UnderPray escrita por Neko D Lully


Capítulo 4
Remanescentes das Ruínas


Notas iniciais do capítulo

Uhu! A história está avançando! Não está fluindo tão rapidamente quanto fusion, mas ainda está tendo seus capitulos toda semana, isso já é uma boa notícia.
Bem, aproveitem o capitulo ~~!



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UnderPray - Remanescentes das Ruínas

As Ruínas outrora foram um bom lugar para se morar, agora não passavam de uma pila de pedras de tons arroxeados e caminhos estreitos e vazios repletos de quebra-cabeças perigosos e Caídos a espreita de qualquer esquina ou bifurcação que poderia ter a frente, para não dizer dentro ou sobre as moradas caindo aos pedaços. Quebra-cabeças, inicialmente, haviam sido postos e programados por monstros para caso houvesse a queda de um ser humano no subsolo. A memória ainda estava bem fresca na mente de cada monstro vivente naquela primeira entrada do underground, eles temiam que com a queda de algum humano, provada bem possível depois do primeiro ciclo de prisão, mais sofrimento fosse trazido para os monstros.

Um ciclo mais tarde a praga começou. Seres humanos começaram a buscar refugio no subterrâneo e por consequência tiveram que ocorrer mudanças em toda estrutura já existente e criada por monstros do que deveria ser sua casa. Eles precisavam de mais espaço, mais casas, mais recursos para sustentar toda a população que agora o underground deveria comportar. Demorou um tempo, os reflexos da guerra ainda existiam e a insegurança e instabilidade de ambos os lados era palpável, ainda assim ambas as espécies conseguiram coexistir para criar um ambiente melhor no limitado espaço em que foram forçados a viver.

Não muito tempo depois a praga desceu. Caídos começaram a surgir e ameaçar a segurança das cidades do subterrâneo. Então, para mantê-los longe, os quebra-cabeças foram reativados e recriados para serem mais mortais, impedindo qualquer Caído de realmente avançar nas cidades. Todavia a quantidade de afetados pela praga começou a crescer mais do que os quebra-cabeças poderiam suportar, alguns possuidores de características ou habilidade que os permitiam evitar as armadilhas e avançar sem problemas para a cidade. Ensandecidos a causar o caos.

A única esperança era evacuar, correr para onde mais seria seguro e deixar que tais criaturas tomassem conta do território em questão, até o ponto em que apenas a Capital do Anjo da Criação e a Capital do Anjo da Destruição permanecessem em pé dentro de todo o limite que era o subterrâneo. Qualquer outra área estava infestada com Caídos sedentos.

Muitos dos quebra-cabeças foram mantidos ativados durante todo o percurso até a Capital, Sans sabia que o caminho seria arriscado, cada passo deveria ser cuidadoso, ele sabia que algumas das criaturas tinham audições apuradas ou olfatos precisos o suficiente para detectá-los com facilidade. Talvez não pudessem evitar todos os perigos, as armadilhas seriam um empecilho e ele não tinha certeza se poderia evitar todos. Alguns se mantinham bem escondidos e apenas ativavam-se quando recebiam algum tipo de contato, normalmente o pressionar de um botão escondido ou semelhantes.

E o maior problema de ter todos esses problemas era o exato fato de não estar sozinho. Sans poderia muito facilmente lidar com qualquer tipo de imprevisto que chegasse a surgir se tivesse que se preocupar apenas com sua própria vida. Mas dessa vez ele deveria manter-se atento a uma garota com mais de mil anos e mentalidade obviamente de quatorze junto a uma flor que servia-lhe como voz e era tão irritante quanto chiclete preso na sola do sapato.

Afinal para que seres humanos haviam criado essas gomas meladas e repletas de açúcar? Nem mesmo existia o sabor ketchup! Pregavam no dente e o sabor acabava rápido deixando uma textura rançosa e enjoativa, quase como se estivesse a mascar borracha.

Urg!

De volta a questão importante, assim que saíram da torre para começar sua jornada Sans prontamente alertou:

— Escute bem princesa, você escolheu fazer essa viajem da pior maneira possível então vai seguir tudo o que eu falar, entendeu? O subterrâneo não é um lugar para crianças brincarem, a maior parte do que vamos encontrar na nossa frente agora poderiam facilmente matá-la. Então mantenha-se perto de mim o tempo inteiro, sem reclamar ou lamuriar. Nada de sair para explorar ou correr adiante, eu não quero ter trabalho ou carregar a culpa da sua morte.

A garota assentiu com um enorme sorriso determinado, a flor enroscada em seu ombro não muito feliz com a maneira que tinha falado, não como se Sans realmente se importasse, ele estava mais preocupado com o pequeno detalhe de não acreditar que suas palavras tinham sido realmente ouvidas. Ele não estava animado para voltar, muito menos para ficar. Talvez fosse melhor estar com os Caídos, eles pelo menos não eram tão idiotas como as pessoas que viviam na capital. Se tivesse algum lugar que poderia simplesmente postar-se e esperar o fim de tudo, assistindo-o tão próximo como possível para poder apreciar o "eu avisei" que as pessoas estariam a sentir, seria o melhor. Mas obviamente esse lugar não existia e Sans deveria arrastar-se com a responsabilidade que haviam colocado nele.

Pelo menos o começo da viagem havia sido tranquila. O silêncio das ruínas reverberava por todo o caminho, alguns chiados aqui e ali quebravam a monotonia em momentos raros de tempo. Inicialmente existia um caminho pedregoso e rochoso entre o começo das ruínas e a torre onde anteriormente a garota se mantinha. Não era um caminho longo, mas ainda cansativo pela irregularidade do chão repleto de pedras úmidas.

Sans não se preocupou em conferir a garota, ela poderia muito bem lidar com alguma umidade, sabia caminhar sozinha, não precisava de sua ajuda para isso. Ele ainda conseguiu escutar os resmungos enfurecidos da flor, ainda assim não incomodou-se e manteve seu caminho sem olhar para trás. Pernas grandes e longas serviam para alguma coisa, ele deveria admitir. Com apenas um único passo ele alcançava as melhores áreas para pisar e acelerava o caminho a percorrer, ele recordava-se bem de ter que correr para acompanhar seu pai sempre que ia ao emprego. Agora ele tinha certeza que poderia acompanhá-lo no mesmo ritmo.

A memória nostálgica o fez deter-se por segundos, escassos momentos em que se deixou levar pela melancolia dos acontecimentos seguintes, prontamente retornando a realidade. Aquele não era exatamente o momento para recordar-se desse tipo de coisa.

O barulho veio em seguida. Um prolongado "slash" seguido por um rápido "pop".

Foi rápido, ainda assim o suficiente para ecoar por todo o caminho silencioso. Sans apenas voltou-se por mera curiosidade, deparando-se com a exasperada cena da garota jogada ao chão, pernas jogadas para cada lado com os joelhos bem fechados, por sorte a saia do vestido não havia levantado-se o suficiente para mostrar a peça intima que supostamente estaria vestindo. Ambas as mãos apoiavam-se no chão, enquanto seu rosto contorcia-se em uma expressão visível de dor. A flor em seu ombro estava desesperada, perguntando um milhão de vezes se ela estava bem, se havia se machucado e para ter mais cuidado.

Sans deixou escapar um suspiro cansado. Ele percebeu que demoraria bem mais para continuar seu caminho se deixasse a garota por conta própria, apesar de ser irritante pensar em ter que carregá-la durante todo o caminho.

Quase no mesmo instante sua mão envolveu-se em magia, forçando a alma da garota ainda jogada ao chão saltar para fora de seu peito e brilhar em azul. Instantaneamente Sans conseguiu sentir seu controle sobre a gravidade da criança, bastando um simples mover de dedos para que ela fosse erguida do chão, um flutuar tranquilo e sem uma estabilidade certa na posição de seu corpo, sendo guiada com leveza até seu lado enquanto voltava a andar.

— Frisk disse obrigado. - resmungou a flor, flutuando junto com a humana, rosto emburrado em uma expressão descontente. Sans não respondeu, ele continuou a seguir seu caminho de forma imparcial, passos alongados prontamente chegando a primeira parte de seu destino.

As ruínas era uma construção de prédios muitas vezes apoiados uns aos outros ou presos à paredes rochosas. Suas cores arroxeadas e negras somada as rachaduras e paredes quebradas dava um ar mais antigo ao lugar. Pontes ligavam um lado ao outro nas partes mais altas, caminhos estreitos formavam-se a frente, bem apertados entre o que seria os resquícios das construções, aparentemente a parte inferior havia sido bem mais afetada do que a superior. Alguns cristais aqui e ali, belas gemas de todos os tipos de cores, davam luz ao lugar de forma natural, deixando-o, consequentemente, ainda mais espectral e sombrio.

Tudo ali remetia a fantasmas, assombrações ou almas penadas. Frisk já havia lido bastante sobre elas e tido experiências terrivelmente desagradáveis com tal. Ainda assim, ela deveria dizer, estava impressionada com a beleza que possuía o lugar. Suas construções remetiam muito a imagens que viu sobre arquiteturas antigas, em livros guardados na Torre onde ficou presa. Ela conseguia ver semelhanças incas ou astecas, talvez com antigas civilizações norte-americanas, gregas e romanas. Prédios com formas arredondadas, formando abobadas ou triângulos, bifurcando-se ou formando-se dentro das paredes rochosas do lugar, enfeitadas com tijolos retangulares com profundos sulcos entre si.

Frisk questionava-se se todas aquelas construções derivavam-se da influência humana ou se os próprios monstros, por viverem mais e, consequentemente, terem presenciado e absorvido tais ideias humanas, talvez até mesmo as influenciado, fossem aqueles responsáveis por tais escolhas de estilo.

E era triste ver tais monumentos em seu estado atual de degradação. Algumas casas haviam sido completamente destruídas, não passando de montes irreconhecíveis de pedras, algumas outras estavam pela metade, outras haviam perdido o teto, muitas estavam rachadas, caindo aos pedaços, milagrosamente se sustentando por mais alguns anos. Algumas pontes já estavam destruídas, suas rochas caindo sobre outras casas, às vezes nas ruas, bloqueando o caminho. Frisk gostaria de ter visto aquele lugar em seu apogeu de vida, onde as ruas estariam lotadas com seres humanos e monstros a viver suas vidas cotidianas. Mercados abertos a exalar o cheiro de comida fresca, pessoas a gritar a anunciar seus produtos felizes, tanto alimento monstro como alimento humano, conversas altas a encher cada viela existente, crianças a correr de um lado para o outro enquanto se divertiam, trombando em algumas pessoas.

Ela poderia imaginar tão perfeitamente que quase sentia-se lá, encarando toda a aglomeração a sua volta, deixando o caminho difícil de se atravessar sem trombar em alguém. Ela quase poderia sentir o cheiro misturada das várias comidas vindas de restaurantes abertos. Ela quase poderia sentir a vida sendo exalada em cada rua, em cada casa, em cada canto que conseguia ver.

Sua volta a realidade foi dolorosa, afinal, apesar de toda a vida ter se esvaído para lugares mais distantes não significava que a cidade estava vazia. Frisk poderia muito bem ouvir as lamentações ecoando pelas paredes de pedra. Ela poderia sentir o sofrimento das almas errantes deixada naquele lugar, inconformadas com o fato de terem morrido. Cada gemido de dor e desgosto, de raiva e ódio traziam um novo arrepio para o corpo de Frisk, a ansiedade de suas mãos a tremer querendo tampar seus ouvidos para não mais escutar os choros revoltosos. Mas ela sabia que de nada adiantaria.

Sans a havia deixado no chão, o terreno sendo plano o suficiente para conseguir andar sem qualquer inconveniente que pudesse atrasar seu caminho. Frisk se apressou, mãos procurando desesperadas alguma coisa em que pudesse se agarrar e ter certeza que teria proteção. No momento o único que poderia lhe dar a confiança de segurança era o enorme esqueleto que permanecia a caminhar a sua frente indiferente as lamentações fantasmagóricas que enchiam a cidade decadente.

Ele lhe dedicou um breve olhar de soslaio, rosto imparcial e indiferente nunca mostrando qualquer sinal de pena ou compaixão ou mesmo qualquer sentimento que fosse.

Não precisava ser um grande gênio para saber que ele não se importava com ela. E Frisk ainda tentava, de alguma forma, conformar-se com isso, de algum modo ela sabia que qualquer coisa que fizesse não mudaria a opinião já formado que ele tinha, aceitar seria a decisão mais sábia que teria para manter a paz entre os dois durante essa aventura.

O primeiro quebra cabeça se mostrou na forma de espinhos a sair do chão quando pisava-se em qualquer forma diferente do desenho correto, facilmente transpassado com um teletransporte por parte do esqueleto e uma mudança de gravidade na alma da garota que o acompanhava. O próximo veio como o lançar de flechas venenosas quando atravessava um determinado feixe de luz, dessa vez o esqueleto atravessou todo o caminho com um teletransporte mais distante, levando Frisk junto.

Apesar de saber que aqueles enigmas eram perigosos Frisk continuava a se manter tentada a resolvê-los. Ainda assim, Sans havia sido claro para seguir suas ordens e ela não queria ser aquela que o deixaria com raiva. Por algum motivo ela sabia que ele não agradava-se de sua presença, que ele não queria estar ali e mantinha-se forçado a seguir em frente. Ela não questionaria seus motivos e preferia apenas manter-se quieta, de forma a não incomodar nenhum dos dois. Ela não poderia falar por conta própria de qualquer maneira.

E, apesar disso, Frisk obviamente queria algum tipo de interação. Ela passou mil anos trancada em uma torre sem nem ao menos ter tido o direito de escolher estar lá ou não. Seu contato com outras formas de vida que poderiam se comunicar através da fala tinha se resumido a Flowey. Ela não estava reclamando de seu pequeno companheiro, ela o amava, mas ainda assim mil anos com a mesma pessoa era entediante, por mais que se quisesse negar. Ela queria conhecer pessoas novas, queria saber mais, conhecer mais sobre esse mundo o qual ela sabia tão pouco e passou tanto tempo longe. Mas a primeira pessoa que conheceu não queria falar com ela, mesmo que fosse do mais simples assunto.

Para piorar a situação, com todo aquele silêncio, ela era forçada a escutar mais nitidamente as almas errantes do lugar. Ela não gostava disso, ela odiava ser capaz de tal, pelo simples motivo que nunca escutava coisas boas. Fantasmas condenados a vagar eternamente pelo plano material, perdidos e recheados de ressentimentos poderiam dizer coisas deveras desagradáveis. Frisk não gostava de escutar, seus sussurros incomodavam, a abalavam, ela não queria ouvir.

Um praguejar mal humorado logo foi ouvido a frente. Eles tinham avançado boa parte do caminho entre as ruínas, entretanto ainda faltava uma boa quantidade de chão a percorrer. O maior problema derivava-se das voltas que deveriam fazer por não ter um caminho direto para a saída do lugar. Eles eram forçados a dar voltas e mais voltas por corredores estreitos e vielas curtas, saindo e voltando para o caminho tantas vezes que quase poderiam dizer-se dentro de um labirinto de construções praticamente iguais.

Em uma questão de segundos depois ela foi jogada abruptamente dentro de uma das casas desabitadas e abandonadas. Seu coração foi a loucura, olhos mal conseguindo captar o que acontecia antes de finalmente encontrar-se de costas para o esqueleto, pressionada contra ele em um aperto firme de seus braços ossudos envolta de sua cintura, uma de suas mãos postando-se frenética sobre sua boca, impedindo que o engasgar de sua respiração pela surpresa fosse mais do que um murmuro abafado.

Flowey estava pronto para abrir a boca e questionar com fúria quando o esqueleto o calou também em um sonoro, ao mesmo tempo baixo e intimidado, "shh".

Momentos depois o chão tremeu.

O corpo de Frisk enrijeceu em seu lugar, respiração travando na garganta enquanto as ramas de Flowey apertavam um pouco mais seu braço de forma nervosa. Ela sabia que ele também segurava o fôlego, sentidos indo a loucura. Sans, por sua vez, manteve-se grudado a parede do lugar, rosto inclinado para a janela ao lado a observar o que quer que fosse a passar do lado de fora que pudesse ser grande o suficiente para tremer todo o lugar.

Frisk arriscou um olhar, olhos escondidos debaixo de seus alongados cílios e pálpebras caídas jogaram-se para o lado, no máximo que conseguiam sem mover a cabeça. Foi difícil, mas ela conseguiu deslumbrar um enorme corpo sombreado passando pela janela, lentamente, robusto o suficiente para que ela pudesse ter a impressão de que com um respirar mais profundo ele seria capaz de derrubar as paredes das casas ao redor dos lugares em que passava, apenas um pedaço de sua forma sendo visível a bloquear toda a extensão da janela. No fim a alongada calda que balançava de um lado para o outro, primeiro grossa afinando-se com o decorrer de sua extensão para o final. Por pouco, muito pouco, não acerta a construção em que estavam escondidos.

— O q-que n-no inferno e-era aquilo? - chiou Flowey em um fio de voz alguns minutos depois do chão parar de tremer. Seus ramos tremiam enroscados no corpo de Frisk, apesar de sua expressão manter-se firme. Ela sabia que ele estava com medo, ela também estava, não queria sair do lugar onde estava, Sans parecia perfeitamente firme, como se nada tivesse passado, mesmo que seu olhar estivesse mais sério do que antes.

— Um Caído. Esse era dos médios, ainda conseguiu passar pelas vielas do lugar. Existem aqueles que são tão grandes que uma pisada esmagaria um prédio desses, nossa sorte é que eles não ficam nas ruínas, é estreita de mais para eles. Quando passarmos por Snowdin ou Walterfell tenho certeza que veremos um ou dois com o dobro do tamanho que esse deveria ter. - Sans resmungou, voz baixa e firme, não mais do que um sussurro.

Isso era um Caído? Não existem monstros para chegar a metade do seu tamanho! Como podem se tornarem coisas como essas?! - Flowey exclamou em um frenesi de desespero. Frisk sabia bem que ele estava preocupado com o caminho a frente, mas ela não desistiria de ver todo o subterrâneo, ela estava determinada a percorrê-lo com Caídos ou não.

— Fale mais baixo. Algumas dessas coisas tem audições invejáveis. Tivemos sorte que esse aí não percebeu nossa presença, uma parede dessa não o iria segurar, por mais grossa que fosse feita. - Sans repreendeu, seus braços soltando a garota a qual segurava. Frisk cambaleou para um canto, ela sentia-se extremamente cansada agora, não sabia se pelos quebra-cabeças que tiveram que passar, os irritantes e assustadores múrmuros fantasmagóricos ou a terrível experiência de encontrar seu primeiro Caído.

Ninguém havia dito que seria fácil.

— É melhor irmos, ele já foi, mas nada garante que não vá voltar. Temos que ser rápidos para passar as ruínas antes de encontrar alguma coisa pior.

— Não deve ter nada pior do que isso.

— Quer arriscar a sorte, florzinha? - Sans provocou, logo fazendo Flowey recuar. - Os grandes apenas intimidam no tamanho e na força, mas os pequenos podem ser bem traiçoeiros quando querem. Eu não quero me arriscar, se é que você me entende.

Frisk sentou-se no chão, em um canto qualquer, braços a abraçar-se e consciência a vacilar. Ela queria um descanso. Flowey pareceu notar, sua preocupação passando para ela como um leve aconchego.

— Frisk quer descansar, talvez seja bom dar uma pausa por enquanto. - Flowey anunciou, crescendo suas vinhas para deixar o espaço em que Frisk estava mais aconchegante. Um travesseiro de ramos não parecia confortável, mas Frisk estava acostumada a ser embalada dessa maneira por ele e suas folhas poderiam ser bem quentes quando amontoadas sobre sua pele.

— Agora? Estamos ainda na metade do caminho! - Sans reclamou, suas orbitas estreitando-se para a dupla agora acomodada a sua frente. Flowey franziu o cenho em desgosto. - Ela desacostumou-se tanto ao ficar parada em uma torre por dez ciclos?

— Você pode não saber, saco de lixo, mas tudo isso é mais desgastante para Frisk do que para qualquer um de nós. Sua alma interligou-se ao vazio onde ficamos presos para poder trazer as almas às conchas vazias que ela criava, agora esse poder lhe traz um efeito colateral de escutar até mesmo almas errantes que não conseguiram aceitar suas mortes e permanecem a vagar nesse plano!

— O que quer dizer? Fantasmas? É uma brincadeira?

— Você deve saber muito bem que almas humanas permanecessem muito mais tempo que as almas de monstros por conta de sua determinação. A questão é que, enquanto almas de monstros desaparecem, as humanas se prendem a sentimentos que lhes marcaram antes de morrer. Aquelas com ressentimentos grandes permanecem nesse plano por mais tempo até desaparecerem. - os olhos da flor voltaram-se para a garota a qual embalava em seus ramos, já completamente adormecida e encolhida nas folhas que a envolviam tão carinhosamente. - Algumas dessas almas podem dizer coisas bem... Perturbadoras. Frisk é forçada a escutar cada uma delas, sussurros que ninguém mais consegue escutar. Lugares onde pessoas morrem assassinadas é pior e pelo que nos contou sobre como as coisas andaram aqui eu não duvido que vários humanos morreram muito jovens aqui.

Sans ponderou sobre a informação que havia acabado de receber. Ele realmente sabia que almas humanas existiam por mais tempo, isso era um fato já comprovado, tanto que monstros poderiam absorver almas humanas, mas não o inverso, já que almas de monstro desapareciam logo que o corpo morria. Sans nunca chegou realmente a pensar que tais almas poderiam realmente materializar-se como fantasmas, mas fazia sentido. Agora, uma humana com a capacidade de interagir com essas materializações era um tanto... Assustador?

— O que exatamente são esses "planos" que você fica falando?

— É uma questão mais complicada de se explicar. Mas vejamos... Imagine nosso mundo como parte de um sanduiche.

— É uma terrível comparação.

— Vou admitir que não é das melhores, mas é a melhor forma que encontrei para explicar, não posso dizer que sou especialista também, então aceite o que vier e tente entender. - Sans deu de ombros, sorriso zombeteiro em seu rosto. Era bom ter alguma coisa para pensar naquele momento, ele tinha certeza que não dormiria para que pudesse vigiar o movimento de Caídos na área. Eles não poderiam simplesmente relaxar sem medidas se segurança em um território inimigo. - Bem, um sanduiche é composto por várias camadas, assim como nossa realidade. Planos são cada parte dessa camada separadas e sobrepostos um ao outro. Não se sabe ao certo quantas camadas podem existir ou exatamente o que existe em cada uma delas. Uma com toda certeza é o plano material em que atualmente estamos, tão próximo a ele está um plano espelhado a esse, ainda assim intangível, a cultura humana o denominou limbo. Seu contato é tão estreito com esse que facilmente pode se passar informações por ele, uma ou outra magia, mas não é tão fácil assim de atravessar de uma para a outra. É nesse lugar onde as almas ressentidas costumam estar. O ultimo plano que conheço é onde estivemos, o vazio. Ele está foram de limitações como tempo e espaço, é lá onde almas são formadas e vagueiam até encontrar um corpo para usar.

— Não sabe quantos mais podem existir?

— Tanto quanto poderiam existir variações no tempo. Não é fácil de contar, não são visíveis a não ser que consiga transpassar de um para o outro e, a não ser que esteja morto e sua alma tenha alguma habilidade para tal desconhecida para o mundo atual, fazer isso é impossível.

— Como pode saber que existem então?

— Nada realmente prova, sinceramente. A própria experiência, ainda assim, fala por nós. Além do mais, tivemos contato com outros seres o suficiente para saber algumas coisas.

— Fantasmas?

— Ou algo do tipo. Não sei dizer exatamente o que eram aquelas criaturas do vazio. Muito poucas falavam, a maioria apenas grunhia e se arrastava ao redor da torre. Não era muito agradável.

Sans assentiu distraidamente, sua mente vagando em todas as informações que havia recebido naquele momento. Era uma informação ridícula, para se dizer o mínimo, sem qualquer tipo de prova ou embasamento científico, ainda assim as provas não estavam logo a sua frente? Uma planta falante e uma garota que teoricamente já deveria estar morta? Não era igualmente louco ao pensamento de outras linhas do tempo? De outros universos? Com toda certeza não mais louco do que acreditar que uma garota tão frágil poderia ser a reencarnação de um anjo, mas quem era ele para julgar?

Nesses instantes de silêncio e contemplação, porém, a flor havia caído no sono enroscado na garota bem escondida em seus ramos. Sans deu de ombros, não necessariamente estava necessitado de uma conversa, apesar de por dois ciclos ele manteve contato apenas com os ratos de sua cela.

Seus olhos avaliaram a garota novamente, ele poderia sentir sua magia ainda extremamente forte a exalar de seu núcleo mágico. Apesar de sua forma fraca ela ainda tinha poder, poderia muito bem ser superior a ele, não conseguia medir ao certo. Ele não poderia negar seu poder, mas nem sempre quantidade de magia queria dizer compatibilidade com luta ou capacidade par se defender, ele sabia que teria muito trabalho em arrastá-la inteira até a capital.

Com um suspiro ele voltou seu olhar para a janela, o chiado de Caídos tornando-se mais proeminente no silêncio que havia se instalado novamente. Ele tentou contar, mas os sons eram demasiadamente parecidos, talvez ele não fosse capaz de evitar uma luta para sair das ruínas. Se ele bem se recordava o único modo de sair dali era passar um portão localizado em um caminho estreito no final da cidade. Como simplesmente havia se teletransportado todo o caminho de vinda ele não poderia saber se esse portão ainda existia, talvez os caídos o tivessem destruído ou instintivamente o mantiveram para evitar a entrada de outros Caídos.

Era comum a luta entre eles quando se encontravam em território alheio. Sans definitivamente não queria deparar-se com uma dessas.

Frisk e Flowey despertaram algumas horas depois, marcação de tempo ainda sendo complicada no subterrâneo onde a escuridão predominava. A quem dizia que os cristais de luz abrandavam quando seria supostamente a noite, mas talvez fosse apenas impressão, Sans nunca notou nenhuma diferença.

Prontamente eles continuaram seu caminho.

 Eles esgueiraram-se entre as vielas, mais atentos do que antes, Sans não tinha certeza se os Caídos estavam muito longe de onde se encontravam agora e quanto menos confusão aprontassem mais seguros estavam. Frisk corria em seu encalço, tentando acompanhar suas passadas longas, ele nunca realmente havia se imaginando sendo aquele que teria que abrandar o passo para que alguém menor pudesse acompanhá-lo, era divertido de certa forma.

— Quanto mais falta? - a flor perguntou enquanto a garota bufava em cansaço, talvez o ritmo estivesse pesado de mais para ela, mas Sans não estava reparando. Sua concentração estava mais focada nas possíveis ameaças a sua volta.

— Não muito. Não tem quebra-cabeças dentro no centro da cidade então apenas temos que nos preocupar com Caídos por enquanto. Quando estivermos chegando na saída começaremos a ver armadilhas novamente. - Sans analisou o lugar, olhos atento tentando captar algum sinal de vida, sentindo-se satisfeito ao constatar que não havia nenhum. Eles poderiam passar. - Mantenham-se perto e cuidado a onde pisam. Qualquer barulho pode alertar os Caídos que estamos aqui.

Frisk assentiu, respirando fundo para voltar a correr. O acumulo de pedras desprendidas das construções durante o caminho e no meio dele estavam aumentando, quanto mais avançavam, mais devastada a paisagem ia se transformando e isso dava um mal pressentimento a pequena morena. Seus olhos vagueavam pelo lugar, saltando de um canto ao outro nas sombras a espera de que algum tipo de monstro fosse saltar para fora delas quando menos esperava. Sans não abrandava o andar e Frisk sentia-se esmorecer com toda aquele estresse.

Só mais um pouco, ela tentou se incentivar, mantendo as passadas determinadas para frente.

Pouco a pouco as casas eram substituídas por paredes rochosas, menos bifurcações eram vistas apesar da quantidade de crateras no chão ter aumentado consideravelmente junto ao estreitamente entre as limitações do lugar. Bastou o limite de uma ou duas horas de caminhada rápida e cautelosa para finalmente virem-se de frente para um único caminho. Uma entrada relativamente estreita e escura guiando ao que deveria ser o final das ruínas, quebra-cabeças que deveriam intervir entre ele e a cidade logo atrás estavam completamente quebrados.

E apesar de estarem tão perto, Sans deteve-se.  

— Não gosto disso. - ele murmurou, mais para si mesmo do que para os dois que o acompanhavam. - O caminho é estreito de mais, a maior parte dos Caídos não conseguiria passar, além do fato de ser perfeita para uma emboscada. Se ficarmos encurralados aí dentro com toda certeza estaremos mortos.

— E o que sugere que façamos? - questionou Flowey, seus olhos encarando criticamente o esqueleto que permanecia a frente, rosto a encarar distraidamente a passagem a frente.

— Eu poderia nos teletransportar diretamente a Snowdin, seria mais seguro do que arriscar-se meter-se por essa passagem estreita. - seus pontos brancos dentro de orbitas vazias avaliavam o terreno a sua volta, maldizendo logo em seguida. Ele tinha mantido-se tão concentrado no estranho estreitamento da espessura da caverna que caracterizava as Ruínas que não tinha reparado que haviam entrado em um terreno aberto. Algumas rochas salientavam-se no caminho, grandes o suficiente para encobertá-los em caso de emergência, mas não seriam muito úteis se já tivessem sido vistos. Eles precisavam ser rápidos. - Princesa, segure-se firme em mim e...

O chão voltou a tremer, estalagmites instáveis caíram do teto e quebraram-se ao encontrar-se com o chão. Frisk cambaleou para trás, caindo sobre seu traseiro de forma desengonçada, Flowey ainda bem preso em seu ombro procurando evitar que algumas das pedras que permaneciam a cair do teto acertassem Frisk. Sans ajeitou-se sobre seus pés, arco formado de blasters já formado em seu braço pronto para ser usado, olho esquerdo liberando a magia na forma de quatro losângulos interligados por semicírculos, formando o que se assemelhava-se muito a uma mira, orbita azul bem no centro.

Não demorou muito para o feroz grunhido reverberar pela caverna, a criatura surgindo logo depois. Seu corpo assemelhava-se muito ao de um dragão de komodo, quadrúpede de patas curtas e gordas, corpo largo e achatado, aparentemente escamosa apesar de Sans conseguir distinguir enormes e grossos tufos de pelo a crescer em determinadas extremidades. Calda grossa, não muito longa, com o focinho longo como o de um crocodilo recheado de fileiras de dentes pontiagudos. Ele poderia ver duas apenas com o primeiro abrir da mandíbula, mas não duvidava que mais estariam a se esconder atrás.  

Sem esperar realmente um movimento da criatura, já demasiadamente próxima para seu gosto, o enorme esqueleto lançou três de suas flechas, cada uma com quantidades diferentes de magia. Ele precisava testar a resistência das escamas que protegiam a carne por baixo, Caídos não eram tão facilmente derrotados como monstros, suas almas corrompidas criavam reforços mais bem qualificados para defender-se.

A flechas acertaram o casco de suas escamas, ricocheteando para direções distintas cada uma, destruindo mais formações rochosas. Ele precisaria usar mais magia para conseguir ser o suficiente para transpassar a camada dura de escamas.

Desviando do ataque da calda grossa ele tentou mais uma vez, dessa vez com energia o suficiente para incinerar um prédio em seu caminho. Ainda assim, apesar de ter causado um dano considerável, não seria o suficiente para eliminá-lo de uma vez e Sans, apesar com uma grande quantidade de magia, não poderia arriscar esgotar-se ali. Aquele ataque puxava muito de sua magia e ele ainda tinha uma jornada inteira pela frente.

Um suspiro cansado escapou, arco desaparecendo quase ao mesmo tempo que outra arma materializava-se em sua mão. Ele não tinha o costume de usá-la, era verdade, exigia muito combate direto e força física para seu gosto, ainda assim, ele deveria admitir, sua capacidade de dano era muito maior que qualquer ataque de seu arco.

A foice exibiu-se orgulhosa, longa com o cabo na forma de um osso muito parecido com o fêmur, apesar de uma de suas bases, a que sustentava a lâmina encurvada e larga, ter várias elevações, como espinhos deformados, achatados e alongados, para em seguida dar espaço a uma enorme cabeça do que parecia ser o crânio de um lobo, mandíbula aberta para que a lâmina pudesse ser encaixada ali. Ainda existiam aqueles complementos deixados de fora com a finalidade de economizar sua magia, mas apenas aquilo poderia servir. A lâmina de um azul turquesa límpido reluzindo intensamente na escuridão do lugar.

Não precisou de movimentos trabalhosos, Sans era preguiçoso de mais para realmente importar-se com mover-se corretamente em um combate. Em questão de segundos ele estava sobre as costas do Caído, apenas uma mão a segurar o cabo de sua arma com a lâmina voltada para baixo, bem ao lado do pescoço grosso da criatura. Ela chacoalhou-se para tentar livrar-se do novo peso em suas costas, mas não foi o suficiente para jogar o esqueleto para fora, ele manteve-se firme sobre seus dois pés, a mão livre finalmente descendo para segurar o cabo de sua arma e executar um movimento limpo, uniforme e continuo.

Ele não parecia ter feito muito esforço, foi quase como se toda a carne, ossos e gordura em interpunham-se no caminho de sua lâmina não existissem e facilmente pudesse atravessar de um lado a outro, decapitando a criatura que em segundos seguintes tornou-se pó.

Não muito de um desafio, mas se o primeiro havia aparecido e deu o sinal de alerta, logos outros iriam dar as caras e Sans não estava com paciência nem ânimos para lidar com isso. Em um teletransporte rápido ele estava postado ao lado de Frisk, puxando-a sobre seus pés e novamente levando-os através de seus atalhos para fora das Ruínas. A diversão ali já tinha acabado.

O frio de Snowdin cumprimentou-os não muito tempo depois.   


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Notas finais do capítulo

O problema dessa fanfic é o tanto de detalhe que ela tem que ter por eu ter a brilhante ideia de reformar todo o subterrâneo, mas tudo bem, eu consigo!
Obrigada aos que estão lendo, acompanhando, favoritando, comentando, vocês são o que me incentivam sempre a seguir em frente e tenho muitas expectativas para essa fanfic, espero que apreciem tanto quanto eu.
Amanhã tem Fusion, semana que vem tem mais capitulo na quarta (espero adiantá-lo melhor...), apenas mantenham-se determinados!
Até~~!



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