UnderPray escrita por Neko D Lully


Capítulo 2
Torre da Vida


Notas iniciais do capítulo

Bem, e aqui estamos com mais um capitulo. Amanhã vai ter Fusion e eu sinceramente não sei como gerencio isso tudo, mas foda-se eu amo escrever!
Ok, vamos direto para o capitulo. Sei que ficou um pouco grande, mas é porque eu tive que fazer algumas modificações no subterrâneo então terei que caprichar um pouco nas descrições. Tentarei não deixar massante.
Aproveitem ^^



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Underpray - Torre da Vida         

Alguns erros acometidos no passado jamais serão apagados.

Eles ficariam marcados em seu corpo como cicatrizes incuráveis que recordaria a cada simples olhar o que você queria tanto esquecer, trazendo de volta para a mente conturbada e atormentada por fantasmas irritantes, todos os "e se" que poderia conseguir imaginar. Eram cicatrizes que possuíam vozes, vozes que sussurravam-lhe ao ouvido todos os pecados que rastejavam por suas costas e pesavam-lhe o ombro.

Sans não seria ausente de tais cicatrizes. Pelo contrário, ele acreditava ser o que mais possuía marcas visíveis em seu corpo para forçar sua memória a lembrar-se dos piores e melhores dias de sua vida. Apesar de ter tido um bocado de tempo livre para pensar sobre os cacos que havia deixado para trás, trancado em uma cela onde tudo que poderia fazer ou era sentar e ver o tempo passar ou treinar o mínimo de magia que conseguia fluir por seu corpo apesar das algemas de restrição em seus pulsos, ele ainda havia tido o livramento de encarar-se em um espelho e ver as consequências dos erros infligidos pela humanidade.

Agora, no entanto, ele era forçado a encarar novamente a face de suas cicatrizes, de seus demônios para poder embarcar no que ele nunca havia pedido para fazer.

E mesmo que sua vida não tivesse tomado o rumo que ele esperava, Sans não se arrependia de nenhuma escolha que havia feito em seu passado. Mesmo que essas escolhas o tivessem quase levado a morte ele nunca poderia dizer que mudaria alguma delas. Talvez o remorso de não ter explicado as circunstâncias de suas escolhas para seu irmão mais novo ainda o atormentassem durante a noite e carregasse as consequências até hoje.

Mas como ele poderia dizer para um bebê esqueleto de apenas três ciclos os detalhes mórbidos que haviam levado seu pai a ser considerado um criminoso e seu irmão a cometer assassinato e sacrilégio? Como ele poderia envolver Pap nessa história? Sans preferia mil vezes receber o ódio de seu irmão do que ver a amargura que agora o próprio Sans carregava em seu corpo para o resto de sua vida. Papyrus não merecia esse sofrimento, ele era uma criança inocente com sonhos nobres, ele era o único com quem Sans realmente se preocupava agora. E por mais que tivesse o anseio de concertar o que foi quebrado no passado o enorme esqueleto sabia que era tarde de mais.

Papyrus fazia parte dos membros da corte, tão jovem e já com uma patente tão alta. Sans estaria orgulhoso se não soubesse o tipo de monstros com quem ele estava a ter que se relacionar, as mesmas pessoas que agora o arrastariam para essa missão estúpida a qual todos acreditavam ser a última esperança de seu povo.

Que patético!

Apenas porque algum idiota achou divertido escrever em uma pedra, vários ciclos atrás, uma história estúpida sobre anjos e deuses. Muito provavelmente tinha sido a ideia de um humano entediado, ele tinha certeza. Mas sua palavra nunca convenceu ninguém, ele era apenas um cético descrente afinal de contas e ele já não mais se importava com o destino em que sua raça poderia ter, ele simplesmente deixou de se preocupar depois que foi acusado de traição por ter tentado de tudo para ajudar.

Tudo por culpa dos seres humanos. O quão cego pelo medo os monstros tinham ficado? Tudo por conta dos Caídos? Tudo por conta da praga? Acreditar em uma solução tão incerta e totalmente refutável apenas por medo de pensar em qualquer outra solução, deixando-se cair na certeza da destruição e agarrando-se a única fonte de luz que parecia brilhar no final. Tão ridículo!

Voltando a concentrar sua atenção no reflexo do espelho ele avaliou seus ossos agora menos robustos, formando uma silhueta mais alongada. Seu rosto, antes redondo, agora estava em um formato oval, duas rachaduras enfeitando-os de forma dolorosa, não física, mas sentimental, cortando seu rosto debaixo do olho esquerdo e acima do olho direito. Ele parecia mais adulto do que se recordava, talvez por ter quebrado todos os espelhos de sua casa dois ciclos atrás, recusando-se a encarar a imagem do que tinha se tornado as custas do acidente. Seu corpo estava bem mais alto, ele não duvidava ter passado facilmente o tamanho exuberante de seu irmão mais novo, aproximando-se do de seu pai ou do próprio rei, tanto que Undyne parecia pequena para ele agora. Suas orbitas oculares pareciam menores, estreitas, dentes, outrora retos e grandes, estavam pontudos e pequenos em sua boca mais estreita, apesar de não influenciar muito no constante sorriso que ele insistia em manter, apenas o deixava mais ameaçador, não tanto quanto Undyne, mas ainda assim o suficiente para assustar.

Para um saco de ossos ele tinha mudado muito, ao igual a magia que agora corria-lhe através do corpo. Ele estava acostumado com o mínimo possível, apenas para sobreviver. Ter tamanha quantidade agora era até mesmo um pouco surreal, ele sentia-se quase invencível! Não que isso valesse de alguma coisa, no entanto. Afinal, tal poder deveria ser dirigido agora a proteger uma reles humana idiota que tinha mais de mil anos. Provavelmente uma velha de pele e ossos agora, se é que ainda estava viva.

Ele esperava que não.

A roupa que haviam escolhido para ele usar também não era das melhores, apesar dele admitir que deveria ter faltado muita criatividade para as correntes que enfeitavam todo o traje, aparentemente um símbolo de sua traição, encantadas para que pudesse monitorar seus movimentos. Ele não se importava totalmente, era apenas incomodo ficar ouvindo o tilintar do metal cada vez que movia as mãos. Ele apenas esperava que isso não interferisse em seus ataques.

O resto em si nada mais era do que uma calça branca, presas a pélvis de seu quadril por um sinto negro, botas pretas que quase alcançavam seus joelhos, de um couro macio e leve. Sua blusa era azul, com leves tracejados da costura, mangas curtas e de tecido espesso, com um pequeno colete de couro colocada sobre o tecido, por cima de suas costelas apoiados em seus ombros, algemas ainda enfeitavam seus pulsos, mas não ligavam-se uma a outra. Uma ponta estava ao redor de seu braço enquanto a outra ligava-se as costas de sua mão por uma luva negra com pedaços de metal que envolviam as falanges de seus dedos. Por cima de tudo vinha uma capa branca com traçados azuis bem escassos, parte frontal curta tampando o colete de couro quase por completo se não fosse a bifurcação no meio, marcando o local onde poderia ser retirado o tecido, a parte das costas, por sua vez, era mais comprida, aproximando-se de seus tornozelos, larga e bifurcada em duas a partir do final de sua coluna, bem próximo ao coques de seu quadril. Ela recaia sobre seus ombros de forma leve, com um adorno de metal em forma de correntes que fechava a capa bem próximo a seu pescoço, ligando-se a garras de metal pousadas em seu ombro esquerdo.

Ele deveria admitir que tinha agradado-se da capa.

Uma bolsa de couro que mais parecia um saco velho e encardido estava jogado sobre o que seria agora sua cama. Aparentemente a corte achou mais interessante reservar uma pequena casa próximo ao templo a qual ele deveria dividir com a suposta humana reencarnação no anjo da criação, a mesma a quem ele deveria proteger. Como se já não bastasse obrigá-lo e ir buscá-la atravessando metade de todo o underground ainda o prenderiam no mesmo espaço que ela por uma quantidade indefinida de tempo.

Ele não poderia estar mais feliz!

Com um suspiro desanimado, sabendo que não teria mais nada o que discutir, sendo que ele não tinha poder de voz, agarrou a sacola sobre a cama e a jogou sobre seu ombro, direcionando-se para fora da pequena casa que agora era sua. Undyne o esperava do lado de fora escorada tranquilamente no muro branco que constituía o lugar, braços cruzados abaixo dos seios e uma de suas botas a tocar o solado no muro. Parecia ser infinitamente fácil pegá-la desprevenida agora, mas Sans sabia, se os costumes da mulher não tivessem mudado desde dois ciclos atrás, ela estava mais atenta do que nunca.

Assim que notou sua presença ela afastou-se da parede, voltando-se para manter-se de frente para ele, braços ainda cruzados.

— Vou escoltá-lo até a saída da cidade próximo ao começo da barreira. - ela informou, entretanto, Sans tinha outros planos. Não levem a mal, Sans poderia parecer um rebelde desajustado agora, mas ele ainda seguia as regras. O único problema era a confusão de olhares que eram dirigidos a sua pessoa quando atravessava as ruas da capital e Sans odiava ser o centro das atenções. Se ele pudesse evitar esse momento de estresse ele o faria com todo prazer. E, para sua grande sorte, ele tinha uma maneira muito fácil para isso e que, de quebra, o ajudaria a resolver outro problema.

— Obrigado pela oferta, Undyne, mas não vai ser necessário. - a mulher peixe o encarou como se de repente tivesse nascido mais uma cabeça sobre o ombro. Sans, por sua parte, apenas sorriu debochado. - Sei que tem seus protocolos, e não me leve a mal, eu os seguiria com todo prazer se não estivesse cansado de cada estúpido monstro encarar-me como se fosse uma aberração. Além do mais, depois de dois ciclos com minha magia retida por vocês, estou acumulado até as bordas e você não vai querer me ver irritado nessa situação. Por isso, sinto muito informar, acho que vou pegar um atalho para a torre, se é que me entende. De todas as formas vocês estão a me seguir mesmo.

Sans indicou as algemas em suas luvas, fazendo-as tilintar com um leve mover de pulso. Antes que mulher pudesse ter a chance de argumentar ele "desapareceu". Foi em um piscar de olhos, em um instante Sans encontrava-se de pé próximo ao templo bem no centro da cidade e no milésimo de segundo seguinte ele estava a encarar a barreira de cor amarelada que rodeava a enorme cidade, do outro lado a vastidão de um campo de flores amareladas, estendendo até onde sua vista poderia alcançar.

Ele levou um cigarro a boca, presente especial de algum idiota que havia passado ao seu lado na rua enquanto acompanhava Undyne para seu novo lar. Não que Sans gostasse de roubar, mas era apenas um pacote de cigarro, ele precisava para relaxar os ossos mais do que nunca agora, não teria problema algum sendo apenas aquela vez, de alguma forma acendendo-o com a faísca que conseguiu produzir no metal que enfeitava seus dedos ossudos. Deu uma profunda tragada e então exalou a fumaça viciosa para fora, sentindo-se bem melhor.

Ele ainda tinha muita magia para usar, poderia muito bem se teletransportar todo o caminho e nem ao menos se sentiria cansado, sendo muito mais fácil e rápido do que enfrentar ou evitar todos os Caídos pelo caminho, sem falar de não ter muita vontade de percorrer o longo percurso que era de onde estava até a torre, localizada em uma das inúteis saídas do subterrâneo. Uma passagem apenas de ida, com uma única via que mandava os de fora na superfície para dentro do subterrâneo sem as esperanças de retornar para ver o céu. Sans nunca viu o mundo do lado de fora do buraco que os humanos os haviam enfiado, a maior parte dos monstros da atualidade haviam nascido e crescido no subterrâneo e com toda a essa história sobre a praga muitos haviam perdido as esperanças em seus sonhos de um dia conseguir ver o céu noturno, as estrelas em que outrora seus antepassados sussurravam seus desejos e sonhos.

Apesar de já possuírem todas as almas humanas que serviriam como "chave" para a quebra da barreira, descobriu-se pouco tempo depois que a mesma magia que prendia os monstros no subterrâneo os protegia da maior influência da praga na superfície, filtrando-a em sua passagem para as entranhas da terra e por tal não existindo tantos Caídos como se deveria. Até arrumarem uma solução para o problema eles estariam fadados a apodrecer ali, ameaçados tanto pelos monstros jogados a loucura quanto pela própria praga.

Era uma vida de merda.

Sans encarou em um ar de melancolia a barreira de um amarelo dourado pulsando em magia a sua frente. Se não fosse pelo rei monstro, Asgore Dreemur, uma das ultimas cidades monstros ainda existente estaria em ruínas há muito tempo. E o enorme esqueleto sentia simpatia pelo velho monstro rei, afinal, ele próprio tinha suas cicatrizes deixadas pelos humanos. Sans não sabia os detalhes, mas conhecia a história de que seu único filho havia sido assassinado durante a transferência de humanos para o subterrâneo. Como e o por que haviam sido deixados como um mistério a ser revelado e por mais que Sans tivesse os meios de saber ele não quis se intrometer na vida do velho.

Ele apenas questionava-se se o rei sabia do que havia acontecido com seu pai, tentando não pensar que,se soubesse, eram as mentiras e atrocidades que haviam sido espalhadas por toda a cidade.

Sans não conteve o impulso de morder o rolo de cigarro mais do que deveria, separando-o em duas partes não proporcionais, uma a cair no chão por sua própria conta a outra sendo cuspida junto ao nojo que ele própria sentia para com seu povo agora. Todavia ele não tinha muito tempo para refletir sobre seu ódio e repulsa, ele tinha um trabalho a fazer e quanto mais rápido o fizesse mais cedo ficava livre dele.

Levando mais um cigarro a boca ele desapareceu novamente, primeiro reencontrando-se na escaldante paisagem de Hotland, outrora um grande centro de pesquisa. Em seguida ele se viu de pé sobre as belas cachoeiras ainda existentes da Waterfell, os ruídos da água corrente ecoava pelas paredes úmidas e repletas de musgos, uma sinfonia reconfortante se os grunhidos e guinchados de Caídos não ressoasse ao fundo. Em seguida ele se viu no mar de neve em Snowdin, agradecendo mentalmente por ser um esqueleto naquele momento, sem pele ou nervos não havia como sentir frio. Em seguida ele encontrou-se nas Ruínas, a partir dali já conseguia ver com mais detalhes a enorme torre que erguia-se para além das paredes de terra que rodeavam o subterrâneo.

Sans respirou fundo, puxando um trago mais profundo de seu cigarro já em extinção antes de finalmente soltar a baforada de fumaça que elevou-se e desapareceu junto a neblina espectral do lugar. Mais um teletransporte e ele estaria frente a frente com a entrada dessa enorme torre tão representativa.

Tentando manter a calma ele foi, voltando a aparecer de frente a uma construção de forma cilíndrica ligeiramente inclinada, um verdadeiro contraste a paisagem sombria que lhe rodeava. Seu topo atravessava o teto terroso e pedregoso do subterrâneo, muito provavelmente atravessando a barreira e subindo muito acima na superfície. Suas paredes eram de um branco límpido com caules e raízes de plantas enroscando-se por suas frestas, algumas vezes deixando evidente tufos aglomerados e emaranhados debaixo do que poderiam ser enormes janelas, ao mesmo tempo em que cresciam flores de diversas cores e tamanho aqui e ali entre os emaranhados. Toda a paisagem parecia iluminada com uma luz natural salpicada com flocos que ele não conseguia identificar se eram de magia ou simples poeira. A porta diante de si era enorme, arredondada em uma mistura de verde, cinza e branco, tão impecável como se tivesse sido construída no dia anterior.

Ele mentiria se dissesse que não estava impressionado com a arquitetura da construção, entretanto, depois que os humanos haviam descido para viver com os monstros o pequeno espaço que compartilhavam havia aumentado consideravelmente e a paisagem foi drasticamente modificada pela ciência humana misturada a magia dos monstros. Agora poderiam existir construções ou lugares muito mais impressionantes do que aquela torre em si, mas Sans não saberia dizer ao certo, até então ele nunca tinha saído da capital.   

Com passos firmes ele empurrou-se para dentro do edifício, surpreendendo-se com a facilidade para abrir a enorme e grossa porta. Ele não era forte, seu poder vinha basicamente de sua magia e ainda assim foi muito fácil para ele simplesmente arrastar o que parecia ser metal para dentro do lugar. Bem, ele não questionou muito, apesar de sua extrema curiosidade científica.

O salão que se deparou era enorme, o teto deveria estar dez metros de sua cabeça no mínimo, o chão debaixo de suas botas, ligeiramente enlameadas pelo solo de Waterfell, a qual pisou por alguns instantes, era de um belo azulejo quadrangular separado em duas cores distintas, quase igual a um tabuleiro de xadrez. Mais plantas de todos os tipos que Sans nunca havia visto antes alastravam-se pelas paredes, uma escada não muito distante localizava-se a sua frente, erguendo-se para o que seria o segundo andar do lugar, feito do que parecia uma pedra branca polida. Ele não conseguiu segurar o assobio de admiração enquanto dava mais alguns passos para dentro.

O grunhido lhe alertou antes mesmo que pudesse ser capaz de notar a presença.

Duas enormes bestas postaram-se a sua frente, enormes presas de marfim branco a mostra em sua direção enquanto as afiadas garras salientes em suas grossas e escamosas patas arranhavam irrequietas o chão. Ele não sabia exatamente da onde aquelas coisas haviam aparecido, o lugar era grande, mas a luz que irradiava por conta das paredes claras tornava quase impossível um esconderijo nas sombras. Entretanto, reparando na cor ligeiramente translucida das escamas dos animais, Sans supôs que pare eles seria muito fácil a camuflagem, refletindo as luzes e cores do próprio ambiente, causando uma ilusão de ótica aos desatentos.

Amaldiçoando-se por sua distração momentânea ele preparou seu arco, dois crânios animalescos opondo-se no ar enquanto diferentes tipos de ossos afastavam-se e contorciam-se para forma um arco esquelético flutuante, interligando uma extremidade a outra por um fio azul esverdeado trepidando em magia.

Sans avaliou sua situação.

As duas criaturas eram enormes, robustas e portadoras de presas e garras que com toda certeza poderiam partir-lhe os ossos com facilidade. Seus olhos amarelados e esverdeados tinha a pupila como uma fenda fina que mantinham em sua mira cada movimento que fazia. Para terem saído de seu esconderijo e postado-se a sua frente de forma tão abrupta as duas criaturas deveriam ser rápidas e ágeis o suficiente para equiparar-se a ele apesar de seu tamanho. O resto do que poderiam fazer era desconhecido, ele nunca tinha visto criaturas como essa e estava no escuro quanto sua biologia.

— Quietos, vocês dois! Não incomodem nossa primeira visita! - a voz era fina, reverberando por todo o salão com tal autoridade que as duas criaturas prontamente obedeceram, desfazendo suas posições atentas para recair sobre o piso em um aconchegar animalesco. Sans observou ainda atento, alerta, percebendo a chegada de uma pequena figura no espaço entre os dois. Parecia uma... Flor? - Desculpe por isso, amigo. Eles apenas estão um pouco animados, não fazem mal a ninguém. Estão ansiosos para ver o que tem fora, sabe?

Sans não disse nada, seu arco desvaneceu-se junto a sua magia, mas seu estado alerta ainda se mantinha, pequenos pontos brancos em suas cavidades oculares encarando com suma atenção a criatura sorridente que se aproximava. Uma flor de caule extremamente verde, pequena e com duas folhas que parecia usar como substitutos de braços. Suas pétalas eram de um amarelo vivido, sendo que no centro estava um rosto, aparentemente amigável. Mas Sans sempre desconfiava do que parecia amigável de mais.

— Oh! Desculpe, eu não me apresentei. Eu sou Flowey. Flowey a flor. - Sans gostaria muito de perguntar quem havia nomeado essa criatura e tentar dar-lhe aulas de criatividade. Até mesmo o rei, que não muito bom de nomear as coisas era, poderia ter inventado algo melhor. - Você deve ser o guardião enviado para proteger o anjo da criação. Seja bem vindo a Torre da Vida! É um prazer conhecê-lo, estávamos esperando sua chegada. Por favor, siga-me.

A vontade de perguntar como uma maldita planta poderia se quer mover-se ao redor era tentadora, mas o enorme esqueleto se conteve, contentando-se em apenas dar longas passadas para longe das criaturas que mantinham-se quietas no enorme piso de entrada. Sua mente curiosa prontamente questionou que tipo de animais eram aqueles, não se assemelhando com nada que tinha visto até então, evidentemente não sendo Caídos, mas nenhum animal o qual chegou a conhecer dos livros trazidos pelos humanos.

— São dragões, se é isso que está se perguntando. - Sans negaria qualquer um que afirmasse que ele havia se sobressaltado com a repentina iniciação de conversa. A pequena flor deslizava por um pequeno e estreito caminho de terra que parecia seguir em todos os corredores daquela enorme torre, o sorriso nunca deixando seu rosto durante todo o percurso. - Eles são muito grandes para ir a qualquer outro canto da torre que não seja o primeiro andar. São bem mansos apesar  da aparência, mas como nunca estiveram no mundo exterior é normal que tenham estranhado seu cheiro quando entrou.

— Dragões não eram apenas mitos criados por seres humanos? - questionou, sem conseguir conter sua curiosidade. Sans reparou que todo o lugar parecia ser retirado de um livro de contos de fadas. Os corredores circulares de pisos claros e paredes repletas de aberturas que deixavam a plena vista a paisagem tétrica das Ruínas do lado exterior, muito provavelmente permitindo ir muito mais além quando estava em andares superiores. Pelo chão, paredes e teto o emaranhado de plantas continuava, cogumelos cresciam aqui e ali das mais diversas cores, muitas vezes criaturas estranhas passavam a sua volta, o observavam com atenção e então escondiam-se com chiados que poderiam muito bem ser comparado a gargalhadas de todos os tipos de tons diferentes.

— Está certo, mas aqui, qualquer regra não se aplica. Ela pode criar tudo o que quiser a partir de sua própria imaginação, desde a mais simples das criaturas até as maiores e mais complexas. - a flor respondeu, um sorriso orgulhos desenhado em sua face, gabando-se pelo que deveria ser os feitos da humana que era considerada o anjo da criação. Sans deveria admitir que era, sim, impressionante. - Oh! Fadas, estava procurando por uma de vocês! - pequenas criaturas reluzentes de diversas cores aproximaram-se da flor, não sendo muito maior do que seu próprio rosto. Sans facilmente confundiria as criaturas com insetos, libélulas talvez, pequenas com asas compridas, corpo alongado e quase não dando para ver os membros que assemelhavam-se muito ao dos humanos, ainda não sendo iguais. O sonido que faziam pareciam tilintar de pequenos sinos, nenhuma palavra realmente formada. - Sim, está chegando a hora. Por isso gostaria que informassem a Frisk que estaremos esperando-a no quinto andar, na sala do chá. E não informem errado, suas travessas, ou então serão as ultimas a sair!

As pequenas criaturas voaram para longe, suas risadas soando como tilintares de guizos. Elas rodearam Sans por alguns segundos, em uma dança divertida por entre suas vestes antes de finalmente desaparecer por entre os bifurcados corredores.

— Fadas... São umas graças, mas sempre gostam de brincar. Cuidado com suas coisas enquanto estiver aqui, elas tem o péssimo hábito de sumir com objetos. - Sans anotou o aviso mentalmente para momentos futuros. Tudo naquele lugar era cheio de uma vida completamente nova, como um ambiente a parte e isolado do mundo que ele conhecia. Seus desejos científicos por desvendar cada mistério que poderiam ter ali o enchiam de mais perguntas as quais era difícil reter. Ele queria manter-se calado a observar, mas sua curiosidade falava mais alto.  

— Possuem alma?

— Mas é claro! Frisk faz os corpos e então as almas errantes se apoderam deles. Não humanas, não monstros, uma vida totalmente nova. Frisk treinou seus poderes desde que fomos selados nessa torre que apenas tinha livros como entretenimento. Para uma criança de quatorze anos era um pouco desolador. Treinar sua magia a partir do que lia foi o divertimento que encontrou.

— Ela ainda está viva pelo menos? Depois do tempo que ficou aqui não me surpreenderia se a encontrasse em apenas ossos. - o esqueleto deu mais um trago em seu cigarro, mas como resposta recebeu um olhar estranho vindo da flor a qual deteve-se na frente de uma porta qualquer do corredor o qual estavam a caminhar. Sans deteve-se poucos passos atrás.

— Acho que realmente temos muito o que conversar. Seus antepassados não devem ter explicado direito como o encantamento sobre as torres da vida e da destruição funciona. - uma raiz escapou do solo onde a pequena flor dourada estava, enroscando-se na maçaneta da porta e então abrindo-a sem qualquer problema. Do outro lado era possível ver uma extensa sala quase completamente aberta por enormes janelas, sem vidro ou cortinas, apenas aberturas na parede que davam vista ao lado de fora. Apesar da escuridão das Ruínas o lugar estava claro, prateleiras de livros mantinham-se apoiadas nas paredes sem janelas, repletas de livros dos mais variados tipos. No centro do lugar estava uma pequena mesa redonda, seus pés formando espirais bem decoradas enquanto sustentavam o vidro sobre eles. Duas cadeiras postas uma de frente para a outra, do mesmo material que os pés da mesa. A flor desenterrou suas próprias raízes da terra e se prendeu no encosto de uma das cadeiras, oferecendo-lhe a outra. - Além do mais, queremos saber como estão as coisas do lado de fora.

A porta se abriu novamente poucos instantes depois de terem se acomodado. Por ela passou uma pequena garota, vestido branco solto em seu corpo esvoaçando com cada movimento que fazia, tentando equilibrar um pequena bandeja em suas mãos enquanto caminhava até eles. Ela era pequena, bem pequena, Sans não a daria mais do que dez anos, cabelos castanhos curtos, franja a recair delicadamente sobre seus olhos aparentemente fechados. Pele de um moreno claro de aspecto delicado, com uma sinta feita de flores douradas a rodear-lhe a cintura, um leve tecido fino e quase transparente rodeando-lhe o corpo e apoiando-se em seus braços enquanto em seus pés delicadas sapatilhas negras que enroscavam-se até metade de sua canela mal faziam barulho enquanto andava tão cuidadosamente pela sala.

— Frisk! Você poderia ter deixado para as fadas trazerem o chá! - a pequena flor exclamou, um ar indignado em sua estranha expressão. A garota seguiu seu caminho sem dizer uma palavra, colocando gentilmente a bandeja sobre a mesa, quase precisando estar na ponta de seus pés para conseguir. Com delicadeza ela colocou uma das xícaras na frente de Sans, enquanto a outra ia para o lado de Flowey, o qual ela se sentou comodamente, sorrindo extensamente. - Eu sei que você não gosta que façam as coisas para você e, sim, você está certa quanto as travessuras das fadas, mas você ainda é um anjo! Aja como tal pelo menos uma vez! - a garota amuou, cenho franzindo-se em desgosto. Sua expressão adorável com toda certeza fazia jus a sua existência como anjo. - Eu sei que você não gosta, mas deve se acostumar. Acha que para onde vamos as pessoas simplesmente vão deixar você agir da maneira que você queira? Existem etiquetas!

Foi complicado, deveras complicado para Sans finalmente deixar sua fixa cair e perceber  que a garotinha a sua frente, tranquilamente sentada a tomar seu chá, era o anjo de mais de dez ciclos que supostamente deveria ser humano. Bem, sua aparência devidamente indicava sua humanidade, mas humanos não viviam tanto tempo, ela facilmente alcançava a idade de um monstro adulto o qual poderia chegar em média aos trinta ciclos. Seu próprio pai deveria chegar aos vinte ciclos se ainda estivesse vivo, o rei estava em uma média de vinte e cinco. Mas que droga! Sans tinha apenas sete, nem ao menos um adulto poderia ser considerado ainda e ele nunca em sua vida tinha visto um humano durar mais do que um ciclo monstro. Como aquela garota conseguia viver dez e ainda manter-se com a aparência de uma criança?

— Isso só pode ser uma brincadeira. - uma de suas mãos ossudas foi levada ao rosto, exasperação em cada letra que saiu de sua boca. - Está querendo dizer que essa... Criança é o anjo de mais de dez ciclos o qual todos estavam esperando? - em um gesto confuso a garota inclinou a cabeça para o lado, Flowey, a suas costas, assentindo fervorosamente com a cabeça, se é que poderia denominar sua inflorescência de cabeça. Sans soltou uma risada amarga. - Os outros monstros vão adorar saber disso. Bem, comecem a explicar. Humanos não conseguem viver tanto tempo sem um bom motivo.

— Bem... - Flowey pigarreou, sua expressão tornando-se séria. - Você já deve conhecer a lenda dos dois anjos.

— Mais fácil pedir quem não conhece. Em meio a devastação da vida na terra dois anjos reencarnariam em berço humano, enviados pelos deuses para decidir o destino do mundo em desequilíbrio por conta da guerra entre Monstros e Humanos. Um anjo da criação o outro da destruição, ambos lutariam até o fim para decidir quem reinaria sobre a terra. Se fosse o anjo da criação, a vida se espalharia novamente tanto pela superfície quanto pelos subterrâneos. Se caso fosse o anjo da destruição tudo sucumbiria ao caos, purificando todos os erros acometidos até então.

— Certo. Dois ciclos, ou duzentos anos humanos, se passaram depois da guerra que jogou monstros para o underground e a praga finalmente começou. Ela devastou a superfície e forçou os últimos sobreviventes humanos a descer para o subterrâneo, até então não afetado pela praga. No entanto, foi na transferência que se descobriu duas crianças humanas capazes de utilizar magia. As duas ultimas humanas que tinham o poder de seus ancestrais e supostamente deveriam carregar o destino do mundo, fadadas a lutar uma contra a outra. Uma delas, era Frisk. - Sans percebeu a inquietação da garota. Ela procurava, em todas as formas possíveis, esconder o tremor em suas mãos ou a tensão em seus ombros. No entanto, Sans era experiente o suficiente para identificar os breves detalhes que escapavam por seu pequeno corpo. - Ainda assim, os seres humanos acreditavam que ainda não era o tempo para a batalha final. As crianças ainda não tinham controle sobre seus poderes em desenvolvimento constante, então decidiram que deveriam... Preservá-las até o momento chegar. Por tal eles usaram as duas torres opostas, criadas para guardar os conhecimentos já existentes no mundo, para selar as crianças e mantê-las vivas durante o período de espera. Usando um feitiço antigo, feito pela corte dos monstros, as torres foram jogadas ao vazio, ou limbo se preferir. Um lugar entre o espaço tempo onde não existe nada. O corpo de Frisk ficou preso em um mundo onde o tempo não passa e por tal manteve sua aparência de quando foi selada. O selo apenas seria quebrado quando o momento da batalha chegasse e ambas as torres seriam liberadas ao plano material novamente.

O esqueleto manteve-se a ponderar por um tempo. Ele questionava-se por que alguns detalhes dos acontecimentos haviam sido omitidos. Para monstros, dez ciclos não era tanto tempo, um terço de sua vida, não era como se pudessem esquecer com tanta facilidade. Mas, novamente, Sans não confiava muito nas pessoas que envolviam-se na Corte. Seu irmão poderia ser uma exceção, porém, por mais que doesse admitir, depois de dois ciclos, Papyrus já poderia não ser mais o mesmo.

— Agora é sua vez de nos dar algumas informações. - Flowey voltou a falar, seus olhos afiados encarando o esqueleto a frente. - De acordo com você ficamos presos aqui por dez ciclos, muita coisa deve ter acontecido nesse meio tempo. Não queremos sair sem ter alguma ideia do que vamos enfrentar do lado de fora. Conhecimento é poder, sabe?

— Devo concordar... Mas não é como se as notícias fossem muito animadoras. - seu cigarro já estava acabando. Sans puxou mais um trago antes de jogar o que havia restado para fora da janela, expelindo a fumaça logo em seguida. Flowey franziu o cenho em desgosto, mas a garota, Frisk se não se enganava, parecia bastante tranquila. Esperando pacientemente a continuação de sua fala. - Um ciclo depois da chegada dos humanos, aproximadamente, a praga desceu para o subterrâneo. Descobriu que monstros não eram mortos por ela, como era o caso dos seres humanos, mas sim transformados. Suas mentes ficavam confusas, selvagens, fora de controle. Se transformavam no sentido literal de monstros. Eles são conhecidos como Caídos agora. Por causa deles nosso rei, Asgore, está usando a força de sua alma para criar uma barreira envolta da ultima capital que apoia o anjo da criação. Nosso povo foi dividido em dois, porém, depois de todo esse desastre. Alguns passaram a acreditar que estar do lado do anjo da destruição era bem mais reconfortante do que acreditar em uma vitória incerta. Não como se eu pudesse culpá-los.

— Como ousa! Na frente da própria... - Flowey parou suas reclamações abruptamente, olhos recaindo em Frisk que havia abaixado a cabeça, suas mãos haviam caído para a saia de seu vestido. Sans poderia ver através do vidro como ela apertava o tecido com mais força do que realmente necessário. - Frisk... Não dê ouvidos a ele. Ainda temos nosso objetivo, mantenha-se determinada. - a garota suspirou, como se tivesse prendido a respiração durante todo aquele momento. Sua cabeça se ergueu novamente, rosto firme em uma expressão que exalava determinação. Sans estava surpreendido. - Isso mesmo, Frisk! Ainda deve ter pessoas que acreditam em você!

— Realmente, existem aqueles que se recusam a deixar a esperança e se apegam fervorosamente a ideia da salvação pelas mãos do anjo da criação. Todos eles estão reunidos na capital de onde vim. - Sans suspirou, os últimos traços da fumaça de seu cigarro quase não aparecendo em meio a sala branca. Seus olhos voltaram-se para o lado de fora, encarando a paisagem tétrica e morta que se pintava a sua frente. - Não existem mais seres humanos, o ultimo morreu no ciclo passádo. A vida de cada monstro tem se tornado mais difícil. Recursos são escassos e ninguém se atreve a ultrapassar os limites feitos pela barreira de Asgore para procurar mais pelo underground. Cada dia despertando com medo de ter contraído a praga e se tornar mais um dos Caídos. Com o rei ocupado com a barreira a Corte tomou conta da administração da cidade. Pesquisas sobre Caídos foram proibidas e ditas como sacrilégio, a ciência foi limitada, deixando como a única esperança... Você.

Frisk sustentou seu olhar, sem esmorecer ou encolher-se. Ela não recuou diante da pressão que ele depositava em seus ombros, ela estava preparada e determinada para seguir em frente até o fim de sua vida. Mas uma questão ainda incomodava sua mente.

— Frisk quer saber por que os monstros são afetados de forma diferente a dos humanos. - Flowey quebrou o silêncio, olhos afiados encarando o esqueleto a frente com indignação. Era evidente que não tinha gostado da escolha de guardião para Frisk.

— Por que ela mesma não pergunta?

— Frisk nasceu com um problema em sua garganta. Falar ou tentar falar causa-lhe muita dor e, por termos uma ligação, sou o único a entende e poder traduzir o que quer dizer.

— Isso quer dizer que virá com a gente.

— Exatamente. - apesar de não ter sido uma pergunta, Flowey respondeu estufando o que talvez seria seu peito, olhar determinado em seu rosto, um pequeno sorriso curvando seus lábios em uma expressão presunçosa. Sans murmurou em desgosto, mas tentou manter a calma.

— Tudo bem. Respondendo sua pergunta, princesa. - o apelido havia saído como deboche, mas Frisk não ligou, um pequeno sorriso a desenhar-se em seus lábios de forma gentil. Sans questionava-se se ela tinha realmente notado a hostilidade tanto em suas atitudes quanto em suas palavras. Ela não poderia ser tão ingênua. - Um cientista, brilhante em minha opinião, descobriu algum tempo atrás que a praga era composta de anti-magia.

— Anti-magia? Isso existe?

— Assim como existe a Anti-matéria existe a Anti-magia. Se em equilíbrio não causa dano algum, mas quando a quantidade de magia começou a diminuir pelo esquecimento da alma humana de como a produzir, a Anti-magia tornou-se mortal. Sua enorme quantidade não ataca o corpo, mas sim a alma, apodrecendo-a aos poucos em grossas camadas até o momento que o ser vivo não pode mais sustentar-se. Humanos tem uma quantidade mínima de magia e, por tal, sucumbem a quantidade exagerada de Anti-magia em suas almas. Monstros, no entanto, são basicamente compostos de magia. Quando a praga afeta suas almas ela as modifica para que a quantidade de Anti-magia fique em estabilidade com a magia produzida na alma, porém, monstros não são acostumados a viver com ambos em suas almas e por isso vão a loucura. Seus poderes voltam-se contra eles e suas formas se modificam para aceitar a nova alma. Daí temos os Caídos.

— Incrível! O que aconteceu com esse cientista? Ele não poderia descobrir uma cura para a praga? - Flowey parecia animado, esperançoso até, todavia Sans revolveu-se inquieto em seu assento, expressão fechando-se em uma mistura de indignação e melancolia.

— Ele tentou achar uma cura, mas morreu antes que conseguisse.

O silêncio recai sobre o cômodo. Era complicado para o esqueleto contar sobre seu próprio pai. Gaster tinha sido brilhante! Suas pesquisas trouxeram grandes glórias para a capital, boa parte do luxo que a maior parte dos monstros poderia ter hoje em dia era por conta dele, por sua engenhosidade e mente brilhante. Sans era orgulhoso de seu pai, ele o viu trabalhar, esteve a seu lado, sabia quem ele era... E saber que tudo que tinha feito caiu no esquecimento por conta de um erro humano... Um maldito humano que achou divertido brincar com sua reputação o deixava extremamente exaltado.

Seus pontos oculares voltaram-se discretamente para a garota sentada a sua frente, cabeça baixa a encarar as próprias pequenas mãos ainda sobre a barra da saia do vestido. Ele detalhou-se mais em sua aparência, percebendo o quão delicada ela parecia ser, corpo magro apesar de ainda possuir uma massa muscular considerável, indicando ser um humano em boa saúde e forma. Era pequena, Sans diria que seria menor do que ele próprio era antes do acidente. Ainda assim conseguia sentir sua magia, poderosa a trepidar pelo lugar. Ela parecia ter um bom controle sobre ela, mas nunca teve experiência de combate, ele supunha. Sem isso tais dons seriam inúteis e ela sempre dependeria de alguém para se defender.

Levando em consideração que a habilidade do anjo da destruição seria equivalente ao seu próprio nome e teria treinado igualmente sua magia como a garota que tinha a frente, era bem previsível dizer como essa guerra iria terminar. Aquela menina não tinha condições de ir para uma guerra, ela não conseguiria lutar nem mesmo contra uma borboleta se fosse proposto e Sans não precisava conhecê-la mais para saber disso.

O mundo estava perdido. E ele não se importava nem um pouco. Suas preocupações estavam no pequeno detalhe que ele teria bem mais trabalho do que ele imaginava. Se aquela criança não pudesse defender-se sozinha então ele seria obrigado a vigiá-la vinte e quatro horas por dia durante todo o momento que estivesse preso a ela.

Em um movimento repentino a pequena garota se levantou, a flor agora enroscada em seu ombro enquanto fazia uma leve reverencia em sua direção, mãos delicadas a erguer bem pouco a saia do vestido. Um enorme sorriso estava desenhado em seu rosto.

— Frisk pede desculpas por fazê-lo se lembrar de fatos indesejados. Ela oferece que fique aqui durante essa noite e, caso deseje, partirem amanhã assim que estiver pronto. - disse a flor, sua expressão sendo o completo oposto de suas palavras. Ele definitivamente não havia se agradado de Sans. O esqueleto, no entanto, ignorou qualquer olhar dirigido a sua pessoa e ergueu-se de seu assento, indicando que aceitava a proposta. - Iremos guiá-lo até seu quarto, amanhã faremos o ritual que confirmará sua existência como o guardião do anjo da criação.

Com passos delicados e curtos a garota dirigiu-se para fora do cômodo, Sans seguindo-a poucos passos atrás. Agora que estava de pé poderia reparar melhor a diferença de altura que tinham um com o outro. Frisk, como a garota chamava, com toda certeza chegava-lhe apenas ao quadril, muito provavelmente o topo de sua cabeça, com alguma dificuldade, conseguia ultrapassar sua pelves. Talvez por isso parecia tão delicada? Ele não poderia deixar de se impressionar com sua aparência ainda jovem sendo que ele bem sabia que ela era mais velha do que ele.

Era tão estranho.

— Tenha uma boa noite de sono. Oh! Frisk deseja recordá-lo de manter suas coisas escondidas. Fadas rondam por aqui mesmo durante a noite e é muito comum que peguem objetos que achem interessante durante suas vagueações pela torre. Até amanhã.

Os dois deixaram-no sozinho no quarto que o haviam apresentado. Ele era grande, paredes igualmente brancas como todo o lugar repleta de plantas que enroscavam-se onde podiam. Moveis espalhavam-se aqui e ali, um quarto simples, sem muita decoração, com armários, cômoda, uma cama, escrivaninha e uma porta que parecia levar ao que supôs ser o banheiro. A cama era grande o suficiente para caber três dele pelo menos, lençóis brancos de aspecto macio logo acima do colchão, como se o chamassem para tirar um desejado cochilo.

Fazia quanto tempo que não tinha a oportunidade de dormir em um lugar confortável? Em uma cama? Dois ciclos a ter que deitar-se no chão, com seus ossos sendo cutucados por pedras salientes ou com irritantes insetos a esgueirar-se por entre eles.

Ele sentia-se arrepiar-se apenas de se recordar.

Jogando sua bolsa debaixo da cama ele deixou-se cair sobre a mesma, braços estendidos pelo colchão sem nem ao menos preocupar-se em retirar as botas de couro. Suas orbes pesavam, ele não sabia que estava tão cansado até o momento que se deitou. Sua mente borbulhava de pensamentos, indo e vindo com todos os acontecimentos inesperados daquele dia sufocante.

Sufocando um gemido ele deixou seus olhos se fecharem, tentando manter em sua mente sempre o breve detalhe de que, apesar de sua aparência delicada e jeito educado, aquela criança continuava a ser humana e, por tal, já era o suficiente para não confiar.

Ele deveria estar atento, esse trabalho seria longo...


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, o próximo vai ser menor.
Fusion continua a ser lançada também sem impedimentos (assim espero, to meio com problemas no capitulo 20 e 21, mas posso ajeitar).
Oh e aqui pode demorar tanto quanto Fusion para ter alguma interação mais "romantica" entre FriskxSans.
Obrigada a todos que leram, até semana que vem e continuem determinados!



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