22:34 PM – Sacada dos deuses, Monte Olimpo.

Por um instante fiquei analisando o local em que ela havia estado, com as sobrancelhas franzidas em sinal de confusão. Zeus! Alguém podia me explicar o que fora aquilo?

Passei a mão por meus cabelos e saí da sacada, ainda pensando no que diabos havia de errado com aquela garota. Estava tão distraído que só quando entrei novamente no salão percebi todos os olhares dirigidos a mim. Alguns deuses como Atena, Ártemis, Ares e Héstia estavam rindo, a última de maneira mais indiscreta, diferente de outras pessoas, como a deusa da lua e o deus da guerra. Os outros estavam apenas chocados. Dite cobria a boca com a mão, com olhos arregalados, provavelmente ainda não acreditando no que sua cria havia feito, me dirigindo uma expressão não muito boa, o que imaginei ser a de súplica.

Olhei furioso para todos que estavam ali.

— Você, você, você, você e você - apontei para determinadas garotas. – estão fora. E quanto a você – apontei para Afrodite, enquanto pegava minha jaqueta -, é melhor aprender a controlar a boca de sua filha. – proferi e saí, sem querer ver as reações das selecionadas.

Já estava quase alcançando as portas de entrada daquela porcaria de casa quando me lembrei de que por causa dessa maldita seleção, eu teria que dormir no templo do “todo poderoso” para “ficar mais perto das selecionadas e conhecê-las melhor”, de acordo com Dite. Aqui só havia uma parede cheia de instrumentos musicais (sendo que em minha humilde residência, meus instrumentos preenchiam três cômodos maiores que o quarto onde eu me encontrava), um closet enorme que não servia pra nada, vários espelhos e uma cama king size enorme de casal que também não serviria de porcaria nenhuma, já que eu nunca, em hipótese alguma, levo meus acompanhantes pra minha cama!

Entrei no quarto, já tomando duas taças de néctar de uma vez só, para ver se meu estresse me dava um tempo. Toquei um pouco de guitarra conseguindo finalmente relaxar um pouco antes de ir dormir.

Acordei no dia seguinte com uma ninfa me chamando, falando que os deuses já me esperavam na sala de reunião. Bufei. Era só o que me faltava! Assim que coloquei os pés naquele lugar, Ares já começou a andar ao meu redor, cantarolando baixinho um “I think it's so cute and I think it's so sweet...” com um sorriso zombeteiro. Quando ele começou a cantar a maldita frase pela segunda vez, lhe dei um peteleco em sua cabeça, fazendo ele finalmente parar de cantar, mas continuando com um sorrisinho no rosto. Me sentei no meu trono, como sempre, e quando pensei que não, lá estava Ártemis cantarolando.

— How you let your friends, encourage you to try and talk to me...

Peguei a primeira coisa que encontrei (uma caneta) e atirei em sua direção, mas ela desviou com um sorriso maldoso.

— Para o deus do arco e flecha, você parece meio enferrujado, maninho... – zombou.

Trinquei os dentes. Ártemis só me chamava de apelidos “carinhosos” quando queria me provocar.

— Cala a boca!

— Você...

— Calados! – Zeus ordenou, soltando um bufo logo depois. – Estaremos dando início à reunião. E— acrescentou, me fuzilando com os olhos. – dá próxima vez, ao menos tente chegar na hora.

Olhei pro lado, vendo Ártemis segurar o riso.

— Velho chato...— sussurrei pra mim mesmo.

— Então – começou Dite, reorganizando um montinho de papeis. -, primeiro tópico: A Seleção. – Ela olhou pra mim. – Querido, eu sei que isso não está sendo fácil pra você, mas precisa convidar uma das garotas para um encontro ainda hoje, já que no final dessa semana teremos a entrevista com as selecionadas para a TV Hefesto. E no final da semana que vem: festa!

— Festa?— Atena repetiu, incrédula. – Mas não temos nenhuma data comemorativa nessas três semanas, Afrodite!

— Oh, eu sei querida. – Dite lhe lançou um sorriso doce, apertando os papéis contra o peio. – Apenas fiquei com vontade de dar uma festa.

— Mas tivemos uma semana passada! – exclamou Hefesto. – Não acha que já basta?

— Não, que horror! – fez uma expressão de espanto. – Festas nunca serão o bastante, ainda mais tendo a chegada das selecionadas como desculpa! – exclamou feliz.

Hefesto suspirou.

— Ok, amor... – ele forçou um sorriso. – Tudo o que você quiser.

Dite sorriu docemente para ele enquanto, pela minha visão periférica, via Ares grunhir. Soltei um risinho, e foi minha vez de ser quase atingido por uma caneta.

— Ei!

— Idiota.

Afrodite fingiu não ter visto nada (como sempre) e prosseguiu.

— O próximo tópico é sobre o programa. – Afrodite se virou para Hefesto. – Já está tudo pronto?

— Sim, já fiz um vídeo com a chegada de cada selecionada e com a entrevista particular de cada uma. Acrescentarei também uma pequena parte de cada encontro, e farei outra entrevista com cada uma delas no dia.

Ela sorriu.

— Ótimo! E o último tópico, mas não menos importante. – ela se virou para papai. – Zeus, os ataques estão cada vez mais frequentes, não sei mais por quanto tempo...

— Esse assunto de novo Afrodite? – papai rugiu. – Eu já disse, a situação já está sobre controle!

— Mas Zeus, os acamp...

— JÁ BASTA, AFRODITE! – um trovão foi ouvido. – A reunião está encerrada. – declarou, se dissipando no ar em forma de nuvem.

Um clima nada amistoso se instalou no local, e mesmo que todos estivessem com a mesma linha de pensamento, ninguém se atreveu a abrir a boca. Suspirei e passei a mão por meus cabelos. Não adiantaria ficar aqui, sentado, pensando em meus inúmeros problemas. Tudo o que eu poderia fazer no momento é me focar na Seleção para que ela acabe o mais depressa possível e eu possa me concentrar em outras coisas.

— Querido... – Dite chamou Hefesto carinhosamente, quebrando o silêncio. – Como foram as entrevistas?

— Ótimas! Acho que a melhor dentre todas foi a da sua filha grega, a... como se chama? Cam...

— Camille! – Afrodite sorriu animada. – Como ela se saiu? – perguntou repentinamente insegura, mordendo o lábio inferior.

— Melhor impossível! Nem parece sua filha...

— Como?

— Eu quis dizer que ela não é como a maioria de suas filhas, amor...

— Ah, bem... – Afrodite fez uma careta. - Isso é notável...

Estreitei meus olhos, enquanto observava Hefesto.

— Você está mentindo. – falei. – É impossível que aquela doida tenha se saído bem em uma entrevista. Quem dirá ter dado a melhor de todas! O que ela fez? Xingou alguém? Deu dedo pra câmera? – estreitei ainda mais meus olhos. – Ela... te bajulou?

Afrodite imediatamente arquejou, uma mão indo em direção a seu peito. Diferente dela, seu marido continuava quieto.

— Não estou mentindo Apolo. – disse ele. – Camille realmente se saiu bem na entrevista. Bem até demais.

— Espera, pera aí! – Ártemis pediu, erguendo os braços. – Camille não é aquela garota que simplesmente arrasou ontem à noite?

— Arrasou?— repeti incrédulo. – Ela se humilhou, isso sim!

— Não maninho. Ela não se humilhou. Ela te humilhou. E foi bem feito! – começou a rir.

Procurei outra coisa na mesa e acabei pegando a caneca de Ares. Porém, antes que eu a atirasse, Atena ergueu um braço, criando uma barreira protetora em volte de Ártemis e dela mesma.

Abaixei a cabeça e devolvi a caneca a seu devido lugar, indignado.

— Ártemis tem razão! – disse e eu a encarei em choque. – Não na parte de rir da sua cara, obvio. – acrescentou, embora seus lábios estivessem meio milímetro a mais para cima. Ela logo tratou de ficar séria. – E apesar de não ter pedido, vou lhe dar um conselho mesmo assim, irmão. Escute bem, 80% destas garotas não estão interessadas em você. Elas apenas querem virar deusas, serem imortais. Então, se você não quiser se casar com alguma interesseira, que comece pelas autênticas.

Franzi a testa e ponderei. Os conselhos de Atena, mesmo que eu sempre negue, já me ajudaram a sair de muitas enrascadas. Ela é do tipo “irmã mais velha sabichona que está na faculdade”, enquanto você ainda nem saiu do fundamental.

— Onde estão as selecionadas? – perguntei, já com decisão tomada. – Dite?

Ela piscou os olhos repetidamente, não acreditando em minha pergunta.

— Elas estão no... no Salão das Deusas...

— Beleza, vou até lá.

Me levantei e com um aceno saí pela porta. Com o que Atena disse, posso concluir uma única coisa: Camille pode ser grossa, inconsequente e infantil, mas pelo menos é autêntica. Não se esconde atrás de máscaras, incorporando um personagem da qual não é. E se ela se saiu bem na entrevista, quer dizer que ela não é grossa com tudo mundo. Talvez ela só esteja agindo assim comigo pelo ódio que tem da Seleção. Talvez, só talvez, eu possa mudar algumas coisas... Com seria uma Camille gentil? Carinhosa? Uma que te receba todo dia na porta de casa, lhe dando um beijo casto em seus lábios e lhe perguntando como foi o seu dia?

Vou convida-la para um encontro. Quem sabe ela não amoleça um pouco?