UnderPray escrita por Neko D Lully


Capítulo 3
Começo da aventura


Notas iniciais do capítulo

Capitulo menor que o anterior, mas acho que está bom. Espero que estejam gostando da história!
Aproveitem!



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UnderPray - Começo da aventura

— Ele chegou a torre. - o murmuro ecoou pela sala escura, sombras e silhuetas delineadas por um único feixe de luz que originava-se de uma esfera azulada, bordas instáveis mostrando ser constituída de um material não sólido. Conseguia contar pelo menos oito ou nove pessoas no lugar, formando um circulo ao redor da esfera, cada um postando-se no final de um tracejado fluorescente que interligava-se com a espera, magia preenchendo o ar da sala fechada.

— Devemos admitir que sua capacidade de teletransporta é impressionante. Que quantidade magia absurda! Nunca vi nada igual, supera até mesmo as estimativas de nosso rei! - outro exclamou, todos focados em um pequeno ponto vermelho ainda indicado na esfera, repleta de tracejados que pareciam formar um mapa 3D. Alguns múrmuros consentindo a afirmação ecoaram pelo lugar. - Parece que estávamos certos em confiar em sua sugestão, Papyrus.

Uma das sombras estufou o peito, o delinear escurecido de um enorme sorriso desenhada em seu rosto de aspecto magro.

— Não sejam tão apressados em seus julgamentos, companheiros. - interferiu um terceiro, sua voz elevando-se acima dos múrmuros que continuavam a se espalhar. Quase no mesmo instante todos se calaram, silêncio novamente reinando pela sala escura. A silhueta, dona da voz, possuía um tamanho mediano, corpo encurvado e mãos unidas, recobertas pelo longo tecido de suas mangas. Ele deixou o silêncio durar mais alguns segundos antes de continuar. - Não devemos esquecer que ele é um cético, um herege em nossas crenças. Sua traição ainda não foi esquecida nem por nós e tenho certeza que muito menos por ele, que não tem nada a perder. Não nego sua força, mas a escolha de seu caminho ainda continua incerta. Não podemos baixar a guarda com ele.

— E se ele escolher um caminho contra o nosso? Não temos força para subjugá-lo agora. Toda essa magia... É impossível para qualquer um de nós detê-lo  caso volte-se contra nós. - resmungou mais um, sua voz tremula em medo subiu a insegurança no lugar.

— ELE NÃO FARÁ TAL COISA! POR FAVOR, NÃO PERCAM SUAS ESPERANÇAS NELE. TENHO CERTEZA QUE NOS AJUDARÁ. - a voz extremamente alta para o lugar tranquilo quebrava a harmonia que normalmente se mantinha. Seu dono era possuidor de uma silhueta alta e magra, destacando-se no meio de seus companheiros que comumente possuíam tamanhos inferiores ao seu. O mesmo o qual havia estufado o peito em orgulho. Agora, no entanto, ele parecia preocupado.

— Mesmo que queiramos confiar em suas palavras, Papyrus... - voltou a pronunciar a terceira figura, sua voz autoritária e de ar sábio novamente calando as demais. - Você não mais pode nos dar garantia disso. A pessoa que ele foi e a pessoa que ele é agora são completamente diferentes. Seu ódio para com os humanos ainda deve ser considerado junto com sua nova antipatia para com sua própria espécie. Mas não se preocupe, ainda estamos a dar-lhe essa chance de se redimir e estaremos a observá-lo constantemente. Caso ele saia da linha, no entanto, acredito que sim temos como controlá-lo. Sua força é grande, mas duvido que possa manter-se por muito tempo contra toda a Guarda Real de monstros, sem falar do poder do próprio anjo da criação. E, se nada disso o detiver, tenho certeza que ele terá problemas para lutar contra seu próprio irmão. Suas leituras são tão impressionantes quanto as dele. Não estamos indefesos, continuem a acreditar em nossos deuses e continuaremos a ser abençoados por eles.

Sete figuras concordaram com a silhueta encurvada, no entanto, o mais alto deles hesitou em confirmar. Ele torceu, resou no mais fundo de sua alma, que seu irmão fosse sábio o suficiente para saber o que estava em jogo e não fazer nenhuma besteira.

Ele rezava para que Sans permanecesse bem.

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Sans despertou no que seria o dia seguinte com o sons engraçados próximos a seu crânio. Eles eram suaves, tão baixos que, se Sans não tivesse tanta certeza que estavam demasiadamente próximos de seu corpo, não teria escutado. Eles penetraram pouco a pouco em seu sono pesado, despertando-o com uma lentidão tão sutil que por momentos ele se sentiu confuso em ter despertado.

Ainda cansado, corpo exigindo um pouco mais de descanso na confortável cama, ele ajustou a visão para o quarto onde estava, teto branco sobre sua cabeça exatamente igual ao que tinha visto antes de cair no sono. Confuso, ele tateou o colchão a sua volta, procurando identificar o que exatamente fazia tal sonido estranho, seus dedos esqueléticos deixando de tocar o macio tecido dos lençóis para encontrar-se com algo mais... Peludo.

Curiosidade bateu-lhe em seguida, abaixando o rosto apenas para encontrar-se com bolas peludas espalhadas aqui e ali por sua cama, algumas muito bem acomodadas sobre seu peito ou quadris, sem se importar com o desconforto que seriam seus ossos salientes e sem qualquer acolchoamento de carne ou pele. Sans questionou-se como não estava sentindo-se mais pesado ou incomodado com tais criaturas, era como se não pesassem nem uma grama, apesar de visivelmente serem robustas de acordo com seu tamanho de não mais do que alguns centímetros de largura e muito poucos centímetros de altura.

Sans observou a cor de seu pelo, de um roxo salpicado de pedaços em verde azulado. Seus pelos eram eriçados, mas ao mesmo tempo de uma constituição macia, grossos. Ele podia ver a alongada calda com cores formando espirais entre roxo e verde azulado até sua ponta arredondada, elas brincavam no ar para diversas direções diferentes, formando círculos ou desenhos estranhos. No topo de suas cabeças arredondados e felpudas estavam orelhas grandes, com três fios maiores no topo que esticavam-se para lados diferentes, seus focinhos pequenos, achatados, nariz triangular e boca formando um singelo 3 deitado. Os enormes olhos sonolentos e desinteressados estavam a encará-lo em uma cor vivida de dourado.

Quando perceberam que estava acordado, porém, cada um deles soltou um miado manhoso, desaparecendo no que parecia ser um desfalecer de seus corpos sólidos em fumaça. O que deveriam ter sido cinco ou seis gatos juntos com ele na cama agora não restava mais nenhum, como se nunca estivessem estado lá.

 Em um suspiro de aceitação cansada ele ergueu-se da cama. Como havia adormecido com suas roupas não teve que se preocupar em arrumar-se para sair. Ele também não estava com pressa, porém. Por que deveria? Seu destino era exatamente o lugar onde todos, cada monstro, cada criatura respirando, queria sua cabeça por ter defendido as ideias de seu pai. Um lugar onde não tinha aliados, apenas um bando de leigos ignorantes que não queriam buscar a verdade ou respostas de perguntas as quais cada um escondia dentro de suas almas, sem verbalizar ou admitir que as tinha.

Sans suspirou, jogando a encardida bolsa em suas costas enquanto dirigia-se ao corredor. Ele não tinha um lugar para voltar, um lugar para chamar de lar. Ele apenas poderia fazer o que lhe era dito para fazer e talvez pensar no que poderia arrumar em um futuro próximo. Ele duvidava, porém, que alguém sobreviveria a essa guerra.

Quando seus olhos depararam-se com as duas direções possíveis a se seguir no corredor o enorme esqueleto se deu conta de que não sabia onde a planta falante e a garotinha metida a anjo estavam. Ele não sabia a geografia da torre, não havia se preocupado em saber, ele nem ao menos imaginava que iria precisar perambular pelo lugar para encontrar duas criaturas minúsculas. E agora ele estava ali, parado como um idiota a pensar como encontraria uma agulha em um palheiro. Um enorme palheiro.

Ele sinceramente não estava com paciência para descobrir o tamanho daquela torre ou o quão estranho e novo era cada quarto que poderia ter com toda sua fauna e flora única e extravagante, retiradas da mente de uma garotinha de quatorze anos entediada durante mil anos! E, novamente, ele não tinha escolhas.

A primeira decisão, portanto, que deveria tomar era: direita ou esquerda?

Ele ponderou por alguns segundos, para em seguida dar de ombros e voltar-se para a esquerda. Ele tinha certeza que se perderia de qualquer maneira, então poderia pelo menos aproveitar para observar melhor aquelas estranhas criaturas. Ele estava curioso sobre sua biologia, sobre suas almas e como realmente se sustentaram durante todo esse tempo em um ambiente completamente isolado e dependente da magia de alguém. Sua própria magia reagindo de forma estranha e única diante de tal situação inusitada. Perguntas sem respostas atiçavam sua mente a apenas perambular pelo lugar a observar, como o cientista que era, cada forma de vida.

Foi poucos minutos depois, já tinha andando alguns bons metros e estava a observar atentamente uma estranha briga do que pareciam ser cobras peludas, quando o dançar apressado de pequenas criaturas cintilantes atravessaram sua visão. Elas rodopiaram a sua volta, tilintares muito semelhantes guizos ecoaram em sua audição de uma forma tão inconstante e continua que o deixaram brevemente tonto. No entanto, ele prontamente recordou-se que, aparentemente, aquelas pequenas criaturas tinham inteligência o suficiente tanto para entendê-lo quanto para indicar alguma direção.

Era melhor do que ficar perambulando sem fim pelos corredores bifurcados e iguais daquela enorme torre.

— Heya, Fadas. - chamou, sem realmente ter certeza do que estava fazendo. Claro, a pequena flor havia conversado com elas, mas Sans não poderia entendê-las como ele parecia fazer. Talvez sua comunicação com elas fosse mais complicado. Ainda assim, pelo menos cinco fadas detiveram seu voo animada para pairar na frente de seu rosto, ansiosas e expectantes com a continuação de sua fala, os tilintares do que pareciam ser suas vozes ressoando mais calmamente. - Sabem onde estão a flor amarela falante e a garota anjo? - as fadas assentiram felizes, revolvendo-se entre si, asas translucidas batendo tão rápido que era quase impossível vê-las. Sans sentiu que alguma coisa naquele dia poderia dar certo. - Poderiam me levar até eles?

As fadas novamente se agitaram em consentimento, prontamente apressando-se para o caminho no qual ele já estava a se dirigir. Sans esquivou-se das cobras peludas, percebendo tardiamente que possuíam chifres e eram bem mais rápidas do que aparentavam, e seguiu as cinco pequenas fadas animadas.

O único pequeno problema o qual ele havia se esquecido e lhe custou quase três horas de seu tempo era que as fadas eram travessas. Ele deveria ter se recordado, era a regra numero um que havia anotado assim que chegou ao lugar. Bem, de qualquer maneira ele percebeu bem cedo seu erro, dando voltas e mais voltas pelos corredores, subindo e descendo escadas, virando apenas a esquerda ou, de repente, mantendo-se apenas a virar a direita, atravessando salas estranhas, quase topando-se com os dois dragões na entrada novamente. Chegou ao ponto em que Sans sabia perfeitamente diferenciar um corredor do outro e saber quando estavam a seguir em círculos.

Definitivamente não iria pedir ajuda as fadas, nunca mais!

No final ele deparou-se com uma sala repleta por canais de água e pequenas cachoeiras a sua volta, trepadeiras e cipós caindo desde o teto tendo emaranhado em seus caules verdes viscosos ou marrom musgo estavam estranhos insetos brilhantes, muito semelhantes a vagalumes bem rechonchudos, voando quase como se apenas pairassem sobre o ar e deixassem levar pela leve brisa que circundava o cômodo. Em recantos mais elevados, no que pareciam ser entradas e saídas de ar, estavam acomodados alguns pássaros a gorjear em ritmos e momentos diferentes, de sons agudos a finos. Ele poderia ver várias cores de penas, caldas às vezes alongadas a recair para fora do buraco no qual o animal havia se metido. No centro de toda a sala ele conseguiu identificar sentada sobre o chão ligeiramente recoberto por pequenos e ralos tufos de grama a garota a qual procurava, logo a frente dela, bem destacada no meio de toda a coloração verde, azul e branca estava a flor dourada.

Agradeceu as fadas de má vontade, cansado de toda a caminhada que elas o haviam forçado a fazer, e dirigiu-se até a garota, passos alongados e despreocupados prontamente cortaram a distância de metros, postando-se de pé ao lado da pequena que simplesmente ergueu a cabeça com um enorme sorriso. A flor, por sua fez, tinha uma carranca em seu rosto.

— Vejo que despertou, guardião. — atirou a flor, sua entonação a ultima palavra deixando bem claro que não estava de acordo com tal. Sans deu de ombros, não era como se a opinião de uma florzinha pudesse realmente afetá-lo, ele também não estava ali por escolha própria.

— Já a algum tempo, devo admitir. Tive ajuda de alguns... Gatos estranhos que desapareceram assim que despertei. - comentou, seus olhos novamente vagando pelo cômodo. Aparentemente no pequeno córrego que cortava a sala e era abastecido pelas quedas d'água estavam repletos de criaturas marinhas.

— São os gatos de Chershire. - os olhos do esqueleto novamente pousaram sobre a flor.

— Como os do livro humano de Alice no País das Maravilhas?

— Exatamente. Frisk os criou com base nele. Adoram um lugar tranquilo, mas são bem tímidos então, sempre que percebem a chegada de alguém ou alguma coisa que quebra a monotonia do lugar, eles desaparecem. Seus corpos tem a capacidade de manipular o estado físico de suas células, passando facilmente de sólido para gasoso em questão de segundos, por isso não parecem ter qualquer peso e dão a impressão de desaparecer. - explicou a flor. Sans deveria admitir que eram criaturas as quais ele definitivamente se daria bem. - Eles não costumam fazer muito mais do que dormir e comer. É raro ver um deles, mas são bem ariscos quando querem.

Sans assentiu, distraído. Ainda era um mistério para sua mente saber como essas criaturas conseguiram sobreviver por tanto tempo sem uma cadeia alimentar especificamente criado. Claro, eles tiveram tempo, mas com os poderes daquela garota novas mudanças estavam sempre acontecendo, criaturas totalmente nova surgindo de uma hora para outra causando uma virada drástica na cadeia. Será que funcionariam da mesma forma "natural" a qual o mundo do lado de fora funcionava? Se reproduziriam normalmente ou sempre dependeriam da criança para ter mais um individuo de sua espécie? Eram tantas perguntas...

— Criança. - chamou, voz distraída ainda inserido em seu mundo de pensamentos, não reparando exatamente que Frisk o estava a observar agora. - Como essas criaturas sobrevivem exatamente? Elas dependem da sua magia?

Frisk negou, rosto novamente voltando-se para Flowey em uma esperança de que ele pudesse traduzir o que estivesse a querer dizer.

— Frisk apenas lhes deu vida. - começou a flor. - Sua alimentação, reprodução, sobrevivência, qualquer coisa além de sua criação inicial surgiu com o decorrer de sua vida. Eles evoluíram dentro de seu próprio meio, tornaram-se caçadores ou herbívoros, montaram seus territórios ou as áreas nas quais gostavam de ficar, algumas espécies, por exemplo, no decorrer desses dez ciclos, desapareceram completamente da torre, não conseguindo se manter. Frisk nunca interfere com a natureza, ela se molda sozinha a partir do que tem.

— E como eles não atacam vocês? Quero dizer, a maior parte aqui é selvagem, apenas alguns parecem ter a capacidade de reter instintos como seres humanos ou monstros. Teoricamente, olhando por esse lado, vocês teriam sido alvos fáceis.

— Eles reconhecem Frisk como sua criadora, apesar de tudo. É um instinto natural, eu acho, que os faz respeitá-la e obedecerem suas ordens.

— Por isso eles ainda se mantêm aqui? Por que ela não quer que eles saiam?

— Não é bem que não quer. Cada um deles está ansioso, sentem que estão em um ambiente diferente e querem explorar, apenas os melhores a se adaptar vão sobreviver, isso é certo. Ainda assim, a saída deles da torre pode causar uma confusão do lado de fora, como não sabemos como realmente está era arriscado e poderia comprometer tanto a chegada do guardião quanto a nossa saída da torre. Preferimos manter todos aqui para que nós possamos nos adiantar sem qualquer inconveniente.

Sans tentou imaginar o encontro dos dois dragões da entrada contra os Caídos. Existiam aqueles que poderiam ultrapassar o tamanho dos repteis com facilidade, uma luta entre os dois seria... Desastroso na mais simples das palavras. Obviamente isso não seria um inconveniente para ele, Sans poderia facilmente ir para longe da luta com um simples teletransporte, ainda assim, se fosse pego no meio do fogo cruzado ele não queria nem ao menos imaginar o problema que teria. Talvez tivesse sido realmente uma boa ideia manter esses animais aqui por um tempo, Sans não negaria isso.

Entretanto existia outro assunto importante para se tratar.

— Bem, deixando de lado essas coisas que você criou, ontem vocês mencionaram algo como um contrato. - o esqueleto estreitou as orbitas oculares nos dois a sua frente, ambos ainda a esperar a continuação de sua fala, sem mostrar qualquer sinal de nervosismo ou incomodo. - Que tipo de contrato?

— Realmente? O nível de distribuição de informação deve ter caído muito nesses dez ciclos. - reclamou a flor, seu rosto quase montando feições que Sans caracterizaria como estupefato.

— Digamos que a Corte não tem sido muito comunicativa com detalhes sobre nossa salvação. Eles são mais do tipo de mandar todos os monstros rezar aos deuses do que realmente incentivá-los a buscar uma solução. Mas quem sou eu para falar? - Sans deu de ombros, não deixando de perceber o profundo franzir de cenho tanto de Frisk como de Flowey. Ele não questionou, porém, apesar de admitir que ficou curioso quanto a toda essa resignação demonstrada. Ele pensou que, como um anjo enviado pelos deuses a curar toda a terra, eles também apoiariam tal ideia. - Então? O que é esse contrato?

— Oh! Nada de mais. É apenas uma forma de firmar seu lugar como guardião de Frisk.

— E ele consiste em que, exatamente? - nada tiraria a desconfiança de sua cabeça. A ideia de um contrato logo era seguida com letras miúdas que o forçavam a fazer exatamente o que ele queria ter que fazer, como abrir mão de sua liberdade pessoal talvez.

— Uma magia antiga. Ela o testará e dirá se realmente será digno de guardar o poder da criação.

— E caso eu não for?

— Você voltará para casa e nós esperaremos o próximo guardião chegar. - Sans sentiu uma pontada de esperança. Se a magia o recusasse ele poderia se livrar daquele estúpido trabalho. Tudo bem que ele poderia ser condenado a morte logo em seguida, mas, novamente, Sans preferia estar morto do que ser um capacho de um humano fraco qualquer. Não importava que aquela garota fosse uma espécie de reencarnação angélica, todo ser humano era igual. Igualmente egoísta, igualmente podre e igualmente traiçoeiro. Sans sabia que não poderia confiar em nenhum deles, que tudo que queriam era livrar a si mesmos dos problemas em que se metiam.

— Bem, vamos fazer esse contrato então? - ele estava animado, ansioso. Se não fosse por Pap ele nem ao menos estaria ali, ele não queria estar ali. A flor, por sua vez, ergueu uma de suas supostas sobrancelhas.

— Por que tanta pressa de repente? Ansioso para voltar para casa?

— Não me leve a mal, florzinha. Não tenho lugar para chamar de casa ou lar, não estou nem um pouco motivado em retornar para a Capital, mas quanto antes fazer o que tenho que fazer, mais rápido vai terminar. - Flowey franziu o cenho para ele, visivelmente desgostoso com seu modo de falar. Frisk parecia divertir-se, prontamente erguendo-se e fazendo sinal para a porta. Ela o guiaria. - Oh! Então tem um lugar especifico para fazer o contrato? - Frisk assentiu. - Que trabalhoso. Não entendo porque não deixar as coisas mais simples.

Frisk guiou o esqueleto até uma sala próximo aos últimos andares acessíveis da torre. Aparentemente a barreira também funcionava na construção, mesmo que ela atravessasse toda a extensão de terra até a superfície, seu topo provavelmente erguendo-se ainda alguns bons metros do chão. Flowey explicou no caminho que onde eles se mantiveram durante esses ciclos a barreira não funcionava e, por tal, poderiam ir aos andares mais acima, entretanto, quando foram jogados nessa dimensão novamente todos os andares localizados fora da barreira foram lacrados junto a superfície.

Não era como se Sans realmente esperava que fosse tão fácil assim ter uma válvula de escape alternativa.

A sala em si era escura, vazia, paredes tão sombreadas que por instantes Sans imaginou estar a pisar no próprio vazio. O que quebrava a escuridão do lugar eram tracejados de um azul fluorescente desenhado sobre o chão com o que parecia magia. Sans poderia sentir seu próprio núcleo mágico agitar-se assim que colocou o pé dentro do cômodo. Tudo a sua volta parecia trepidar em magia antiga, tão antiga quanto Asgore, quanto seu pai ou os anciões da Corte. Os tracejados azuis formavam círculos, curvas, retas, triângulos ou desenhos bifurcados e confusos os quais não possuíam qualquer tipo de definição, aglomerando-se mais proeminentemente no centro da sala.

O esqueleto facilmente supôs que deveria ser ali que deveria se acomodar.

Frisk o puxou para o que parecia ser um circulo no centro de toda a confusão de tracejados azuis, posicionando-o sentado ali enquanto ela mesma acomodava-se em uma ponta a sua frente, joelhos ao chão e mãos sobre o colo. Flowey havia se enroscado no topo da cabeça de Frisk, quase deixando-se como uma flor colhida e presa nos cabelos castanhos da garota combinando perfeitamente com o cinturão dourado que ela possuía em sua cintura.

— Pronto? - a flor perguntou, fato que o esqueleto simplesmente dignou-se assentir, um sentimento estranho subindo por suas vértebras. - Tudo bem, Frisk, você se lembra do procedimento? - a garota assentiu confiante, determinada. -  Ótimo. Vamos começar.

Sans não sabia exatamente o que esperar de todo esse "contrato". Talvez uma voz sairia de lugar nenhum e começasse a pedir um juramento de sua parte? Ou ele teria que fazer algum teste para provar-se digno? Era uma magia antiga, provavelmente esquecida com o tempo que transcorreu tanto para humanos como para monstros. Ele estava literalmente e figurativamente no escuro e não lhe agradava nem um pouco a situação.

Segundos passaram e nada tinha acontecido. Sans ficou tentado a perguntar se realmente eles tinham alguma ideia do que estavam fazendo até o momento que sentiu.

Primeiro um calafrio percorrendo sua espinha, forçando-o a estremecer ligeiramente. Em seguida a imobilização de seus ossos, ele não poderia mais se mexer. Depois ele perdeu os sentidos, não como se sua consciência tivesse se esvaído, ele ainda conseguia pensar, ter noção que estava acordado, mas já não mais podia ver, ouvir ou sentir qualquer coisa ao seu redor. Quase imediatamente sua magia estalou, escapando de dentro de seu corpo até o a região a sua volta como uma explosão sem controle. Por fim, veio o deslizar de alguma coisa fria por seu corpo.

Ele não sabia exatamente como descrever a sensação, não era como sentir que seus ossos eram tocados, mas sim sua alma. Ser completamente despido, exposto para que alguém lesse quem era, seus segredos, as esperanças e sonhos que ele deixou de lado, seus temores, os quais escondia no mais fundo de sua alma, seus conhecimentos e motivos. Eram como correntes que enroscavam-se em sua alma, prendendo-o sem realmente prender. Era se sentir ser julgado por olhos invisíveis, atado a um objetivo não palpável.

Era assustador, desesperador.

Quando despertou foi como se tivesse sendo sufocado durante todo aquele momento. Como se ao mesmo tempo que sentiu ter se passado ciclos de sua vida também não tivesse se passado nem ao menos segundos. Sensações tão confusas e conflituosas que o deixavam tonto, desnorteado e desamparado, por instantes cego até finalmente conseguir concentrar-se nas pequenas e delicadas mãos a tatear-lhe as costelas com cautela, mantendo-o no lugar.

— Howdy! Vejo que voltou para nós. - zombou a flor, ainda enroscado nos cabelos castanhos da garota, inclinada a sua frente com rosto preocupado. Sans gemeu, sentindo seu corpo pesar toneladas enquanto tentava erguer-se do chão gelado em que mantinha-se deitado. Sua cabeça ainda dava voltas, mas não se deixou esmorecer.

— O que exatamente aconteceu?

— Não é como se soubéssemos explicar. - Flowey moveu-se inquieto, seus olhos procurando algo inexistente na sala. - Frisk entrou em uma espécie de transe que me arrastou junto por alguma razão. Quando voltamos você estava no chão e... Bem... Acho que deve ver por si mesmo.

Sem compreender Sans olhou para as próprias mãos surpreendendo-se ao ver marcas azuladas contornando suas falanges e subindo por seus braços, formando pequenas setas continuas e interligadas que anteriormente não estavam ali. Não precisava ser um gênio para pressupor que aquelas marcas seguiriam por todo seu corpo e, Sans deveria admitir, não era nada comprada a sensação que ainda restava em sua alma.

Em um suspiro cansado ele levou a mão ao peito, tocando suas costelas de leve por sobre das camadas de tecido e do couro de seu colete, puxando para fora sua alma. Um coração de cabeça para baixo, cinzenta como deveria ser, não parecia ter nada de errado apesar das marcas que também a rodeavam ao igual que seu corpo. Seriam aquelas as marcas do contrato? Ele não tinha ideia, mas muito provavelmente a resposta seria sim, aquele era o contrato. E não poderia deixar de se decepcionar, suas esperanças de escapar desse trabalho foram completamente jogadas pelo ralo.

 - Bem, parece que estou preso a você agora, princesa. — o apelido zombeteiro permaneceu, jogado da mesma forma rude que anteriormente. Sans nunca deixaria de compará-la a uma princesa presa em uma torre esperando seu cavaleiro vir salvá-la. Entretanto, para o azar da garota, ele não era um cavaleiro, ele não estava ali para ser gentil com ela, ele estava sendo forçado a estar onde estava, forçado a aturá-la. Ele não demonstraria apresso ou carinho, se era isso que ela esperava. E mesmo assim ela sorriu. Sans suspirou. - De qualquer maneira, podemos ir agora. Arrume suas coisas, não tenho certeza se consigo nos teletransportar direto para a Capital, com esse contrato eu tenho que testar minha magia, mas não custa...

Antes que pudesse terminar, no entanto, a garota puxou seu braço, cabeça a balançar freneticamente de um lado para o outro em um intuito de negar sua oferta. Sans a encarou com confusão, até Flowey pigarrear e chamar-lhe a atenção.

— Frisk não quer ir direto, ela quer ver o underground. - esclareceu a flor procurando esconder sua própria ansiedade. - Ela nunca esteve nele e sua curiosidade não a deixará sossegar até vê-lo por completo. Ela não quer um teletransporte, ela está determinada a ir caminhando.

— Você tem noção, princesa, de que teremos que enfrentar diversos Caídos espalhados no caminho. - Frisk não deixou-se esmorecer, rosto ainda determinado a manter sua decisão, nem um fio de hesitação. Sans tirou um pequeno cigarro de dentro de sua bolsa, levando-o a boca com calma. Não que ele estivesse com pressa para chegar a Capital, quanto mais tempo ele mantivesse longe dela melhor seria, mas não significava que ele queria o trabalho de ter que manter uma garotinha curiosa longe das feras ensandecidas do lado de fora daquela torre. - Sabe que eles são criaturas bem mais perigosas do que as que você tem aqui, não sabe? Eles não vão deixar de te atacar porque você é o anjo da criação, eles não deixariam de atacar nem mesmo se fossem monstros de sua própria família. - um lampejo de hesitação passou pelo rosto da garota, mas foi prontamente sufocado por sua forte determinação inabalável. Sans facilmente diria que era teimosia de criança mimada. - Tudo bem, se você quer morrer tanto assim, vamos atravessar todo o underground. Arrume suas coisas e vamos partir, quanto mais tempo ficarmos mais vão dar motivos para me darem sermão.

Frisk saltou alegre, apressando-se para fora da sala em direção ao que provavelmente seria seu quarto. Sans, por sua vez, puxou um trago de seu cigarro, expirando a fumaça logo em seguida.

A aventura estava prestes a começar e ele não sentia-se nem um pouco animado para ela.


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Notas finais do capítulo

Começaremos a ação no próximo capitulo que podem ter garantido que vai ser grande. Deuses, essa história desgasta meu cérebro e minha capacidade de criação. Espero que estejam gostando, amanhã tem Fusion e eu espero que semana que vem eu consiga trazer mais um capitulo para vocês de Underpray.
Mantenham-se determinados! Até!



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