Acordei com gritos. Afrodite e Ares, brigando mais uma vez, se é que isso ainda fosse possível. Mas não deixei me abalar. Não, muito pelo contrário, levantei da cama pensando no quão maravilhoso meu dia seria, e que esses gritos logo iriam acabar.

Ledo engano. Ao sair do meu quarto no Olimpo, quase fui acertado por um jarro com flores. Me desviei por pouco e quando percebi que ainda eram quatro da manhã, dei meus pêsames mentalmente para Ares e saí voado dali.

Depois de caminhar alguns minutos até chegar na garagem do meu templo, percebi que tinha me esquecido da chave do meu precioso carro, mas novamente, nem a pau eu voltava pro meio da guerra que estava acontecendo bem na frente do meu quarto. Resultado: fiz uma ligação direta. No meu. Preciso. Carro. Mas ok, vida que segue, até porque hoje eu estava confiante que eu não iria me estressar (ou foi o que eu tentei me convencer).

Após passar em um rápido drive thru e comer meu hambúrguer ainda no carro, acelerei-o até ganhar altitude, começando a fazer meu percurso diário, levando o amanhecer ao redor do globo.

Mas como as coisas sempre parecem piorar quando queremos ter um dia sem estresse, lá pros últimos países da minha rota meu camaro começou a dar problemas, me fazendo dar um pouso de emergência na oficina do Hefesto, quebrando algumas coisas no processo.
Ele não ficou muito feliz. Aparentemente já sabia da mais nova briga de sua esposa e seu seu amante, mas para minha surpresa, mesmo tendo afirmado filmar o encontro para passar na TV Hefesto mais tarde, parecia estar mais desanimado e desamparado que nunca. Na verdade, depois de acidentalmente ver meu reflexo pelo espelho retrovisor, comecei a perceber que estávamos quase que com a mesma expressão. O que me levou a pensar no meu mais recente e não tão novo problema: a enteada de Hefesto, filha de Afrodite, que por acaso carrega o nome de Camille. A imagem dela agarrada a sua amiga chorando ainda me era estranha, admito, e por mais insensível que isso soe, nunca pensei que a garota fosse capaz de um ato tão... humano. Não quando ela se mostrava sempre tão inalcançável e cheia de grosseria pelo menos.

Isso me fez indagar se aquelas lágrimas não era falsas no final - uma ideia que eu descartei imediatamente. Eu conseguia reconhecer uma alma em destroços, e com certeza consegui identificar a dela com o mesmo mal. Era uma imagem que eu via de tempos em tempos ao me encarar no espelho.

Tendo me afastado da oficina a muito tempo, só me dei conta que estava entrando na Biblioteca Olimpiana ao ouvir a voz de Atena.

— Com todos os meus recentes estudos e conhecimento eu recomendaria fortemente a faculdade de Arquitetura do Acampamento Júpiter. Embora há quem diga que as faculdades de Manhattan também formam ótimos profissionais, a do acampamento Júpiter ganhou recentemente o prestígio de ser reconhecida como uma das melhores faculdades da atualidade!

Ouvi uma risadinha, algo que eu achei inacreditável de ser proferido pela voz que a acompanhou.

— Sim, eu sei, e é justamente por isso que eu batalhei tanto para conseguir uma bolsa integral lá, mas as vezes ainda penso que acabei escolhendo o curso errado pra fazer... Annabeth, por exemplo, é tão talentosa que as vezes me pergunto se posso me igualar ao seu nível...

Arregalei os olhos, tentado sair dali o mais rapidamente possível. Se Atena, ou pior, Camille percebesse que eu estava escutando algo tão íntimo das duas eu seria literalmente um deus morto. Porém, de tão desconcertado que fiquei, acabei me atrapalhando e esbarrei acidentalmente em um vaso de plantas (mas qual era a de Perséfone hoje?).

As duas olharam pra mim. Camille com um aparente choque em seu olhar, sendo rapidamente substituído por uma máscara de raiva. Já Atena se conteve em expressar sua insatisfação com um pequeno rolar de olhos, evaporando rapidamente no segundo seguinte.

— Caramba, você tá de parabéns. - Camille cruzou os braços. – Tem mais alguma coisa que você queira estragar na minha vida ou essa foi a última?

Me contive para não dar uma boa resposta, afinal, por mais que meu dia estivesse sendo uma merda, eu não iria me estressar certo?

— Ah, esquece, tá na cara que você só vai ficar me encarando com essa cara de paspalho mesmo. Agora se sua adorável pessoa me permite, irei me retirar. Passar bem, bem mal.

Errado.

— Não. - soltei antes que percebesse.

— Desculpe?

— Está desculpada. Agora você vai sentar essa sua bunda na cadeira e vai me ouvir Camille, e Zeus queira que você faça isso por bem, pois se for por mal cai ser muito pior.

Era isso. Eu estava tomando as rédeas da minha vida, ou pelo menos de uma pequena parte dela - A Seleção. Eu poderia sair dali com um tapa no rosto ou com uma parte roxa no corpo, mas eu iria resolver isso de uma vez por todas.

Contudo, indo contra todas as minhas paranoias, Camille se sentou na cadeira. E ficou quieta, por mais incrível que parecesse. Quase soltei um suspiro de alívio.

— Então era só isso? A única coisa que eu precisava fazer era pedir pra você se sentar? - acabei soltando sem querer.

Ela melhorou a postura.

— Caso não tenha percebido você continua sendo um deus Apolo. E por mais louca que você pense que eu seja, eu ainda tenho medo de morrer.

— ... Então você se sentou porque eu, um deus olimpiano, mandou?

Ela revisou os olhos.

— Tava meio que na cara que isso tava muito fácil pra ser verdade. - pareceu falar consigo mesma. - Não Apolo, eu não me sentei porque você mandou. Na verdade, em partes sim, como disse antes não quero morrer. Mas caso você não tenha percebido, ao me mandar sentar, você usou algo que eu aprecio muito. - devo ter feito uma cara muito confusa, porque ela respondeu em um tom óbvio: - Respeito Apolo. Você demonstrou respeito. E agiu como um verdadeiro Deus milenar, não como um adolescente birrento de 17 anos de idade.

— Como se você fosse muito diferente disso. - soltei rapidamente precisando de algum tipo de defesa.

— Caso você não tenha percebido, eu tenho 18 anos de idade Apolo. E por incrível que pareça você está corando pelo que eu acabei de dizer. Isso é vergonha? Quer saber, esquece, se era só isso eu já vou mesmo.

Ainda sentindo meu rosto meio quente, a pedi para esperar.

— Quero conversar com você Camille. De verdade, sem brincadeiras ou cantadas tarefas. - ela ergueu as sobrancelhas.

— Sério?

— Sim. Ou ao menos vou tentar ao máximo. Eu só quero... quero que essa briga idiota termine Camille. Ou pelo menos que não ocorra por motivos tão toscos como os que vem acontecendo.

— Então quer dizer que ainda quer brigar?

— Hm... sim? Quer dizer, é divertido as vezes... Quase sempre... toda hora? - acabei perguntado. - Droga, você me deixa confuso!

Me surpreendendo mais uma vez, ela se jogou em uma cadeira.

— Ok. Vamos conversar.

— Sério?

— Sim.

— Ok... - alguns segundos se passaram, o que me fez abrir a boca novamente. -Porque está me encarando? - perguntei um pouco desconfortável.

— Porque você tem razão. É legal brigar com você no final. Torna tudo menos... - molhou os lábios. - maçante.