Abraço escrita por MiSwan


Capítulo 1
Abraço bom




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Aos vinte anos nunca tinha beijado, nunca tinha tido um namorado ou sequer confiado em alguém para me ver mais fraca, deixar cair toda e qualquer armadura que eu possa ter. Nada de relações muito próximas. Primeiro foram elas, as minhas amigas e colegas da faculdade, Alice, Rosalie e Renesmee. Era fácil falar com elas, apesar de sermos todas diferentes, os caminhos que tínhamos percorrido levaram-nos até ali.

A Alice tinha começado a namorar com o Jasper, irmão da Rose, há umas duas semanas. Sempre feliz, cheia de sorrisos e com medo de que ele fosse receber alguma proposta de trabalho que o levasse para longe. Para sorte de ambos, ele arranjou emprego como advogado num escritório perto da faculdade. Eles quiseram festejar. De repente, vi-me a fazer de vela. Os amigos dele entrosaram com as minhas amigas. Nessie e Jacob. Rosie e Emmett. Até que ele chegou.

Logo de cara dei-me bem com ele – finalmente alguém com vontade de pregar partidas aos amigos. Mas era fácil de conversar com ele, sabes? Havia sempre algo, algum assunto. Mesmo quando não havia mais nada a falar, o silêncio não era incómodo. Era bom, reconfortante, como todos os abraços do mundo juntos num quando mais precisas. Para não atrapalhar os casais, depois do jantar apanhei boleia dele, na mota assassina, até ao bar. Não fiquei incomodada por ter que ir abraçada a ele, por ele colocar a mão no meu joelho. Havia algo, eu estava meio aérea a tentar deslindar o que era. Ri, cantei, dancei… beijei-o naquela mesma noite. Beijei-o e dei a correr pelas escadas acima, como se tivesse feito uma asneira.

No dia seguinte já ele tinha o meu número, sem as minhas amigas saberem o porquê de ele ainda não o ter. Contudo, foram elas que lhe deram o meu número. Mesmo sem me ver, só por mensagens e algumas chamadas, naqueles três dias, ele conseguia levar-me a perder a cabeça. Era um charme diferente, um charme perfeito para o meu teimosismo e personalidade anti-social. Ele entrou no meu círculo com uma facilidade impressionante. Era ele, só ele. Mesmo elas, por muito amigas que sejamos, tiveram mais dificuldade em fazer isso.

Em duas semanas estávamos a namorar. Não contámos a ninguém. Não era vergonha, sabes?, era uma forma de estar juntos, sem comentários de mais ninguém, sem coisas desnecessárias que iam criar problemas.

Ainda assim, este “segredo” durou pouco mais de quatro meses quando o Emmett me encontrou a dormir na cama do irmão, enquanto este tinha ido comprar pão. Nessa noite, tive que passar por um questionário exaustivo sobre as razões pelas quais tinha escondido este dado, como era tratada. Fiquei, talvez, mais envergonhada com as perguntas que lhe fizeram. Os rapazes só se riam. Mas ele aguentou, depois de quinze minutos de interrogatório usou a carta fatal para nós: ir jantar fora. Foi da forma que nos livrámos.

O grande problema foi mesmo tornar esta relação pública. De repente, tinha convites para saídas de casais, convites da sogra para lá ir, intimações dos pais para que o conhecessem. A nossa paz estava abalada, apesar de o amar, cansava-me ter estes compromissos e um mestrado em andamento. As discussões começaram, escalando de tom a cada uma delas. Doendo. Marcando. Os nossos amigos, quando apanhados no meio da nossa tempestade, escolhiam o pior comportamento possível: tentar intervir. O que era uma tempestade nossa passava para eles, efeitos colaterais de uma ligação entre pessoas de extremos. Era oito ou oitenta, vai ou fica, cala ou grita. Juntos há cerca de um ano e meio, com muitas discussões e términos nos namoros dos nossos amigos, sabendo que eram causados pelas nossas coisas, decidimos separar-nos. Era algo amigável, havia o desejo, o carinho, mas a tempestade era grande demais para que a pudéssemos controlar sem maltratar quem nos queria bem.

Nas primeiras semanas cortámos realmente relações. Não falava com ele e notava a falta que isso me fazia, como quando via algo engraçado pegava no telemóvel para lhe dizer… mas depressa apagava. Recebi mensagens indignadas delas quando souberam por ele do não-estado da nossa relação. Ter que dar satisfação a outras pessoas nunca fora o meu forte. Quando me convidaram para um almoço só de raparigas, pensei que seria algo calmo, mas apenas me vieram com fotos de amigos delas, deles… acabaram o almoço a dizer que ele já andava a sair com outra. Doeu. Doeu ainda mais quando saí para ir à casa de banho, voltando sem elas notarem, e ouvir “nunca ia dar certo, já viram bem as diferenças entre eles?”. Sentei-me, pedindo esclarecimentos quanto a isso. Tudo o que elas disseram estava certo. Eu era fria, tinha uma enorme tendência a afastar as pessoas, usava demasiado a ironia e vivia demasiado dentro do meu próprio mundo. Naquela mesma noite, mandei-lhe uma mensagem, perguntando como ia a vida. Demorou dois dias para me responder e percebi que o tinha afastado de vez…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mais uma vez estava naquele restaurante. Contudo, desta vez, sabia que o ia encontrar. Em três anos tinha feito um equilibrismo para não me cruzar com ele. Estava a trabalhar, tendo poucos amigos, mantendo-as mais perto, apesar de não acompanhar metade do que elas conversavam. Tinha medo de deixar alguém estar demasiado perto e magoar-me. Estava a namorar com um outro homem. Não era a mesma coisa, era mais calmo. Os meus pais adoravam-no, elas diziam que ele era adequado para mim. Era uma relação fácil, calma, normativa. Ele sabia deste meu amor do passado, que me tinha marcado a ferros. À ida para o restaurante, no carro do Adam, ele estava a avisar-me para a presença dele. Desde que sabia do noivado da Rosie e do reencontro eminente, o Adam andava irritável, gritava a todo o momento, deixou de ser um cordeiro.

Chegámos primeiro que ele. Os casais já lá estavam. A Alice e o Jasper estavam contentes com uma gravidez não planeada, de já quatro meses. A Nessie pedira o Jacob em casamento, sendo o casamento algo descontraído, já na próxima semana. Apenas amigos e família mais próxima. Era bom estar com eles, mas sentia a tensão do Adam e a minha própria tensão, crescente de acordo com a aproximação do reencontro. De sempre fomos uma combinação explosiva.

— Chegou a alma da festa!

Arrepiei-me. Era sempre assim, nada mudou além do facto de não estarmos juntos. Sempre seria ele. Quando me virei para o ver, senti logo o aperto possessivo do Adam na minha cintura, chegando a magoar-me. Quando lhe disse, de dentes cerrados, que me estava a magoar, mudou a mão para o meu pescoço, obrigando-me a beijá-lo. Enervada, saí do seu aperto para cumprimentar o meu ex.

— Não cresces, Bella?

— Não – abracei-o -, agora só para os lados.

Era bom estar assim, mas depressa o larguei. Sentia as ondas de raiva do meu namorado e receava a reação de ambos. Nunca o Edward me tinha visto com outra pessoa e rezava para que todos ficassem quietos para que esta celebração corresse pela melhor maneira.

Ficámos sentados frente a frente. Cada vez que levantava os olhos via-o. Ele nunca desviava o olhar. E, quando eu demorava a fazer isso, sentia a mão do Adam na minha coxa a dar-me um aperto. Não gostava, não queria aquele controlo de abutre sobre mim. Mas controlava-me, afinal era o que era esperado de mim, controlo, não deixar transparecer que, bem lá no fundo, depois de todas as camadas, eu não passava de uma menina. Precisava de colo, de mimos, de um abraço que me fizesse parar no tempo. Precisava de voltar a deitar-me sobre o peito dele e sentir toda a pressão a sair, todo o stress, ser só ele e eu. Mas há anos que o tinha perdido, com certeza que haveria uma senhora Edward Cullen por aí algures.

Quando finalmente chegou a hora da sobremesa, apesar de ter escolhido um petit gateau, fiquei siderada no gelado de doce de leite do Cullen. Não pensando, apenas agindo, como por vezes fazia, estiquei-me sobre a mesa e roubei um bocado. Eu ri, ele riu. Acabou por me tirar um bocado da minha sobremesa.

— Estás a fazer de mim parvo? - Sussurrou o Adam. Perto demais, zangado demais. - Achas que vou estar aqui a ver-te a tentar encornar-me?! Vamos para minha casa já.

Levantei-me, pousei o guardanapo na mesa. Sentia os olhares de todos sobre nós. Não estávamos a conseguir esconder a zanga que se estava a formar. Apesar de ser meu ex-namorado, ainda considerava o Edward um amigo.

— Vou à casa de banho, com licença.

— Vamos para casa.

— Não mandas em mim, Adam…

Apenas dei dois passos até sentir a mão dele no meu braço, virando-me. Foi rápido demais, apenas senti a mão dele a bater contra a minha face. Desequilibrei-me, caindo sobre uma mesa, acabando sentada no chão. Ele nunca foi violento, mas aquela noite despoletou algo estranho. No tempo que ele teve entre a minha queda e a intervenção do Edward, ainda me conseguiu dar um pontapé no braço, fazendo-me bater com a cabeça no chão, por cima de vidros.

Naqueles minutos, horas, não sei, apenas sentia as lágrimas da Rose, os apelos para a Alice se acalmar proclamados pelo Jasper, o Jacob a segurar o Adam enquanto o Edward me pegava ao colo, levando-me para o hospital. Violência no namoro é crime. Violência em todos os seus graus, feitios e moldes é crime. Eles chamaram a polícia, mas o corte na minha cabeça e a minha vontade de dormir fizeram-no levar-me dali. Haviam câmaras, os meus amigos, depoimentos a que depois se juntaria o meu.

Depois de alguns exames, depoimentos e soro, deixaram-me sair do hospital já o sol nascia. Nunca fiquei tão feliz por ser sábado.

— Vens para minha casa agora, é melhor.

Não retruquei. Desde que saíramos do restaurante, ele não disse nada. Sabia que ele estava a explodir por dentro, sentia-o em cada terminação nervosa do meu corpo e do dele. Entrei no carro, encostei-me ao vidro, acabando por adormecer. Apenas acordei quando o senti a tentar pegar-me ao colo. Sorri e desenvencilhei-me dos seus braços. Subimos em silêncio para o mesmo apartamento de há tantos anos. Deixou-me entrar primeiro. O cheiro era o mesmo, a decoração quase não mudara.

— Vou buscar algumas roupas para ti, podes tomar banho primeiro.

Acenei. Segui-o pela casa, peguei nas roupas e entrei na casa de banho. Tomei banho, reparando que já tinha algumas marcas dos apertos do Adam. Ser branquinha nunca me tinha sido algo extremamente favorável para apertos mais fortes ou quedas. Quando saí do banho, ele estava na sala, sentado no sofá, tinha a televisão no volume mínimo, estava com a cabeça apoiada nos braços. Bateu no lugar ao seu lado. Sentei-me, longe o suficiente para o poder ver.

— Pensei que quando terminamos era para encontrares alguém melhor que eu, Bells. - Suspirou. - Não sabes como me custou, foram três malditos anos em que fugiste de todos os programas em que eu podia estar. E eu sei que essa tua mania de ser forte e de não incomodar ninguém está no meio.

— Desculpa… - Virou-se para mim, sobrancelha erguida.

— Não quero que me peças desculpa, e muito menos que vás pedir desculpa aos outros. Não tens culpa de ter arranjado um idiota para namorado. Mas não voltes a afastar-te. Sei que também tive a minha parte de culpa quando te deixei ir com tanta facilidade, mas não o repitas. Já crescemos para conseguir estar ao lado um do outro sem soltar um furacão sobre todos os outros… - Respirou fundo, recostando-se ao sofá, com os olhos fechados. - Nunca te quis deixar ir. Mas estava cansado… pensei que fosses voltar na semana seguinte, no dia seguinte até. - Riu pelo nariz. - Já devia saber melhor que ninguém o quão orgulhosa és. Ainda assim, não fui melhor que tu, não te procurei e quando o fizeste demorei a responder. Nem sabes como me custou fazer isso… e eu sabia que elas deviam ter-te dito alguma coisa sobre a Lauren, que é minha prima e elas cismaram que fosse uma conquista. Ela é freira, sabes? Entrou uns meses depois de estar aqui… nunca a vi falar tão mal como quando lhe contei a nossa história. Disse que eu ainda me ia arrepender por te deixar ir… dito e feito.

Ficámos em silêncio. Cada um no seu lugar, ouvindo as respirações e o mundo lá fora. Apesar de eu ser formada em literatura, de sempre odiei ter que me declarar, mostrar os meus sentimentos para alguém. Apenas fiz o que me apetecia: puxei-me para mais perto, sentando-me no colo dele, abraçando-o o mais perto possível. A sensação voltou, aquele expirar que sabe maravilhosamente bem, a calma, o saber que é ali que estou bem. Logo as suas mãos me abraçavam, como dantes. Pousou a cabeça no vão do meu pescoço.

— Eu gosto de ti, sabes? Sempre gostei. De alguma forma esquisita, conseguiste ser o amigo mais rápido que fiz, a pessoa que se encaixava nos meus gostos, na minha vida. Não sei, quando sugeri que não contássemos a ninguém do nosso caso, era por medo. É raro ver relações que vêm a público não terem o tempero dos outros. Mas ainda durámos algum tempo, depois disso. Cansei naquela altura, só queria ver-te pelas costas ou levar-te para uma ilha deserta comigo. Ir embora era mais fácil, sempre foi.

— Fomos uns idiotas, não achas?

— Bem – ri -, tenho pouco de idiota, mas se achas que é o termo que melhor te assenta…

Levei uma palmada no rabo por essa brincadeira, o que me fez levantar o pescoço para o olhar cara a cara. Numa tentativa de parecer séria, com os olhos cerrados, coloquei as mãos nos ombros dele.

— É o meu rabo, ficas longe…

— Está mas é calada… - E puxou-me de volta para o seu abraço, suspirando logo em seguida. - Se eu sou idiota, tu és a minha Senhora Idiota, maravilhosa investigadora, a mulher mais forte que conheço e que, com toda a certeza, ainda vai tentar pedir desculpa aos amigos pelo que se passou esta noite. Acho que pertencemos sempre um ao outro, não achas? - Depois de uma pequena pausa, senti-o sorrir. - Havia um mito que me contavas… qualquer coisa sobre pessoas completas.

— O mito de Hermafrodito. Com certeza que já viste aquele desenho na net sobre isso. Se procurares “Zeus separating humans” aparecem logo as vinhetas azuis…

— É isso que és para mim, a parte que me foi tirada à nascença, alguém que eu tive que procurar. Demorei, encontrei-te, perdi-te, mas, desta vez, não te livras de mim. Quando tiveres medo, abraça-me. Quando achares que eu estou a pensar noutra coisa e não te dou a devida atenção, chama por mim. Sei o quanto lutas, então luta por mim e por nós… nunca mais te quero longe de mim…

 

 

 


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