Tears in Heaven escrita por Maria Lua


Capítulo 4
Somewhere only we know


Notas iniciais do capítulo

Olááá! Mais um, seguindo a ordem de "dois em dois dias". Eu amei os comentários do capítulo anterior, apesar de muitos terem comentado por mensagem, e não comentário real. Obrigada! Vocês me fizeram muito feliz!
Música do capítulo, Somewhere only we know, de Lily Allen.
Boa leitura!



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Para a primeira palavra de Olívia em dez anos, não houve resposta. Na verdade, a sua mãe e irmã desviaram os olhos descaradamente quando Matt foi mencionado, por assim dizer. Para a enferma isso era compreensível. Provavelmente devem achar que ela não aguentaria ouvir tantas novidades dos últimos anos tão depressa. 

O resto do dia foi silencioso – tanto de sua parte quanto de qualquer outra. Ela assistiu televisão abismada. Aprendeu mais sobre a tecnologia, música, cinema, tudo. Era como assistir um filme futurista, mas sobre o presente. Olívia esbanjava sorrisos, divertindo-se com os cuidados médicos e tanta coisa nova. Sua mãe, por outro lado, achava que não era saudável tratar tudo como um conto de fadas. Ela via que sua filha estava lidando com tudo com uma mente ainda muito infantil, mesmo com dezoito anos.  

A doutora Bárbara voltou tarde da noite, simpática. 

"Oliver! Pelo visto já jantou. Bom, não sei se está curiosa, ansiosa, o que for, mas precisamos fazer uma coisa.", ela aproximou-se alisou a perna sem nenhum sinal de vida da paciente. "Seu rosto. Você precisa se conhecer, saber quem se tornou." 

Todos no quarto gelaram. A Sra. Waldorf estava perplexa e animada, Amélia, que antes cochilava na cadeira, arregalou os olhos entre sorrisos, enquanto a própria Olívia não sabia o que pensar. Pela primeira vez lhe passou na cabeça a ideia de que ela pode não gostar do que virou. Seu cabelo pode estar feio, ela pode ter espinhas demais, ter sido deformada, ou até ter cicatrizes do acidente. Mas a curiosidade era fortíssima - mais ainda que o medo. Por dentro ela estava excitadíssima, gritando sim, sim, sim! 

A doutora chamou alguns enfermeiros que ajudaram a colocar a enferma em uma cadeira de rotas. Nessa hora ela sentiu dor. Sentiu seus ossos rachando enquanto a poeira entre as juntas sumia, mas passou rapidamente – os entorpecentes não permitiram ir além. Aliás, quando a dor passou, ela conseguiu perceber que, sim, seu corpo ainda estava no mesmo lugar! Por mais imóvel que ela parecesse estar, se movia por dentro. 

Foi empurrada para o banheiro de olhos fechados. Ia se conhecer, e isso a fazia tremer com o pensamento. Quando a cadeira enfim parou e se ouviu a Sra. Waldorf dizer que já podia abrir os olhos, ela os cerrou ainda mais um pouco. 

Mas logo os abriu. Abriu lentamente. Em sua frente havia um enorme espelho que ia do chão ao teto – maior que qualquer outro que já vira. No canto esquerdo estava a sua mãe, sorrindo de olhos marejados, sempre muito emotiva. No direito havia uma Amélia de lábios escancarados. Tanto os enfermeiros quanto a doutora tinham se afastado. No centro estava Olívia Waldorf, de dezoito anos de idade. 

Ela não acreditou quando viu. Não assimilava. Estava tão diferente e igual ao mesmo tempo. Seu rosto tinha o mesmo formado que tinha "ontem", ou seja, desde que se lembra, mas a pele estava bem pálida. Seus olhos brilhavam em cílios maiores do que nunca. Os lábios esbranquiçados, tal como as maçãs arredondadas de seu rosto. O cabelo, do mesmo tom loiro, estava longo e cortado com uma franja comprida. Estava bem magra, aparentemente bem alta. Não pôde deixar de notar, também, os seus seios, bem grandes. Quis levantar para ver-se de corpo inteiro, com suas curvas femininas, mas ninguém entendia suas vontades. Ela tremia por dentro. Seu rosto bem suavizado estava completamente imóvel, como um defunto – e essa parte era assustadora a ponto de fazê-la chorar. 

Tentou mover os lábios e dizer algo, mas apenas um som ruidoso saiu. Mesmo com pouco, ela sabia que sua voz mudou também. Foi estranho se ver falar, pois sentia que finalmente aquela era ela. E se sentia bonita, se sentia mulher. Esboçou o maior sorriso que pôde por uns segundos até cansar. 

"Você virou uma linda mulher, Oli", a sua irmã comentou, mexendo em seu cabelo. Ela também estava linda, pensou. Eram muito parecidas, apesar do rosto de Olívia ser mais fino, e os cabelos de Amélia estarem mais cacheados. Os olhos eram iguais no quesito formado, mas diferente no tom. Era engraçado para Oliver, pois ela sentia saudades mesmo sem lembrar de ter passado um tempo afastada. 

Levaram-na de volta para a cama, dando-lhe água. A doutora aproximou-se, olhos um pouco curiosos. Observava a paciente de forma tensa, de maneira que a assustou um pouco. 

"Vocês a contaram o que até agora?", perguntou. A Sra. Waldorf e Amélia encaravam-se com sobrancelhas arqueadas. Apenas Olívia parecia não entender o que acontecia. 

"Só o que lhe aconteceu. Ela não fala, não anda, não sei como vai reagir. Nunca vou saber." 

"Ora, mas vai sim! Não hoje, não amanhã, mas vai saber sim. Ela vai melhorar bem rápido com o tratamento. Precisam falar com ela sobre a família, amigos. Isso ajuda a melhorar. Tudo depende da força do paciente. Contem, por favor.", falou um pouco antes de se despedir, e então foi. 

Os olhos de Oliver imploravam para saber o que aconteceu. Queria, mais que tudo, saber porque Matt e seu pai não foram visitá-la ainda. Dois dias acordada! Era tempo suficiente para isso. Estava com medo, afinal seu pai não apareceu, não foi mencionado, não estava lá. Sua mãe ainda usava aliança, o que é um alívio. 

"Filha, o que você acha?", perguntou para Amélia. "Ela precisa descansar..." 

"Ela precisa saber! Uma hora ou outra ela vai acabar sabendo, e provavelmente está angustiada com essa dúvida. Olha para ela! Acredite ou não, mas ela está viva! Olhe para ela!", falou com tom alto. As duas respiraram fundo, confusas. "Ela não deve entender onde o papai está...", sua voz, dessa vez, estava chorosa. 

"Eu não sei se consigo...", falou receosa. 

"Se você não conta, conto eu.", Amélia aproximou-se, sentando na maca ao lado de sua irmã, começando. "Oli, tudo começou antes do seu acidente. Nós não sabíamos, mas papai estava com um problema cardíaco muito grave. Parece que ele adquiriu isso no exército, não sabemos até hoje.  Quando o Matt apareceu correndo lá em casa naquele dia, no meio da tempestade, dizendo que você caiu no rio, papai foi imediatamente te buscar, enquanto eu fiquei com a mamãe. Ele a trouxe na picape, disse que você estava afogada e completamente sem vida. Você estava daquele jeito, parecendo... Morta.", ela foi interrompida. 

"Amélia!", a Sra. Waldorf reclamou. 

"Desculpa, mãe, mas ela precisa da verdade. Continuando. O papai estava sentindo dores, mas não comentou nada até dizerem para nós que você estava em coma, e que nada havia a ser feito. Eles falaram de modo bem pessimista, sabe? Parecia que queria que desligássemos as máquinas, o que significaria em sua morte, caso não saiba. O papai simplesmente pôs a mão no peito e começou a gritar de dor, tendo um ataque. E então o levaram para a emergência. Horas depois, e nossos avós tinham ido nos buscar para sair do hospital, contara, para a mamãe que o coração dele chegou nas últimas, e que logo não funcionaria mais. Procuraram por transplantes, mas papai estava tão triste por você estar em coma, sem esperança, que não suportou. O coração dele não aguentou aquele vazio. Então não deu tempo de receber um coração novo. Ele apenas se foi, há dez anos.", terminou. 

Cada palavra soava como o fim dos tempo para Olívia. O seu pai morreu. Ele morreu para sempre, sem retorno, sem chances. Morreu, inclusive, justamente por ela não estar lá, e agora nunca mais o teria. Não poderia impedir. Não iria mais jogar cartas, pintar, assistir filmes, plantar, nadar, ou qualquer outra coisa. 

"A... A última coisa que fizemos juntos, nós quatro, foi assistir Os Goonies. Eu...", Amélia continuou, chorando. Ela abraçou a irmã que, mal sabia ela, estava, dentro de sua armadura chamada corpo, chorando e gritando, como a criança que realmente é. 

Olívia não sabia se consolar sozinha. Não sabia retribuir o abraço, não sabia bater em parede alguma, não conseguia chorar para fora, e ainda engasgava-se com suas próprias lágrimas. Teria que superar isso afogada em seus pensamentos, em suas lembranças. No dia de seu acidente, lembrou, havia dito que o amava. O havia abraçado e beijado. Foi uma despedida não combinada. E isso doía a ponto de fazê-la pegar no sono.


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