Tempestades de um espinho que ansiava virar flor escrita por Shiori


Capítulo 18
Maldita seja a lua, e maldito seja você. Maldição...




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Diga algo sobre isto.
Ascende o fumo provocado pela quentura do café.
Com seu calor, sobem letras vazias das últimas palavras que trocamos.
Brinco com o vapor, meus dedos moldam a fumaça flutuante, tentando alterar as correntes de vento do destino, em busca da formação correta neste caça-palavras.
Suspiro.
Sopro toda a fumaça pra fora.

Vamos, diga algo sobre isto.
Trago o café pra perto.
Minhas narinas apreciam a proximidade do aroma.
As mãos esquentam, abraçadas completamente à xícara. Não só pelo pegador.
Glimpses de um ou dois momentos únicos borbulham. Sem som. Sem atos. Fotos.
Vence a certeza de que éramos, quase, próximos. (Éramos?)
Oh, é só a inconsciência pregando peças.
Descanso o café na mesa. De novo.
Basta.

Venha, quero que diga algo.
É madrugada. Pela janela, a rua deserta. Entre nuvens, a lua brilha.
Executo tarefas ao som das decisões do algoritmo de autoplay do YouTube.
O infeliz resolve tocar aquela música. Meus batimentos vão a zero.
...
...é uma boa música para um café.
Puxo a xícara e bebo de mal gosto um gole da bebida fria...
...amarga. Como as suas palavras quando estávamos entre amigos.
Não julgo. Eu também era meio retardada.
Mas era grata.
Pfffff, quem ia duvidar da ingenuidade de uma guria com comportamento de criança?
Por dentro, você não.
Mas por fora...

Por favor, me diga algo sobre isto.
Decido descansar um pouco após finalizar uma sessão.
Dou pause. Tiro os fones, e os ouvidos são recepcionados com o soar dos passarinhos conversando lá fora.
É o começo de um novo dia.
Entre nós, um eterno eclipse. Já se passaram anos desde nossa última saudação sincera.
Ponho o café para esquentar no micro-ondas, só para causar discórdia. No fundo, é preguiça.
Quiçá seja preguiça um dos mil empecilhos em iniciar uma nova conversa contigo. Quiçá, seja só preguiça. E não anseios de que o exuberante monumento da imagem perfeita que esculpimos um do outro seja atualizada através de nossas presentes interações. (Você também pensa assim, não é?!)
Com raiva, bebo o restante todo do café em um instante só.
Você nunca sentiria essa preguiça.
Quase quebro a xícara ao lavá-la na pia.

Apenas peço que diga algo!
É segunda.
Tiro um sono leve na cama, até que o celular me acorda.
Abro a máquina de café. Após encará-la por um instante, renovo a decisão de deixar a injeção de cafeína pra depois, e sigo com as tarefas habituais.
Saio de casa.
É começo de primavera. No ar, a brisa fresca leva consigo o leve calor acompanhado dos primeiros perfumes da estação. Na calçada, as flores nos quintais das casas começam a desabrochar, demonstrando beleza e vivacidade em suas pétalas.
Me lembro do sorriso bobo que eu levava sempre que via uma pétala que se parecia com as suas.
Desgraça. Nenhuma se parece com as suas. (Como eram mesmo as suas...?)
Chuto uma pedra pelo caminho. Por pouco não acerto ela em um dos carros estacionados.

Por que você nunca diz algo?!
No fim do dia, adentro o ônibus lotado.
Num curto instante silencioso entre uma música e outra, dezenas de conversas e interações humanas.
Me pego delirando como seria, de fato, conversar contigo tão casualmente. Até um 'como vai' e suas variações ditas 2^53 - 1 vezes todos os anos ganhariam brilho vindos a partir de intenções suas. Qualquer assunto banal serviria.
Não consigo colocar em palavras como seria. (Já foi, um dia?)
A curiosidade prevalece...

Diga...
É noite, de novo.
O corpo úmido despenca sobre a cama, que o abraça gentilmente, acumulando o recém estabilizado calor interior.
A exaustão limita a mente, a imagem formada leva a simplicidade de partículas copiadas em um deserto amplo e vazio.
A alma, sedenta, força a entrada de um avatar genérico. Há muito, muito ruído, enquanto segue tentando recuperar os dados de setores à tantas pulsações já formatados e vazios. Não há detalhes, características. Não há palavras. Nem gestos. Tudo o que resta é... saudade. (Por que, de você...?)
 
...

Teu silêncio sempre me diz algo.
Hoje, e também sempre, é suficiente.
Nossas identidades atuais estão alocadas a outros usos. Usos estes tão distantes quanto os laços do tempo podem alcançar.
Contudo, aqui, somos carne e osso. E assim como nos transfazemos a todo instante, nossas mudanças dão vida a novas memórias, acompanhadas daquilo e daqueles que nos levam adiante.

Não, não diga mais nada, você não precisa.
Seu coração escuro não o permitiria.
Ainda não está livre da culpa.
Minha culpa.
Contudo, sigo a espera desta delicada resolução...


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