Fora do normal - Draco e Luna escrita por karinacardoso


Capítulo 3
Garota Estranha




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O ano letivo iniciou-se sem maiores transtornos. Não que isso fosse uma vantagem, é claro. Draco, que em geral achava a escola bastante entediante, já tinha saudades dos anos anteriores. Nem mesmo Harry Potter dava indícios de ter descoberto uma nova conspiração homicida ou desenvolvido algum plano heróico que Draco pudesse boicotar. Os dias corriam sob uma profunda monotonia. À noite, quando não podiam sair do dormitório, Hermione permanecia atrás dos livros, cada vez maiores e mais velhos. Draco tinha a impressão de que ela iria contrair um problema sério de respiração se continuasse tanto tempo imersa em toda aquela poeira – o que ao menos traria emoção àquele marasmo insuportável. Ernesto ficava sentado na cadeira mais afastada da sala fazendo os deveres ou simplesmente em silêncio, embora na maior parte do tempo Draco fosse incapaz de notar se Ernesto estava ou não no dormitório.

  Luna era a mais interessante de se observar. Estava sempre ocupada com atividades estranhas e poções suspeitas, e Draco perdera as contas de quantas vezes ela quase causou uma explosão séria. A cama dela era rodeada de uma infinidade de objetos indefinidos que nem mesmo a vasta experiência de Draco pelo mundo lhe aproximavam de deduzir para o que serviam. Algumas vezes, porém, ela ficava sentada em frente à lareira contemplando as chamas. Nessas horas, Malfoy se dedicava aos seus deveres, que não ocupavam mais do que algumas horas, e então imergia na inércia. Ele cogitara algumas vezes a possibilidade de deixar todas as lições para a última hora, só para ter alguma emoção. Nesse ritmo, o desânimo do garoto era cada vez maior à medida que a noite se aproximava.

  Em uma manhã nublada, Draco estava na aula de Poções perdido em pensamentos quando Snape pediu aos alunos que se sentassem em duplas. Crable, que deveria estar presente, aparentemente dormira mais tempo do que o devido. As carteiras se juntaram muito mais rápido do que a preguiça de Draco permitiu que ele agisse, e o garoto procurou ver quem havia sobrado. Viu Luna sentada em um canto. “Não se eu puder evitar”, pensou ele. Uma observação mais atenta mostrou uma garota vindo em sua direção. Os cabelos negros e ondulados caindo pelos ombros emolduravam uma pele pálida, um conjunto que parecia feito sob medida para ser coadjuvante de seus olhos verdes. Draco não precisava olhar para ela para lembrar, para sentir, aqueles olhos: eram o verde das chamas do inferno. Penny. Seu estômago deu uma fisgada. Não podia vê-la, não ainda. Sem pensar, levantou-se e foi em direção a Luna:

— Vou me sentar aqui.

— Pode sim, claro – disse a garota despreocupadamente, respondendo à uma pergunta que não foi feita.

  Ele se sentou e olhou sorrateiramente para o lado. Penny continuava vindo. Ele pensou em se levantar novamente, mas era tarde demais: o perfume doce que exalava de seus cabelos anunciou sua chegada poucos segundos depois.

— Olá, Draquinho.

  Ele fingiu que não ouviu. Mal podia ouvir seus pensamentos diante do estômago revirado, e todas as suas forças estavam focadas em manter o controle.

— Nem sequer um olá? Poxa, querido, assim você me magoa... – sua voz estava afetada, numa tentativa de meiguice – Não é possível que ainda está com raiva de mim. Vamos deixar o passado no passado, sim?

 Ele cravou os olhos nela, sem poder evitar. Passado? O que aconteceu entre eles não podia ser simplesmente deixado para trás, superado como se fosse uma lembrança ruim. Será que ela achava do fundo do coração que ele poderia esquecer? Se assim fosse, ela o conhecia menos do que ambos imaginavam. Mas afinal, o que havia no fundo de um coração como aquele? Ele foi despertado se seu devaneio pelos dedos delicados dela percorrendo seus cabelos. Ele tinha certeza de que ela seria capaz de ouvir seu coração acelerado se seu peito não estivesse tão comprimido. Ele voltou a olhar para frente, ignorando-a solenemente enquanto tentava respirar.

— Draquinho, fale comigo. Não quero que as coisas fiquem assim entre nós... quero ser sua amiga!

 Draco deixou escapar uma risada desdenhosa, que ajudou a aliviar a pressão em seu peito. Mas a resposta mordaz que estava prestes a sair de sua boca foi engolida às pressas, carregada no arrepio que percorreu sua espinha e que ele foi incapaz de controlar quando as unhas de Penny desceram levemente por sua nuca no mesmo instante em que os olhos dele foram fisgados por aquele verde demoníaco. Talvez Draco pudesse resistir a um dos dois, mas jamais a ambos, como Penélope bem sabia. Ela sorriu.

— Esse é o Draco que eu conheço.

Droga! Ele estava perdendo o controle da situação numa velocidade vertiginosa. Imediatamente, a voz de sua agradável tia emergiu em sua mente. “Draco, meu morceguinho. É um alívio tão grande que alguém na família não tenha puxado para os Malfoy. É admirável como lhe falta o sangue frio que Lucio demonstra tão bravamente”. Sangue frio. Instintivamente, Draco tirou a mão de Penny de seu pescoço e olhou em seus olhos tentando não se deixar hipnotizar.

— Penélope, não sei de que maneira posso deixar mais claro para você. Não tenho intenção nem interesse em desperdiçar tempo e energia me relacionando com você em qualquer esfera. Se puder se controlar, peço pela última vez que evite o contato comigo porque essa sua obsessão está saindo do controle. – Draco proferiu a última frase propositalmente alto, e grande parte da sala, incluindo Snape, virou-se para os dois. 

— Se a senhorita quiser uma sala para si posso providenciar, srta. Tompson – disse Snape.

Draco sorriu. “O bom e velho Severus”. Ele podia não ser o queridinho do diretor como o maldito Potter, mas ao menos na sala de Snape contava com sua cota de benefícios.

— N... não será necessário professor... eu vou me sentar.

Com um olhar rancoroso para Draco, ela se foi.

— Você ainda gosta dela.

A voz pegou Draco de surpresa e, ao se virar, deu de cara com Luna, que ele já havia esquecido que estava lá. Draco ia responder, mas percebeu que não havia sido uma pergunta, e sim uma afirmação.

— Eu... não é da sua conta!

Luna parecia não ter ouvido.

— Se ela estivesse escutando a coisa certa, teria percebido também.

Draco a olhou aturdido. Cada contato que estabelecia com aquela garota o envolvia em camadas de confusão mais e mais profundas. Ele raramente entendia a linha de raciocínio que ela seguia, que dirá o significado de suas palavras. Mas antes que ele pensasse em qualquer coisa para responder, Snape começou a falar:

— Muito bem, agora observem bem essa poção. É um elixir utilizado para curar pessoas que tenham tido contato com bétulas roxas. Alguém sabe o que provocam as bétulas roxas?

  Uma mão se ergueu ao lado de Draco.

— Sim?

— As bétulas roxas provocam bolhas na parte em que tocam e que, aos poucos, se espalham pelo resto do corpo. Elas causam ardência e coceira, mas se forem esfregadas, estouram e expelem um líquido que pode deixar marcas.

— Hum, vejo que a senhorita andou estudando, para variar. Tome cuidado com esses textos decorados, ou poderá virar uma Granger da vida, muito embora nós saibamos que você não teria tanta capacidade. Agora vejamos: esse elixir, se aplicado sobre tais bolhas, faz com que elas sequem e não provoca manchas. Mas muita atenção, pois o mínimo erro na mistura dos ingredientes pode manchar sua pele, ou até fazer com que cresçam minúsculos tentáculos na região atingida. Portanto, procurem ser menos imbecis desta vez, apesar do esforço que eu sei que isso vai lhes causar.

  Draco e Luna começaram a separar os ingredientes. A garota liderou os preparativos, misturando as ervas com uma surpreendente habilidade e parando pouquíssimas vezes para conferir os ingredientes na lousa.

— Não imaginava que você fosse tão boa em poções.

— Eu não sou, eu acho. Mas algumas pessoas parecem esquecer essas bétulas nas minhas coisas com uma frequência assombrosa – falou Luna casualmente – De fato, já fiquei coberta de bolhas tantas vezes que se tornou extremamente cansativo ir toda hora à enfermaria. Então eu aprendi a fazer essa poção, e sempre trago um pouco comigo para eventuais emergências. Tem sido realmente útil.

  Draco não pode deixar de sorrir. Luna coberta de bolhas parecia extremamente engraçado. De repente, lembrou-se da conversa que Snape interrompera.

— O que você quis dizer agora a pouco?

— Sobre as bétulas? Bom, eu quis dizer que as pessoas esquecem, mas na verdade desconfio que façam de propósito, sabe? Apenas prefiro pensar que é um acidente.

— Não, antes. Sobre a Penélope escutar a coisa certa.

— Hum. Não sei, eu acho que não faz sentido escutar as palavras de alguém que você sabe que vai mentir para você. Se ela tivesse escutado seus olhos, ou as suas mãos, ou até suas orelhas, ela já teria tido a resposta que precisava. Mas acho que não é assim que as garotas como ela fazem isso não é? Eu não saberia dizer, de qualquer forma.

Aquela explicação não ajudava Draco em nada. Penny deveria escutar suas mãos? Suas ORELHAS? Mais uma vez, uma nova camada de confusão o arrastava para as profundezas da mente desequilibrada daquela menina. Mais por desespero do que por acreditar que levaria a alguma coisa, ele insistiu:

— Que diabos quer dizer escutar minhas orelhas?

— As suas orelhas estavam zunindo. Dava pra escutar daqui. Bom, não escutar exatamente por causa do barulho do seu coração, mas dava pra deduzir que elas estavam zunindo a ponto de você não conseguir ouvir nem os seus pensamentos. E os seus olhos? Focando onde não tinha nada para enxergar, fugindo de tudo que eles queriam ver. Você estava realmente berrando naquele silêncio todo.

Draco ergueu as sobrancelhas. Era incapaz de dizer se ela era assim sempre ou se estava particularmente absurda hoje, já que era a primeira vez que conversavam a sós. Não estava sendo a melhor das experiências. A afirmação de Luna não merecia sequer consideração, a não ser pelo fato de que ela acabara de descrever com precisão as reações de Draco. Em segundos, ele se permitiu refletir se o que ela dizia era verdade para em seguida questionar sua própria sanidade.

Luna, como sempre, estava alheia a esse turbilhão de emoções.

— Sabe, aquela garota é meio esquisita.

  Draco deu uma risadinha sarcástica. A ironia de ver Luna chamando alguém de esquisita era marcante.

— Não consegui ouvir nada das orelhas dela. Bem, as orelhas não são tão perceptíveis, está certo. Mas ao menos o coração... eu não ouvi coração nenhum. Você é bonito e popular, pelo menos em certos círculos, deveria ao menos escolher uma garota de quem se pudesse ouvir o coração. 

  Draco agarrou-se ao único fragmento de conversa que lhe soou familiar como uma táboa de salvação no oceano de confusão em que Luna o estava afogando. Bonito e popular, isso era algo que ele era capaz de reconhecer sobre si mesmo. Além do fato de que ser um Malfoy lhe garantia extremo prestígio entre os Sonserinos, a aparência de Draco não deixava a desejar. Tinha 17 anos agora, e o corpo que havia se definido nas últimas temporadas de quadribol combinava perfeitamente com o cabelo liso que lhe caía sobre a testa e os olhos de um profundo azul cinzento. Embora seu sucesso, como Luna afirmara, fosse restrito a certos círculos, ele era impossível de não ser notado e pivô constante de dramas entre garotas de todas as casas. Draco, naturalmente, sabia disso, mas sempre gostava de ouvir de novo. Resolveu investir nessa brecha, buscando trazer a conversa para terreno conhecido.

—  Você acha que eu mereço mais que a Penny? Sabe, sendo tão bonito e popular. – disse ele com seu melhor sorriso.

  Luna fixou nele seus olhos eternamente surpresos

— Talvez. Mas se você ainda a chama de Penny, talvez não esteja pronto para outra.

  Draco ficou alguns segundos boquiaberto antes de virar bruscamente para se concentrar na aula, mau humorado. Odiava a escola.


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Notas finais do capítulo

Gostaria de saber o que estão achando da fic, sugestões ou comentários são sempre bem-vindos :)



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