Quando a Energia Caiu escrita por Kiwriah


Capítulo 1
Capítulo Único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/695714/chapter/1

— Meninas, tô saindo para ir lá no estudo bíblico, mas daqui a pouco já volto! Fiquem bem!

Acenei com a cabeça. Minha mãe fechou a porta e saiu de casa, não sem antes trancar a fechadura. Era costume dela ir para a igreja toda sexta-feira estudar a Palavra, uma coisa bem chata, devo dizer. Já tinha ido com ela algumas vezes só porque não gostava de ficar sozinha em casa, mas hoje a saída dela não fazia diferença.

— Ô Maria, você nem vai dar um tchau pra sua mãe?

— É BIA. — corrigi. Não gostava do meu primeiro nome. — Ela volta logo, Ana.

Minhas amigas tinham vindo ficar em casa. Essa era Aninha, uma nova amiga nossa. Todo mundo comemorou quando ela arranjou o seu primeiro celular, há um mês. Junto com ela estavam também a Júlia e a Bárbara. Todas mexendo no celular, sentadas na minha cama. Não tinha ninguém em casa além da gente, já que meu pai trabalhava à noite.

A gente se dava muito bem. Na escola, inundávamos a sala de aula com frases como “No céu tem pão?” ou “Solidão me fez solidão!”. No intervalo, fazíamos exatamente o que agora: mostrávamos vídeos uma para as outras e postagens do Facebook que diziam muitas verdades.

Hoje a gente tinha feito um trato de passar a noite em claro. E quem dormisse levaria uma punição — aquela considerada justa por quem estava acordado. Tipo, pintar a cara com batom, mandar mensagem pro crush, tirar foto dormindo e mandar no grupo da escola. Do jeito que as coisas estavam indo, eu duvidava que alguém fosse dormir tão cedo.

         Entrei em um vídeo de gameplay só para apreciar o menino que jogava, e logo em seguida, em um clipe de música. Mostrei para as meninas um dos desafios do balão de água. Elas ficaram com vontade de fazer por um segundo antes de começarem a assistir os vídeos de novo.

         O tempo passou rápido demais. Para nós quatro, uma, duas, três horas passavam sem saber ao certo. Achei um vídeo legal sobre bolos. Me levantei para mostrar para a Bárbara quando a luz acabou.

         — AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!!!

         Olhamos uma pra cara da outra, e sem saber por que, começamos a dar risada! Já estávamos parando de rir quando a Júlia perguntou por que a gente estava rindo. Nós três começamos a rir mais ainda!

         — Onde estou? Será que estou em Alagoinha? — Bárbara começou a zoar e Júlia não entendeu que era provocação com ela.

         — Quê?

         — Seu cu. Pega a tampa! — respondi.

         — Romero Britto? — disse Aninha.

         A gente riu mais um pouco, e depois da conversa baixar, Aninha perguntou por que será que a luz caiu. Ninguém fazia ideia. Bárbara sugeriu que era um desligamento programado, e a gente acabou concordando, porque nos nossos relógios marcavam 23:59.

         De repente o assunto morreu. Tentamos falar de meninos, mas nenhuma de nós estava envolvida com nenhum recentemente. Ana resolveu perguntar sobre o Cainã para a Bárbara, mas ela não sabia muita coisa. Perguntei para Aninha o que ela tinha com o Cainã, mas ela não quis dizer, e disse que era assunto só dela e da Bárbara. Acontece que a Bárbara era minha melhor amiga! E desde o 4º ano! Insisti para a Bárbara contar alguma coisa, mas ela não quis dizer nada. Fiquei com muita raiva.

         Ninguém falou por alguns instantes.

         — Já que acabou a energia, vamos assistir tevê, meninas?

         — Precisa de energia, Júlia! — revirei os olhos.

         — Ah... e se a gente fosse esquentar uma comida no micro-ondas?

         — Tipo o micro-ondas QUE PRECISA DE ENERGIA?

         — Ah, vai, aqui na sua casa tem alguma coisa pra comer, não é, Bia? — perguntou Bárbara. Sem esperar resposta, ela foi até a cozinha e começou a fuçar a despensa. Nós quatro ainda estávamos muito bem obrigado, por causa das lanternas do nosso celular.

         — Olha! — Bárbara exclamou. — Eu achei essa caixinha de leite condensado e três miojos! O que será que a gente pode fazer?

         Deu que nós três resolvemos comer o miojo com cobertura de leite condensado, depois de várias tentativas falhas de ligar o fogão sem energia. A gente ligou o gás e esperou um tempão, mas não surgiu fogo nenhum. Depois todo mundo saiu correndo, porque a Ana lembrou que a mãe dela disse que se ligar o gás e não acender a faísca logo, a casa explode.

         *Nota da autora: a casa pega fogo porque o gás já se espalhou demais, e qualquer faísca pode causar um incêndio.

 

         No fim, os sacos de miojo estavam vazios e nossas barrigas cheias. Cheias demais, fiquei até um pouco enjoada.

         A Júlia perguntou se a gente ainda queria passar a noite acordada. Respondi:

         — Claro, né! É o trato!

         Ficamos conversando por um tempo. Tudo muito quieto... eu já estava com medo. Abri a janela do quarto para a luz da lua entrar.

         — Bia, vai comigo no banheiro? — Júlia pediu.

         — Tudo bem.

         Sabia que ela estava com medo de ir sozinha. Peguei o celular dela para iluminar o recinto, mas a bateria acabou.

         — AII a bateria acabou! — ela exclamou.

         — Não, a do meu celular não!

         Estava aos 50 por cento. Esperei ela terminar de fazer xixi e voltamos para o quarto.

         — Bárbara, logo a gente vai ter que procurar por mais luz.

         — Por quê?

         — O celular da Júlia já desligou, e o da Ana também. E quando os nossos desligarem?

         — Ah, vamos procurar velas pra elas, então.

         — Tudo bem, mas eu não lembro onde elas estão. Pera, deixa eu ver que horas são.

         23:59

         Uma pra meia noite? Como assim?

         — Gente, olha só o horário! Isso é normal?

         As três se amontoaram para ver meu celular. Engoli a saliva. A gente sabia que não fazia o menor sentido, mas tentou achar uma explicação para aquilo.

         — Quem sabe o relógio do celular para quando a energia cai? — Aninha tentou.

         — É... Ou o celular de nós duas está errado, mesmo. — disse Bárbara, e deu um tapinha no celular dela, como que o repreendendo. — O meu está com a bateria nos 17 por cento. Bem, vamos procurar as velas na cozinha.

         Procuramos por todo o lugar. Eu olhei a parte de baixo do armário e a gaveta dos talheres. Acabei achando uma caixa de fósforos, mas as meninas não me deixaram acender por causa do rolo do fogão. Depois de procurar mais um pouco, concluímos que não tinha nada.

         — Vamos para o escritório de seu pai. — e a gente já estava indo quando a Bárbara percebeu que tinha esquecido o celular dela na cozinha. — Júlia, você pode ir pegar pra mim?

         Com um aceno, ela concordou, e foi correndo para lá. Bárbara, Aninha e eu continuamos indo até chegar no escritório. Não tinha nada lá. Desanimamos.

         — Caralho, Bia! Você não tem noção nenhuma de onde essas malditas velas estão?

         Me espantei com o tom. Bárbara sempre tinha sido um pouco grossa, mas eu sempre ria das cavaladas que ela dava nos outros. Por que a ela estava falando assim comigo? Inflei:

         — Ora, na minha casa eu nunca precisei de vela! Sempre tem lanterna!

         — Onde estão essas lanternas?

         — Não é problema meu.

         — COMO ASSIM NÃO É PROBLEMA SEU?

         — Com licença, eu vou ao banheiro.

         — Volta aqui!

         Sem olhar para trás, corri para longe delas. Depois de andar até certo ponto, sabia que elas não iam me seguir mais. Quem dera, com aquele escuro.

         Minha casa era relativamente grande, mas alugada. O proprietário ainda devia pra gente o conserto das infiltrações, que agora pareciam bem mais assustadoras.

         Cheguei ao banheiro. Eu estava quase me mijando. Bati a porta, abaixei as calças e relaxei.

         Pensei em por que minha mãe não tinha voltado ainda. Agarrei o celular na pia e disquei o número dela. Sem sinal. Agora eu estava oficialmente incomunicável. E ainda eram 23:59.

         Foi aí que comecei a ficar com medo de verdade. Empalideci, comecei a tremer, arrepiei cada pelo do meu corpo. Parecia que eu tinha entrado em um filme de terror. De repente, ouvi um barulho vindo do vaso.

         Eu pulei! Direcionei a luz do celular no vaso e vi saindo de lá uma, duas, três baratas, todas vindas do encanamento! Não parecia real, mas quem podia garantir? Eu gritei, peguei a maçaneta da porta e tentei girar, até lembrar que tinha trancado. Destranquei e quase caí para fora! Bati forte a porta do banheiro.

         Aquilo quase tinha encostado em mim! Tinha quase encostado! Eu tremi, corri para longe e levantei as calças. Onde estavam minhas amigas?

         Andei pelos corredores e encontrei elas. Aninha e Bárbara estavam no quarto de meus pais, e quase pularam de susto quando eu entrei lá.

         — Ah, vocês estão aí! Nossa, não acredito que consegui achar vocês assim! Eu quase morri! — elas me olhavam como se não me reconhecessem.

         — O que aconteceu, Bia? — Aninha perguntou, assustada.

         — Deixa ela, Ana. — Bárbara disse rudemente.

         Eu ia começar a explicar o que tinha acontecido quando alguém gritou do outro lado do corredor:

         — Então é aí que vocês estavam se escondendo?!

         Nós nos viramos de uma vez só, com os olhos arregalados. Era a Júlia.

         — Traíras! Eu sempre soube que não devia confiar em vocês!

         — Júlia! Onde você tava? — Bárbara deu um passo em direção da amiga, que recuou.

         — Vocês nunca foram minhas amigas de verdade! Só ficam zombando de mim! Isso não tem graça! — lágrimas escorriam de seus olhos. — Vocês queriam me assustar, e queriam que eu pegasse o celular sozinha... só pra me assustarem me chamando da sala! Isso não tem graça nenhuma! Eu vou embora daqui!

         — Calma, Júlia!

         Em um movimento brusco a menina pegou o celular da amiga e estraçalhou no chão. Bárbara gritou, e Júlia saiu correndo e soluçando alto.

         Nós corremos até o final do corredor e vimos as partes que restavam do celular. O que aquele estresse estava fazendo com a gente? Era loucura!

         — Mas... não tinha ninguém na sala! — disse Bárbara.

 

—-------------------------------------------------------

 

Aninha, Bárbara e eu não precisamos falar nada. Voltamos para o quarto e ninguém saiu mais. Eu não queria mexer um músculo. Bárbara estava andando em círculos nervosos e Aninha, tremendo sem parar.

Com o desafio de ficar acordado a noite toda, não era preciso ficar preocupado. Ninguém ia conseguir dormir, mesmo! Olhei para o horário do meu celular. 23:59, que nunca passava. Mas a bateria do celular, sim, diminuía quanto mais tempo a gente ficava ali.

         Foi só nessa hora que eu me dei conta de uma coisa.

         — Bárbara, hoje é sexta-feira 13, não é?

         Ela parecia ter sacado isso antes de mim, mas ainda assim respondeu:

         — E daí? O que isso muda?

         — Lembra daquele filme que a gente assistiu? Sexta-feira 13 é o dia em que os mortos podem passear livremente pelo mundo dos vivos.

         — Bia, para!

         Ela se levantou e puxou eu e a Ana pelo braço.

         — Não faz sentido a gente ficar parada aqui. Quanto mais tempo passa, pior para a gente.

         — Ou o tempo que NÃO passa. — resmunguei.

         — Para de fazer manha, Bia. A gente vai lá ao porão pra ver se a gente acha alguma lanterna e checar se o disjuntor caiu. E você, Aninha, vamos nessa?

         Ela tinha os olhos vidrados no chão. Eu sabia que no fundo ela estava morrendo de medo.

         — E-eu não vou.

         — Como assim não vai? — perguntei.

         — Eu sempre sigo vocês, e até agora só me ferrei. Quando vocês me disseram para deixar de falar com as minhas amigas, eu fiz. Até comprei um celular para poder entrar no grupinho de vocês... Eu acho que dessa vez eu prefiro ficar sozinha.

         — Caraca, Ana! Mas isso não tem nada a ver com agora. Ir ao porão a única alternativa que a gente tem. — eu disse. — E sei que você tá com medo, mas se você ficar aí no escuro vai ser pior. Eu e a Bá estamos indo embora.

         Ela não respondeu. Nós olhamos para ela, encolhida. A gente gostava da Aninha, mas se isso significasse ficar parada sem fazer nada, então íamos seguir sozinhas.

         — Vamos, Bia. — Bárbara me disse.

         Segurando as mãos, andamos em direção ao porão.

—-------------------------------------------------------

Enquanto Bárbara e eu andávamos, pensávamos no que tinha acontecido.

         — A gente nunca disse para ela deixar de falar com as amigas pra entrar no grupo, disse? — perguntei.

         — Não, ela deixou de andar com as amigas por que quis. Eu só disse que achava elas umas idiotas.

         Seguimos andando pelo corredor até chegar nas escadas, e depois descemos para a sala. Lá tinha um alçapão que dava para o porão. Lembrei que a Júlia tinha dito ouvir vozes vindas da sala. Me arrepiei toda, mas não disse para Bárbara. Já era o suficiente uma de nós com medo.

         — Como eu faço pra abrir, Bia? — ela perguntou, segurando o cadeado. Foi então que lembrei:

         — Ah, não! Esquecidas chaves!             

         — E onde estão elas?

         ­— Não sei!!!

         — Tá, tanto faz.

         Bárbara pegou o atiçador da lareira e usou como uma alavanca, quebrando a dobradiça do cadeado. Ouvi dizer que pessoas ficam mais fortes quando estão com medo, então talvez esse fosse o caso. Abrimos a porta. A escuridão lá dentro parecia nos puxar para baixo.

         Ela foi a primeira a descer. Quando chegou a minha vez, não pensei no que a gente estava fazendo, só em descer um pé de cada vez.

         O ar frio, parado, a expectativa. Tudo me dava muito medo. Saber que duas das minhas amigas tinham ficado para trás era pior ainda. Pelo menos eu tinha a Bárbara para tomar a iniciativa que eu não tinha, e se pôr a frente de qualquer problema. Nunca tinha percebido esse lado dela até agora.

         Meus pés tremiam muito. Coloquei os pés no chão e por pouco não desabei. Procurei o interruptor da luz, mas quando o apertei lembrei que não tinha energia. Me odiei por aquilo.

         — Me dá o celular, Bia.

         — Não!

         — Por que não? — eu estava com medo de ficar atrás dela no escuro.

         Ao invés de responder, assumi a dianteira e procurei por cima das caixas. Nada de lanterna. Eu também não fazia noção de onde procurar. Havia tapetes, caixas de som, bicicletas, armários e até um caiaque, que ganhamos em uma promoção, lá dentro. O mais horrível era que eu só podia iluminar uma área por vez, deixando grande parte do meu campo de visão escuro.

         Bárbara pediu para eu iluminar um armário em que ela estava procurando, mas não tinha nada dentro. Chegamos até a procurar entre pneus e os lugares mais inusitados para uma lanterna estar. Foi quando me lembrei do ‘kit natureza’ que meu pai costumava usar quando a gente ia acampar na floresta.

         ­— Bárbara, eu acho que eu sei onde tem uma lanterna. — ela ouviu com atenção. — Tem uma bolsa que a gente usa sempre quando vai acampar em família que tem tudo o que a gente precisa.

         — E como que é essa bolsa?

         — É vermelha de nylon com duas alças pretas.

         Começamos a procurar a bolsa. Procuramos dentro de caixas, latas de tinta e armários. A bateria do meu celular estava no talo. Comecei a ficar desesperada! Bárbara mais ainda. Me mandava apontar o celular de um lado para o outro, até em lugares que a gente já tinha procurado antes.

         Primeiro eu não notei, mas logo que achei a primeira barata, percebi várias delas no teto, no chão, em tudo quanto é lugar. Eu não queria procurar mais, pois tinha medo de encontrar com alguma barata ali. Bárbara gritava sem parar, pulando de um lado para o outro.

         — O que está acontecendo?!

         — Bárbara!!!

         Eram vozes.

         — Bárbara, corre!

         — Não, Bárbara!

         — Socorro, Maria!

         — Maria, Maria!

         Eu enterrei meus pés no chão.

         — Socorro! De onde estão vindo essas vozes?

         — Bia, olha lá! Eu achei!

         Vozes vinham de todos os lados, como um redemoinho na minha cabeça.

         — SAIAM DAQUI! SAIAM DAQUI!

         Comecei a chorar. Quando eu apontava o celular em direção a algo, não aparecia nada. Mas elas estavam ali. Eu sabia!

         — SAI DE PERTO DE MIM!

         — Bia, eu achei! — Bárbara me sacudiu.

         Demorou para eu me dar conta, mas Bárbara apontou a bolsa do meu pai em cima de um armário bem alto, que tinha o caiaque obstruindo o caminho. Eu sabia que com as minhas pernas trêmulas, nunca conseguiria sair do lugar.

         — Dá a o celular pra mim, Bia! Deixa eu ir lá pegar!

         — NÃO! — gritei, quando ela tentou arrancá-lo da minha mão.

         — CARALHO BIA, NÃO ERA ESSA PORRA DE BOLSA QUE A GENTE TINHA QUE ACHAR? ME DEIXA IR LÁ PEGAR!

         Eu não queria ficar sozinha no escuro com aquelas sombras. Elas iam me pegar, e eu não teria nenhuma defesa!

         — SUA MEDROSA! EGOÍSTA! É ISSO QUE VOCÊ É! SE IMPORTA MAIS CONSIGO MESMA DO QUE COM QUALQUER PESSOA!

         Eu não me importava com o que a Bárbara estava dizendo. Ela não era mais minha amiga. Eu não a conhecia mais. Quando ela tinha mudado tanto? No quarto ano, eu e ela ficávamos em cima do sofá para os nossos pais matarem uma barata, gritando! Eu não conhecia essa menina.

         Por fim, ela se cansou de tentar tomar o celular de mim. Em vez de fazer a alternativa mais sensata, que era de ir pegar a bolsa sem luz nenhuma, ela deu as costas e correu para as escadas. Quando ela chegou ao alçapão, eu ainda dei um grito abafado — Não... — antes dela fechar a porta acima de mim.

         Agora eu estava sozinha no escuro, rodeada de vozes, sem conseguir sair do lugar. Apontava o celular de um lado para o outro, mas não conseguia fazer nada. Foi quando em um lampejo, a luz do meu celular iluminou algo metálico. Bem na parede, com um armário na frente, estava o disjuntor de energia.

         Minha paralisia inicial se transformou em um esforço tremendo para sobreviver. Tirei uma perna do lugar, e depois outra, e corri em direção ao objeto.

         — Maria, o que você está fazendo?

         — Não fuja, Maria!

         — Maria, estou aqui!

         Joguei o armário para o lado, abri a portinha de metal e vi aquele monte de interruptores. Desesperada, abaixei e levantei todos. Em algum momento, levantei o interruptor certo. A luz voltou. Eu não precisava de explicações, se aquilo terminou, já estava ótimo. Sem forças, desabei no chão. Fiquei ali por algum tempo. Ao levantar, percebi que as baratas não estavam mais lá. Também não havia mais vozes.

         Me recuperei aos poucos. A bateria do meu celular tinha acabado. Fui ligando devagar todos os interruptores e, depois de muito pensar, fui subindo as escadas.

         A sala estava escura, mas me enchi de felicidade quando vi a luz da copa acesa. Fui naquela direção, e quando cheguei na porta, vi a minha mãe entrando. Fez uma cara de surpresa ao me ver.

         — Oh meu Deus, filha, você está bem? — ela me abraçou, e eu a abracei de volta. Quando olhei por trás, vi que as minhas amigas estavam ali atrás dela. — Desculpa pela demora, o estudo bíblico foi um pouco mais longo que o esperado!

         Eu não perguntei o que tinha acontecido na igreja. Para mim, só o fato dela estar ali comigo já era satisfatório. Tirou o casaco e colocou as coisas do lado antes de falar.

— Eu fiquei muito preocupada com você! Quando eu liguei vocês não atenderam. Depois, fui ver que estavam todas juntas, menos você, lá fora! O que acha que eu pensei? — ela me beijou.

— Ah, só uma pergunta, mãe: como elas saíram de casa?

­Júlia e Aninha evitavam me olhar. Bárbara reclamou:

— Dona Silvia, quando você vai chamar nossos pais pra eles virem nos buscar?

— Já vou chamar. — minha mãe respondeu. — Elas estavam todas do lado de fora da janela. O que vocês fizeram? Brincaram de esconde-esconde?

— Não... Deixa ver o horário?

Peguei o celular dela, e fiquei muito aliviada em ver que era pouco depois de meia-noite.

— Mãe, a energia também caiu na igreja?

— Hein? Você quer dizer a piscada que deu na luz? Não foi tanto tempo assim, logo consertaram.

— E você reparou que o tempo ficou parado em 23:59?

— Tempo parado? Sobre o que você tá falando? — ela fez um gesto de desistência. — Olha, não vou perguntar mais. Para mim, você e suas amigas passam tanto tempo no celular que um minuto sem energia parece uma eternidade. Agora me diga, qual é o número de celular dos seus pais, Aninha?

E foi assim que minha sexta-feira 13 de 2016 acabou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

No final, as meninas não eram tão amigas assim. De tanto passar o tempo nos celulares, nunca chegaram a se conhecer de verdade, nem mesmo a Bia conhecia de verdade Bárbara.

Obrigada por ler ;)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Quando a Energia Caiu" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.