Tears in Heaven escrita por Maria Lua


Capítulo 5
Bridge over troubled water


Notas iniciais do capítulo

Olá! Demorei, eu sei, mas a boa notícia é que estou de férias! Uhu! Agora posso focar bastante aqui. Sentiram saudade? Ah! Eu mudei o nome dos capítulos anteriores, e a música do capítulo vai ser sempre, também, o título.
E a desse, claramente, é Bridge over troubled water, versão de Elvis Presley. Boa leitura!



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Passou-se alguns dias na vida de Oliver. Aos poucos, com doses consideráveis do tratamento proposto pela Dra. Bárbara injetadas na veia diariamente, ela conseguiu algumas grandes mudanças. Suas mãos foram destravando-se mais rapidamente, o que a fez voltar a comer sozinha. Seus ombros e cintura ganharam mais mobilidade, também, mas ela ainda não tinha controle para, por exemplo, tomar banho sem sua mãe ou enfermeiras. 

A sua voz estava melhor. A água ajudava, apesar das injeções serem neutras a isso. Ela tinha vontade de falar, é claro, mas mesmo sabendo que conseguia, não o fazia. Às vezes conversava, ou tentava fazê-lo, com Sebastian. Era um bom amigo e sempre trazia notícias do mundo, tal como sua irmã. Oliver sentia que, além desses papos aleatórios, ela não tinha nada a dizer. Estava sentindo um vazio muito grande. 

Aos poucos as suas partes inferiores criaram vida, também. Conseguia mexer os joelhos e pés, o que a fez iniciar uma fisioterapia muito rapidamente. A Sra. Waldorf estava sem saber se gostava ou não desses resultados. Estava angustiada a ponto de proibir que qualquer um dissesse para a imprensa que Olívia acordou após tantos anos dormindo – coisa que certamente viraria notícia local. Ela não confiava tanto na Dra. Bárbara, tampouco no tratamento ilegal que estava usando em sua filha, mas sentia que não tinha escolha. Ela amava a filha a ponto de sacrificá-la para tê-la de volta. A sua culpa e arrependimentos a agonizavam.  

Olívia, por outro lado, estava sendo uma paciente exemplar. Esforçava-se para melhorar com muito vigor, querendo andar e poder realizar a única coisa que ainda a mantém acordada e curiosa: o paradeiro de Matt. O garoto nunca era mencionado, e quando ela tentava sentia que sua mãe não queria seguir nesse assunto. Ela sentia falta dele, seu melhor amigo, e precisava dele tal como quando fez sua cirurgia de apendicite, aos seis anos. Ela lembrava bem do que sentiu – o abandono ao voltar para casa, depois de dias internada, com comida, atenção, filmes, cama aconchegante. E, em casa, logo no primeiro dia, sua irmã, de três anos, volta a ser o centro das atenções de todos. E só lhe restava o Matt para consolá-la, desde que nasceram. 

E era assim que se sentia. Todos esqueceram que ela voltou. Sua irmã só vivia em festas, escola, com amigos, e a visitava umas três vezes por semana. Sua mãe trabalhava o dia inteiro e voltava pela noite para dormir em um sofá desconfortável. Ela tinha apenas a si mesma. Não reclamava, até porque, ao menos quando Amélia vinha, as conversas eram maravilhosas. Ela ouvia sobre suas amigas, estudos, planos, namorados e, pior de tudo, sobre a temerosa menstruação - que ela sabia que logo teria que enfrentar. 

Em um desses dias, onde sentia-se melhor amiga da irmã, resolveu esforçar-se com as palavras. 

"Mia...", chamou baixinho pelo apelido de infância. "O que aconteceu com o Matt?", sua voz estava fanha e arranhada, mas muito bonita. Ela sempre teve um tom muito melódico. 

Um silêncio momentâneo fez Amélia largar o celular. Sua expressão era neutra. 

"Ele está vivo, se é o que quer saber", disse. 

"Não!", tossiu. "Quero dizer, é bom saber, mas o que aconteceu? Sua vida. Ainda mora em Middleburg?", e houve uma crise na garganta que a fez beber água rapidamente. Era difícil, doía, mas ela não podia evitar. Precisava falar, e, quanto mais ela falava, mais fácil isso se tornava. 

"Ah, Oli... É complicado. Não sei bem o que aconteceu com ele. Nossas famílias brigaram, foi culpa dele o que aconteceu, você não pode simplesmente ignorar...", começou, mas foi interrompida. 

"O quê? Como assim culpa dele? Ele não fez nada!" 

"Eu sei, eu sei, mas foi ele quem te tirou de casa no meio de trovões. Ele te empurrou naquela corda, não conseguiu te tirar do rio a tempo. Os médicos disseram que você teria mais chances de acordar se fosse levada para o hospital na mesma hora. Toda vez que o Matt tentava te visitar a mamãe olhava para ele com nojo, e ele fingia que não fez nada. Eu era pequena, não entendia, e até falava com ele vez ou outra, mas logo ele se mudou. Soube que foi para uma escola interna de arte, algo assim. Dizem que ele pediu para ir porque não aguentou se sentir culpado o tempo inteiro. O abusavam na escola o tempo todo, parece.", ela parou de falar de repente, dando de ombros. 

A única reação plausível de Olívia foi arregalar os olhos, boquiaberta. O pobre Matt, para ela, tinha sofrido mais do que a própria. Passou anos acreditando ter colocado a melhor amiga em coma. Oliver tem certeza de que seus pais o fizeram sentir um terrorista – ela os conhece, sabe como são. Especialmente a sua mãe. 

"Mia, eu preciso vê-lo!", exclamou. 

"Ah, eu não sei não... Mamãe não vai gostar. Sem falar que nem sabemos onde ele está. É impossível, Oli. Fora de cogitação." 

"Ele não era seu amigo, era pequena demais para se lembrar dele, mas para mim é como se eu o tivesse visto algumas semanas atrás. Foi como piscar o olho e aparecer em outro universo.", ela usava toda a sua força para falar, e sentia-se mais forte com a raiva. "Ele é a pessoa que mais gosto no mundo que não seja um Waldorf. Eu... Preciso... Vê-lo!", tentou levantar-se, mas fracassou. Sua respiração ficou afobada e cansada muito rapidamente. 

"Tudo bem, tudo bem! Mas tente não se mover. Vou ver se o encontro na internet, ou o número dos pais dele. Ainda moram em Middleburg, sabia? Mamãe comentou. Vou ter que abrir umas caixas empacotadas para achar o número...", falou. 

"Eu sei o número.", falou, a voz muito mais fraca que antes, mas sendo frequentemente hidratada. "Quer dizer, não tinha como eu esquecer. Devo ter ligado umas mil vezes nesse ano. Antes... Bom, me dê o telefone.", Oliver esticou a mão, pegou o aparelho e, ignorando o quão moderno ele é, discou. 

Seu coração batia na velocidade dos toques de discagem. Finalmente atenderam com um "alô" facilmente reconhecível: a Sra. Bass. Ficou silenciosa e abismada por um tempo, procurando palavras até ela repetir a saudação. 

"Sra. Bass?", falou. 

"Sim, quem gostaria?" 

"Eu... Não sei se a senhora lembra de mim, talvez sim. Eu me chamo... Olívia. Waldorf. Éramos quase vizinhas, lembra?", perguntou, sentindo-se estúpida. A senhora ficou chocada, para dizer o mínimo, com a ligação que recebeu. "Sra. Bass?" 

"Desculpe, disse que se chama Olívia?" 

"Sim, me desculpe. Sei que deve estar confusa. É que eu acordei há algumas semanas, e... Preciso falar com o Matt... Ele está?", tentou falar o mais coerente possível, tanto manter o tom de voz e não parecer alucinada. 

"Ai meu Deus! Olívia! Não posso acreditar. Quanto tempo faz? Seis anos? Coitadinha! Como... Quando isso aconteceu? O que houve? Como foi?", ela falou um pouco histérica. Oliver sorriu ao perceber que não houve mágoa com ela, como houve com a sua família. 

"Na verdade foram dez anos e alguns meses, mas quem está contando? Eu estou bem, Sra. Bass. Confusa, mas bem. Cada dia melhor. E o Matt? Onde está?", repetiu. 

"Ah, que bom minha querida! No reino de Deus tudo fica uma maravilha! O Matt está ótimo! Me ligou ainda ontem. Ele nem vai acreditar, o coitado passou anos só falando de você. Morre de pena e culpa pelo que aconteceu. Sinto muito... Nós sentimos, de verdade. Uma menina tão boa...", começou a falar. 

"Sra. Bass, por favor, como posso falar com o Matt?", insistiu. 

"Ah sim! Ele terminou a escola no ano passado. Está cursando artes em Petersburg. É um artista! Tem que ver suas obras, são muito boas. Quer o telefone dele?", falou muito rapidamente. 

"Petersburg?", Oliver falou em voz alta, dando informações para Amélia, curiosa ao seu lado. "Quero o número sim. Pode dizer que eu anoto.", imediatamente Amélia pegou um papel e caneta e passou a anotar enquanto sua irmã ditava. "Obrigada Sra. Bass! Foi muito bom falar com a senhora!" 

E desligaram após despedidas. 

"E então? É perto daqui?", a enferma perguntou de imediato.  

"Estamos em Richmond. É praticamente do lado. Mas o problema é que... Convenhamos, Oli, vê-lo vai ser difícil." 

"Como assim?" 

"Primeiro que você não anda, eu não dirijo e mamãe não vai deixar. Segundo que ele não é mais a mesma pessoa. Você pode não ter mudado nada, mas ele mudou. Agora é um homem. Não é mais o mesmo menino que foi seu amigo. Pode não lembrar de você, não se importar, ou simplesmente não querer mais contato. Ele pode estar namorado, inclusive.", falou. 

"Qual o problema dele namorar? E fala sério! Se ele não lembra de Olívia, com certeza lembra de Azeitona, a melhor amiga dele. Você pode me menosprezar, mas eu não sou fácil de ser esquecida.", brincou. Amélia riu meio triste. 

"Eu sei... Só não quero que se magoe.", falou, e foi puxada para um abraço. 

"Está tudo bem. O pior que pode acontecer é ele não querer ser mais meu amigo. Mas eu o conheço. Ele pode ter cem anos e nunca vai deixar de ser o Dunga que eu conheci. E... Se tudo der errado... Ainda tenho você." 

Elas sorriram juntas, abraçadas. 

"Tudo bem! Mas a mamãe não pode saber que estou te ajudando. Amanhã, quando eu voltar da escola, ligamos para ele e vemos o que podemos fazer.", disse. 

"Ah é! Esqueci que temos uma futura médica na família, estudando biologia e química...", Olívia zombou. "Quer olhar minhas feridas, doutora?" 

"Ora, talvez eu vire médica mesmo! Alguém da família tinha que ser, já que tem uma loira muito chata com um talento especial e raro de cair e dormir para sempre!", brincou, rindo. 

"Ui! Essa doeu. Vai ter que me sedar agora.", falou, fazendo a irmã gargalhar. 

E assim as irmãs passaram o resto do dia – rindo e conversando, até que Olívia sentiu o grande cansaço na garganta que a fez pegar no sono. E, em seus sonhos, via apenas o seu amigo. Parecia sonho, mas logo ia ser verdade. Ela ia, finalmente, falar com o Matt. E não parava de sorrir com o pensamento. 

O que ele deve estar fazendo agora?, foi seu último pensamento antes de seu sono profundo.


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