Defenceless escrita por Lia Sky


Capítulo 80
[2ªT] Capítulo Dois


Notas iniciais do capítulo

Ufa! Estamos diante de mais um capítulo MEGA revelação, migus e migas.
Muitos trechos foram bem difíceis de escrever, levando em conta a sucessão dos acontecimentos.
Pega um cházinho/sorvetinho, um cobertorzinho ou qualquer coisa que te faça se sentir melhor nos momentos de bad porque eu não me responsabilizo pelas lágrimas!

**

DICA: a música "Stay High", da Tove Lo, foi usada não só como trilha sonora, mas também como inspiração para o momento da Natalie, então se puderem assistir o vídeo, ficarão ainda mais imersos na cena!

Boa leitura ♥



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MÊS 3

Depois do choque inicial de ter sido perseguida pelos paparazzi logo no primeiro dia de aula, Natalie acabou aceitando a sugestão de Anna e ficou em casa durante o resto da semana com o intuito de se preparar psicologicamente para o que estava por vir.

Chegou à óbvia conclusão de que seria perseguida e questionada de qualquer maneira, e aquele era um fato imutável. E se ela não podia mudar o seu destino, poderia ao menos se esforçar para mudar o que ela podia fazer à respeito de si mesma. Aquela era a sua “nova” realidade, afinal. E logo ela deixaria de ser o foco da mídia - ou assim esperava.

Além disso, Natalie estava cansada do quão frágil vinha se sentindo nos últimos meses. Ser a coitadinha nunca combinou muito com ela. É verdade que estar de “luto” fazia parte de todo término de relacionamento… Mas mais do que isso já estava fora de cogitação. Já havia passado por isso uma vez com Izaac e não estava disposta a passar de novo.

E foi com essa mentalidade que Natalie aceitou o convite de alguns colegas de sala para ir a uma house party no Brooklyn. Ver gente diferente era o que ela precisava, definitivamente.

— Uaaau, gorgeouuuss! Onde vai? - Anna parou na porta do quarto de Natalie, que terminava de passar o delineador.

Natalie deu uma piscadela e fez uma pose para a amiga em resposta.

— Dia de partear. Quer ir? Se você se arrumar rapidinho, dá tempo.

— Ahhh, eu já combinei de sair com o Luke hoje, amiga - Anna fez biquinho. - Se você tivesse me avisando antes…!

— Tudo bem! - Natalie riu, guardando o celular no bolso traseiro da saia. - Pensei que nunca viveríamos em um mundo onde Anna Castillo namorasse e Natalie Kalkmann fosse solteira.

Anna gargalhou, mostrando-lhe o dedo do meio. Natalie riu em resposta, já passando pela amiga, que a parou quando estavam bem próximas.

— Hey - Natalie fitou-a. - Divirta-se, ok?

— Vou tentar - Natalie lançou um olhar de gratidão à amiga antes de sair.

 

**

 

Habits (Stay High) - Tove Lo (N/A: Vídeo-Inspiração)

 

 

Ao contrário do que Natalie pensou, divertir-se não era assim tão difícil, desde que ela se permitisse a novas experiências. E bom… Foi o que ela fez. Bebeu o suficiente para ficar animada, e quando o efeito passou, decidiu dar uma chance ao baseado que passava de mão em mão.

Já havia experimentado maconha no passado, mas não achava que fosse algo para ela, de fato. Só que o presente parecia dizer o oposto quando ela sentiu a fumaça preencher seus pulmões, que absorveram a química rapidamente, fazendo-a tossir. Prestou atenção em cada detalhe daquela sensação. Não demorou muito para que o efeito atingisse o seu cérebro. Sentiu uma leve tontura antes do calor se apossar de seu corpo, deixando-a leve e com as sensações que mais almejava nos últimos tempos: liberdade e contentamento. Sentia-se solta e ria à toa em meio a conversas com pessoas que nem sabia quem eram.

Fumar também reacendeu o instinto e a sensualidade de Natalie, coisas que ela achou que ficariam adormecidas para sempre. Sentiu-se flutuando ao beijar um garoto que lembrava de tê-lo visto na faculdade em algum momento. Não por estar apaixonada ou coisa do tipo, mas por estar feliz com o que toda aquela experiência estava sendo capaz de proporcioná-la.

Imaginou que Hunter a odiaria se soubesse o que ela estava fazendo - tanto a parte da maconha quanto a dos beijos em um desconhecido -, e sentiu-se ainda mais satisfeita. Brincou consigo mesma de que aquela era uma maneira de afrontá-lo, mesmo que ele sequer tivesse contato ou notícias dela, e muito obviamente não saberia de nada daquilo.

Assim, toda vez que Natalie ia a uma festa, o cronograma de diversão dela passou a envolver bebidas, baseados e às vezes, um garoto. E procurava não estender as atividades à sua rotina, apesar de abrir algumas muitas exceções para o segundo item - o que foi motivo de aliança entre Hans e Anna para lhe dar uma longa lição de moral, e que foi totalmente ignorada logo em seguida.

— C’mooooon. Não é como se eu tivesse virado uma rebelde sem causa que largou todas as responsabilidades. Ainda sou a boa e velha Nats. Só mais… Divertida - era o que ela repetia aos amigos.

 

Ninguém tinha o direito de lhe dizer o que fazer. Aquela era a maneira que ela havia encontrado de sair da inércia que sua vida havia se tornado com a partida de Hunter. E se tudo aquilo a fazia conseguir pensar nele sem que não parecesse que seu coração estivesse sendo arrancado de seu peito o tempo todo… Então sim, ela o faria.

No entanto, para driblar discursos de repreensão sobre como aquele hábito poderia prejudicar a sua rotina, Natalie evitava fazer o que quer que fosse quando estava na presença de Anna ou Hans - que estava constantemente no apartamento dela, se fazendo o mais presente possível para impedi-la.

— Deixa eu adivinhar… Você criou essa maratona de séries comigo para sabotar o meu mais novo “mau-hábito”?

Natalie perguntou se apoiando na porta, logo após abri-la e dar de cara com Hans.

— Era isso ou acender uma vela online pela sua alma… Achei que vir aqui seria mais eficaz, então… - Hans e rolou os olhos.

Fair enough.

Hans era sempre o encarregado de tornar a sala o ambiente mais confortável possível para as maratonas, com direito a cobertas e almofadas, além de colocar o episódio na Netflix. Já Natalie preparava os comes e bebes, que geralmente eram pipoca, sorvete e/ou brigadeiro - ela o havia viciado nesse último item.

— Acho que tenho uma novidade pra você - Hans comentou enquanto acessava o aplicativo na TV.

— É mesmo? - Natalie lhe lançou um olhar curioso da cozinha.

— Uhum… - o loiro se aproximou, apoiando os braços sobre a bancada.

Natalie ficou esperando Hans falar enquanto pegava o suco de laranja da geladeira. Quando percebeu que o amigo continuava em silêncio, ela se virou. Ele a olhava com certa expectativa, os olhos azuis levemente arregalados.

— E então?

— Vim pensando muito à respeito do meu futuro ultimamente… - Hans continuou a fitá-la, entrelaçando os dedos de uma mão na outra, nervosamente. - E, bom… Thomas e Luke já têm se preparado para anunciar projetos solo há um tempo, desde o nosso break. - Natalie também se aproximou da bancada, ficando bem de frente para ele. - E… Acho que talvez esse fosse o melhor caminho pra mim também. O que você acha?

Natalie o estudou por alguns instantes. Não conseguiu evitar a felicidade de saber que Hans se importava com a sua opinião daquela maneira. Ela pareceu pensar um pouco em sua resposta.

— Acho que é a melhor coisa que você poderia fazer.

Sério?

— Claro! Os meninos estão certos. E você não pode parar a sua vida nem a sua carreira, se não é o que você quer - Natalie segurou a mão de Hans de forma carinhosa. - Nós não podemos parar as nossas vidas - ela mencionou os acontecimentos passados indiretamente. - Não é justo. Com nenhum de nós.

Hans respirou fundo, transparecendo a sua insegurança.

— Mas acha que vai dar certo? Quero dizer… Será que vamos funcionar tão bem separados como quando estávamos juntos?

Natalie deu um sorriso fraco e acolhedor ao melhor amigo.

— É claro que sim, Irish. Vocês todos são incríveis e têm muito a mostrar a esse mundo. E as fãs vão continuar amando vocês separadamente, do jeitinho que cada um merece - Natalie viu Hans abaixar o olhar, então ela o chamou. - Hey. Vai dar boa! E eu vou ser a sua fã número um, Hans Norwell.

Hans deixou que um sorriso escancarasse sua boca, grato pelas palavras de Natalie. Estava bastante deprimido com o hiato da banda. Não conseguia se concentrar em mais nada e ficava culpando Hunter mentalmente por toda aquela desgraça na Terra. Evitava pronunciar o nome dele em consideração à Natalie, mas era impossível não amaldiçoá-lo para si mesmo e os outros integrantes da Elite Four. No entanto, Luke e Thomas pareceram ter aceitado toda aquela situação com muito mais facilidade, e não demorou muito para que seguissem em frente com novos projetos - o que o mortificou por algum tempo.

Desde então, Natalie e Hans tornaram-se mais do que um apoio mútuo. Um entendia o outro, já que ambos haviam sido abandonados, de alguma forma. Por isso, nenhuma palavra valia mais do que a de Natalie para ele. E saber que ela o apoiaria naquela difícil decisão de deixar a “família Elite Four” de lado por um tempo - que parecia mais permanente do que temporário -, o reacendeu. Ele precisava daquilo. E Natalie estava certa: eles todos precisavam seguir em frente.

— Obrigado.

— Não, eu quem agradeço. Por tudo. - ela deu uma piscadela antes de pegar o pote de pipocas. - Agora eu não sei você, mas estou louca para saber o que vai rolar nessa nova temporada.

— Pode apostar que quero!

Ele a seguiu para o sofá.

 

**

— Ok, me lembre de assaltar o seu guarda-roupa - Anna comentou quando viu Natalie adentrar a cozinha.

A garota de sardas vestia um camisetão longo da cor verde musgo com os dizeres “Army” na altura dos seios, e a barra do tecido tinha uma transparência em dégradé. As mangas eram  compridas, mas ela decidiu enrolá-las até a metade do antebraço. A parte de trás da peça era quadriculada, do mesmo tom da frente. A saia era de um jeans claro bem acima da metade das coxas, e as botas eram pretas, estilo coturninho, deixando um pouco da meia igualmente preta à mostra. (FOTO)

— Faça isso e eu não terei mais uma roommate. - Natalie brincou, usando um tom ameaçador enquanto preparava um sanduíche de pasta de amendoim e geléia.

— Ela tá grossa, ela.

As duas gargalharam com cumplicidade. Anna terminava de organizar seu material. Estava estudando na mesa de jantar momentos antes.

— Onde vai toda linda?

— Festa na casa do Oliver. - Natalie respondeu antes de dar uma grande mordida em seu lanche.

— Quem é Oliver? - Anna franziu o cenho. Não se lembrava de terem nenhum amigo com tal nome. Ou mesmo de Natalie tê-lo mencionado alguma vez.

A garota de sardas respondeu balançando os ombros, o que significava que ela sequer sabia quem era Oliver

— Natalie…

Oh, no. Don’t Natalie me. É só uma festa! E que vai ser bem maneira, por sinal. Você deveria vir.

— Não posso. Prometi ao Luke que o ajudaria com algumas ideias para o projeto dele.

Natalie rolou os olhos divertidamente.

— Certo! - ela respondeu de boca cheia.

— Escuta… - Anna deixou seu material de estudos empilhado na mesa e foi para perto de Natalie, na bancada. - Acha que é uma boa ideia sair hoje?

A morena parecia um pouco apreensiva, e observava Natalie atentamente.

— Por que não seria? - ela encarou Anna por um momento, reconhecendo o olhar maternal da amiga no mesmo instante. Ela respirou fundo, impacientemente. - Chega de se preocupar, ok? Eu já superei.

— Tem certeza de que superou? - Anna recebeu um olhar desconfiado da amiga. - Você estava escutando o cd da Elite Four mais cedo, não estava? Pra escutar a voz dele de novo, não é?

Natalie deu as costas para a amiga,  levando o prato consigo até a pia. Estava visivelmente surpresa com as palavras de Anna.

Sentia falta de Hunter com frequência. Todos os dias, mais precisamente. E precisava de um placebo, qualquer coisa que a fizesse se sentir próxima dele. Mesmo que ele não merecesse. Por isso, quando a saudade era maior do que podia suportar e não era possível recorrer aos meios narcóticos, ela se fazia escutar as músicas do último álbum da Elite Four.

Defenceless. Aquele no qual ela havia trabalhado, desenvolvendo toda a nova identidade da banda, bem como o próprio nome. Aquele no qual havia muitas músicas escritas por Hunter e que eram inspiradas nela própria, além do single de sucesso, Perfect. Onde ela podia encontrar a voz dele, sempre que quisesse enquanto segurava o pingente que ficava pendurado em seu pescoço.

Geez, Anna. Será que terei de usar fones de ouvido nessa casa, agora? A privacidade mandou “Olá”.

— Não tinha como não ouvir. - ela deu de ombros inocentemente.

— O cacete que não tinha. Estava super baixo e… - Natalie entregou a si mesma quando tentou justificar e se frustrou por ter sido flagrada. Ela soltou o ar de uma vez.

— Toda vez que você ouve as músicas, fica desolada e vai pra festas. Depois volta totalmente wasted.

— Ok, eu não vou ter essa conversa com você de novo.

Natalie alcançou a bolsa que já havia deixado na sala e se apressou em direção da porta.

— Natalie, volta aq…

Anna interrompeu a si mesma quando assistiu Natalie sair avoada pela porta.

 

**

 

Call It What You Want - Taylor Swift

Natalie saiu o mais rápido que pôde, como um diabo que foge da cruz. Estava desapontada consigo mesma por ter entregado o jogo tão facilmente à Anna. Também se sentiu invadida. Aquele era o momento dela, Anna não tinha o direito de se intrometer daquela maneira.

Procurou afastar todos aqueles pensamentos quando desembarcou na estação Skytown, localizada na região de Bushwick, no Brooklyn.

Entrou no prédio da festa prometendo a si mesma que se divertiria tanto que esqueceria o nome de Hunter Saxton e tudo o que ele a havia feito passar desde que partiu. Provaria a si mesma que não precisava dele. Nunca havia precisado.

Quando aceitou um copo de vodca com suco de maçã, deu-se conta de que aquela havia virado a vida dela, afinal: apostar consigo mesma que era capaz de fazer algo que não a levasse a pensar em Hunter. E aquela constatação a atingiu em cheio.

Por que tudo o que fazia acabava levando-a até Hunter, ou às lembranças que lhe perseguiam? Por que nunca conseguia ser bem-sucedida na missão de apagá-lo da memória? Por que tudo em sua vida parecia melhor quando ele estava por perto? Por que tudo parecia sem importância sem ele?

Respirou fundo e entregou-se à festa. Pensar naquilo a fazia se sentir miseravelmente fracassada. Jogou beer pong - mas substituiu a cerveja por shots de vodca com cranberry, já que não era fã de cevada. E claro, não demorou muito para que o álcool fizesse o seu trabalho no sangue dela.

Ela queria sentir coisas novas, queria sentir-se viva, feliz. Plena. Precisava se bastar. E ela o faria, não importava como. Pelo menos foi o que pensou... Mas surpreendeu-se quando aceitou o convite de uma garota qualquer para subir na bancada e dançar animadamente aos gritos e assovios do resto dos convidados festeiros. (GIF)

Era isso o que Natalie estava procurando: se sentir fora do controle, fora de si mesma. Dessa forma ela conseguiria se desvincular de si mesma e de todo o suplício que fazia parte dela há algum tempo. Ficou tão feliz quando chegou àquela conclusão em meio ao caos efetivo, que pegou o casaco que a líder de torcida ao seu lado chacoalhava animadamente, rodou-o no ar e jogou-o na mão de um garoto que ela pareceu reconhecer de algum lugar, mas não deu atenção. Todo mundo correspondeu ao gesto com gritos e braços erguidos, o que a fez gargalhar antes de descer dali. (GIF)

No mesmo instante, ela ouviu a campainha tocar. Como estava próxima da porta, resolveu atendê-la. Afinal, o tal do Oliver, que ela acabou descobrindo na própria festa, não parecia estar em condições. Ou mesmo se importando com quem havia acabado de chegar.

Quando Natalie abriu a porta, deu de cara com uma oficial de polícia, que segurava o cap debaixo do braço e a encarava seriamente.

— Boa noite.

— Boa noite! - Natalie respondeu com um sorriso. Sentiu-se desafiada por aquele elemento surpresa da festa. Sempre quis lidar com a presença de um policial no meio da “farra”. Havia visto muitos filmes e ficava constantemente se imaginado naquelas situações. E o álcool em seu sangue colaborou para aquela dose de coragem.

— Onde está o proprietário da residência? Recebemos uma reclamação da vizinhança sobre o barulho insano vindo daqui.

— AH, qual é, officer! - a policial lançou um olhar um tanto repreensivo pela audácia de Natalie. - Hoje é sábado! É dia de os vizinhos deixarem tudo rolar, não acha?

— Senhorita…

— Pode me chamar de Natalie. - ela deu um sorriso simpático que fez a policial conter o que se formava em seus lábios. - É sério… O que poderia haver de mal? São só alguns menores de idade bebendo e  usando drogas. - as duas se entreolharam seriamente por alguns instantes antes de começarem a rir. (GIF) - Brincadeira. É só uma festa, acho que os vizinhos poderiam lidar com um pouquinho de barulho, né?

— Mãe!

Natalie chocou-se quando viu que a voz masculina atrás de si era de Oliver, que vinha um tanto cambaleante na direção delas. Ela ficou olhando consternada para a policial, que trazia em seu crachá o sobrenome Hansen. Depois olhou para Oliver. Notou a semelhança dos traços entre ele e a mulher a qual ele acabara de chamar de mãe.

— Oh my God…— ela ficou sem saber o que falar por alguns instantes, o que pareceu deixar a oficial Hansen ainda mais cômica. - Acho que essa é a minha deixa. - a garota de sardas bateu no ombro de Oliver e sussurrou - Boa sorte!

 

Natalie riu sozinha, impactada com o que havia acabado de fazer e onde havia se metido. Ela decididamente já estava alta e precisava de ar. Avistou a janela e saiu por ela, sem pensar, para subir pela escada de incêndio até o rooftop do prédio.

Pulou a muretinha com facilidade. Sempre acabava se embrenhando pelas house parties para aproveitar um tempo sozinha nos rooftops. Aquilo era, decididamente, uma das coisas que ela mais amava em New York: os ambientes acima dos prédios. Adorava ser engolida pelas luzes da selva de pedra, ou mesmo quando estava em um lugar afastado de Manhattan. Gostava de aproveitar o horizonte e as silhuetas da cidade iluminada pelas pequenas luzes dos edifícios e arranha-céus que compunham a paisagem da qual ela nunca se cansava.

Quando encontrou o seu melhor ângulo de visão, se dirigiu a ele, logo na quina da muretinha. Encontrou a conhecida e amada Manhattan, encarando-a ao longe, em segundo plano. E mesmo assim, a cidade ganhava a competição contra os prédios de Bushwick.

 

Youth - Daughter

 

Natalie ficou ali por um bom tempo, olhando vislumbrada para aquela vista como se fosse a primeira vez que tivesse oportunidade de fazer aquilo. Era sempre muito reconfortante. Amava New York City com todas as suas forças, qualidades e defeitos. Mesmo depois de tudo o que havia passado, era àquele lugar que ela pertencia, não tinha dúvidas. New York era o seu lar.

Depois de um tempo, deitou-se sobre uma plataforma de concreto que servia perfeitamente como um banco, e ficou olhando para cima. Como em Bushwick não havia prédios altos, ficava muito mais fácil observar as estrelas, já que estas não eram ofuscadas pelo brilho superficial do centro da cidade.

Respirou fundo e um flash de uma memória dela com Hunter lhe abateu. Lembrou-se das inúmeras vezes em que deitaram no telhado do edifício onde ele morava para aproveitar a noite.

Shit.— praguejou.

 

Sentou-se abruptamente e assustou-se quando viu um rapaz à sua frente, distraído com a paisagem que ela havia apreciado momentos antes. Uma mão estava guardada no bolso e a outra segurando um baseado de maconha. Natalie reconheceu o cheiro da erva no mesmo instante.

Pela visão periférica o garoto acabou notando-a, e virou o pescoço para focá-la.

— Fugindo do mundo também, huh? - ele comentou com um sorrisinho de canto.

Natalie reconheceu-o como o garoto para quem havia jogado a jaqueta há alguns instantes na festa. Mas sabia que o conhecia de mais algum outro lugar. Só não se lembrava de onde.

— Fujo mais do que gostaria. - ela devolveu o sorriso fracamente.

— Você não parece alguém que foge tanto assim. - o rapaz deu alguns passos na direção dela depois de dar um trago em seu baseado.

— Ficaria impressionado… - Natalie respondeu com o tom mais cômico que conseguiu.

Ele parou bem na frente da castanha e ela o fitou por alguns instantes, tentando se lembrar de onde o conhecia. Surpreendeu-se quando o viu esticar o cigarro na sua direção.

— Você fuma?

O rapaz de cabelos loiro-escuros e mandíbula marcante continuou a observá-la atentamente, estreitando os olhos como se pudesse ler cada parte do corpo dela.

— Socialmente. - ela respondeu, aceitando o baseado.

Ele sentou ao lado dela na plataforma de cimento. Olhou-a tragar o cigarro e depois voltou a sua atenção para frente, observando os prédios do outro lado da rua.

— Você conhece quem mora aqui? - Natalie perguntou curiosamente. Foi o primeiro questionamento que surgiu em sua mente.

— O Oliver? Ele é o idiota mais maneiro que existe por aqui… - ele respondeu espirituoso. - A mãe dele é policial e vive aparecendo para barrar as festas que ele dá.

— É… Eu tive a honra de conhecê-la. - Natalie deu um sorriso jocoso e deu mais uma tragada.

— HA! - ele riu quando ela lhe devolveu o cigarro. - Você é a garota que falou sobre menores de idade?

Natalie apontou para si mesma, entregando-se e fazendo os dois rirem simultaneamente.

— Você é louca… - ele balançou a cabeça.

— O mundo é dos loucos. Só assim a gente sobrevive. - Natalie cruzou as pernas.

— É, esse não é o melhor dos mundos. Mas é o que temos.

— É o que temos… - ela repetiu assentindo e olhando-o de canto.

Viu que ele também a observava e ficou um pouco tensa. Estavam conversando sobre as frustrações da vida indiretamente sem nem se conhecerem. E ele parecia entendê-la sem nem sonhar com quem ela era.

Os dois ficaram se entreolhando por um longo tempo, como se fossem capaz de ler, um ao outro. Natalie sentiu-se despida, transparente. E assustadoramente, não era ruim. Muito pelo contrário: fazia tempo não se sentia à vontade assim. Talvez fosse o efeito da maconha ou algo do tipo... ela não sabia. Mas  decididamente não queria que aquele sentimento sumisse.

 

**

 

MÊS 4

Hunter não acreditava que havia concordado com aquilo. Na verdade, achou que já estava preparado para ajudar seus pais na dura tarefa de se desfazer de todas aquelas coisas, mas descobriu que não seria assim tão fácil quando adentrou o quarto.

Enquanto seus pais, Angelina e Dominic, focavam a missão no guarda-roupas, Hunter optou por ficar com as gavetas e estantes. Achou que não fosse capaz de lidar emocionalmente com as peças de tecido e aquela fragrância...

Aliás, não estava se sentindo apropriado para qualquer que fosse a sua atividade. Como se livrar de tantas coisas que compunham histórias e memórias? Separava alguns livros a muito contragosto, sempre protestando e sendo repreendido por Dominic ou Angelina.

Encontrou alguma fotos perdidas entre os livros. E cada imagem era uma apunhalada certeira em seu peito.

Procurou não focar sua visão. Guardou tudo dentro de uma caixa plástica que a mãe havia lhe cedido mais cedo para aquela tarefa.

Vez ou outra olhava disfarçadamente para os pais. Era como se o quarto fosse um navio afundado em um mar de tristeza. Notou-os enxugarem as lágrimas incessantemente conforme separavam algumas peças de roupa. Às vezes Dominic segurava na mão de Angelina em um reflexo de tentar lhe passar forças. Hunter odiava cada segundo daquele momento.

E quando achou que nada haveria de piorar, descobriu que todos os afazeres anteriores eram fichinha.

Estava na hora de esvaziar as gavetas da escrivaninha, o que inicialmente Hunter julgou ser mais tranquilo. Gavetas de mesas de estudo são usualmente utilizadas para guardar aquilo que não temos lugar ou não sabemos onde colocar. Mas foi logo ao abrir a primeira delas que sentiu suas pernas vacilarem.

Havia um envelope bem no topo dos outros objetos. Reconheceu a caprichada caligrafia que desenhava seu nome e sentiu um soco na boca do estômago.

Hunter ficou parado sabe-se lá por quanto tempo, apenas encarando aquele pedaço de papel que parecia ter sido estrategicamente depositado ali. Seu semblante era sério, tenso. Assustado.

Dominic e Angelina pararam de conversar quando perceberam o estado de choque dele.

— Filho? - Dominic o chamou, mas ele não se mexeu. - O que foi, não se sente bem?

Hunter finalmente tirou os olhos da gaveta para fitar os pais, que rapidamente se aproximaram para compartilhar da vista. Quando notaram o envelope, se entreolharam, dessa vez com Hunter fazendo parte daquele momento.

— Parece que achou a sua carta. - Angelina comentou com a voz ligeiramente embargada.

— O q-que quer dizer? - o rapaz de cabelos compridos gaguejou, olhando de um para o outro em confusão. Estava apreensivo.

— Achamos uma carta para cada um. E bom… Faltava a sua. - Dominic lançou um olhar terno ao filho, escondendo os lábios.

Hunter voltou a encarar a carta. Sentia todo o seu corpo trêmulo. Era como se este não fizesse questão alguma de corresponder aos seus comandos. Ou talvez ele mesmo não quisesse pegar aquele envelope?

Angelina se aproximou cautelosamente e tomou a carta nas mãos. Respirou fundo, como se tentasse controlar a emoção já evidente. As lágrimas escorreram pelo rosto da mulher.

Delicadamente, ela esticou o papel na direção do filho, que a encarou por alguns breves segundos antes de aceitá-la. Prendeu a respiração no mesmo instante, encarando os pais como se fosse uma criança que precisasse da ajuda deles.

— Vamos… Deixar você para… Para ler. - Angelina lhe lançou um olhar encorajador antes de seguir o marido, que já se encaminhava para a porta.

Quando Hunter viu a porta se fechar, engoliu em seco. Voltou a olhar para a carta. Estava com medo do que poderia encontrar naquelas linhas. Sequer sabia se queria descobrir. Pensou em rasgá-la em mil pedacinhos, mas sabia que se arrependeria amargamente se o fizesse.

Sentou-se na cama e apoiou os antebraços em suas pernas, com o envelope no meio. Quando sentiu que havia reunido ar e coragem o suficiente abriu a aba da carta, retirando mais de um conteúdo dali.

Seu coração parou quando percebeu que uma delas era a fotografia dele com Grace, tirada no último Natal, em NYC. Seus olhos se encheram de lágrimas instantaneamente.

Respirou fundo e a colocou de lado para poder desdobrar a carta.

 

Fix You (cover) - Boyce Avenue

 

Embora sua visão estivesse turva pelas lágrimas, os olhos verdes de Hunter focaram perfeitamente aquela caligrafia que ele conhecia tão bem:

Big brother,

Se esse papel mal escrito chegou nas suas mãos, é porque provavelmente as coisas chegaram no ponto em que eu mais temia.

Mas nada acontece por acaso. Era o que você sempre me dizia, lembra? E acho que se tudo caminhou para esse sentido é porque todos tínhamos algo a aprender com isso. A pior parte, realmente, é saber que de alguma forma eu sempre serei a causadora do sofrimento das pessoas que eu mais amei em toda essa minha conturbada vida, não importa o que eu faça.

Só que essa carta não é pra me fazer de vítima. Não dessa vez.

A verdade, nua e crua, é que eu não estava limpa. Não estive durante todo esse tempo. A dosagem do tratamento da Metadona usada ajudava e até supria a vontade louca de ter a velha amiga no meu sistema.

Por certo tempo isso realmente me ajudou. Não sei se era a culpa recente de tê-los feito sofrer com a minha terceira overdose, ou se era o meu inconsciente tentando me convencer de que a minha alma seria salva. Mas depois de certo tempo a gente fica entendiado, sabe? Parece que estamos em uma eterna reabilitação, onde um vício é substituído por outro. E o pior de tudo é que isso é realmente legalizado! Seria cômico se não fosse trágico, não?

Eu voltei com o uso da heroína 7 meses depois de tudo. Me perdoe por isso, meu irmão. Eu queria poder dizer que a sua irmãzinha foi forte o suficiente pra lidar com a abstinência, a dor, e o vício em si. Mas eu não fui. E também não fui corajosa o suficiente pra admitir que precisava de ajuda. Na verdade, eu estava cansada de ter de fazer você vir sempre ao meu resgate. Quer dizer... Que tipo de irmã sou eu? Que causa tanto desgosto e sofrimento àquele que sempre cuidou de mim, que sempre me protegeu de tudo e de todos? O problema é que essa minha batalha, no final das contas, não era contra a droga, mas contra mim mesma. É louco, né?

Eu não tenho jeito. Sou aquele brinquedo da coleção que já veio com defeito desde a fabricação. Sempre fui. E não era como se alguém pudesse me salvar. Não mais.

Depois que voltei de NYC, saí do trilho de vez. Por quê? Eu não sei. Afinal, vê-lo feliz, sorrindo novamente me deixou radiante...! Aquele papo de que todo drogado é drogado pra esquecer as frustrações é balela. Drogado é drogado porque é um vício. Pode ser que as tais frustrações nos deixem mais vulneráveis. Mas elas não são culpadas. Nós já viemos ao mundo arruinados, e a droga é só aquele empurrãozinho.

O que quero dizer com tudo isso é simples: não se culpe. Chega de assumir as culpas pelos meus erros e decisões, Hunter. No ponto em que as coisas estavam, o meu final não poderia ser diferente. É claro que nada disso foi planejado. Mas... Quem a gente quer enganar? Chega uma hora que a gente sabe que vai acontecer, em algum momento.

Eu tirei a minha vida, mas foi no instante em que decidi seguir pelo caminho que segui, quando deixei que a heroína me vencesse. E acredite ou não, eu sinto muito, muito mesmo. Pelo pai, pela mãe... E por você. Vocês não mereciam nada disso. Foram a melhor família, o melhor time que eu tive. Dizem que família não se escolhe... Mas eu os escolheria assim mesmo. Burlaria o sistema, porque hey, essa sou eu!

De novo: nada acontece por acaso, e talvez essa tenha sido a única forma de você, o papai e a mamãe viverem em paz. Não se culpem. Chega de me tirarem a culpa. Chega de tirar a vida de vocês, de arruinar a todos. Eu estava tão cansada quanto vocês, mesmo que não admitisse. E eu estou bem agora. Todos ficaremos. Todos seguiremos. Vocês precisam seguir.

E ah! Aqui vai um conselho póstumo, porque te conheço bem: não arruine tudo. Não faça da minha partida um mártir. Ao contrário: use-a como uma inspiração para viver a sua vida como deve ser. Cresça, evolua. Faça sucesso. Mostre o verdadeiro Hunter Saxton ao mundo. Sem medo, sem defesas, como a Natalie diz.

E Hunter: ame-a. Ame-a com todas as suas forças. Mesmo que doa, mesmo que sangre. Lute, lute pelos seus sonhos, pela sua felicidade. Não a perca. Ela é o que você precisa. Ela é o seu presente depois de tudo.
Como eu sei? Bem, eu nunca estou errada.

Então sempre que precisar de uma dose de realidade e um puxão de orelha que só a Grace saberia dar... Leia isso. Leia e saiba que a sua irmã, apesar de tudo, foi a pessoa mais feliz do mundo. E não poderia desejar menos ao melhor amigo e irmão que ela teve.

Viva, Hunter. Por mim. Por você. Por nós.

Eu te amo

Always and only yours,
Grace

Ao final da carta, Hunter soluçava dolorosa e desesperadamente. Jogou seu corpo para trás, deitando-se na cama e apoiando os braços sobre a testa. Sentia as lágrimas descarrilarem pelo canto de seus olhos e se perderem em seus cabelos. Chorou sem qualquer pudor.

Sentia um vazio indescritível enquanto as palavras de Grace reverberavam em sua mente, tornando a realidade ainda mais insuportável. Seu peito ardia como se alguém houvesse ateado fogo e tudo estivesse em chamas.

Ele havia falhado. Quando crianças, prometera à irmãzinha que a protegeria sempre, de todo o mal. Só não imaginou que um dia tivesse de protegê-la dela mesma. Era difícil não se sentir culpado quando o destino só havia tomado aquele rumo porque ele havia permitido a entrada de Alina Stacey em suas vidas.

Só de pensar que nunca mais veria Grace sorrindo para ele… Que nunca mais ouviria a sua voz, o som da sua risada quando ele lhe dizia qualquer bobagem. Que não a teria ligando para ele várias vezes na semana para jogarem conversa fora…

Como foi que ele não havia percebido? Ele, que acreditava conhecê-la mais do que ninguém…!

Hunter rolou na cama e deu de cara com a fotografia novamente. Passou o dedo polegar sobre Grace, como se pudesse acariciá-la de verdade. Quando levantou a foto e colocou-a contra a luz, percebeu que algo havia sido escrito em seu verso. Virou-a:

 

Estarei com você, não importa onde. Estarei onde quer que você deposite vida. Então viva. Viva e eu viverei.

It will be alright.

G.

 


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Notas finais do capítulo

Alguém vivo aí pra falar o que achou desse baque? Vamo conversar? ♥



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