Dois Solteirões e Uma Pequena Dama escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 2
Capítulo 02 – Ela é Real


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal. Estou voltando com mais um capítulo. Espero que gostem tanto quanto do primeiro ♥

Quero aproveitar pra agradecer pelos comentários deixados no capítulo anterior, e dizer que vocês foram o máximo.

Então... simbora ler.



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Os três ainda se encontravam sentados nas banquetas da cozinha, tendo o balcão repleto de itens domésticos bem à frente. Os copos de leite dos dois irmãos estavam vazios já fazia algum tempo.

Ambos estavam em silêncio como que tentando assimilar a reviravolta repentina em suas vidas, nos últimos minutos.

— Já terminei – A voz de Pétala os trouxe de volta a realidade do apartamento.

Num gesto impulsivo, Edward lançou os braços para o ar.

— Graças a Deus! – declarou. – Estava pensando se isso duraria a noite toda. – Sua voz soou carregada de irritação e impaciência.

Pétala olhou pra ele. Mesmo que não compreendesse sua hostilidade, sabia que havia algo de ruim no modo como falou. Por isso, abraçou a ovelhinha encolhendo-se no assento alto.

E quando não estava olhando, Emmett acertou um safanão na cabeça do irmão. Deixou Edward esfregando a cabeça, contendo sua indignação. E então, com a feição tranquila, se voltou para a criança e a ajudou descer da banqueta.

Assim que seus pezinhos alcançaram o chão, Pétala saiu correndo de volta pra sala. O modo como corria fez Emmett imaginar que pudesse cair a qualquer momento.

— Ei – alertou Edward –, vai com calma aí. O que será que ela vai aprontar agora? – pediu ao irmão.

Emmett estava olhando o caminho por onde ela passou correndo ainda se perguntando como ela não caiu.

Pétala subiu no sofá arrastando a ovelhinha de pelúcia junto. De pé no estofado, olhou pra eles por sobre o ombro e começou a falar sem parar.

— Desenho, desenho, desenho.

Automaticamente, Emmett olhou o irmão sentado uma banqueta depois da sua.

— Acho que isso responde a sua pergunta – disse.

Não esperou por uma resposta de Edward, apenas se levantou e foi até lá ligar a tevê para a filha ansiosa.

— Esportes na telona, já eram – ele ouviu Edward se queixando atrás de suas costas. – Acabou vida boa. Acabou tudo.

— Desenho, desenho, desenho – ela continuava repetindo, alto demais até.

— Ok, eu já entendi – Emmett avisou, se pondo ao lado da tela gigante. Agarrou o controle remoto sobre a mesinha de centro e a ligou imediatamente. – Canal infantil... – falou pra si mesmo enquanto zapeava os vários canais de tevê a cabo. – Ei, Edward, temos canal infantil aqui? – ele fez uma pausa, olhando sobre o sofá o irmão ainda sentado na banqueta da cozinha.

— É possível. Temos uma infinidade de canais, então tenta encontrar algum. Vai na fé.

Caiu num canal adulto e no desespero Emmett saltou vários canais de uma só vez.

— Bloqueando canal impróprio, nesse instante – falou em voz alta. Ele se demorou no menu antes de voltar procurar pelo canal infantil.

— Desenho, desenho, desenho.

— Para de gritar desenho – ele falou em voz alta, mostrando uma raiva repentina e exagerada. Sua ação despertou em Pétala a vontade de chorar. No instante em que viu os lábios dela se curvando pra baixo sentiu-se culpado. – Não. Não chora, não – ele pediu rápido demais. – Olha só – e ele então mostrou na tela gigante da tevê. – Desenho, viu só?! Não era isso que você queria? Eu encontrei pra você. Que bonito, todo colorido.

O rostinho choroso suavizou adquirindo uma expressão de contentamento.

— Desenho – ela repetiu, só que dessa vez confirmando o que via e não pedindo.

— É – concordou Emmett, ainda que sentisse como se pisasse em avos. – Desenho. Que legal. Era o que você queria.

A garotinha sorriu pra ele, deixando suas covinhas falaram por se só. Passado um instante pôs o polegar direito na boca e encostou a cabeça numa das varias almofadas disposta no sofá, com a ovelhinha de pelúcia presa num abraço.

Emmett ficou parado por um tempo, olhando pra ela, pensando no quão maluco aquilo parecia. Como num passe de mágica se tornou pai de uma garotinha de quatro anos de idade. E não tinha a menor ideia de como exercer esse papel. E era possível que nunca soubesse.

Estava tão distraído com esses pensamentos que nem se deu conta em que momento o irmão parou ao seu lado.

— Olhando assim, ela até que é bonitinha. E engraçadinha, quando não está me deixando louco.

Foi somente nesse momento que Emmett percebeu sua presença.

— Ela é uma garotinha – falou com Edward. – Como vamos fazer para cuidar dela?

— Está perguntando para a pessoa errada – o irmão respondeu. Como poderia saber? Era tão novato nisso quanto ele. Só lhes restava arriscar. E torcer pra dar tudo certo.

— Do que elas gostam?

E assim, do nada, Pétala saltou no sofá, ficando de pé novamente. Seus pezinhos afundando entre as almofadas e o assento. Encostou as mãozinhas na cintura e se pôs mexer o corpo de um lado pro outro, cantando com Dora Aventureira a canção do “Conseguimos”.

Tão inesperado quanto estava sendo aquela dança, Emmett e Edward caíram na risada. A garota na tela da tevê tinha praticamente o tamanho real de uma criança. E eles olhavam dela para a garotinha dançando em cima do sofá. Era muito engraçado ver aquele corpo pequenino e roliço se remexendo sem ritmo. Porém, tão concentrada.

Pétala parou de dançar, de repente ficando séria, ainda com as mãozinhas na cintura, olhando os dois.

— Por que tão rindo, vocês? – pediu.

Emmett foi quem respondeu a sua pergunta, enquanto tentava não rir mais. – Ah, não é nada. É que gostamos de rir sem nenhum motivo importante.

— Ah, pensava que era de mim. – E ela voltou a ficar de frente para a grande tela da tevê retomando com sua dança atrapalhada. Mas não levou mais muito tempo nisso, o desenho já estava no final. Depois de mais algumas perguntas, a imagem de Dora desapareceu da tela.

Em poucos minutos outro desenho ocupava a programação do canal infantil. Pétala se deitou novamente com o polegar na boca, concentrada no desenho da Peppa Pig que estava começando.

— Você não deveria ter escovado os dentes dela antes? Quero dizer, vai que ela dorme – Edward foi quem perguntou.

— Bem, eu acho que sim.

— Se você a deixar dormir todas as noites sem escovar os dentes, até ficar adulta, então ela já não terá mais nenhum dente na boca a essa altura da vida.

— Tem razão. Não quero ser acusado de ser o causador disso.

Emmett chegou mais perto do sofá, se curvando para poder falar com ela.

— Pétala. Ei, lindinha? – sonolenta, ela abriu os olhinhos numa fenda. – Você precisa escovar os dentes antes de dormir.

Muito devagarinho ela se pôs sentada no sofá, abrindo os braços preguiçosamente para que ele a pegasse no colo.

— Foi mais fácil do que eu imaginava – Emmett comentou, lançando um olhar ao irmão. E chegou a conclusão de que aquela era uma coisa que Callie fazia com frequência: tirá-la do cochilo para escovar os dentes. Talvez por isso tenha reagido tão bem.

Edward tinha acabado de voltar pra cozinha. E Emmett foi com Pétala ao banheiro social. Ela descansava a cabecinha em seu ombro largo no caminho até lá. Emmett tinha vasculhado a mochila dela, mas não encontrou nenhuma escova de dentes junto aos poucos pertences que levara com ela. Provavelmente quem fez sua mochila esquecera-se de colocar.

A única saída foi usar uma escova de dentes nova que guardava no armário daquele banheiro. Já até se esquecera há quanto tempo mantinha guardada ali.

— Olha só – comentou com Pétala –, eu não encontrei sua escova, então teremos de usar essa daqui. Não tem outro jeito. – Ele segurava a escova de dentes vermelha de adulto diante dela, querendo que compreendesse suas palavras.

— Essa não é de criança – ela declarou.

— Eu sei. Mas, vai ter de ser essa mesmo. Não tenho uma de criança aqui. A sua não estava na mochila quando procurei.

Depois de pôr ela sentada na bancada pia, pôs creme dental na escova e se concentrou em escovar seus dentes pequeninos. A escova era muito grande, machucava o interior de sua boca pequena. Quando Pétala abaixou a cabeça pra cuspir e lavar a boca, seus olhinhos estavam cheios de lágrimas.

— Eu prometo que amanhã compro uma escova pequenina pra você. E você pode até escolher a que mais gostar.

Ele a pegou no colo novamente. Acomodou a cabecinha dela outra vez ao ombro e se encaminhou pra fora do banheiro.

— Acho que já está na hora de você ir pra cama. Edward? Mano?

— O que foi agora?

— Cara, eu só quero que você arrume o sofá para ela dormir. Deixe de ser chato.

— Você vai deixar ela aqui na sala sozinha? E no sofá?

— Vou. Qual o problema?

— Não acha que tinha de ser numa cama? Tudo bem que ela é pequena e cabe no sofá, mas, daí a deixar dormir aqui sozinha é muita maldade.

— Só temos duas camas. A sua que fica aqui embaixo e a minha lá em cima. Ela não vai dormir na minha cama comigo. Nem pensar.

— Muito menos comigo – Edward se defendeu.

— Então trate de arrumar o sofá pra ela.

— A filha é sua. Arrume você.

— Ajuda aí, mano. Não está vendo que ela está caindo de sono. Foi um dia e tanto pra ela. Seja menos imbecil e faça alguma coisa para ajudar. Você só tem se queixado desde que ela chegou, e nem faz tanto tempo assim.

Edward rapidamente foi tomado pelo remorso. Sendo assim, levou apenas alguns minutos para deixar o sofá pronto: forrado com um cobertor branco. O travesseiro cuidadosamente posicionado, e um edredom deixado sobre ele.

Emmett a deitou e a cobriu até a altura dos ombros, se certificando de que estava bem aquecida. O sofá era grande, ela certamente estaria confortável, pensou.

— Melhor pôr essas almofadas embaixo, para o caso de ela cair enquanto dorme – Edward sugeriu surpreendendo a si mesmo e ao irmão.

— Boa ideia – Emmett concordou.

Os dois se puseram a pegar almofadas e deixá-las no tapete, aos pés do sofá, criando uma proteção contra impacto.

 Ajoelhado outra vez ao lado dela, Emmett falou em voz baixa.

— Boa noite, Pétala.

— Conta uma historinha?

— Contar uma historia? Hummm... Mas acontece que eu não sei nenhuma.

— Conta a do Coelhinho Fujão – Pétala insistiu.

— Eu não faço a menor ideia de quem seja esse Coelhinho Fujão.

— Não vou conseguir dormir, então.

— Mas você já estava quase dormindo.

— Não vou... – ela fez beicinho. – Sem historinha, eu não vou conseguir.

— Irmão ajuda aqui.

— Tá legal! – exclamou Edward, se aproximando deles dois. Ajoelhando-se no tapete branco da sala. – Essa é de minha autoria – disse. – Preste bem atenção. Era uma vez dois irmãos que se achavam livres e independentes. Os fo... – Emmett o censurou. – Está certo, vamos mudar isso. E vê se não me interrompe de novo. – E ele limpou a garganta antes de continuar. – Era uma vez dois irmãos que se achavam livres e independentes. Os espertões. Pegadores. E não posso me esquecer; boa-pinta também. Um dia, o mais velho deles, e o mais feio também – a mão de Emmett acertou a cabeça dele com um safanão – trouxe uma garotinha para viver no reino dos solteirões convictos e então estragar a festa e acabar com a diversão.

— Por que ela acabou com a diversão dos convitos? O que a garotinha fez de errado? – Pétala perguntou, coçando o olhinho.

— O certo é dizer convictos. E eu ia me esquecendo de mencionar algo muito importante: essa garotinha era uma penetra.

— O que é isso? Uma penetra?

— Shhhhh... pare de me interromper ser humaninho. Está vendo, agora esqueci onde estava. – Ele pareceu pensar um instante. – Sim, lembrei, era sobre a garotinha penetra. Veja bem, penetra é alguém que aparece sem ser convidado. E nós não...

— Que raios de história é essa? – Emmett de repente se deu conta do absurdo que a criança estava ouvindo.

— Então faz melhor senhor “eu sou muito esperto”. Vamos, quero ver.

Emmett meneou a cabeça, decidido a dar sua versão da história.

— Todos ficaram felizes com a presença da garotinha no reino dos solteirões convictos.

— A garotinha penetra? – Pétala falou totalmente na inocência.

— A garotinha não era penetra. E, como disse, todos no reino ficaram muito felizes com sua presença.

— Diga isso por você – Edward resmungou.

— Edward, desse jeito você vai traumatizar a menina. – Emmett olhou a filha. – Sabe por que a garotinha não era penetra? – Pétala balançou a cabeça negando. – Porque ela era a filha do rei. Isso fazia dela uma garotinha princesa.

O rostinho de Pétala se iluminou com felicidade recém-adquirida. As covinhas não demoraram a estar em suas bochechas brincando de se exibir.

— Ela tinha um pônei voador? E cor-de-rosa?

— Sim – Emmett se viu concordando com a mesma facilidade com que ela perguntava. – Ela tinha um pônei voador superlegal e de um cor-de-rosa muito bonito. O melhor pônei voador de todo o reino. E o mais rosa de todos.

Pétala bocejou. Mas havia o traço de um sorriso antes disso.

Emmett passou a mão em seu rostinho, bem devagar.

— Boa noite, Pétala – murmurou pertinho da bochecha dela, plantando um beijo antes de afastar.

— Boa noite, papai. Boa noite, titio.

E aquelas duas palavras, papai e titio, foram suficientes para fazê-los repensar: O que implicava ter Pétala morando com eles. A presença doce e carinhosa daquela garotinha em suas vidas. Certamente não era de tudo ruim.

De repente, relaxaram os ombros com a sensação de suspiro.

Aquelas duas palavrinhas foram a primeira batida à porta do coração de cada um deles. Cabia a eles decidir se a deixariam entrar e fazer moradia.

Os irmãos se ocuparam com coisas pessoais logo depois que Pétala dormiu. Emmett no escritório, no andar de cima. Edward, no quarto dele.

Por conta do que dizia na carta de Callie, um abajur foi deixado aceso na sala de estar onde Pétala dormia.

O silêncio se estendeu por algumas horas. E, de repente, tudo mudou. O choro de Pétala cortou o silêncio tranquilo da noite. Empurrando ladeira abaixo o pensamento de que estava sendo fácil.

Lá no quarto, Edward se queixou, abaixando a tampa do notebook com impaciência.

— O que foi dessa vez? – Ele se levantou e foi até a sala.

No andar de cima, Emmett deixou o escritório.

— E agora o que foi? – dizia Edward, mal-humorado. Ele usava calça de moletom e uma blusa de mangas compridas. Lançou o olhar a Emmett, que vinha descendo as escadas depressa.

— Eu não sei – ele respondeu de imediato. E passou pelo irmão indo consolar a criança que chorava.

Edward se sentiu mal pelo que tinha acabado de dizer. Por isso, sem dizer mais nada, foi pra junto dos dois.

Emmett sentou ao lado do corpo pequeno no sofá.

— Pétala?

— Mamãe... – ela choramingou. – A mamãe... Quero ficar com a mamãe.

Os dois se olharam por um instante apenas, preocupados. Mas foi Edward quem falou primeiro.

— E agora o que vamos fazer?

Emmett voltou a olhar a filha. Afastou os cabelos de seu rostinho e limpou suas lágrimas com a mão.

— Eu sinto muito, princesa... – murmurou, sentindo-se um inútil. – A mamãe não pode vir ficar com você. Ela queria muito estar aqui. Muito mesmo. Mas, acontece que o papai do céu precisou dela ao lado dele.

— Eu preciso dela também... – a garotinha explicou entre um soluço e outro.

— Eu sei... É só que sua mamãe está no céu agora e não pode vir.

— Ela não gosta mais de mim?

E dessa vez Edward foi quem respondeu. Não havia sarcasmo nem má vontade em sua explicação. Apenas um tio preocupado com a sobrinha.

— Claro que ela gosta florzinha. Mas é como o meu irmão falou: papai do céu precisou dela ao lado dele.

— Eu posso ir visitar a mamãe no céu amanhã?

Os dois se olharam outra vez, afetados por seu pedido inocente, sem saber o que lhe dizer.

— Não... Eu sinto muito – Edward lhe disse, com todo cuidado, temendo sua reação.

E Emmett completou. – Só quando você já estiver bem velhinha.

— Mas a mamãe não estava velhinha, pra ir no céu.

— É. Mas, olha, você está aqui com o titio – Emmett começou explicar. Edward acenou pra ela como que dissesse que realmente estava ali. – E com o papai. Não é legal também?

A resposta não foi bem o que eles esperavam. Pétala começou a chorar alto. Era o choro de uma criança que não aceitava as explicações falhas sobre a partida de sua mamãe. E que tampouco compreendia a complexidade da palavra morte.

Sinceridade é tudo, Emmett pensou vendo-a chorar daquele jeito.

E teve a certeza de que faria de tudo para que Pétala se sentisse em casa. Falta da mãe ela sempre iria sentir, era inevitável. Mesmo assim, era possível que se sentindo amada a saudade deixasse de doer tanto como agora.

— Quero ir pra casa... – ela choramingou outra vez. As lágrimas correndo livre em seu rostinho corado e tão triste. – Quero a mamãe... Minha mamãe. Na minha casa... da mamãe.

— Vem cá... – Emmett a pegou no colo. As perninhas ficando em torno de seu corpo e os bracinhos, do pescoço. A ovelhinha ficando espremida entre os dois. Emmettt experimentou uma inquietante ternura quando sentiu o peso da cabeça da menina em seu ombro, o roçar dos cabelos escuros bagunçados, o cheiro de giz de cera e xampu infantil.

Ele era tudo o que ela tinha agora.

— Você vai dormir na minha cama – contou a ela. – É uma cama bem grandona. Você vai se sentir como uma verdadeira princesa dormindo lá.

Pétala ainda chorava. Suas lágrimas caindo na camisa dele agora, na altura do ombro.

— Mas e você? – Edward foi quem perguntou.

— Eu posso dormir no sofá do escritório. Não é tão confortável quanto o da sala, mas, pelo menos estarei mais perto dela.

— É, irmão, você realmente está entrando nessa de ser pai. – Edward fez o comentário, encostando a mão no ombro do irmão.

— É, eu acho que estou sim.

Emmett se encaminhou para as escadas com Pétala nos braços. Pôs-se a subir o primeiro lance. O irmão estava indo logo atrás deles.

A porta de seu quarto estava aberta, assim como a do escritório também estava. Ele levou Pétala direto para a sua cama. Ajeitou o travesseio pra ela. E, novamente, puxou a colcha pesada cobrindo-a até os ombros.

— O que posso fazer para você parar de chorar, meu anjo?

— Mamãe... – Pétala não tinha respondido à sua pergunta. Tinha mesmo era chamado pela mãe.

— A mamãe, isso eu não posso trazer. Infelizmente.

Ele afastou os cabelos da testa dela enquanto olhava naqueles atormentados olhos escuros. Faria qualquer coisa por ela... A força desse sentimento o surpreendeu. Não podia devolver-lhe tudo o que tinha perdido. Não podia dar-lhe a vida que poderia ter tido. Mas podia cuidar dela. Nunca a abandonaria.

— A mamãe cantava... Cantava pra mim.

— A mamãe cantava pra você dormir? – E ele então olhou para Edward. – Isso nós podemos fazer, não é mano?

— Sim. Somos cantores profissionais.

— Não exagere. – Emmett se pôs de pé, aos pés da cama king size. E cutucou o irmão com o braço. – Comece a cantar – pediu.

— Cantar o quê?

— Eu sei lá. Qualquer coisa. Vamos de improviso. – E foi assim que o próprio Emmett deu início a canção. – Boa noite, gatinha. Você vai dormir. É hora de garotinhas estarem sonhando. Sonhando com nuvens de algodão doce. Pôneis coloridos sobrevoando o céu. E ele está tão lindo e azul...

E a coisa mais inusitada aconteceu. Os dois estavam se movendo numa dança sem ritmo algum. Atrapalhados que só eles. Ridiculamente sem jeito. Ainda assim, não estavam dando à mínima. A única coisa que importava era Pétala se sentir bem. E se pra isso tivessem de serem ridículos, que fossem ridículos pela vida toda.

— Boa noite, gatinha...

E funcionou. Ela estava rindo, abraçada a sua ovelhinha de pelúcia, outra vez.

— Está funcionando – Edward falou entre dentes ao irmão. – Está funcionando, mano – ele se mostrou mais animado. E os dois se puseram a cantar com mais entusiasmo ainda.

— Boa noite, gatinha. É hora de dormir. Não precisa sentir medo, o papai e o titio vão sempre estar aqui. Dançando e cantando, espantando os medos, até você dormir.

Minutos mais tarde, Pétala estava sonolenta novamente. Os olhinhos se fechando devagar, as pálpebras pesadas. A cabecinha afundando no travesseiro macio de Emmett.

— Boa noite, gatinha... – eles cantarolaram baixinho, se estendendo na nota.

Afastaram-se da cama como que pisassem em ovos. Emmett apagou a luz do teto e acendeu o abajur ao lado da cabeceira da cama.

Estavam se retirando nas pontas dos pés, quando Pétala abriu os olhos e pediu e fez um pedido.

— Fica aqui, papai e titio. Fica comigo.

O coração dos dois amoleceu. Eles se voltaram de frente pra ela novamente.

— Mas só dessa vez – disseram-lhe os dois. E, cuidadosamente, cada um se prostrou ao lado dela no colchão.

— Se alguém souber que dormirmos na mesma cama, eu te cubro de pancada – Edward fez o alerta, ainda enquanto acomodava a cabeça no travesseiro.

— O mesmo serve pra você – Afirmou Emmett. Antecedendo o momento que a criança voltou a falar.

— Dá boa noite pra coraçãozinho também – Pétala ergueu a ovelhinha nas mãos, para que eles a beijassem e lhe desejam-se boa-noite.

— Boa noite, coraçãozinho – disseram simultaneamente, sem muito animo. Mesmo assim, Pétala se sentiu satisfeita. Ela se aconchegou ao travesseiro, abraçada a coraçãozinho, pondo o polegar na boca mais uma vez.

— Será que teremos de cantar para ela todas as noites? – Edward sussurrou ao irmão, vendo Pétala fechar os olhinhos outra vez.

— Eu espero que não seja o caso. Mas se for, o que podemos fazer?

— É – Edward concordou.

— Vê se não esmaga ela enquanto estiver dormindo.

— É mais fácil você esmagar. Já se deu conta de todo o seu tamanho? É praticamente uma montanha sobre a cama.

— Não irei machucar minha filha.

— Nem eu a minha sobrinha.

— Cale a boca! Ela precisa dormir.

— É você quem continua falando.

Pétala se remexeu e os dois ficaram imóveis, quase se esquecendo de como respirar.

[...]

Quando a manhã chegou, Pétala foi a primeira a despertar. Os dois irmãos estavam bem ali ao seu lado, ocupando quase todo espaço na cama, deixando-a praticamente espremida no pequeno espaço entre os dois.

Moveu as mãozinhas afastando o pesado cobertor até que suas pernas pequeninas apareceram livres. Esticando-as por cima da colcha. Olhou de um para o outro. Esticou os bracinhos cutucando propositalmente no rosto de cada um com as pontas dos dedos.

Segurou uma risadinha quando Emmett coçou o rosto ainda de olhos fechados.

— Eu fiz xixi na cama – falou baixinho. – Acorda papai. Acorda – cutucou no rosto dele outra vez. – Já é dia.

Por um instante esquecendo-se de que tinha uma criança no apartamento, Emmett se irritou com o irmão.

— Edward, seu filha da mãe, pare com isso. Ainda é de madrugada – Emmett abriu os olhos, sendo tomado por um grande susto ao encontrar Pétala sentada na cama, ao seu lado. Ele esfregou o rosto. – Não foi sonho, não. Caramba, você está mesmo aqui. Estou me lembrando, cantei pra você dormir.

— Você e o titio – ela lembrou.

— Sim, sim. Nós dois cantamos pra você dormir. Você é real – de repente, estava puxando Pétala para cima dele. – E me chamou de papai. – Os dois deram risadas juntos. – Eu sou mesmo o seu papai, não é? Sou o papai de uma garotinha. De uma garotinha linda. E com um nome que lembra flor.

Ele sentiu a roupa dela molhada, desconfiado apalpou sua roupa depois os lençóis.

— Ah, não – lamentou. – Você não fez isso?

— Fiz xixi na cama.

— Não. Na minha cama, não.

— Na sua cama, sim.

— Eu devo estar sonhando. Vou fechar os olhos, e então quando acordar tudo não terá passado de um sonho. Você estará sequinha e minha cama como sempre foi; limpa e cheirando bem.

— Não foi um sonho. Foi acidente.

Edward ergueu a mão até encostar ao travesseiro.

— Dá pra calar essa boca – se queixou sem ao menos abrir os olhos.

Pétala ficou quieta olhando pra ele, de cima da barriga do pai.

— Cara, eu tive um sonho muito louco... – ele continuou. – Sonhei que tínhamos que cuidar de uma garotinha... – Girando o corpo pro outro lado, ele deu de cara com os dois, olhando pra ele com o mesmo sorriso no rosto. Quase caiu da cama com a certeza de que nada do que pensava tinha sido um sonho. – Não foi sonho. Ela existe mesmo. Ela é real.

— Sim, ela é real – as palavras de Emmett só vieram a confirmar o que olhos viam. – E fez xixi na minha cama. Dá pra acreditar nisso?

— Titio, você baba.

Edward limpou a boca disfarçadamente.

— Não babo, não. Você está inventando.

— Baba, sim.

— E você faz xixi na cama – ele acusou.

— Eu sou criança.

— Acho que alguém aqui precisa de um banho – Emmett foi quem falou.

— O titio – Pétala rebateu.

— Não. Esse alguém é você, sua espertinha. – Ele agarrou seu corpo pequenino e chacoalhou no alto fazendo-a rir. – Mas não seria nada ruim se o titio decidisse tomar um banho. Ele fede você não acha?

— Fedo coisa nenhuma, seu cretino. Deixe de graça.

Edward estava deixando o quarto do irmão, coçando as costas enquanto caminhava. – Eu tinha esperança de que fosse um sonho – resmungou. E ele tomou um susto quando uma coisinha pequena e roliça passou por ele na porta correndo.

— Segura ela! – Emmett alertou, afobado. Pétala deu risadinhas. – Ela está tentando fugir do banho.

— Missão capturar garotinha fujona em ação – Edward se entusiasmou. E os dois logo se puseram a correr atrás dela pelo corredor.

No entanto, ao viram se aproximar do patamar do primeiro lance da escada, pararam imediatamente de persegui-la. E os dois gritaram ao mesmo tempo.

— Pétala, não!

Apesar de não ter sido essa a intensão, eles acabaram assustando ela. Pétala começou a chorar sem mover um pé do lugar onde estava

Emmett se apressou, imediatamente pegando-a no colo.

— Nunca mais faça isso – murmurou nos cabelos bagunçados dela.

Edward apertou os próprios cabelos nos dedos. – Depois dessa, eu duvido não ter ficado de cabelos brancos. Começamos o dia bem. Será que sobreviverei até o fim dele?

— Eu tive medo – Pétala falou chorando. – Eu tive medo...

— Eu sei – disse Emmett. – Nós também tivemos medo. Nunca mais faça isso. – Ele passou a mão nos cabelos dela, e beijou seu rostinho molhado pelas lágrimas.

— Preciso de um banho e de um café bem forte – Edward saiu falando enquanto descia as escadas.

— E você, pequena fujona, vai tomar banho no banheiro do papai – Emmett falou com Pétala, refazendo o caminho de volta a suíte. – Lá tem uma banheira superbacana. Você pode tomar banho nela, e até brincar se quiser.

— Com a mamãe?

Os lábios dele encostaram-se à testa dela com ternura.

— Com a mamãe não pode ser, princesa. Eu já te expliquei que a mamãe foi morar no céu.

— No céu tem banheira?

— Eu não sei muito bem. Pode ser que tenha. O que você acha?

— Eu acho que sim. Uma bem grande e bonita pra mamãe tomar banho e ficar cheirosa.

Na porta do quarto, ele tornou a beijar os cabelos dela. Quando entravam no banheiro, começou a falar.

— Eu nunca dei banho numa garotinha antes. Sou novato nesse negocio de pai. Então você terá de me ajudar. Do que você precisa? Eu acho que não tenho... acho não, tenho certeza de que não terei xampu infantil.

Ele deixou Pétala no chão e foi preparar a banheira. Quando terminou e se virou de frente para ela, Pétala já tinha tirado as roupas e estava com as mãos na barriguinha.

— Preciso fazer cocô – avisou.

— Bem, eu acho que você sabe que isso aí atrás de você é um vaso sanitário.

— Cadê o troninho?

— Aqui não tem troninho. Só o vaso sanitário mesmo.

— Eu vou cair no buraco.

— Não. Eu te seguro.

— Não. Não quero no vaso. Quero no troninho, que o troninho não tem buraco.

— Pétala, por favor, você já fez xixi na minha cama. Não vai fazer cocô no chão. Eu deveria ter mandado você fazer xixi antes de pôr você pra dormir, esse foi meu erro.

Ela não parava de resmungar. De repente, ele a ergueu do chão e pôs sentada no vaso sanitário mesmo com protestos. Ela até chorou, mas, quando o medo passou, aceitou que ele não a deixaria cair. Fez o que tinha de fazer e ele a limpou antes de colocá-la dentro da banheira, que já tinha uma camada de espuma perfumada se formando.

Deixou que brincasse um pouco. E, então, ficou sentado ao lado da banheira ouvindo suas risadinhas. Sendo atingido por chumaços de espumas em curtos intervalos de tempo.

Sentado ali, observando Pétala brincar, só conseguia pensar nas mudanças que sua presença traria. Nas mudanças que certamente estavam a caminho. E todos os possíveis problemas que viriam juntos. Mas que estava disposto aceitar, por ela.

 


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Notas finais do capítulo

E aí o que acharam? Alguém gostou?
Adoraria vê-los nos comentários :)

Obs: É possível que poste em Um Lugar Para Ficar no próximo fim de semana.
Beijo, beijo
Sill