Capítulo 23

Garotos são idiotas.

Roxanne

Garotos são idiotas.

Para alguém que estava começando a ter esperanças no sexo masculino, Roxanne levou um baita soco na cara naquela semana de meio de novembro. Além do frio crescendo desesperadamente, coisa que ela odiava, precisava lidar com dois garotos idiotas, imaturos, ridículos, sem um pingo de noção, desajustados, bobões, imbecis, possuidores de cérebros de ameba e cheios de pompa em não admitir que estavam sendo apenas orgulhosos.

Uma semana! Uma semana inteira passou com Albus e Scorpius sem trocarem palavras. Quando um estava conversando com Roxanne, o outro ficava de longe encarando e esperando o primeiro sair para se aproximar. Se um estava comendo no Grande Salão, o segundo ia para o pátio. Competiam pelo lugar perto da grifinória nas aulas que dividiam, resmungavam para si mesmos sempre que passavam do lado do outro e ainda tinham a audácia de fingir risadas em conversas aleatórias para aparentar que estavam se divertindo. Pareciam um casal de ex-namorados ciumentos. Era horrível para qualquer um assistir, especialmente para Roxanne que estava vivendo essa confusão de perto.

Mas a pior parte de todas era aquela pontinha de culpa que ela também sentia. Se tivesse feito algo a tempo, as coisas não teriam chegado naquele ponto, ainda mais na questão de Alice Longbottom.

Pobre Alice… Andava o mais longe possível de Albus. Roxanne sabia que ele não fez o que fez de propósito, ainda mais com todas as vezes que ele explicou que havia errado em puxar seu braço dela, e que por isso tinha acertado seu rosto. Entretanto, ninguém o perdoou pelo acontecido! Na verdade, todo mundo o olhava com nojo, até mesmo seus companheiros do time da Sonserina faltaram de propósito o treino que planejou como forma de protesto. Alice deixou claro que príncipe ele não era e jamais voltaria a ser. Lily Luna tentou acalmar as coisas, mas de nada adiantou… A única ao lado de Albus era Roxanne, que nem estava tão afim assim de cuidar dele.

Olhou-se no espelho do banheiro feminino e sacudiu os cabelos cacheados. Se fosse maior, teria se metido na briga dos garotos idiotas. AH, GAROTOS IDIOTAS! Ou melhor! Devia ter se metido na briga de qualquer forma!

Albus idiota.

Scorpius idiota.

Roxanne suspirou e passou a água no rosto antes de voltar para a sala de Adivinhação, sentando-se ao lado de seu primo Potter com as pernas cruzadas uma sobre a outra, não deixando os pés tocarem o chão.

— Roxie, você não é muito feminina, sabia?

Ela imediatamente o encarou. Albus estava lá com sua cara de trouxa, apoiando o queixo com o punho. Ele conseguiu em menos de três segundos esgotar toda a paciência que ela tentou criar no banheiro.

— Tá atrás de briga? — murmurou ela com os olhos semicerrados.

— Não. É só que você estava andado demais comigo e com o Malfoy. As pessoas vão começar a te ver como um menino também.

Roxanne precisou contar até cinco em sua mente. 1… 2… 3… 4… 5...

— Eu não sei se você sabe, mas eu não ligo muito para o que os outros pensam — disse um pouco mais áspera, mas ainda baixo para evitar chamar atenção do Professor Firenze, que não parava de examinar um papiro quase apagado sem começar a aula.

— Pois deveria. Parece que essa é a única coisa que as pessoas têm em mente esses dias… Como vão aparecer para os outros, o que os outros pensam — resmungou, cruzando os braços sobre a mesa e deitando o próprio rosto.

Ele não tinha o costume de ficar para baixo daquele jeito, e Roxanne já havia notado a diferença no seu humor desde a famigerada briga. O monstrinho verde do ciúme o atacou, disso ela teve certeza. Mas pior que o ciúme só havia uma coisa: a solidão. E ela não conseguia organizar as palavras de um jeito bonito e nem diplomático suficiente para dizer que a culpa era dele próprio.

— Albus, cala a boca.

Se dissesse mais, certamente os dois iriam explodir um com o outro. E ela queria dizer! Queria por ao menos um pouco de juízo naquela cabecinha dele e tentar fazê-lo entender que as coisas iam se ajeitar.

No dia seguinte, almoçaram juntos outra vez, e Albus já não estava comendo como antes. Era só o que me faltava, pensou ela. Não terminou seu prato de comida e se levantou, dando a desculpa que ia estudar para adiantar a matéria de Trato com Criaturas Mágicas. Ele nunca adiantava matéria. Esse devia ser o seu jeito presunçoso de chamar “Ei, olha pra mim! Eu tô com problemas”. E, novamente, Roxanne nada fez. Ficou sozinha na mesa do almoço se perguntando como podia tentar dar um jeito na situação daqueles garotos idiotas!

Por que ela que estava com aquela responsabilidade toda?! Quer dizer, quando contou para Rose, ela apenas disse “deixa a poeira baixar”. COMO?! Como deixar a poeira baixar se as pessoas ao seu lado caíam de infelicidade? Como deixar a poeira baixar se praticamente assistia Albus definhando sem falar o que sentia?

Em meio a esses devaneios no almoço, sentiu alguém pousar ao seu lado. Olhou para o lado e viu Scorpius acenando para alguém do outro lado antes de se voltar para Roxanne. Ele estava… Com olheiras. Aquelas eram definitivamente as maiores olheiras que ela já viu na sua vida.

— Você tá legal? — questionou a garota, colocando a mão na testa dele. Scorpius sorriu sem graça e tirou a mão dela. — Sério, tá com uma cara bem ruinzinha.

— É que eu tô estudando a madrugada inteira, sabe? — Mentiu. Mentiu na cara dura! Estava mais pálido que nunca e com uma cara de cansaço que só Morgana na causa! — Vi que o Albus tava aqui com você. Ele estava te perturbando, né? Fica balançando a vassoura de um lado pro outro. Parece que só tem quadribol na cabeça…

Cinco segundos, e assim como Albus, ele conseguiu acabar com a paciência dela também.

Roxanne revirou os olhos. Toda a pena pelo estado dele foi embora, e o limite se foi junto daquela afirmação. Levantou-se sem dizer absolutamente nada e deixou Scorpius sentado sozinho na mesa. Simplesmente foi para o corredor com suas pernas pequenas caminhando para longe de outra discussão.

Quando diziam que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, as pessoas certamente esqueciam como é torturante observar um relacionamento se deteriorar. No caso dela com os dois rapazes, precisava armar um plano para que voltassem a ter alguma consciência do que estava acontecendo, que se desculpassem e corressem para se abraçar no corredor. Precisava tentar fazer Alice perdoar Albus, precisava mostrar para Scorpius que ele não podia prestar unicamente atenção em Rose, precisava…

— AAAAAARGHH! — rosnou alto para si mesma, amassando a própria cara e se jogando contra uma das paredes do corredor do térreo. — O Albus que faz os planos, como eu vou conseguir…?!

Não deveria ter se jogado contra a parede. Quando o fez, não viu que se aproximaram dela, só foi perceber ao sentir uma mão tocar seu ombro para surpreendê-la após seu surto.

Olhou por cima do próprio ombro e deu de cara com Nate Parkinson  e seu sorriso suave praticamente com dó dela.

— Está tudo bem, Weasley?

Pronto, era isso que ela merecia. O cara mais bonito da Sonserina olhando para ela com aquela cara, perguntando se estava tudo bem, e o problema não era nem com ela… Eram com os dois meninos mais estúpidos da face do universo bruxo!

— Eu odeio minha vida — resmungou, jogando-se contra a parede novamente.

Ouviu-o rir com seu comentário. Nate encostou-se na parede ao seu lado, cruzando os braços, e ficou. Simplesmente ficou ali! Como se estivesse esperando que ela abrisse o jogo. Por que, Merlin?! Por que o cara tinha que ser tão… Assim! Roxie encarou-o de soslaio, perguntando-se se falaria a verdade sobre o que estava acontecendo. Não era como se pudesse só contar uma coisa ou outra, tudo ficaria fora de contexto e acabaria perdendo o sentido, então ele não entenderia e talvez tivesse até mesmo ideias erradas.

Suspirou por fim. Precisava manter a calma de uma forma ou de outra.

— Posso te perguntar algo bem sincero? — A voz de Nate soou, surpreendendo-a. Ele ficou de lado e a encarou com o verde claro de seus olhos.

— Sinceridade é uma novidade nesses últimos dias. Fique à vontade.

— O que houve com a dupla dinâmica do Potter e do Malfoy? Da noite para o dia eles simplesmente pararam de se falar, e o Scorpius está praticamente o tempo todo comigo e com os meninos. — Nate sorriu sem mostrar os dentes. Parecia que sabia que Roxanne estava preocupada justamente com aquilo.

Ela retribuiu o sorriso também, mais calma agora. Desencostou o rosto da parede e se virou para ele.

— Qual é o seu interesse no assunto?

— Nada demais. Eu gosto dos caras. — Nate deu uma piscadela charmosa. — Tem algo que eu possa ajudar?

Se ele não tivesse sido a única pessoa a lhe oferecer ajuda naquela semana, certamente Roxie o chamaria de intrometido naquele momento e diria que estava tudo sob controle. Entretanto foi o único. O único a perceber que ela estava sofrendo com o que estava acontecendo, ainda que por pura sorte de encontrá-la no corredor.

— Bom…

Roxanne foi explicar o que estava acontecendo. Falou da sua versão que assistiu os dois se afastarem pouco a pouco com Scorpius se aproximando de outras pessoas, até mesmo de Nate e dos rapazes da Sonserina, mas especialmente de Rose. Mencionou que Albus se afastou tão aos poucos que quase ninguém percebeu quando ela ou Lily diziam que ele estava agindo estranho, menos expansivo. Ele não brilhou no quadrisolo, ele não foi para a noite do Slug, e agora ele estava completamente fechado do resto da escola por conta do acidente que foi puxar seu braço e acertar Alice Longbottom sem intuito.

Nisso tudo, caminharam lado a lado por todo o corredor, deram a volta no andar, subiram e foram até mesmo ao terceiro, parando em uma das grandes janelas que davam para o lado negro. Nate simplesmente escutou tudo com calma, balançando a cabeça para mostrar que prestava atenção e fazendo breves comentários de “como?”, “entendo”, “e ele?”... Tudo que Roxanne prendia, assim como todos os xingamentos, foram colocados para fora. Se ela não o assustou nos dez primeiros, certamente ele já tinha escutado coisa pior.

Quando finalmente terminou, respirou profundamente e apoiou-se na janela com os olhos no horizonte. A única coisa que poderia fazer por aquela dupla era conversar com eles e torcer que seus ouvidos não estivessem cheios de cera para que a escutassem.

— E o que você está pensando em fazer por eles? — disse o rapaz. Porém, Roxanne nada respondeu. Ela literalmente não pensava em muita coisa. — Digo, eles estão desabafando seus problemas com você, né? É a pessoa mais próxima dos dois. Dar um tempo não será suficiente?

—  Dá vontade de amarrar os dois até fazerem as pazes. — A garota retorceu o rosto por um momento. — O negócio é que eu nunca vi esses dois separados. Tudo bem que só fui me aproximar do Scorpius esse ano, mas eles idolatram um ao outro. Estão sempre pegando no pé, reclamando e se cutucando, mas são inseparáveis. Ao menos eu achei que fossem.

Nate riu, apoiando os cotovelos e olhando também para a paisagem além do castelo. Tudo estava brilhando belamente na paisagem de outono.

— Deveria amarrá-los mesmo. — Ele abaixou o rosto. — Droga… Eu até tentei avisar o Malfoy que algo poderia acontecer — falou mais sóbrio desta vez, quase suspirando, talvez por conta da quantidade de informações que recebeu. — Eu poderia ter tentado ajudar os dois, sabe? Sei como é se distanciar do melhor amigo. Não recomendo.

Roxanne achava que não conhecia algum amigo de Nate além de Killik e Benjen. Se bem que o sétimo ano era todo estranho. Podia ser algum outro sonserino nos primeiros anos de Hogwarts.

— Então, o que recomenda? Já te contei toda a história de terror que esses dois estão fazendo da minha semana. — “E da minha vida” completou mentalmente.

— Por que não chama James Sirius para falar com o Albus?

A afirmação foi tão rápida e absurda que quase fez Roxanne engasgar com a própria saliva.

Não, mentira. Ela engasgou com a própria saliva, começando a tossir e precisando de um segundo para respirar e se recompor em sua pequenez, o que fez Nate rir levinho ao observá-la. Quando finalmente trouxe de volta sua compostura, jogou os cabelos para trás e puxou o ar com força.

— James? — Ela quase riu. — James não sabe lidar nem consigo mesmo, quem dirá com a cabeça complicada do Albus.

Nate olhou para o teto por um momento, como se estivesse pensando em responder aquilo.

— Às vezes é complicado enxergar a nós mesmos, entende? Olhar para outra pessoa de fora pode ser algo mais fácil, especialmente se a outra pessoa só precisa de alguém que a escute. — Então, ele olhou para a moça. — O que acha?

Ele só podia estar brincando. Roxanne sabia que James tinha um juízo meio fora do normal e uma capacidade extraterrestre de tomar as piores decisões de todas. E no caso, em especial, ele odiava Scorpius.

Não, ela não comprava aquilo. Eles eram inimigos declarados, algo estava estranho.

— Não sei porquê — disse mais tranquila — mas eu tenho a impressão de que você sabe de algo que eu não sei.

Nate nem mesmo tremeu o sorriso! Era um dissimulado completo!

— Se eu não soubesse, isso faria de mim o pior intrometido de todos, não? — Outra piscadela, e Roxanne já tinha compreendido.

— Intrometido. Por Morgana! Você sabe de alguma coisa com certeza! — Ela o empurrou no ombro, fazendo-o rir. — Desembucha, agora!

— Digamos que é só minha intuição aguçada de sonserino. — Deu de ombros, levando outro empurrão da baixinha. — Se eu estiver certo, temos apenas a ganhar com isso, não é? Basta agora escolher alguém para convencer Scorpius a fazer as pazes com Albus.

Roxie retorceu a boca com a cara de pau de Nate. Desviou o olhar dele, porém sequer demorou um minuto pensando no nome perfeito para falar com Scorpius. A única pessoa capaz de ser grosseira e sensata o suficiente para chamar a atenção dele era Rose “Grindelwald” Weasley.

— E o que eu digo para eles falarem aos meninos?

— Não peça que falem, peça que escutem. Acho que eles saberão o que fazer quando escutarem o que os garotos sentem.

Mordeu o lábio. Havia alguma coisa naquele cara, algum tipo de senso de razão obscura que não queria dar mais detalhes e nem se vangloriava por ter tido uma ideia.

É, garotos podiam ser idiotas.

— Se as coisas piorarem, saiba que eu vou arrancar a sua cabeça — afirmou com firmeza, vendo-o assentir com um movimento de cabeça. O cara estava tão seguro que aquela ideia estranha poderia até dar certo. — De qualquer forma, obrigada por, sabe, ter me escutado.

— Não precisa agradecer, Roxanne. Eu realmente quero que tudo fique bem com todos vocês. — Suspirou e colocou as mãos no bolso da calça, encarando-a. — Se precisar de algo, qualquer coisa, saiba que pode falar comigo também. Eu posso ser... Uma espécie de anjo da guarda, digamos assim.

Os dois se entreolharam por um momento num silêncio maior. Então, Roxie sorriu, dando alguns passos para trás. Ele podia ter seus segredos e segundas intenções, porém aquela frase foi dita com sinceridade. Ela não estava mais sozinha querendo apaziguar a situação de seus amigos. Garotos podiam ser idiotas. O problema era quando eles eram idiotas e conseguiam ser "reis" ainda assim.

Se Nate Parkinson estivesse certo e James conseguisse ajudar Albus (e não piorasse a situação), Roxanne daria um presente a ele de agradecimento... E descobrira a todo custo como ele chegou naquela conclusão!