Tempestades de um espinho que ansiava virar flor escrita por Shiori


Capítulo 19
Ao angustiar a luz, cria-se escuridão.




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Quando caminhava, levava a brisa do vento consigo. E as folhas no chão respondiam, como se curvassem-se, para reverenciá-lo. Toda a incompreensível diversidade no mundo não humano ao redor parecia conversar com ele, contando-lhe histórias e sussurrando-lhe segredos. O que eu via era o contrário, naquele cômodo frio.

A cama era manchada com o líquido rubro que escorria de seus punhos. A lâmina afiada havia tracejado em ambos os pulsos um corte profundo, e o sangue escorria com fulgor, como que tentando fugir das intenções insanas de seu dono.

Sim, seu sangue o tingia. Tingia seu casulo, e também seu pesadelo. Tentou penosamente levar suas mãos às lágrimas que surgiam com a agonia e a decepção conduzidas pelo ato, mas seus dedos tremiam exageradamente com a súbita perda de sangue, acabando por sujar as maçãs de seu rosto tão inocente e singelo.

A única e precária fonte de luz naquela noite escura era uma tímida vela acesa, largada em algum canto da bancada desorganizada que encontrava uma das paredes. Seu corpo, por outro lado, não era mais luz. Sua expressão aflita, paralisada pela dor, apenas esperava pelo momento em que todo aquele cansativo fardo que carregava tão custosamente dentro de si se esvaísse junto com o ar em sua última respiração.

Eu o assistia, sussurrando seus últimos suspiros com o que restava do que existia em si. Eu o assistia, quando seus olhos em pranto fixaram-se no teto do cômodo escuro e seus órgãos finalmente puderam se acalmar, lentamente deixando de lutar. E em sinal de respeito à sua luta perdida, a pequena chama contida também se dissipou.

E após o entoar da última pulsação de seu puro e triste coração, o que corria em suas veias não era mais sangue. E, por um longo tempo, silêncio se fez.

As borras avermelhadas no lençol já frio partejavam alguém. A negritude em suas orbes ainda fixas ao alto se fundia com a escuridão ao seu redor. Ali, o sofrimento descarregado no túmulo de seu passado era o ninho primoroso e magistral daquele que não seria, nunca mais, assustado pela dor. Pois era na dor que ele nadava. A escuridão em seu pesadelo era, agora, sua morada.

A pele fria movia-se. Ossos e veias em evidência, riscados pela falta do líquido entre ambos e as camadas de sua derme. Uma arfada gélida era ouvida ao levantar-se de sua cama, magnífico sepulcro. Lentas eram as batidas em seu coração negro, bombeando sombrio veneno ao longo do fúnebre interior de suas veias.

Em poucos passos, encontrou jogada a lâmina que havia causado o lado físico de sua morte. Levou-a aos seus lábios, purificando-a dos últimos resquícios de seu passado. A lâmina, agora, era engolida pelas mesmas trevas que residiam em seu interior, unindo-se com as espessas sombras do cômodo. A lâmina, agora, era transmutada em sua espada.

E com o empunhar de sua espada negra, mascarou sua presença. Despediu-se para sempre de tudo o que havia sido. Para sempre, se foi.
Lágrimas minhas escorreram em sua honra. Esta foi a última vez que eu o vi.



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