Underneath darkened skies escrita por Srta Who


Capítulo 4
O Animal Que Ronda Nossas Vidas




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“          Antes do império e da guerra. Antes do bloqueio comercial a Naboo. Muito, muito antes de eu se quer sonhar em conhecer Anakin Skywalker. Quando meu corpo ainda mudava constantemente, fervilhando em seus últimos momentos de puberdade, meu mestre, Qui-Gon, e eu retornamos de uma longa missão que durou um ano inteiro, onde conheci Satine, a mulher que amaria em segredo pelos próximos tortuosos e conturbados anos de minha vida.

Os dias que passamos no templo após nosso regresso foram quase tortura para meu coração. Tentava me distrair das lembranças dela, mas minha mente me traia constantemente caso eu não estivesse ocupado. Portanto, passei boa parte desses dias, que logo tornaram-se semanas, na grande biblioteca do templo, afogando-me no máximo de livros possíveis, e quando nem esses mostraram-se suficientes para manter distraída minha mente traiçoeira pedi permissão a meu mestre para visitar a biblioteca da capital, onde certamente haveria uma maior variedade de livros. Ele aceitou de bom grado meu pedido. E lá, xeretando nas estantes mais escondidas, encontrei um estudo intitulado ‘Os cinco estágios da dor’. E as palavras daqueles estudiosos fizeram completo sentido para mim. Bem, ao menos, naquela época.

Tudo começa com a negação, acreditamos cegamente que a situação em que nos encontramos não é real. Que não passa de um grande pesadelo do qual acordaremos em breve. E talvez, se você tiver sorte, seja de fato apenas um pesadelo. Mas, se for um desafortunado, como eu o fui, vai perceber, mais cedo ou mais tarde, que seu pesadelo não é nenhum pesadelo, que você não está dormindo, e que tudo aquilo é apenas o começo.

Na sequência, viria a raiva. Quando finalmente se percebe que tudo o que estava acontecendo era sua realidade, você responderia de uma maneira agressiva. Começa com raiva de si mesmo por ter se deixado enganar, por não ter percebido a verdade mais cedo. Porém, logo depois se tem raiva dos outros. Você vai tentar culpa-los por seu destino. A raiva te consumirá.

Entretanto, mesmo o ódio mais ardente esfria com o passar do tempo. O resfriamento da raiva leva a barganha. À negociação consigo mesmo. Em minha opinião, esse é o estágio mais interessante. É quando negociamos com nosso próprio cérebro. É nessa fase que tentamos nos convencer de que tudo, inclusive o passado, pode ser concertado. Esse é também o ponto onde mais nos decepcionamos.

A decepção causada pela barganha vagarosamente, como translação de um planeta que encontra-se distante de sua estrela mãe, nos arrasta para o penúltimo estágio, a depressão. É quando tudo desaba, bem de baixo dos seus pés. É onde há tantos 'porquês' em sua cabeça que nada mais faz sentido. É quando se entra num limbo cinza e negro quase infinito. É nesse momento em que todos os seus sentimentos podem ser resumidos em um único e profundo sentimento, angústia. Angústia esta que parece consumir, lenta e dolorosamente, cada gota, cada pedaço, cada ínfima sombra que contenha alguma célula, algum átomo, alguma lembrança do que, um dia foi você.

E por último, chega-se à aceitação. É nesse momento em que as coisas começam a voltar para seu lugar natural. Onde alcança-se a consciência de que o passado é imutável, mas o futuro é uma incógnita. É onde a dor acaba e você consegue voltar a ser feliz.

Pelo menos, essa é a teoria.

É algo extremamente reconfortante acreditar que após cinco passos você estará livre daquele peso em seu coração que tirava seu sono à noite. Crer que aquilo que te magoou irá embora após a aceitação. Entretanto, acreditar nisso é como esperar que as areias de Tatooine sejam resfriadas pela chuva no meio do verão. Não passa de uma doce, porém frustrante, ilusão.

Agora, com mais de trinta anos pesando em minhas costas e consciência, enxergo tudo isso de um âmbito completamente novo. Após meditar bastante, cheguei a uma conclusão sobre esse assunto: Todos os que acreditam que a dor possuí cinco estágios definidos e que depois deles ela vai embora, tão rápida e sorrateira quanto um ladrão na noite, ou são tolos ou nunca sofreram de verdade.

A verdade é que a dor tem apenas um único, longo e terrível estágio: O desmoronamento. Onde todos os sentimentos do indivíduo são liberados ao mesmo tempo, de uma maneira tão avassaladora que como uma estrela decadente o ser colapsa em si mesmo.

O sofrimento não é uma ciência, portanto não pode ser compreendido como tal. Só podemos senti-lo e teme-lo. Ele um animal que ronda nossas vidas e que de tempos em tempos nos ataca impiedosamente, deixando terríveis feridas que doerão muito no começo e menos com o passar das estações. Feridas que vivarão cicatrizes. Cicatrizes que nunca sumirão. Que nunca nos deixarão esquecer que a besta, selvagem e destemida, ainda está por perto, apenas preparando-se para um novo ataque. ”

Escreveu Ben Kenobi em seu diário que havia adquirido recentemente em uma de suas últimas visitas a cidade, cerca de um mês atrás. O homem ia cada vez menos à dita civilização agora que Luke, já com um ano, começava a comer outras coisas que não a terrível comida semilíquida para bebês.

No começo nem o próprio Kenobi sabia porque comprou aquele diário, e apenas o deixou jogado num canto. Isso até uma semana atrás, quando seus pesadelos se tornaram insuportáveis e Qui-Gon parecia não ter o mínimo interesse em visita-lo. Foi só então que o homem percebeu o quanto escrever aliviava sua alma.

—Acho que ao te fazer meu padawan privei a galáxia do que poderia ter sido um de seus mais celebres escritores. – Disse Qui-Gon, que como de costume apareceu do nada.

—Em compensação. – Comentou Ben com um minúsculo e amargo sorriso nascendo em seus lábios. - A livrou de um terrível fazendeiro. – Ele fechou o diário e o pôs cuidadosamente sob o travesseiro, onde era seu lugar. Qui-Gon sentiu em sua voz algo diferente, não era o tom brincalhão de sempre, era outro…. Um tom triste que ele nunca havia usado antes. Jinn pode ver através da força que seu antigo aprendiz estava mais cansado do que nunca. Fisicamente ele estava completamente bem, mas, psicologicamente falando, Kenobi estava horrível.

—A monótona rotina de Tatooine o incomoda?

—Durante a guerra tudo o que eu queria era uma vida monótona onde eu não tivesse que matar outros seres ou negociar pela vida de sistemas inteiros. O desejo de caçar piratas laranjas do espaço se foi desde os meus 20 anos.  

—Então qual é o problema?

—Já faz um ano e.... E eu não tive notícias de jedi sobreviventes.  

—Nem um jedi além de Yoda sabe que você está vivo.

—Eu sei. É só que.... Os distúrbios na força são cada vez maiores. Você sabe qual o meu dom. Me conecto com a força num nível profundo, tão profundo que sinto como se eu fosse tudo ao redor, desde meus inimigos até os objetos. Então....

—Então você sabe que está acontecendo uma chacina lá fora. Que nossos irmãos e irmãs são mortos impiedosamente. Que seus corpos são jogados em locais públicos para servirem de aviso para todos os rebeldes.

—Sim, posso sentir isso, juntamente com a raiva empregada nos assassinatos. - Ele abaixou a cabeça, e deu um profundo suspiro de desgosto antes de falar novamente. -Somente um Lord Sith possuí um ódio tão profundo.

“Darth Vader”  Gritava a mente de Ben, fazendo com que um arrepio percorresse todo seu corpo.

Mesmo nos planetas mais distantes da orla exterior os rumores sobre a crueldade do braço direito do imperador espalham-se como praga. "Ele é um assassino." Eles dizem "Um torturador impiedoso." Repetem enquanto tremem de medo dentro de suas casas "O pior pesadelo de qualquer um, desde crianças pequenas que ouvem os rumores até adultos fortes e velhos decrépitos." Murmuram na noite. 

O que nenhum deles sabe é que esse monstro desalmado ao qual tanto temem tem o mesmo corpo do herói, que não muito tempo atrás, seus filhos aclamavam. O que nenhum deles diz que um único pecado matou o herói e libertou essa criatura. O segredo que não cochicham nos bares, em casas ou nas ruas é que esse pecado foi amar. Amar tão profundamente alguém ao ponto de destruir tudo apenas para ver esse amor a salvo. 

—Quantos... Quantos de nós sobraram. – Perguntou Ben com a voz quase sumindo em sua garganta. A imagem azulada, com uma expressão de desalento no rosto, balançou a cabeça negativamente.

—É impossível dizer. O número muda a todo instante. Mas, há cada dia que se passa aproxima-se a hora em que você e Yoda serão os últimos jedi vivos. – Houve um silêncio glacial, ambos submergiram em seus pensamentos por um momento. Até que Kenobi, com uma voz tão fraca que se quer parecia sua, fez a pergunta que há muito o atormentava.

—O que me faz diferente dele?

—Como?

—Eu fui tão raivoso quanto Anakin, na juventude, talvez até mais. E no fim tudo o que Anakin fez, fez para proteger Padmé, porque ele a amava. O que Anakin fez por Amidala, que eu não faria por ele, ou mesmo por você, mestre?

—Ao tentar salva-la, Anakin Skywalker tornou-se o próprio mal do qual tentou proteger o amor de sua vida. Ele tornou-se Darth Vader, o próprio ceifeiro da morte. E isso, isso é algo que eu sei que você jamais faria. – Alguma coisa nas palavras, sempre tão sábias, de seu mestre deixavam Ben desconfortável. “Ele está mentindo. Por que ele está mentindo? Qui-Gon nunca mente. ” Depois de um longo momento de reflexão o homem caiu em si. “Não, ele não está sendo desonesto. Ele simplesmente não conhece a verdade"

—Está errado. Anakin não se tornou Darth Vader. Darth Vader o matou. Essa é a verdade.

—Você melhor do que ninguém deve compreender que grande parte das verdades as quais nos agarramos dependem do ponto de vista.

—Eu entendo. E do meu ponto de vista Anakin Skywalker morreu lentamente desde a primeira vez pôs seus pés na capital da república. Do meu ponto de vista, cada vez que nós voltávamos para Coruscant ele era envenenado e corrompido lentamente pela grossa neblina sombria que rodeava a cidade. Do meu ponto de vista o garoto que eu conheci e amei como irmão jamais viraria as costas a algo ao qual jurou lealdade incondicional. Do meu ponto de vista não há outra verdade.

—Ele traiu a democracia, e a república. Você vendo isso, ou não. – Respondeu Qui-Gon, em sua típica calmaria.

—Eu não estou falando de ideais. Anakin nunca foi uma pessoa leal a ideais abstratos, ele era leal a pessoas. Aos olhos dele, os jedi nunca foram sua família. Eu fui. Eu o treinei. Eu o vi crescer. Eu estive ao seu lado nos momentos difíceis. Como ele mesmo disse uma vez, eu era como um pai ou irmão mais velho para ele. E isso.... Essa ligação Anakin jamais trairia. Tenho certeza disso.

—Essa é a verdade que escolheu.

—Não. Não foi uma escolha. Esta é a única verdade que me parece sensata. Nunca houve e nunca haverá outra. Anakin foi meu irmão em vida, e morreu sendo meu irmão. Ele nunca me trairia. Ele nunca faria o que Vader fez. 

—Muito bem então.

—Ana-Anadin? – Uma vozinha infantil repetia. Luke entrava cambaleando no quarto. Treinando sua recém-adquirida habilidade de andar sobre duas pernas. Habilidade que ainda não havia dominado completamente pois caiu de joelhos antes mesmo de chegar perto dos homens.  Ben, preocupado com Luke, como sempre, rapidamente andou até ele pegou-o nos braços, e o garoto, como de costume, começou a brincar com a barba vermelha de Ben, que aos olhos do bebê de bochechas redondas e rosadas parecia a coisa mais interessante de todas.

—Sim. Anakin, seu pai. – “O pai que, por minha culpa, você nunca conhecerá. ” Completou mentalmente. 

—Não acho uma boa ideia dizer isso a ele. – Comentou Qui-Gon.

—Qi-Don! – O garotinho gritou. Luke convivia com esses dois homens desde seu primeiro dia de vida. Ele nunca se assustou com o homem azul que aparentemente não podia ser tocado pois tudo o atravessava. Ele podia sentir que Qui-Gon não era ameaça. Muito pelo contrário, era um amigo para se manter por perto.

—Olá, Luke. – Ele respondeu sorrindo. –Como vai?

—Eu. Ben.

—Que bom que está bem.

—Não! Ben! – Ele disse abraçando o rosto de Kenobi. Que sorriu com a demonstração de afeto.

—Esconder a realidade seria muito pior. Já tivemos mentiras e segredos o bastante por uma vida. Vou contar a verdade quando a hora chegar.

—A verdade? Qual delas? – Questionou o fantasma antes de desaparecer no ar como a neblina.

—Pai! – Luke exclamou.

—Isso mesmo, Anakin, ele era seu pai.

—Não! – O loirinho reclamou.

—Não? – Disse Kenobi com curiosidade.

—Não! Ben. Pai. Vedade!

            “Verdade...” aquilo não era verdade. Ele não era pai de Luke, não no sentido biológico da palavra. Mas pensando bem, biologicamente falando, ele também nunca foi pai ou irmão de Anakin. E mesmo assim eles se tratavam como tal, e isso nunca o incomodou. Talvez o que realmente o constrangia naquela frase era que soava como se ele estivesse roubando o lugar de seu amigo na criação de Luke.

—Não, Luke. Anakin. Pai. – O garotinho fez uma careta e bateu nos ombros de Ben.

—Ben. Pai! Ben. Pai! Vedade! Vedade! – Ele dizia.

            Agora que Luke havia crescido de vez em quando ele ia com Ben até a cidade, e quando não, algumas mulheres com sorrisos no rosto perguntavam “Como está seu filho? “. Ele sempre respondia que Luke não era filho dele, mas por alguma razão elas continuavam perguntando a mesma coisa. Talvez, aquilo em parte fosse verdade. Mas, como aprendera desde cedo no templo jedi, uma meia verdade é sempre uma mentira completa. Não seria justo não dizer a Luke que Anakin era seu pai, tão pouco seria justo excluir-se completamente como pai dele. Contando apenas um desses lados Ben seria um mentiroso.

—Ben. Pai. Anakin. Pai.

—Ben. Pai. Anadin. Pai. – O menino repetiu.

—Muito bem, pequenino. – Disse Kenobi afagando os cabelos loiros do bebe em seus braços.

            Querendo admitir ou não, a mais pura verdade, independente de ponto de vista, é que Kenobi tornara-se era tão pai de Luke Skywalker quanto o próprio Anakin. 


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