UnderPray escrita por Neko D Lully


Capítulo 5
Deserto de neve


Notas iniciais do capítulo

yoooo, venho com mais um capitulo de UnderPray, chegando um pouco mais tarde pq terminei ele hoje, agorinha mesmo.
Espero que gostem, eu realmente estou ansiosa para chegar na parte que interessa.
Aproveitem bem!



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UnderPray - Deserto de neve

Os enormes pinheiros recobertos de neve deram-lhes as boas vinhas junto a neblina fria que envolvia todo o caminho, abraçando a estrada na qual deveriam prosseguir. Neve recobria suas pernas em um amontoado fofos, frios e difíceis de transpassar, acumulando-se até as rochas de Frisk e próximos ao joelhos de Sans, Flowey mantendo-se bem apertado sobre os ombros de Frisk, procurando não ser lançando para longe pelo vento que soprava com força.

Troncos negros mantinham-se extremamente perto, erguendo-se até próximo ao teto rochoso, galhos dividiam-se depois dos primeiros cinco metros, esticando-se para os lados recheados com escuras folhas finas e duras, formando colchões que barravam a queda de amontoados de neve, recobrindo o verde. Eles aglomeravam-se nas duas laterais do caminho, seguindo para até onde a vista poderia alcançar, acompanhando Frisk em sua jornada lenta, arrastando-se como poderia pela neve fria. A neblina complementava a paisagem, abraçando e assobiando por entre os troncos, impedindo de ver muito além de vinte metros a frente, tornando imprevisível qualquer situação que poderia estar a esperá-los.

Dizer que a temperatura estava baixa seria um eufemismo, tanto a neve quanto o vento não favoreciam para aqueles carentes de proteção. Frisk tremia vigorosamente dos pés a cabeça, abraçando-se com força em uma tentativa fútil de tentar espantar o frio de seu corpo, a ponta de seus dedos começavam a ficar azuis, sua pele perdia a cor, lábios indo do rosa claro ao roxo intenso, respiração agitada e desesperada pelo esforço que fazia para caminhar na espessa neve que recobria seu caminho condensando-se em vapor gelado. As Ruínas ainda estavam em uma temperatura neutra, razoável para se locomover em suas roupas atuais. Ela nunca esperou passar tão bruscamente de uma situação para outra.

Apesar de seus poderes Frisk ainda era humana, ela não poderia lutar contra uma natureza já existente com sua magia, seu corpo tinha suas limitações e como tal reagia da mesma forma como a de um humano desprovido de magia. Exposta como estava ao tempo, sua temperatura corporal iria cair rápido e não demoraria muito para que finalmente cedesse. Ela morreria, Frisk sabia os sintomas de uma hipotermia, ela sabia que estava próxima a virar um picolé.

Ainda assim era complicado juntar um pensamento coerente ou abrir a boca para soltar nem que fosse um chiado de ajuda. Sans adiantava-se pelo caminho, Flowey ocupado em manter-se no lugar e ela tinha quase certeza que seus lábios estavam congelados apesar do bater frenético de seu maxilar. Quando finalmente visualizou o que parecia a silhueta de uma construção logo a frente a visão de Frisk se perdeu, tudo tornou-se escuro e ela já não poderia mais caminhar, o frio havia ganhado sobre ela.   

— Frisk! - Sans só havia parado sua caminhada quando ouviu o grito por sobre o chiado do vento pelos troncos congelados das árvores, seus pontos em orbitas vazias voltando-se apenas para encontrar a garota que deveria estar seguindo-o quase completamente enterrada pela neve, a flor dourada em seu ombro tendo esticado seu cale para não ser tragada junto pelo mar branco, desesperada a tentar trazer a garota de volta a si.

Em um suspiro resignado, Sans voltou todo o caminho, ajoelhando-se ao lado da flor que nem ao menos parecia ter notado sua presença. A garota estava desacordada, obviamente, membros pálidos recolhidos em sim mesmo enquanto mantinha-se sobre a neve. Sans tocou-lhe o ombro, tentando fazê-la despertar, mas não funcionou. O que ele tinha ouvido mesmo sobre os humanos? Que não suportavam frios intensos? Ele não sabia muito bem, nunca teve uma curiosidade muito forte sobre eles.

— O que aconteceu? - perguntou, tom neutro marcando sua voz. A flor ergueu o olhar em sua direção, uma mistura de desespero e raiva misturada em suas feições.

— Seu idiota! Como pode não saber?! Frisk é humana, frios intensos como esse podem matá-la se não estiver usando nada que mantenha sua temperatura! - gritou a pequena criatura. Sans finalmente reparando na cor estranha dos lábios da garota, nos círculos escuros envolta de seus olhos e nos dedos azulados, camadas de gelo contornando pequenas extremidades de seu corpo. Sans não era afetado pelo frio, ele não tinha pele, carne, gorduras ou nervos que poderiam indicar-lhe a mudança de temperatura, ainda sendo terrível o assobiar do vento quando atravessava seus ossos. - Temos que levá-la a algum lugar quente rápido ou ela pode morrer! Seu estado de hipotermia já é avançado, não temos tempo!

Sans retirou sua capa, puxando a garota para fora da neve e enroscando-a envolta do tecido. Ela não despertou, mesmo que não tivesse sido nem um pouco gentil ao embalá-la ou ergue-la do chão, ela ainda mantinha-se desacordada. Isso era terrivelmente enervante, era quase como se segurasse um cadáver em seus braços ao invés da garota animada que outrora havia conhecido. Ele odiaria admitir, mas uma pontada de preocupação tomou seu peito quando apressou o passo para atravessar a ponte logo a frente, deveria admitir que era uma construção estranha, se as barras de madeira foram feitas para tentar impedir a passagem, tinham sido construídas de forma exageradamente grande e espaçadas. A não ser que a criatura, monstro ou humano, fosse o dobro do normal, qualquer um poderia passar. Um Caído facilmente poderia destruir as barras.

O esqueleto apressava os passos, não era como se ele se importasse com a humana, era apenas que ele se sentiria terrível se a deixasse morrer em seus braços sendo que poderia fazer alguma coisa. Mesmo que não tivesse um coração ele ainda possuía uma alma e, diferente do que todos os seus compatriotas poderiam acreditar, ainda era uma alma boa. Ele apenas perdeu sua confiança, não sua essência.

Ainda assim, eram exatamente naqueles momentos de desespero e pressa, que toda a situação, todos os acontecimentos que se seguiriam, pareciam montar-se para ir contra a sua vontade.

O primeiro com o que se deparou foi um inconveniente quebra-cabeça. Ele não tinha tempo para parar e resolvê-lo, muito menos vontade, seus poderes poderiam facilmente resolver a situação, então por que deveria se incomodar? O caminho continuou. Não muito a frente, no entanto, um Caído camuflado na neve desenterrou-se para a batalha, seus chiados irritantes bem mais altos do que Sans poderia considerar suportável.

Desviando o melhor que podia do ataque, o esqueleto avançou em seu caminho. Suas mãos ocupadas com o corpo inconsciente da garota não poderiam ajudar em uma luta, ele não poderia usar seu arco muito menos sua foice, ele tinha que simplesmente avançar, agradecendo imensamente sua capacidade de se teletransportar naquele momento, tomar distância era bem mais fácil. Ainda assim, ele estava começando a se cansar. Sua magia poderia ser grande, mas não era infinita, uma hora ela teria que acabar.

Sans estava sob estresse durante todo o dia, ele usou uma boa parte de sua magia com o esquivar de quebra-cabeças dentro das ruínas e sua ultima luta, sem falar do fato que ele não havia dormido nem um pouco desde que havia saído da torre. Ele poderia ser um esqueleto, mas ainda tinha seus limites, ele precisava de uma pausa e não achava que um teletransporte de longa distancia poderia ser a solução. Se caíssem em Walterfall e fosse abordados por um Caído ele não poderia lutar de volta dependendo de sua força. Levar-se ao extremo estava fora de seus planos.

Deveriam ter levado pelo menos uma hora ou assim para finalmente vislumbrar as ruínas do que seriam a cidade de Snowdin. Nesse meio tempo Sans teve que se virar com pelo menos cinco Caídos que interpuseram-se em seu caminho, seis ou mais quebra cabeças que por pouco não lhe arrancam um membro e no mínimo três caminhos escorregadios de gelo o qual quase cederam quando um dos Caídos teve a genial ideia de segui-los por ele.

A maior parte do que deveria ser a cidade havia sido destruída, seu terreno desprovido de qualquer impedimento para a queda da neve composta totalmente de magia tinha a maior parte dos resquícios de suas construções recobertos até a metade por neve, um completo deserto branco sendo formado a frente. Sans ainda poderia escutar os grunhidos ao longe, Caídos se aproximando para conferir o local em busca de vítimas. Eles eram máquinas de destruição e Sans não estava em condições para lutar, ele precisava arrumar um lugar para se esconder e cuidar da garota.

Aproximando-se de uma das primeiras construções a qual conseguiu distinguir, se teletransportando para dentro em um suspiro cansado. Sua cabeça começava a doer, ele não gostava de ter tanto esforço, ele queria apenas jogar-se em um canto e simplesmente apagar, mas obviamente não seria possível agora. Ele ainda tinha uma garota quase morta em seus braços e uma flor irritante a lamuriar por ela.

— Precisamos aquecê-la. - chiou a flor assim que Sans posicionou a garota no que parecia ser um moveu velho do lugar, talvez os restos para nada confortáveis do sofá. Tudo era escuro, conseguia vislumbrar apenas contornos quebrados espalhados por todo o cômodo que se encontrava. Ao voltar-se para as janelas percebeu que metade dela estava escurecida pela neve que se acumulava do lado de fora.

— E o que sugere? Não deve existir lenha seca para se queimar em um lugar coberto de neve que, apesar de ser mágica, ainda é úmida. - zombou o esqueleto, seus olhos ainda avaliando o lugar. Ele não conseguia sentir a presença de nenhum Caído na casa, era complicado, mas não impossível, um pouco de magia ainda desprendia deles, só bastava muita concentração para identificá-la. Aquele lugar parecia seguro para descansarem.

A flor ponderou por um tempo, seus olhos se perdendo no rosto pálido da garota a qual ainda se mantinha bem preso. Em seguida ele suspirou, escorregando para o chão de madeira apodrecida do lugar, uma de suas raízes crescendo e engrossando de forma rápida e continua. Sans supôs que ele tinha a capacidade de moldar seu corpo a seu bel prazer, mas não necessariamente mudar objetos do mesmo material a sua volta.

— Você conseguiria cortar minhas raízes? Elas estão secas, eu quase não encostei na neve, podem servir para fazer uma fogueira, por menor que seja. - apesar da ansiedade evidente por conta da dor que iria sentir, Flowey estava cheio de determinação. Frisk não morreria ali, eles precisavam encontrar um ponto de Save antes, eles tinham que continuar. Sans o encarou com confusão.

— Isso não vai doer como o inferno? Quero dizer, é uma parte sua afinal.

— Vai, vai doer, mas eu não me importo. Você deve ter uma forma de causar fogo se consegue acender seus cigarros nojentos, então pare de procrastinar e simplesmente faça. Frisk não vai aguentar por muito tempo. - Sans deu de ombros, seu arco novamente sendo invocado em seu braço para atirar suas flechas em pontos distintos da raiz oferecida. Flowey chiou de dor, mas manteve-se firme, pedaços quase do mesmo tamanho caindo ao chão, sons ocos ecoando por toda a casa vazia.

Sans amontoou os pedaços em um pequeno monte, acendeu um de seus cigarros e com a pequena e escassa chama criada ele conseguiu colocar fogo nas raízes, pouco a pouco queimando em uma fogueira de tamanho razoável. Ele aproximou Frisk do fogo, Flowey voltando a se acomodar perto dela.

— Precisamos arrumar comida, vai ajudar também. Comida monstro não estraga com o tempo por ser feita de magia e ainda tem propriedades que ajudam a alma. Frisk precisa aumentar o HP o quanto antes.

— Onde acha que vamos achar comida aqui? - Sans questionou, seus passos apressando-se para os outros cômodos. Ele estava descrente que iria encontrar alguma coisa em lugares tão isolados, mas não poderia negar que a flor tinha razão.

— Alguém deve ter deixado para trás. Se eu me recordo bem de Snowdin muitos monstros tinham o costume de ter reservas de emergência para caso ficassem soterrados pela neve. Era um risco bastante comum em épocas de inverno intenso. O clima aqui era magicamente interligado com o lado de fora se não me engano. - Flowey divagou, sorrindo um pouco ao ver um pouco de cor voltando ao rosto de Frisk. Era ligeiro, um pequeno corar nas bochechas quase imperceptível, o tremer de seu corpo pouco a pouco sendo menor. Ela estava melhorando, aos poucos, mas estava.

— Como sabe disso? - Sans havia retornado do que seria a cozinha, em suas mãos um pequeno pacote de doce monstro que havia encontrado perdido em um dos armários. Era pouco, mas já era um começo. - Você não é uma das criações dessa garota? Supostamente deveria ter nascido na torre.

— Tem muito mais sobre mim do que m dia você irá saber, saco de ossos. Eu não confio o suficiente em você para contar sobre minha existência, na verdade, eu não confio em você. Se não estivesse fadado a ser o guardião de Frisk e a magia antiga não tivesse o considerado digno, eu nem ao menos estaria me preocupando em ter uma conversação amigável com você. - cuspiu a flor, olhos em uma chama de desgosto direcionada ao esqueleto que apenas deu de ombros.

— Não é como se eu não tivesse percebido, florzinha. Não sou burro. - Sans devolveu o olhar da flor com seu próprio indiferente, sorriso extenso voltando a seu rosto como se estivesse a zombar da pequena criatura. No entanto, aquele breve momento de zombaria durou não mais do que alguns minutos, Sans queria entender, por que ceder parte de seu corpo por um humano? - Por que você fez isso? Por que sacrificar seu próprio corpo apenas para ajudar... Essa criança?

— Não espero que você entenda. O que eu e Frisk compartilhamos é muito mais do que parece. - Flowey empinou o rosto em um movimento desdenhoso e furioso, olhos fechados em resignação. Ainda assim, pelo canto do olho, abrindo-o apenas uma pequena brecha, ele observou Sans. - Você a julga apenas por quem ela é e comete os mesmos erros que as criaturas as quais odeia. Então o que te torna diferente deles?

Segundos depois Flowey estava engasgando pela pressão mágica que desprendia do esqueleto, seus pontos brancos haviam desaparecido deixando apenas orbitas vazias, sorriso tenso no rosto era mais do que o suficiente para substituir a falta de expressão que sua face óssea possuía. Naquele momento não era preciso ser um grande adivinho para saber que o esqueleto estava com raiva e que Flowey havia tocado em um ponto sensível.

— Não me compare com essas coisas. Você não tem ideia do que passei para julgar minhas decisões ou meus atos, assim como eu não o conheço, você também não me conhece, seus julgamentos são completamente por base do que você vê, então que te faz diferente de mim também? - a voz era mais grossa do que o habitual, mais escura, sibilando pelo silêncio do lugar. Flowey quase não conseguia respirar pela pressão exercida na atmosfera pela magia do esqueleto poucos passos de onde estava. - Fique com sua humana patética enquanto eu faço o trabalho duro, não me importo. De qualquer jeito todos vamos acabar morrendo.

Sans subiu para o segundo andar da casa, tentando manter o controle de sua cólera crescente. Ele ainda não sabia porque estava mantendo-se a procurar materiais para ajudar a humana, talvez por causa de tudo que deveria escutar depois se ela realmente morresse ali, por um capricho vindo dela própria. Ainda assim, era complicado, durante toda sua busca por cobertores e comida, manter sua cabeça focada na tarefa ao invés da fúria que lhe subia.

— Flor estúpida! - resmungou por entre os dentes, as botas a chutar uma cadeira que estava por perto. O barulho ressoou alto pelo lugar, a madeira frágil pelo tempo se partiu e Sans encolheu-se a pensar nos Caídos que tinha do lado de fora, ele não poderia dar-se ao luxo de muito estardalhaço. Um grunhido lhe escapou, ainda irritado. - Trabalho estúpido! Pap vai ter que me deixar tomar toda a reserva de ketchup da cidade depois dessa, demônios! De tudo que poderia acontecer depois de dois ciclos preso na merda de uma catacumba esquecida pelos Deuses ou o que quer que exista na porra desse mundo fodido eu tinha que virar babá de uma humana! E claro, como se isso já não fosse carma suficiente eu ainda tenho que lidar com uma flor que pensa que pode dar lição de moral! Mas que droga!

O esqueleto andava em círculos pelo quarto, contendo toda a vontade que tinha de simplesmente quebrar todo o resto que sobrava na casa. Com uma respiração profunda ele tentou se acalmar, finalmente parando de rodar pelo lugar, orbitas fechando-se em um ponderar silencioso.

Ele não precisava perder a cabeça, agora seria o pior momento para isso. Ele tinha uma garota moribunda no andar de baixo que precisava de cuidados, uma flor que não poderia fazer merda nenhuma a não ser fornecer mais combustível para o foto que se não tivesse alguma saída para a fumaça mataria todos eles por intoxicação, por mais que o próprio esqueleto não tivesse pulmões para tal e ainda por cima estavam cercados de Caídos no meio de um mar de neve que não os deixaria passar sem que fosse nadando! Apenas ele tinha a habilidade de pular de um lado para o outro sem precisar atravessar o paredão de neve e ainda assim não poderia desgastar-se com mais um dia sem dormir.

Se queriam mesmo chegar inteiros na capital Sans precisava estar no máximo de suas forças, em Walterfall existam Caídos que facilmente esgueiravam-se pelos canais de água que rodeavam o lugar e poderiam ser bem traiçoeiros, não muito legais de se lidar. Sans precisaria de toda sua disposição.

Com um suspiro pesado, deixando os ombros cair, empurrando qualquer pensamento desconcertante de sua mente para momentos futuros o esqueleto continuou sua tarefa de procurar cobertores, roupas ou tecidos que poderiam ajudar a esquentar a garota. Ele chegou a encontrar dois ou três trapos esquecidos dentro dos armários do lugar, não mais. Talvez no dia seguinte ele tivesse que sair para buscar mais alguma coisa que pudesse ser de algum tipo de ajuda, aquela era uma situação complicada.

Ele desceu as escadas percebendo tardiamente que a flor já havia adormecido ao lado da garota ainda encolhida perto do fogo que trepidava com os pedaços de raízes que lhe serviam de combustível. Sans vagamente percebeu que haviam mais, ainda assim não chegou a colocar muitos pensamentos sobre o assunto, da forma mais silenciosa que conseguiu ele arrastou-se para perto da garota, passando os trapos que havia encontrado envolta de sue corpo por cima de sua própria capa que já estava a ter o trabalho de esquentá-la.

Depois de ver que seu trabalho estava feito ele se afastou, encostando-se na parede alguns metros atrás de onde a garota estava. Seus olhos ainda concentraram-se nela por poucos segundos antes de finalmente deixar suas orbitas fecharem-se, mente voltando a vagar nas palavras que a flor havia jogado em sua pessoa não muito tempo atrás.

Estaria ele cometendo os mesmos erros que os humanos haviam cometido? Ele estaria errado em desconfiar? Ele conheceu muitos humanos, talvez não tanto quanto alguns monstros mais velhos, mas ainda assim o suficiente para ter uma perfeita noção da maior parte de seu caráter. Ele viu como eles humilhavam-se mutuamente, até mesmo suas crianças fariam e se aproveitavam de outras crianças humanas como se fosse normal. Ele os viu roubando, mentindo, julgando, sendo os hipócritas que sempre são, falando mais do que realmente poderiam fazer, denegrindo suas próprias crenças e valores. Eles matavam sem piedade, eles apenas estendiam a mão quando sabiam que teriam algo em troca. Sans odiava seres humanos. Suas almas eram tão poluídas, tão denegridas e parecia ser até mesmo contagioso.

Poucos monstros tinha a capacidade de observar as almas de outras criaturas, era uma habilidade reservadas para uma pequena parcela bastante rara de sua população. Infelizmente para Sans ele fazia parte dessa parcela, talvez tal ponto tivesse ajudado em muito em sua antipatia para com a raça humana. Ele facilmente poderia distinguir seu LOVE, poderia ver a podridão que corroia os corações brilhantes que representavam a essência viva do que eram. Mesmo aqueles que pareciam tão puros e ingênuos, uma hora ou outra, seriam corrompidos pelo que eram, por sua existência humana.

Ele não poderia confiar, independente do humano que fosse. Se ele abaixasse a guarda, um instante que fosse, ele tinha certeza que alguma coisa muito ruim iria acontecer.

Ele não soube exatamente durante quantas horas dormiu, de qualquer maneira pareceu apenas um piscar de olhos. Era fácil perceber que sua magia havia se estabilizado um pouco em um nível mais alto, ainda assim seus ossos doíam, juntas estalando em sons estranhos os quais ele não queria decifrar.

Como ele estava voltando a sentir falta de uma confortável cama. Bastava experimentar uma só vez para que qualquer outro tipo de acomodação parecesse desconfortável.

Com um suspiro cansado, Sans levantou-se de onde estava acomodado, seus olhos passando vagarosamente ao redor enquanto estalava as juntas de suas vértebras. Nada agradável. Seus dois companheiros ainda se encontrava adormecidos no chão perto do pequeno fogo que dificultosamente trepidava, a maior parte das raízes tendo sido consumidas durante os breves momentos que se mantiveram dormindo. Talvez não durasse mais do que alguns minutos para que finalmente se apagasse e a sala fosse novamente jogada ao frio.

Sans se aproximou da garota, mão esquelética retirando um pouco do tecido que a cobria para ser capaz de ver seu rosto. A cor tinha voltado ao normal, pele agora de aspecto mais moreno, bochechas rosadas ao igual que seus lábios, seu corpo tinha parado de tremer como uma folha de papel ao vento e agora respirava com menos dificuldade. Seu HP ainda estava baixo, porém, ela precisava de alguma coisa para recuperar suas forças, sendo que alimentos humanos eram indisponíveis no momento. Talvez ele tivesse alguma coisa em sua mochila...

— Ei, florzinha. - Sans cutucou o rosto da flor com um de seus dedos, acocorado ao seu lado com um rosto imparcial a esperar que dita criatura despertasse. Em um resmungo irritado os olhos foram abertos, ainda sonolentos a encarar o esqueleto que mantinha-se a sua frente. - Vou deixar o fogo como sua responsabilidade, ele está para se apagar. Deve ter alguma comida na minha mochila, então tente arrumar alguma forma de alimentar sua humana. Eu vou dar uma olhada pelos arredores e tentar encontrar mais alguma coisa, pelo que vejo não sairemos dessa cidade tão rápido como queria.

Sem esperar uma resposta Sans teletransportou para o lado de fora, neve novamente cobrindo-lhe até os ombros em uma parede complicada de transpassar. Ele tentou não usar sua magia, mas como todo preguiçoso que era, depois de alguns segundos de esforço, qualquer vontade ou pensamento de economizar suas reservas foram a merda e ele empurrou o amontoado fofo para longe, formando um estreito caminho, grande o suficiente para que caminhasse sem quaisquer inconvenientes a mais.

Indo de casa em casa ele vasculhou os armários, procurou em compartimentos separados e visitou cada cômodo com olhos e atenção genuína, poucas vezes sendo recompensado com algum achado de valor. Apenas naquele primeiro dia ele tinha conseguido revisar metade da cidade, isso pela maior parte do tempo que teve que afogar-se novamente na neve para não ser pego por Caídos errantes. Definitivamente era muito trabalho para pouco lucro.

Na manhã seguinte nada tinha realmente mudado, Sans conseguiu revisar o resto da cidade e aproximar-se da entrada para Walterfall, Alguns Caídos alados mantinham a vigiar a passagem pelas árvores, provavelmente a espera de algum desavisado, Sans teve muita sorte de conseguir senti-los antes de fazer sua varredura, a camuflagem que possuíam com a paisagem era impecável, ele admitia.

Frisk despertou na manhã seguinte, apesar de melhor ainda estava debilitada de mais para que pudessem continuar. Os mantimentos que Sans havia encontrado estavam acabando, apesar de pouco inteligentes o esqueleto não acreditava que os Caídos continuariam a serem enganados pelos mesmos truques os quais usavam. Ou eles arrumavam uma maneira de seguir viagem ou teriam problemas. Sans já estava a noites de mais sem dormir, sua magia começaria a estar instável e mais do que nunca ele precisava de algum lugar em que pudesse simplesmente fechar os olhos e dormir em paz.

O assunto surgiu como uma solução, apesar de Sans não ter compreendido exatamente a lógica apresentada.

— Pontos de Save? - questionou, rosto estoico agora contorcido em descrença. Frisk e Flowey assentiram com determinação, a garota ainda embrulhada em diversas camadas de tecido. Sans havia usado um pouco de suas noites mal dormidas para ornamentar uma capa que poderia servir-lhe. Não era de suas especialidades, ele fracamente recordava-se de ter aprendido a cozer tal vestimenta com sua mãe muito tempo atrás, ele sinceramente nunca imaginou chegar um dia a precisar de tal conhecimento. Precisou apenas de um pedaço de tecido mais grosso e alongado para começar a solução do problema de pele e frio. - Deixa eu ver se entendi então. Essas... Estrelas, por assim dizer, podem restaurar-lhe os pontos de HP do nada? Sem mais nem menos?

— No básico do básico, sim. - confirmou a flor com o que parecia ser um encolher de ombros muito a sua maneira. - Ainda assim não é apenas isso. Um dos motivos pelos quais queríamos atravessar o underground de forma lenta era para encontrá-los. Humanos com magia e uma grande quantidade de determinação são capazes de "guardar" todo o caminho no qual percorreram para prevenir suas mortes. Os pontos de Save são apenas uma referência que canaliza tal poder. Encontrá-los é essencial para toda nossa jornada.

— Me sinto dentro de um jogo agora. Mas tudo bem, vamos fingir que eu acredito em vocês, como vamos encontrar essas estrelas? - era ridículo, eles poderiam estar vivendo em um mundo absurdo de monstros e magia, mas estrelas que não tinham nenhum embasamento científico e que serviam como um jogo de muito mal gosto? Isso era de mais para aceitar.

— O plano inicial era começar a encontrar os pontos de Save desde as Ruínas, mas não tivemos tempo de procurá-los e no caminho onde passamos não havia nenhum, não podemos arriscar passar Snowdin sem ter a garantia de ter encontrado pelo menos um deles. - Flowey ponderava, quase como se tivesse ignorado completamente a pergunta cheio de descaso de Sans. - Ele provavelmente foi soterrado pela neve e não temos tempo para procurá-lo em todos os lugares. Eu poderia tentar atravessando a cidade pelo subterrâneo, sua magia é tão forte que posso sentir mesmo debaixo da terra, mas temo perdê-los caso me distancie muito.

— Você não consegue esticar suas raízes?

— Se, mas tenho um limite para isso.

— Não é como se tivesse um problema nisso. Eu e a Princesa ficaremos escondidos próximo a saída para Walterfall, você prende uma de suas raízes em seu pulso e quando tiver encontrar um dos pontos basta dar um pequeno sinal, um puxão ou qualquer coisa parecida. Assim só temos que segui-lo até onde você vai estar. - Sans deu de ombros. Não era sua ideia mais inteligente e criativa, mas na falta de opção. Eles não poderiam ficar ali para sempre, tinham que seguir seu caminho e os Caídos não os deixariam fazer uma busca minuciosa pela cidade a procura de estrelinhas mágicas.

— Talvez possa funcionar... O que acha Frisk? - a garota já parecia convencida da ideia, tentando levantar-se de seu lugar com as pernas ainda tremulas e atrofiadas pelos dias em que ficou parada, quase congelada. Ela teve muita sorte de não ter caído doente logo em seguida, talvez por conta da pouca comida monstro que havia arrumado tinha conseguido manter sua saúde no lugar. - N-não se levanta ainda, Frisk! Você precisa de descanso, acabou de se recuperar!

— Tentaremos amanhã. Sair do frio vai ser a melhor solução para esse problema que vocês humanos tem com seus corpos frágeis. - Sans acomodou-se próximo a parede, vértebras encostando da forma mais cômoda que conseguia nas pedras rachadas do esconderijo em que se encontrava. Cansado ele bocejou, mãos indo para trás da cabeça enquanto as pernas se cruzavam. - Além do mais, eu preciso descansar pelo menos um pouco para ter certeza que minha magia não vai sair do controle ou nos deixar na mão no meio de um inconveniente que possa chegar a surgir.

Frisk, apesar de todo o mal humor e má vontade que o esqueleto apresentava, sorriu em confiança. Ela passou o resto de sua tarde tentando aquecer os músculos de sua perna, ao ponto de conseguir dar uma volta pelas acomodações da casa antes de finalmente ajeitar-se ao lado de Sans. Flowey chiou em desgosto por sua escolha de lugar para ter um cochilo, ainda assim Frisk sentia-se segura com o monstro que tinha ao lado, era instintivo procurar sua proximidade.

O dia seguinte chegou com a promessa de um dia conturbado. Sans havia esgueirado-se com Frisk pelas trincheiras de neve que havia criado com sua magia até um local entre a cidade de Snowdin e o caminho que levava até Walterfall. Frisk encontrava-se bem acomodada dentro da aconchegante capa que Sans havia tecido para ela, seu material era grosso o suficiente para barrar até mesmo a umidade da neve, simples de uma cor amarronzada. Ele prendia-se em na altura de seu pescoço, formando um comprido capuz sobre sua cabeça e então escoria por seus ombros ao igual a um vestido bem rodado até próximo a seus tornozelos.

Ela quase não sentiu o frio daquela vez e Sans tinha sua capa de volta.

Flowey soterrou-se pelo chão terroso abaixo da neve, mantendo uma fina raiz presa ao dedo mindinho de Frisk. Eles não sabiam quanto tempo exatamente iria demorar até encontrar os supostos Pontos de Save, todavia, levando em consideração que poderia ter um em qualquer ponto da cidade, soterrado pela neve, a busca poderia levar algum tempo. E nem ao menos uma conversação entre os dois, esqueleto e humana, seria possível. Frisk era incapacitada de falar sem Flowey como seu intermediário e Sans não parecia muito disposto a decifrar códigos de mãos.

Ainda assim, nada impediu de uma ponderação profunda enquanto observava a garota desenhar na neve. Apesar da passagem dos dias Sans ainda não tinha chegado a um acordo consigo mesmo sobre o que deveria ser certo e o que deveria ser errado julgar. Claro, ele definitivamente não confiava, mas realmente deveria estar julgando sem que a garota tivesse feito nada de errado? Ela não pediu pelos poderes que tinha, nem pela raça em que nasceu e muito menos para que fosse a ultima de sua espécie. E agora, encarando-a tão infantilmente a fazer desenhos no amontoado fofo debaixo de seus pés, ele tinha um pouco de dificuldade em manter-se a odiá-la.

Ela era apenas uma criança afinal. Uma criança com três ciclos a mais do que ele, mas ainda uma criança que nada conhecia. Ele... Poderia lhe dar uma chance?  Talvez... Depois... Quando eles tivessem terminado de atravessar o subterrâneo e chegado a central ele poderia dedicar-se a pensar mais sobre esse assunto.

O ligeiro puxão foi sentido não muito tempo depois e ambos seguiram seu caminho a esgueirar-se novamente adentro na cidade. Eles tiveram que chegar até onde parecia existir um rio congelado já há bastante tempo, algumas árvores haviam caído sobre o gelo, talvez por conta de algum Caído.  

Sans encarou ao redor, olhos atentos a qualquer tipo de movimento que pudesse ter nas proximidades, até mesmo resquícios de magia, mas nada parecia realmente fora da tranquilidade aparente. Eles ainda precisavam ser rápidos, porém. Nunca se sabia quando aquilo poderia terminar, a sorte não durava para sempre. Não muito a frente estava Flowey, perto a beirada do lago, um ponto amarelo bem destacado e reluzente próximo a ele. Frisk não tardou a se aproximar, correndo apressada até a pequena estrala a qual tocou sem qualquer hesitação.

Sans admitir que havia se impressionado quando percebeu os pontos de HP da garota começarem a subir até seu nível máximo.

Em seguida veio o suspiro de alívio. Frisk ergueu-se com Flowey novamente preso em seu ombro, pronta para aproximar-se de Sans novamente e apenas assim seguirem seu caminho, um pouco mais tranquilos sobre os acontecimentos. Mas assim como Sans imaginava a sorte não poderia durar muito. O gelo do rio logo atrás de Frisk se rompeu em uma abertura circular desregulada, o que parecia ser uma serpente com cabeça de lobo e presas de javali emergindo dela pronta para o ataque.

Sans praguejou algumas maldições, arco novamente invocando em sua mão enquanto adiantava um pouco o passo, gritando para Frisk ir para trás dele o quanto antes. As flechas dispararam velozes na direção da criatura, sem esperar seus primeiros movimentos. Várias das flechas penetraram a carne da criatura, olhos e tórax sendo os mais afetados formando danos consideráveis. A serpente chiou, presas proeminentes sendo expostas para uma visão melhor enquanto contorcia-se na dor que sentia, quase imediatamente voltando para a água.

Fácil de mais, Sans pensou consigo mesmo. Não tinha poeira, nem ao menos manchas na água ligeiramente cristalina pelo frio intenso haviam aparecido. Ele definitivamente tinha um mau pressentimento sobre isso.

Como se o próprio pensamento fosse o culpado dos acontecimentos negativos seguintes todo o chão estremeceu. As rachaduras no gelo ficaram maiores e maiores, quase como se todo o lago fosse se partir. Sans sabia que o que quer que viesse de dentro das águas congeladas não seria um oponente o qual ele iria querer enfrentar. Por tal ele apressou-se em agarrar a garota, afastando-se o quanto podia da margem.

Ele ainda conseguiu vislumbrar a enorme criatura que raivosa emergiu das águas, Sans nem ao menos imaginava que o rio poderia ser tão profundo para esconder tal imensa criatura. Quatro patas, pelo que conseguiu ver, uma enorme cabeça sem pescoço, diretamente grudado aos ombros largos e fortes, rosto achatado com uma enorme boca cheia de afiados e mortais dentes repletos de uma baba estranha, de uma cor arroxeada de aspecto gosmento. Sua parte inferior era bem menor em comparação a superior, mas ainda demarcava a calda bifurcada em diversas serpentes com cabeça de lobo e presas de javali, cada uma delas a chiar mais alto do que a que tinha ao lado. Sans não era nada mais do que uma simples e pequena formiga perto daquela coisa e ele nem ao menos queria imaginar a força de destruição que possuía.

Por sorte ele não precisou experimentar. A visão de seus olhos fundos, vermelhos e ameaçadores foram a ultima visão que teve antes de finalmente cair no solo lamacento de Waterfall, recebido tão prontamente pelo chiar dos Caídos alados que, por azar, perceberam sua presença.

Aquele definitivamente não era seu dia...


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Notas finais do capítulo

A imaginação nessa fanfic simplesmente rola solta. Muito obrigada a aqueles que estão comentando, acompanhando e favoritando a fanfic, eu estou ainda para responder os reviews, mas sempre saibam que fico super feliz ao recebê-los. Não deixo de respondê-los por descaso, é mais por falta de tempo mesmo.
Bem, espero que tenham gostado, amanhã tem Fusion e eu ainda estou pensando muito seriamente se realmente coloco uma fanfic para toda a sexta feira também... Eu queria uma ideia estilo MafiaTale e acabei criando uma nova Au... Bem, eu vou adiantando ela e quando der na telha postar eu posto, mas primeiro adiantar.
Espero que tenham gostado, continuem determinados, até semana que vem!



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