'll be alright (Vai ficar tudo bem)

They told me that the end is near (Eles me disseram que o fim está próximo)

We gotta get away from here (Nós temos que sair daqui)

 

Just stop your crying (Apenas pare de chorar)

Have the time of your life (Se divirta o máximo que puder)

Breaking through the atmosphere (Atravessando a atmosfera)

And things are pretty good from here (E as coisas parecem boas aqui)

Remember everything will be alright (Lembre-se de que tudo ficará bem)

We can meet again somewhere (Nós podemos nos encontrar de novo em algum lugar)

Somewhere far away from here (Algum lugar muito longe daqui)

 

We never learn, we’ve been here before (Nós nunca aprendemos, já passamos por isso)

Why are we always stuck and running from (Por que estamos sempre presos e fugindo)

The bullets? (Das balas?)

The bullets (Das balas)

We never learn, we’ve been here before (Nós nunca aprendemos, já passamos por isso)

Why are we always stuck and running from (Por que estamos sempre presos e fugindo)

The bullets? (Das balas?)

The bullets (Das balas)

 

Just stop your crying (Apenas pare de chorar)

It's a sign of the times (É um sinal dos tempos)

We gotta get away from here (Nós temos que sair daqui)

We gotta get away from here (Nós temos que sair daqui)

Stop your crying (Pare de chorar)

Baby, it will be alright (Amor, vai ficar tudo bem)

They told me that the end is near (Eles me disseram que o fim está próximo)

We gotta get away from here (Nós temos que sair daqui)

 

We never learn, we’ve been here before (Nós nunca aprendemos, já passamos por isso)

Why are we always stuck and running from (Por que estamos sempre presos e fugindo)

The bullets? (Das balas?)

The bullets (Das balas)

We never learn, we’ve been here before (Nós nunca aprendemos, já passamos por isso)

Why are we always stuck and running from (Por que estamos sempre presos e fugindo)

The bullets? (Das balas?)

The bullets (Das balas)

 

We don't talk enough (Nós não conversamos o suficiente)

We should open up (Deveríamos nos abrir)

Before it's all too much (Antes que tudo fique além da conta)

Will we ever learn? (Será que um dia vamos aprender?)

We've been here before (Já passamos por isso)

It's just what we know (É simplesmente o que sabemos)

 

Stop your crying, baby (Pare de chorar, amor)

It's a sign of the times (É um sinal dos tempos)

We gotta get away (Nós temos que sair daqui)

We got to get away (Nós temos que sair daqui)

We got to get away (Nós temos que sair daqui)

We got to get away (Nós temos que sair daqui)

We got to get away (Nós temos que sair daqui)

We got to, we got to away (Nós temos que, temos que)

We got to, we got to away (Nós temos que, temos que)

We got to, we got to away (Nós temos que, temos que)

 

Quando parou de cantar, Hunter tinha seu rosto molhado pelas lágrimas e pela sensação de epifania que aquela composição havia lhe provocado. Era como se Grace houvesse, de alguma forma, se comunicado com ele naquele momento, como se aquela música fosse uma conversa entre os dois, uma que eles não haviam tido tempo, e que agora ele sabia: eles se reencontrariam um dia, em um outro lugar muito longe dali, e enquanto esse reencontro não acontecesse.... tudo ficaria bem.

Quando olhou para o lado, viu Dominic e Angelina estancados na soleira da porta, totalmente emocionados com o que haviam acabado de presenciar. E eles haviam captado a mensagem.

— Hunter, querido! - Angelina correu para abraçá-lo.

Tudo ficaria bem.


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Notas finais do capítulo

O que dizer? O que dizer desse Benjamin, que aquece o nosso coração a cada aparição? Fala sériooo, um estudante de cinema produzindo uma sessão de cinema ao ar livre só pra Natalie, que amoooor *-* a conversa deles também foi muito fofa, estão se conhecendo aos pouquinhos, de forma invertida, mas estão hahahaha

Agora o que foi esse momento fodelíssimo do nosso Hunter, minha gente? Que profundo, que intenso, que TUDO. Os pais dele têm sido tão fortes e tão maravilhosos, fazendo de tudo para encorajar o filho a voltar a cantar...! Cada momento desse é primordial para a recuperação do Hunter, especialmente a terapia, que será citada aos pouquinhos ao longo dos capítulos!

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