O conto esquecido. escrita por Triz Quintal Dos Anjos


Capítulo 16
A mesma luz.


Notas iniciais do capítulo

LOOK WHO IS BACK AFTER ALL THIS TIME!!! EU MESMA! AAAAAAAAAAAA GENTE EU TÔ CM MT SDD, VCS NÃO TEM IDEIA! :3
Finalmente consegui terminar o cap, e pude vir! Vcs provavelmente reparam no quão grande ele ficou. Pois é, acho que é o maior cap que eu já escrevi em toda a minha vida. Espero que não tenha ficado parado, porque deu um senhor trabalho e esforço, afinal, escrever enquanto estuda o dia inteiro NÃO é simples ou fácil.
Bom, a músiquinea de hoje e Brave, honest and beautifull - Fifth harmony
Espero que gostem s2



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  Naquela manhã o tempo estava um pouco mais ameno, o que significa que eu estava com frio. Eu acreditava que devia ser pela proximidade do outono. Me assustava pensar que já fazia cerca de dois meses que eu estava ali, em um outro mundo que não era o meu. Um reino ao qual eu não pertencia.

  Mas, afinal, onde era o meu lugar? Será que algum dia eu poderia chamar algum lugar de “lar”?

—Então você e ele estão se dando bem? – Perguntou João, interrompendo meus pensamentos. 

—Bom, acho que posso dizer que sim. – Respondi, ajudando-o a recolher as cuias de barro que tinham sido usadas na noite anterior e agora estavam espalhadas por todo o lugar. – Mas Ariana não está colaborando. Na verdade ela parece estar bem chateada com o Arthur.

  João parou e ficou me olhando, como se me investigasse.

—Então ele não te contou?

  Ergui a sobrancelha fitando-o com curiosidade.

—Não me contou o que?

  João suspirou.

—Sabe, se eu fosse a Ariana, também ficaria “chateada”.  Arthur não é nenhum santo, Lilly Cat.

—Eu sei disso, mas todo mundo merece uma segunda chance, não?

  O moreno ponderou.

—Realmente. Só tome cuidado com ele, Arthur pode magoar você. Ou pior, magoar Ariana mais uma vez.

—Não se preocupe, papai. – Brinquei. – Eu sou uma menina muito cuidadosa.

—Você é uma palhacinha, isso sim. – Ele brincou, apertando meu nariz e pegando as cuias que havia recolhido para levar para Beto.

Joãozinho do meu coração, eu posso levar isso. – Contestei.

—Deixe-me ser um cavalheiro pelo menos uma vez na vida, Srta. Peterson.

  Revirei os olhos enquanto ele ria e caminhava em direção a Beto.

  Suspirei. Era sempre divertido estar com João, mas hoje eu estava terrivelmente exausta. Só queria deitar no primeiro lugar deitável e dormir pelos próximos cem anos.

  Olhei para o chão cheio de mato e folhas. Bem, não devia ser tão ruim deitar ali, não é mesmo? O chão podia estar ali embaixo, em algum lugar, e provavelmente eu estaria hiper suja quando acordasse. E horrenda. E cansada. E com fome. E com frio.

  Na verdade, eu já estava assim, dormir no chão não tinha nada a ver com isso.

  Definitivamente, o cansaço estava alterando meu cérebro. E para pior.

—Lilly? – Ouvi alguém chamar, interrompendo meus planos esquisitos.

—Eu? – Semicerrei os olhos ao ver Safira. Era extremamente louco a habilidade dela de aparecer do nada. – Ah, é você Fira! Pode falar.

  Ela sorriu nervosa.

—Eu estava pensando se, esta noite, não poderia nos contar alguma história. Sabe, como as que você costuma narrar para Ariana.

  Sorri. Devia anotar para lembrar depois, quando estivesse me lamentando pela droga da minha vida: Safira é um amor de pessoa.

—Mas é claro! Você pensou em alguma em específico?

  Ela abaixou a cabeça e colocou uma mecha rebelde atrás da orelha.

—Na verdade, não. Eu pensei que todos nós poderíamos escolher juntos. Sabe, o senhor Arthur está planejando um roubo amanhã. Um muito perigoso. E eu estava achando os homens muito preocupados, então pensei que...

—Espera. – Cortei-a. – Contar um história para todos os homens?

—E para mim, Helena, Ariana... O que foi? – Ela perguntou com a testa franzida. – Olhe, eu vou entender se você não quiser. Não tem nada demais nisso, é só uma história.

  Nesse momento algo dentro de mim pareceu gritar. “Não tem nada demais nisso, é só uma história.” Não, uma história não é só uma história.” NÃO!” Era essa a palavra que eu ouvi com uma intensidade absurda dentro de mim.

  Inicialmente fiquei preocupada. Claro, narrar para homens muito mais velhos que eu, bem isso não parecia algo fácil. Impressionar Ariana era muito fácil se alguém parasse para comparar. Ela era apenas uma criança, tinha a imaginação fértil. Mas homens adultos?! Eles tinham passado por muito mais coisas que uma criança. Muito mais coisas que eu.

  Mas eu não poderia deixar aquele pensamento ser espalhado. Uma história, jamais será uma história. Uma história é esperança, é alegria, é uma fuga. Uma história é liberdade.

—Lilly?

  Balancei a cabeça para tentar vir de volta para a realidade.

—Eu só estava pensando.

  Safira abraçou a si mesma e inclinou a cabeça para a direita.

—E qual é a sua resposta?

—Eu vou contar uma história para eles.

  A loira teve um mini ataque, bateu palminhas e me abraçou. Tudo isso enquanto murmurava uma séria interminável de Obrigada’s.

                             ❀✿❀

  A hora havia chegado. Lá estava eu, apenas uma menininha, sentada entre homens de cerca de trinta anos. Arthur reparara que eu não havia tocado na comida, assim como João. Mas eu estava nervosa demais para responder.

—Vá logo. – Incentivou Fira, com um de seus sorrisos extremamente brancos. Brancos demais para uma camponesa aprisionada. –  Não há motivos para ficar assim! Olhe, se você contar a história agora, o nervosismo irá passar, você vai ficar com fome e, finalmente, vai comer essa comida intocada.

  Olhei para minha cuia, onde havia uma sopa aguada que eu nem havia olhado direito.

—Eu acho melhor esperar eu ficar pronta.

—Ninguém nunca vai estar realmente pronto. É isso que está sentindo agora que diferencia os bravos dos covardes: o medo.

  Fiz uma careta.

—Quem disse que estou com medo?

  Safira sorriu mais. Só então percebi o quanto ela sorria quando estávamos juntas.

—O que você quer ser, Lilly? Porque se a sua resposta for “covarde”, bem, eu irei respeitar sua escolha.

  Suspirei, derrotada.

—Tudo bem. Vamos lá.

  Fira praticamente pulou ao se levantar. Arregalei os olhos enquanto ela batia palmas sem parar e clamava por atenção. Todos os presentes estavam tão surpresos quanto eu.

  Onde estava a loirinha reservada de olhos azuis?

—Obrigada! – Ela disse, assim que todos os olhos se voltaram para ela e seu barulho. – Nossa amiga, Líria, tem uma história para nos contar! Ela acha que pode ser um divertimento, antes do roubo de amanhã!

  Então ela olhou para mim. E em dois segundos me tornei o centro das atenções.

  Pigarreei, nervosa.

  Eu tinha que fazer aquilo.

—O que eu faço? – Sussurrei, ao me levantar.

—Ouça o que o seu coração disser.

  E lá estava eu, de pé. A única em pé. Céus.

—Ahn... Boa noite.

  Arthur segurou uma risada quando ninguém nem mesmo me respondeu. Semicerrei os olhos para ele e enchi meus peito.

—Bem, os senhores gostam de algum tipo específico de história?

  Nada.

—Vá em frente. – Safira me encorajou com um sussurro.

  Ouça o que o seu coração disser. Tudo bem, só tinha que olhar para dentro de mim e ouvir. Sempre ouvira vozes quando não queria, então, elas tinham que reaparecer quando eu precisasse, não?

—Certo, farei isso por conta própria, então. – Pigarreei. – Há muito tempo, bem no interior de um grande reino, existia uma vila. Um lugar há muito esquecido pelas pessoas ambiciosas e vaidosas daquela região.

  Safira se inclinou, interessada.

Diferente delas, o povo daquela vila era simples, sem qualquer ambição. Gostavam da rotina, de tudo sempre muito igual, das coisas normais e costumeiras que a vida podia lhes oferecer.

—Ok, ok, ok. Já chega, não? – Perguntou Arthur, num tom debochado.

—Cale essa boca. – Alguém gritou.

  O líder revirou s olhos, mas obedeceu.

Toda manhã a senhora Steinfeld, que estava com a barriga enorme esperando seu primeiro filho, abria sua janela e dizia alto o suficiente para que as pessoas que passavam escutassem:

“_Mas que dia maravilhoso! Igual ao de ontem! Certamente como amanhã!

“_Realmente, senhora Steinfeld! – Dizia o fazendeiro Radford.

“_E como vai seu marido? – Perguntava Rafael, seu irmão.

“_Bem, como sempre. – Ela respondia, como fazia em todas as manhãs.

 “Era sempre daquela forma. Os mesmos assuntos, os mesmos encontros, tudo era sempre igual.”

—Parece uma vida entediante. – Comentou João.

  Abri um sorriso, sentindo o medo indo embora aos poucos.

—E é mesmo. – Confirmei, antes de continuar. –  Até que, em um dia um pouco mais quente que o normal, chegou um casal. A mulher estava grávida.  Provavelmente logo nasceria a criança, imaginava o padeiro, que fora o primeiro a notar o casal de forasteiros. – Parei um instante, enquanto tossia. –  Eles eram estranhos, comentavam todos. Tinham cabelos escuros, da cor dos troncos das árvores, a pele era morena e brilhante, os olhos cor de âmbar.

—Não me parecem estranhos... – Beto disse.

—Claro! Você não é um dos habitantes desta vila! Para eles era estranho. – Afirmei, com convicção. O que fez alguns homens rirem, mas eu não me importei e até ri com eles.

—Ah, me desculpe, então. – Beto falou, com as mãos erguidas.

—Continue logo, Lily! – Pediu Helena, que estava sentada entre João e Fira.

  Abri um sorriso divertido, que a menina prontamente correspondeu.

—  Se comportavam de uma forma esquisita, tinham ideias estranhas e andavam para lá e para cá com livros, sem nem olhar para onde iam. Ninguém sabia onde eles moravam, ou como conseguiam dinheiro, ou quais eram seus primeiros nomes. Eram conhecidos apenas como senhor e senhora Alden, nada mais.

—E o que aconteceu? – Vi os lábios de Ariana se moverem silenciosamente, de modo que só eu percebesse sua pergunta.

  Ergui uma sobrancelha para ela e continuei.

—  Os moradores da vila não gostavam daquilo, aqueles estranhos haviam chegado e as coisas já estavam todas diferentes!

—Eu não gostei deles. – Comentou Helena. – No final eles podem morrer?

  Gritos de apoio foram lançados de todas as partes. Estufei os olhos.

—Esperem um pouco, eu não mando na história! – Contestei. – Não vou matar ninguém! Se esse for o destino dos personagens, bem, não tenho nada a ver com isso. Só estou relatando o que aconteceu.

  Todos riram.

—É só uma história, Srta. Peterson. – Debochou Arthur.

—Não. É muito mais que isso. Uma história bem contada pode ser muito mais poderosa que uma espada. – Retruquei.

  Um silêncio se instalou no local, mas eu não me incomodei. Estava me sentindo muito mais confiante agora.

—Bem, como eu ia dizendo... – Sorri com escárnio para o líder. – Agora os dias não eram sempre frescos como antes, e a senhora Steinfield nem sempre conseguia trocar as mesmas palavras com o fazendeiro Radford e seu irmão Rafael; e o padeiro queimava mais fornadas do que seria aceitável.

 “Até que, de repente, tudo acordou como antes. Exceto pela senhora Steinfield, que agora estava ocupada demais com suas duas filhas gêmeas recém nascidas para abrir a janela.

  “Os forasteiros simplesmente tinham sumido, de uma hora para outra. E os moradores realmente pensaram que tudo voltaria ao normal, até que, em seu celeiro, o fazendeiro Radford encontrou um bebê.”

  A mesa foi tomada por uma onda de surpresa.

—Eu não acredito! – Gritou Beto, dando um soco na mesa.

  Continuei como se nada tivesse acontecido, falando por cima de meio milhão de homens, mas houve um momento em que todas as vozes cessaram novamente.

—_Uma menina! – Ele contava ao padeiro. – Com aqueles cabelos, olhos e pele estranhos, dos forasteiros!

“_Por Deus! Onde será que eles estão? – Perguntou o velho padeiro.

  “Mas ninguém sabia onde tinham ido. E, apesar de não gostarem da ideia, a vila se uniu para criar a menina dos Alden.”

—Ah, eles não parecem mais tão maus.

—Sim, concordo com Helena. – Safira disse.

—É, eu também concordo. – Falei. –  Ela dormia no celeiro do fazendeiro Radford e trabalhava com o padeiro, desde muito nova. As roupas eram doadas pela senhora Steinfield, quando estas já não serviam mais em suas filhas.

—Então as coisas voltaram ao normal? – Perguntou um garoto magrelo que devia ser um pouco mais velho que eu.

—Na verdade não. – Respondi, tirando uma mecha de cabelo detrás da orelha. – A menina dos Alden sempre aparecia e mudava o assunto sobre o qual a senhora Steinfield falava. Sempre impedia o padeiro de queimar uma fornada de pães – que havia se tornado a nova rotina. Sempre pegava a bola das crianças antes que a janela da velha senhora Winnifred  fosse atingida. Sempre cantava no ritmo da batida das canecas vazias dos homens, impacientes para tomar um pouco mais de cerveja, e o pior era que nunca era a mesma música!

—Retiro o que eu tinha dito.

—Shhhhhh! Cala a boquinha, Helena! – Repreendeu João.

  Dei uma risadinha e continuei.

Ninguém gostava da garotinha dos Alden, afinal, ela herdara aquele sangue ruim dos forasteiros.

  “Os anos se passaram, até que a menina já tivesse dezesseis anos. Com suas ideias estranhas, ela continuava a mudar a rotina do lugar.

“_Mas não pode ser possível, senhorita Alden! – Gritava a senhora Steinfield. – Não é esta a conversa que sempre conversamos! Você é mesmo uma garota irritante!

 “Mas a senhorita Alden nunca se ressentia, sempre abria seu sorriso mais amável e dizia:

“_Quando eu for embora, a senhora sentirá minha falta.

 “ E seguia seu caminho até a padaria, pois sabia que um dia iria para um lugar onde as pessoas apreciariam sua presença em uma conversa.”

—Que triste... – Comentou Fira, mas nem eu, nem os homens, responderam.

—  Sabia que, quando fosse embora dali, a senhora Steinfield sentiria sua falta. E, se sentiria sua falta, era porque, em algum momento, apreciara sua presença.

—Quero ver se ninguém sentir falta dela. Vai quebrar a cara.  – Arthur disse, apenas aumentando minha vontade de esquecer nosso acordo e dar o fora dali.

—Veremos. – Retrucou Beto, que parecia estar tão farto quanto eu.

— E a rotina continuava, sempre muito igual e entediante para ela. – Continuei. – Mas que inferno! – Gritava o padeiro. – Meus pães estão fora do forno novamente! Eles deviam ter queimado!

“_Fui eu que os tirei de lá. – Confessou a jovem Alden, enquanto ia servir alguns clientes. – Assim, não atrasamos o trabalho.

“_Não me importa menina! É assim que tem que ser! Ah! Você é mesmo uma péssima ajudante!

  “Mas a menina não tinha raiva. Ela sempre se virava, abria seu sorriso mais amável e dizia:

“_Quando eu for embora, o senhor irá sentir minha falta.

“_Bobagem! Pura bobagem! – Ele gritava em resposta.

   “ Mas ela não se ressentia. Apenas continuava seu serviço.

  “A moça sabia que um dia iria ir, ela não pertencia àquela vila, seu lar era algum lugar muito longe dali. E nesse lugar ela seria bem-vinda.

  “Mas como fazer o padeiro entender isso? Ela já havia tentado e não funcionara, não restava mais nada a fazer.

  “Sabia que um dia ele sentiria sua falta. E, se sentiria sua falta, era porque, em algum momento, apreciara sua presença.”

—Essa porcaria vai ficar se repetindo?

—Argh, eu quero ouvir o resto, senhor. – Ouvi alguém responder.

  Como se nada tivesse acontecido, voltei a contar a história.

Depois do trabalho ela sempre encontrava as crianças da vila jogando bola, afinal, seus dias  continuavam sempre muito iguais e entediantes para ela.

“_Pelos céus! – Gritavam as crianças, aborrecidas. – Você não deveria pegar a bola!

“_Mas aí a janela da velha senhora Winnifred iria quebrar e ela brigaria com vocês! – Dizia a senhorita Alden.

“_Mas é assim que tem que acontecer! Você é mesmo uma moça muito chata!

 “ Mas ela nunca se ressentia, abria seu sorriso mais amável e dizia:

“_Quando eu for embora, vocês sentirão a minha falta.

  “E devolvia a bola ás crianças.

  “Um dia estaria em um lugar onde as crianças iriam agradecer quando ela impedisse que algum acidente acontecesse.

  “A senhorita Alden sabia que quando fosse embora, aquelas crianças iriam sentir sua falta. E, se algum dia sentiriam sua falta, era porque, em algum momento, apreciaram sua presença. — Parei um instante para ver os rostos curiosos dos homens. Até mesmo Arthur parecia um pouco mais interessado agora. – Então ela seguia em frente, na direção da taberna do senhor Johnson. E a rotina continuava, sempre muito igual e entediante para ela.

“_Mas que diabos! Você não deve cantar quando batemos nossas canecas na mesa! – Falavam os homens irritados, enquanto esperavam pela cerveja. – É mesmo verdade o que dizem, você não tem jeito!

  “Mas a senhorita Alden nunca se ressentia. Ela apenas abria seu sorriso mais amável e dizia:

“_Quando eu for embora, vocês irão sentir a minha falta.

  “Mas ninguém achava que ela iria, realmente, embora. Era apenas um fardo que teriam que carregar até o dia em que a moça morresse.

  “Até que, em um dia mais quente que o habitual, o padeiro queimou uma fornada inteira de pães.  Talvez, a senhorita Alden pudesse ter impedido eles de tostarem no forno, pensou ele.

  “A senhora Steinfield trocou as mesmas palavras numa conversa extremamente rasa com o fazendeiro Radford e seu irmão Rafael.  Depois, meio melancólica, ficou lembrando como os assuntos que a senhorita Alden iniciava eram interessantes.

  “As crianças acertaram a bola na janela da velha senhora Winnifred, e levaram uma bela bronca. Mais tarde pensaram que, talvez, aquilo não tivesse acontecido se a senhorita Alden tivesse pegado a bola antes que a janela fosse quebrada.

  “ Os homens bateram suas canecas na mesa até que elas fossem enchidas de cerveja, mas ninguém cantou alguma música desconhecida com o ritmo que elas faziam.  E eles souberam que, talvez, se a senhorita Alden tivesse aparecido, eles teriam ouvido uma bela música para alegrar seu dia.

    “Contudo ela não apareceu naquele dia. Nem no outro. Nem no que veio depois daquele.”

—E o que houve com ela?! – Safira perguntou, preocupadíssima.

—Bem, não precisam ficar preocupados. – Pigarreei. –  Nenhum deles soube que ela tinha, finalmente, ido para seu lar. Onde sempre apreciavam sua presença em uma conversa. Onde sempre lhe agradeciam quando ela impedia que um acidente acontecesse. Onde os homens cantavam com ela enquanto batiam suas canecas vazias na mesa de madeira da taberna. Onde ela se casou, construiu uma família e foi muito feliz. Onde ela era bem-vinda.

—Eu sabia! – Gritou Helena. – Sabia que ela ia ter um final feliz!

  Sorri para ela, feliz com sua reação.

—Mas e os moradores? – Perguntou alguém.

  Quando vi que quem havia perguntado era Arthur, abri um sorriso vitorioso e cruzei os braços, erguendo a sobrancelha esquerda.

Enquanto isso, os moradores da vila sentiam sua falta, mas agora que ela já tinha ido, era tarde demais para dar valor á sua presença. — Completei. – Fim.

  Repentinamente todos os homens se ergueram batendo palmas. Em seus rostos eu via admiração. Alguns até mesmo sorriam para mim, coisa que dificilmente faziam.

  Senti minha cabeça girar. Eu tinha conseguido. Tinha dado a eles a coisa mais preciosa que alguém poderia lhes dar: esperança.

—Obrigada pessoal! – Agradeci, rindo sem parar. – Obrigada! Muito obrigada!

—Foi a coisa mais linda que eu já ouvi! – Disse Safira, completamente maravilhada. – Você é incrível, Lilly!

  Corei, fazendo com que João risse.

—Ah, você acabou de receber um elogio, continue com aquela vivacidade de dois segundos atrás! – Ele brincou.

  Revirei os olhos e abracei-o, então, assim que nos separamos, comecei a bater palmas como Fira havia feito para chamar atenção.

—Gente, por favor, quero falar com os senhores! – Todos se calaram e voltaram a sentar. – Então, o que entenderam da história?

  Eles se entreolharam.

—Que... devemos fazer a coisa certa antes que seja muito tarde? – Arriscou-se Helena.

—Quase. – Falei, sorrindo para ela, que sorriu de volta. – Vamos gente! Arrisquem-se! Não é tão difícil!

—Ahn, creio que seja algo como... – Arthur parou para pensar. – ... Dar valor ás pessoas, pois amanhã pode ser que elas não estejam mais ali.

  Dirigi a ele o mesmo sorriso amável que o que havia lançado a Helena.

  Havia algo em seu olhar, na forma como ele tinha dito aquilo, eu não saberia identificar o que era, mas parecia... dor?

—Perfeito. – Confirmei e voltei a sentar, mais uma vez sob uma salva de palmas.

                             ❀✿❀

—Eu não vou ficar aqui! – Protestei.

  Arthur bufou.

—Peterson, você não vai ir. Ponto.

  Bati o pé e fiz cara feia. Ficar no acampamento tomando conta do oxigênio? Sem chance!

—Eu quero ir! Posso ser muito útil.

—Ah, claro que pode.

—Não seja irônico, estou falando sério.

  Ele riu.

—Se eu te levar, garanto que você vai dar um jeito de nos impedir.

—É, não posso contestar isso. – Disse, derrotada, fazendo uma careta.

—Muito bem, senhorita Líria Catarina, você irá permanecer aqui com sua irmã, Safira e Ariana. Enquanto isso eu e os homens iremos trazer os tesouros que conseguirmos nesse roubo.

  Revirei os olhos e coloquei a mão esquerda na cintura enquanto apontava para o homem á minha frente com a direita.

—Você planeja roubar quem?

—Humpf, a comitiva real.

  Estufei os olhos.

—Isso é sério?

—Tenho cara de quem está brincando? – Fiz que não. – Então você já tem sua resposta.

  Ele fechou o baú, onde estava procurando alguma coisa que não estava ali, pois se dirigiu a outro canto da tenda da baguncinha.

—Mas isso é perigoso!

—Somos ladrões, mocinha.

—Não importa! Vocês não deviam nem mesmo roubar!

  Ele parou bruscamente e se virou para mim, irritado.

—Será que você poderia me deixar em paz?

—Não! – Retruquei. – Isso está errado, roubar é errado!

—Céus! – Ele bufou. – Quantos anos você tem?

—Catorze. – Respondi com sarcasmo.

  Arthur voltou a procurar o que quer que estivesse procurando.

—Você vai ficar aqui. – Ele repetiu. – E acabou a discussão.

  Bufei e foquei meu olhar em qualquer coisa. Eu estava com raiva. Eu queria gritar.

  Respirei fundo e ajeitei a postura, pronta para outra. Calma, eu tinha que ficar calma. Discutir não ia resolver nada.

—E como você descobriu que eles vão passar por aqui?

  O líder me olhou, os olhos semicerrados. Agora ele estava ajoelhado espalhando zilhões de coisas enquanto olhava dentro que uma espécie de bacia.

—Um dos meus homens foi ao vilarejo e ouviu. – Deu de ombros.

—Ah, claro.

—Achei! – Ele gritou, fazendo com que eu desse um pulo com o susto. – Maldição, como é difícil achar as coisas nesse lugar!

  Olhei fascinada para a espada em sua mão. Era de ouro, adornada por esmeraldas tão brilhantes que tive que desviar o olhar para não ficar cega.

—Boa sorte cuidando do nosso acampamento, Peterson.

  E, com essas palavras, fui deixada sozinha. E com raiva.

  Droga. Isso estava errado. Eu devia fazer alguma coisa, não? Mas eu não ia. De que iria adiantar? Impedir um roubo não era nada, eles poderiam fazer vários outros depois. Era uma grande perda de tempo lutar contra a correnteza.

  Caminhei para fora da tenda, encontrando os homens deixando o acampamento. Achei melhor desviar o olhar para não fazer nenhuma besteira e caminhei até a grande árvore, onde estava Safira.

  A loira estava sentada, o olhar perdido em algum universo distante.

—Olá, pensadora. – Brinquei ao me aproximar e sentar ao seu lado.

  Safira despertou, mas pareceu perdida. Desejei saber por onde ela tinha estado para estar daquele modo.

—Fira?

  Ela piscou repetidas vezes e só então percebeu que eu estava ao seu lado.

—Lilly! Nossa, nem te vi aqui! – Comentou, sem graça.

—Eu reparei. – Falei, lançando-lhe um olhar malicioso. – Em quem você estava pensando?

  Ela corou e virou o rosto.

—Eu não estava pensando em ninguém, que ideia.

—Sei...Prometo não contar para ninguém!

—Lilly! – Guinchou.

—O que foi? – Perguntei com uma falsa inocência.

—Você é ridícula.

—Nossa, fiquei ofendida. –Brinquei, colocando a mão no peito em falsa indignação.

  A loira riu.

—Mas agora é sério, no que você estava pensando?

—Em nada em específico, para ser sincera. – Deu de ombros.

—Então está bem. – Retruquei insatisfeita. – Eu estou com vontade de matar o Arthur.

—Posso saber o porquê?

—Ele me obrigou a ficar aqui com vocês.

—Agora fiquei magoada. – Fira riu. – Ah, Líria, é óbvio que ele ia fazer isso.

—Eu poderia ser útil! – Contestei.

—Você sabe lutar?

  Neguei.

—Então você só ia atrapalhar. O melhor é ficar aqui, comigo, Helena e Ári.

—Por falar nisso, onde elas estão?

  Safira franziu o cenho.

—Agora que você falou... Não sei dizer. Devem estar na minha tenda. Ariana estava lá hoje cedo.

—Vamos lá então, será muito melhor ter companhia.

—Então eu não sou companhia?! – Safira brincou, me dando um empurrão e correndo na frente. – Quem chegar por último é a mulher do padre! – Gritou.

  Pus-me a correr, mesmo sabendo que Fira tinha bem mais vantagem que eu e que seria impossível ultrapassa-la. Acho que essa era a graça dos jogos, se divertir. Ganhar ou perder era apenas uma consequência.

  Mas assim que alcancei a loira e entrei na tenda, tive uma surpresa nada agradável.

—Onde elas se meteram? – Perguntei.

—Eu não sei. Vamos olhar nas outras tendas, venha.

  Eu fui. E nós procuramos por todos os lados, viramos aquele lugar de cabeça para baixo, contudo não havia nem sinal das meninas.

—Por Deus! Aonde elas foram?! – Perguntei desesperada.

  Eu não podia ter perdido Helena mais uma vez. Não era possível! A situação era ainda pior que da primeira vez, agora Ariana tinha sumido junto. O que eu ia fazer?!

—Eu acho que sei onde elas foram, Cat. Porém não é uma notícia boa.

—Eu não me importo, só diga.

—Bom, Helena, como você, queria ir para o tal roubo...

  Safira não precisou terminar. Conhecendo Helena, é claro que ela tinha ido. E como se não bastasse, havia aproveitado para levar a amiga.

—O que vamos fazer agora? – A loira sussurrou assustada

   Levantei do chão, onde estava, olhei nos olhos extremamente azuis da moça e disse:

—Vamos atrás delas.

   É claro que foi uma péssima escolha.

                             ❀✿❀

—Isso não vai dar certo, Lilly!

—Shh! – Briguei. – Eles estão ali, já chegamos, então fale baixo.

—Já?! Nós andamos por quase quatro horas!

—Isso é só um detalhe.

  Safira revirou os olhos e se agachou ao meu lado atrás do arbusto.

  Os homens estavam um pouco a frente, já em suas posições, mas eu não conseguia ver as meninas em lugar algum.

  Foi quando uma carruagem tão negra quanto a noite cruzou o caminho de terra, levantando uma nuvem de poeira que teria me feito espirrar horrores se eu estivesse mais perto.

  Avistei Arthur bem no alto, sentado num galho. Ele tinha o olhar concentrado, os músculos rijos e estava suando tanto que poderiam achar que tinha acabado de sair de um banho no rio.

  Assim que a carruagem passou pela marca de Beto, um arbusto próximo ao nosso, o mesmo fez um sinal para Arthur, que preparou –se para atirar sua flecha. Mas antes que isso pudesse ocorrer, alguém foi mais rápido e atirou na roda.  Imediatamente a carruagem tombou.

  Ouvi Safira soltar um gritinho assustado.

—Não se preocupe, aposto que isso fazia parte do plano. – Tentei tranquiliza-la, mas logo percebi que o que eu tinha dito nem fazia sentido. Bastava olhar para o rosto assustado de Arthur para saber.

  O líder dos ladrões desceu numa velocidade absurda e me peguei preocupada, pensando se não seria arriscado ele cair e quebrar alguma coisa.

  Foi aí que alguém gritou e todos os ladrões saíram de seus esconderijos e correram em direção a carruagem. Havia certo desespero, eu podia perceber. E isso me assustava. Muito.

  Guardas apareceram de algum lugar, todos usando armaduras reluzentes e brandindo armas muito mais apropriadas que os ladrões de Arthur. Eles não tinham a menor chance. Além de estarem em menor número, os inimigos tinham uma vantagem gigante no quesito “acessórios”.

—Maldição, onde elas estão! – Praguejei.

  Tinha que achar Helena. Ela estava no meio daquela confusão, ela e Ariana. E certamente desarmadas. Por Deus, eram apenas crianças, os guardas teriam piedade delas, não teriam? Bem, eu não ia esperar que eles as encontrassem para saber.

  Rapidamente levantei e corri em direção á carruagem tombada, de onde uma mulher extremamente elegante saía, arrastando-se. Eu poderia ajuda-la, mas, infelizmente, era a vida da minha irmã que estava em risco.

—Lilly! – Safira gritou, desesperada.

  Naquele exato momento Arthur e João olharam na direção do grito e nos flagraram, mas era tarde demais para impedir que eu me juntasse a eles.

—O que você está fazendo aqui?! – Gritou Arthur, cortando a cabeça de um homem sem nem mesmo desviar o olhar de mim.

  Sangue jorrou para todo lado, sujando todos que estavam próximos. Não vou mentir, foi uma cena extremamente desagradável e chocante.

—Ariana e Helena sumiram!

—E você simplesmente corre até o meio de uma guerra para procura-las?! Lilly Cat, qual o seu problema?! Achei que soubesse usar a cabeça! – João brigou comigo, enquanto lutava com determinação.

  O guarda parecia ocupado demais tentando evitar sua morte iminente para perceber o que estava acontecendo.

—Eu sei usar minha cabeça! – Guinchei, sendo puxada por Arthur e jogada longe, quando um guarda apareceu para me atacar.

  Eu não podia perder tempo ali, discutindo, tinha que achar as meninas. Era a minha obrigação.

  Levantei-me a corri por entre os homens brigando. Beto lutava com dois guardas, que estavam numa forma física muito melhor. O homem tinha diversos cortes por todo o corpo, e a blusa, antes bege, encontrava-se vermelha de sangue. Desejei que aquele não fosse o sangue dele ou de um dos nossos ladrões.

 Parei por um instante, olhando para todos os lados, girando freneticamente numa dança desesperadora. Elas não estavam em lugar nenhum! E se já estivessem mortas? Se tivessem sido levadas? Que tipo de irmã eu era?!

  De supetão senti algo extremamente pesado cair sobre mim e acabei desabando no chão.

—Lilly! – Uma voz infantil que eu conhecia muito bem gritou.

  Helena.

  Respirei fundo e tentei me levantar, mas o que quer que estivesse encima de mim, não era nada fácil de se livrar.

—Meu santo vagalume! O que você está fazendo aqui? –  Ela perguntou, em algum lugar que eu não podia ver, graças a cara que estava de encontro ao chão, mais conhecida como “a minha”.

  Com muito esforço, Helena me ajudou a me livrar da tal coisa, até que pude me erguer.

— O QUE DIABOS VOCÊ VEIO FAZER AQUI?! – Explodi, dando um tapa em Helena.

  Lá estava ela, com seu vestidinho azul e a capa vermelha, como se fosse uma adulta indo a guerra. Mas ela não era adulta, era minha irmãzinha. E não ia sair imune depois de me enlouquecer daquele jeito.

—Ai! – Ela reclamou.

  Estava prestes a continuar a briga, quando vi que o que tinha caído encima de mim não era uma coisa. Era um guarda. Morto.

  Havia uma flecha no peito dele, mas não era uma das que Arthur usava. Foi então que vi o arco na mão de Helena.

—Você sabe atirar?! – Perguntei incrédula. – Você matou uma pessoa?!

  Em completo estado de choque, vi os lábios dela se moverem, mas suas palavras não chegavam aos meus ouvidos. E quando percebi que a carruagem tombada não era mais a única e que havia cerca de dez guardas para cada ladrão do nosso acampamento, bem, nada parecia mais importante que o medo que percorria minhas veias. Íamos todos morrer. Morrer terrível e dolorosamente.

  Então um guarda apareceu atrás de Helena. Ele ia ataca-la com sua espada, eu via. Mas as palavras não saíam de minha boca e meus músculos não me obedeciam. Seria aquilo tudo um grande mal entendido? Um pesadelo do qual eu estava prestes a acordar? Ele ergueu a espada. Não era um sonho ruim, não era mal entendido, aquilo estava acontecendo.

  Helena virou-se e eu vi seus movimentos como se tudo acontecesse em câmera lenta. Foi quando o tal guarda estava prestes a golpeá-la que, sem uma palavra sequer, puxei-a para trás, pondo-me na frente. Então era isso. Meu fim. Eu ia morrer para salvar minha irmã, e não estava triste por isso. Ela ficaria bem, era o que importava.

  Contudo, repentinamente, quando a espada já começava a cortar minha carne, outra lâmina atingiu o homem que me atacava, atravessando seu peito por completo e quase me atingindo.

  Foi um pouco antes de desmaiar pela overdose de ação que vi meu salvador: Arthur, o líder dos ladrões.

                           ❀✿❀                             

  Respirei tão fundo que meus pulmões doeram a ponto de eu soltar um gemido ao me erguer rapidamente.

  Não sabia onde estava, o que não era nenhuma novidade. O lugar era escuro, mas não como a escuridão negra das noites solitárias. Era como se tudo fosse de um tom deslumbrante de azul marinho. E, para facilitar minha visão, vários vagalumezinhos de luz branca e cintilante voavam por todo o local.

  Olhei para mim mesma. Não havia nem sinal do corte que eu tinha sofrido, muito menos do vestido que eu usava no momento. Estranhamente eu usava uma camisola  –  alá saco de batatas  – e qualquer dor, fosse ela física ou psicológica, estava distante demais para que eu pudesse sentir.

  Levantei da cama onde me encontrava com receio. Eu sentia que devia fazer aquilo, como quando estamos sonhando e simplesmente sabemos que é um sonho.

—Sentiu saudades? – Uma voz doce perguntou.

  A princípio, não soube de onde ela vinha, mas então a menina revelou-se para mim. A mesma que havia me dado o lírio, algum tempo atrás.

  Senti minhas pernas bambearem.

—Quem é você? Por que fica aparecendo para mim desta forma? Isso é real, não?

  Ela sorriu amavelmente. Diferente da última vez em que a havia visto, a menina agora usava uma camisola tão chinfrim quanto a minha e tinha os fios levemente cacheados igualmente soltos.

  Mas tinha algo nela, eu podia ver, uma pequena luz, como a dos vagalumes ao nosso redor, que brilhava como o sol. Uma pequena chama, que, mesmo tão pequenina, poderia cegar até o mais atento ser existente. Admirei-a com certo encantamento. Maravilhosa pela forma como apagava e acendia repetitivamente do lado esquerdo do peito dela.

—Em breve você terá suas respostas, minha cara. E será na hora que estiver pronta.

  Eu queria estar com raiva, mas ela tinha uma voz doce e calma demais para que isso pudesse ocorrer.

—Então tá. – Respondi roboticamente.

—Não irei me extender. Só vim lhe dar um conselho, Lilly.

—E qual seria?

—Aprenda a lutar. Tempos difíceis estão por vir.

  Franzi o cenho.

—Lutar? Você quer dizer, aprender a usar uma espada ou sei lá?

—Exato.

—Que tempos difíceis. O que você quer dizer com isso?

—Apenas saiba, Líria, que a mesma luz que carrego em mim, também pulsa em você.

  E nesse momento ela puxou minha mão, abrindo-a e revelando minha marca de nascença, agora tão brilhante quanto a luz que vinha dela. Em seguida a jovenzinha levou até meu coração e só então vi que, assim como nela, uma luz dourada acendia e apagava bem onde batia meu coração.

  Quando acordei, o mundo parecia desfocado e distante. Como se, de repente, eu tivesse cinquenta graus de astigmatismo.

  Eu lembrava do que tinha acontecido. E simplesmente não conseguia acreditar na besteira que tinha feito. Eu era mesmo uma grande idiota.

  E ainda tinha aquele sonho estranho. O que ele poderia significar? Bem, eu não me importava. O lírio que João tinha achado em meu cabelo depois que acordei do último encontro com a menina era o suficiente para que eu soubesse que devia seguir o conselho da mesma.

—O que você estava pensando, Peterson? – Perguntou Arthur, rangendo os dentes.

  Eu não podia vê-lo, mas sentia sua presença na tenda.

—Ela acabou de acordar. – Rosnou João. – Deixe-a em paz um pouco.

  Tentei me sentar, mas Safira imediatamente me impediu.

—Fique parada, Cat. Você se machucou feio.

—Não foi nada demais. – Pude ver Arthur revirando os olhos enquanto contestava. – Só de raspão, a lâmina nem chegou a ficar presa nela ou algo do gênero.

—Isso não quer dizer nada, senhor. – Falou Fira, educadamente.

—Gente, eu queria falar com... – Tive que dar uma pausa por causa de um ataque de tosse que me atingiu.

—Droga. Acho que você está piorando. – Sussurrou Fira, provavelmente sem reparar.

—Eu quero falar com o Arthur. – Repeti, com firmeza.

  Nesse momento tudo voltou ao seu devido lugar e eu pude ver Safira sentada ao meu lado, enquanto Arthur estava na cabeceira da cama com João.

  Toda a dor e cansaço pareceram chegar de uma só vez, fazendo que eu me contorcesse num protesto mudo.

  Espera. Cama? O único lugar que tinha uma cama era a tenda do líder. Não podia ser verdade. Olhei envolta, era a mesma decoração bagunçada, cheia de tralhinhas que ele nem mesmo usava. Olhei para o lado, eu estava mesmo em um colchão. Céus, eu estava na cama improvisada de Arthur.

—Se você quer, então tudo bem. –  Safira disse, com o cenho franzido, arrastando João para fora.

—Então, –  Comecei assim que tive certeza de que estávamos a sós. –  você me salvou. Obrigada.

  Ele riu pelo nariz.

—Eu juro que não sei qual o seu problema. Pensei que tivesse sido claro sobre ficar aqui.

—E foi. Mas era a vida da minha irmã em risco. – Algo se acendeu em minha mente e então me lembrei de Ariana. Meu Deus, será que ela estava bem? –  E Ariana, onde está? Ela está bem?

  O mais velho assentiu.

—Está ótima, assim como Helena.

  Sorri.

—Então valeu a pena essa loucura toda.

­_Você realmente tem problemas, Peterson.

—Eu quero aprender a lutar. – Mudei de assunto repentinamente, sem paciência e criatividade para conduzi-lo ao ponto de forma mais sutil.

  A ideia de saber como brandir uma espada ou mesmo de atirar uma flecha não parecia ruim. Na verdade eu ia precisar, e muito, daquilo. Fora que Arthur parecia a pessoa certa para me ensinar. Afinal, existe melhor professor de luta que um ladrão floreano?

—Sem chance. – Respondeu, explodindo numa gargalhada.

—Não estou brincando, eu realmente quero aprender. E se acontecer alguma coisa? Preciso saber me defender!

—Temos muitos homens que podem fazer isso por você, florzinha. – Retrucou, com uma piscadela, voltando a gargalhar em seguida.

—Eu não quero depender de nenhum homem para fazer algo que eu mesma sou capaz de fazer. – Protestei.

—Escute, mesmo que eu quisesse, não ia acontecer. Você está ferida. Pessoas feridas não lutam. – Ele disse, como se falasse com uma criança burra. Bem, talvez eu parecesse com uma no momento.

—Então esperaremos até que eu esteja curada.

—Eu já disse que não, Líria. Pare de ser tão teimosa, já estou de saco cheio.

—Dane-se! Você vai me ensinar a lutar ou eu irei embora!

  Seu semblante mudou completamente, agora havia maldade e fúria em seu olhar.

—Nós temos um acordo, você jamais faria isso.

—Quer apostar?

  Por algum tempo, bem mais do que julgaria confortável, Arthur ficou me encarando. Como se estivesse considerando o pedido. E eu tinha esperanças de que ele realmente estivesse fazendo isso.

—Conversamos quando sua ferida cicatrizar.

  E, sem aviso prévio ou despedidas, ele deixou o local, marchando com raiva.

  Então era isso. Eu ia aprender a lutar. De fato, seria maravilhoso e excitante. Eu só esperava não matar meu treinador, afinal de contas, ele não era o mais amável dos homens...

                   ✽Continua...


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Notas finais do capítulo

JOGUEI E SAÍ CORRENDO








ZOEIRA
Gente, o que vcs acharam? Podem ser sinceros, eu gosto e não treto, juro. Caso achem que algo não tenha ficado claro, podem me dizer, pq tem muita coisa que vai ser complementada no próximo cap ou mais pra frente.
Um beijão no core de vcs! ♥



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