Tears in Heaven escrita por Maria Lua


Capítulo 3
Elephant Gun


Notas iniciais do capítulo

Olá! Estive ansiosa para postar esse capítulo, porque os comentários estão me fazendo muito feliz! A fic, em geral, me deixa assim, e quero agradecer aos que estão fiéis ♥ A propósito, eu mandei mensagem para alguns de vocês quando saiu o capítulo anterior para avisar. Se importam? Comentem aí se querem que eu avise, se vocês preferem descobrir sozinhos, o que for, ok?
E a música do capítulo é Elephant Gun, de Beirut.
Espero que gostem! Beijos ♥



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Dez anos. O que eu fiz nesse tempo? Não via, ouvia, sentia ou pensava nada. Sequer sonhava! Estava aqui parecendo um tapete no hospital. Quem eu sou? Quantos anos tenho, como me  pareço? Essas eram as maiores questões que atingiam Olívia nesse momento. 

O que perdeu com o tempo em coma? Os bailes, o primeiro sutiã, sua festa de quinze anos, as espinhas, os namorados, os futuros amigos, notas altas, baixas, as lembranças, a sensação de nostalgia – ela perdeu tudo o que parecia importante ou divertido. Suas Barbies não foram empacotadas por ela, e a sua escova de dente, pequena e bem colorida, ainda está na pia intocada.  

Foi então que, ao perceber todas as coisas que lhe aconteceram sem acontecer, que ela pôde olhar para a sua irmã, bem em sua frente. Tanto ela quanto sua mãe perceberam que era inevitável esconder isso de Oliver para sempre, e que a própria havia dado um jeito de decepcionar-se só. A questão é que ela não estava decepcionada – ou pelo menos ainda não. Era diferente, mas sua mente um tanto petiz a camuflava do horror que aparenta ser viver tudo isso. Para ela, era como estar em um filme e ser a protagonista. A coisa de mais difícil assimilação para ela era encarar a sua irmã. 

Dez anos! Dez anos e aquela era a nova Amélia, a caçula. A última vez que a vira – e, para Olívia, parecia ter sido ontem – ela vestia uma camiseta do pai como vestido enquanto assistia televisão na sala, jogada no chão, desenhando. Lembra-se muito bem dela, banguela, cabelos irritantemente caídos nos olhos. Agora ela era quase uma mulher! Oliver estava surpresa com a sua beleza. Sempre foram muito parecidas, mas agora era inevitável pensar que Amélia era a mais bonita da família. Seu cabelo e sorriso estavam impecáveis - com todos os dentes e, provavelmente, um tempo de aparelho fixo, que sempre foi o seu sonho de infância.  

A visão que Olívia tinha da irmã, agora, a causava um pouco de inveja. Ela deve ter namorado, comprado vestido de baile, ido ao cinema sozinha, mudado de escola, viajado, tantas coisas. É claro que sentia felicidade pela irmã, mas não conseguia sentir por ela.  

Porém, seu otimismo é impressionante. Ao ponto em que todos pensavam no tempo perdido, Olívia só queria se levantar e fazer as suas boas lembranças por si só. Esteve morta por um tempo, e essa percepção a fez sentir lágrimas escorrendo em sua bochecha, trazendo em si um tracejado quente muito agradável. Os seus lábios abriam e contorciam-se, fazendo-a sentir capaz de emitir sons, reações, mas nada se concretizou. As maçãs do rosto estavam tensas, angustiadas para gritar o que estava tão guardado em sua mente. A cena deveria ser consideravelmente feia, ela pensou. Vê-la se contorcer, chorar de maneira escancarada e silenciosa, fez com que sua mãe abaixasse a cabeça e voltasse a chorar. Ela queria pedir um abraço, mas nem isso podia. Ela queria apenas a sua mãe. 

Por uns segundos, cercada de pensamentos rápidos e corruptos, Olívia esqueceu como se respirar. Estava falha, sentia seu pulmão contrair-se, assustando a todos – inclusive a si mesma. Olhos arregalados. Enfermeiro de volta à sala.  

"Calma Olívia. Fique calma. Conte comigo. Um. Dois. Três. Quatro...", ele segurou sua mão e, supreendentemente, ela pôde retribuir o apertão. Cinco. Seis. Sete... E funcionou. Tudo se estabilizou. "Isso, muito bem. Precisam que eu chame a Dra. Bárbara?", ele perguntou. 

"Não, obrigada, senhor...?", a Sra. Waldorf parou para olhar seu crachá. "Sebastian. Obrigada. Sabe se ela está bem? Se sente dor, alguma coisa?" 

"Não se preocupe, Sra. Waldorf. É raro alguém acordar depois de tantos anos em coma, mas já aconteceu e o tratamento é bem eficiente. Provavelmente essa questão da respiração vai acontecer algumas vezes, a ponto de nem termos que fazer mais nada – a própria Olívia vai saber reagir. As máquinas a mantinham viva, então cuidar de si mesma vai ser um aprendizado para ela.", ele explicou detalhadamente. Oliver gostava dele. Fazia sentir-se confortável com a situação. 

"Tem algo que podemos fazer?", Amélia perguntou com um tom angustiado. Era engraçado para a irmã vê-la tão madura. 

"Não exatamente, mas sugiro que conversem com ela. Expliquem algumas coisas, o que ela perdeu, mas devagar. Sabem muito bem que há coisas que se demora mais de digerir, que tem de ser dito da maneira certa.", ele falou de maneira doce, fixando os olhos na enferma. Após olhar o horário em seu pulso, continuou. "Meu turno está acabando, vou ter que ir indo. As vejo amanhã. Com licença.", ele sorriu, retirando-se. 

Olívia ficou pensativa. A voz de Sebastian lhe parecia bem familiar, e isso a trazia calma. Mas o que ficou mesmo em sua mente foi o que ele comentou sobre digerir informações. Isso a deixou com um pouco de receio. O que ela não sabia? Passaram dez anos – hoje ela tem dezoito! Fez dezoito anos em outubro. Foi a idade com que sua mãe engravidou pela primeira vez – os gêmeos que perdeu antes dela nascer. Logo, ela tem idade de ser mãe, quando, ao que se lembra, ainda ontem estava brincando de bonecas debaixo da cama. 

A Sra. Waldorf e Amélia se entreolharam por um tempo, com olhos aflitos. Então sentaram na cama, cada uma segurando uma mão de Olívia. A mesma conseguiu erguer seu pescoço em alguns milímetros imperceptíveis para poder ver seu corpo. Para sua sorte, tudo estava coberto por edredons, com exceção dos braços. As suas mãos, grandes e bem magras, tinha as unhas grandes e pintadas de rosa. Internamente ela esboçou um sorriso. 

"Oliver, não sei se você lembra do que aconteceu...", sua mãe começou. Provavelmente não soube como continuar, já que não tivera resposta da filha. Seu olhar para Amélia era pidão, fazendo-a continuar por si. 

"Oli, aperte nossas mãos uma vez se for sim e duas se for não, tudo bem?", pediu, e então obteve a resposta. Um aperto em cada mão, que as trouxe um sorriso mareado e bem aberto. 

"Então... Era 2000. Eu não sei se pode ser difícil de se aceitar, de se acreditar... Também não sei se você conseguiu ouvir alguma coisa, se passou rápido, devagar para você... Não sei se doeu...", e, novamente, sua mãe pôs-se a chorar. "Você foi... Muito forte. Suportou muita coisa nesses anos... Nesses dez anos." 

Olívia já havia constatado isso, mas ouvir em voz alta foi difícil. Agora, com elas falando, parecia tão real. Ela envelheceu enquanto dormia. Era adulta. Sua mãe provavelmente passou por muita coisa, o que trouxe à tona a memória do seu pai e do Matt. Onde estavam? E seus avós? Estão vivos? Tantas perguntas! Ela sequer podia fazê-las. 

"Você foi atingida por um raio, o que fez seu corpo inteiro sofrer várias reações. Seja de agitação, parada cardíaca, tudo, mas logo em seguida você caiu em um lago tremendamente congelante...", a Sra. Waldorf prosseguia devagar enquanto suspirava e assoava o nariz entre as palavras. "Isso conservou seu corpo em um estado de coma." 

"Mãe, ela não deve saber o que é coma.", Amélia a lembrou, e estava certa. 

"Ah, sim, me desculpe. Coma é quando o seu corpo diminui todos os batimentos cardíacos, sabe, as batidas do coração, até se regularizar, por muito tempo. Você fica dormindo enquanto o seu corpo trabalha para consertar tudo o que foi quebrado aí dentro. Você dorme profundamente, sem se mexer, sem fazer barulho, até seu corpo melhorar espontaneamente. Você teve sorte, filha. Muita gente nunca se recupera e dorme para sempre. Os médicos dizem que você é uma guerreira.", ela sorria entre lágrimas. Nesse momento Oliver também sorriu, externamente. Sua bochecha formigava e, durante dois segundos, se ergueram em um sorriso lindo e esquecido por todos esses anos.  

Teoricamente ela já sabia o que tinha lhe acontecido, apesar de não ter detalhes. Ela sabia que o frio a fez dormir, porque foi o que sentiu ao cair. De alguma forma, Olívia tinha a certeza de que teve papel na escolha da coma. Sabia que não foi contra a sua vontade, e que provavelmente teria morrido se isso não acontecesse. 

Nesse momento uma enfermeira entrou com um jarro d'água. Ela colocou um tubo entre os dentes da garota e disse para esforçar-se para engolir, e que poderia doer um pouco. E doeu. Foi como um estalo bem grande, como se o seu céu da boca estivesse desgrudando da língua. Mas, assim que a dor se foi, foi ótimo. Ela sugava a água cada vez mais forte, como um vampiro diretamente na veia. Sentia sua goela mexer-se, ter vida. A água te deu vida, te deu forças.  

E ela falou. Não disse uma palavra – sequer foi uma sílaba direito. Soou como um "a" com til, um pouco rouco, mas foi suficiente para acender os olhos de todas as Waldorf no recinto. A enfermeira repreendeu, mas logo foi interrompida pela Dra. Bárbara, que entrou de repente no quarto. 

"Shhhh. Fique em silêncio. Vai falar quando for a hora.", ela estava sorridente anotando algo em sua prancheta. "Estou vendo que houve muito progresso. Muito bem. Vê, Sra. Waldorf? Com as doses do tratamento que prescrevi ela estará falando e andando muito rapidamente. Mas, por enquanto, descanse, querida. O tempo tem sido cruel com você. 

Mas Olívia não queria descansar. Passou dez anos descansando, e sentia que nunca mais dormiria na vida. Além disso, ela precisava falar. Não pôde resistir, tentando novamente. E, mais uma vez, repreendida. Dessa vez pela própria mãe. 

"Oli, descanse...", tentou. "Doutora, esse esforço pode prejudicá-la em alguma coisa?" 

"Talvez esteja doendo um pouco, mas vai passar. Os sedativos foram trocados quando ela começou a reagir, mas está tudo sendo mantido indolor. Não se preocupe, essa mocinha aqui ficou muito tempo em silêncio e está sendo muito forte. Sem falar que, por dentro, ela é só uma criança. Não vai nos obedecer sem dar uns gritos.", falou sorridente, alisando o cabelo de Olívia que, por algum motivo, não se sentia confortável com ela. 

A Sra. Waldorf sorriu. Notava-se que, para ela, Olívia também permanecia uma criança, tal como para a própria. Foi exatamente como a doutora Bárbara disse: obedecer é algo difícil para pessoas de sete, oito anos de idade. Ela precisava falar e perguntar as coisas. No momento ela queria saber o que lhe aconteceu, e nada responde mais a pergunta do que um simples nome.  

Forçou a garganta com mais vontade, ignorando a dor passageira e, quando conseguiu dizer o que queria com perfeição, ao invés de receber comemorações, notou desapontamento e tristeza nos olhos de sua mãe. Isso a preocupou. O que aconteceu enquanto esteve fora?! 

"Matt...", soou antes de um silêncio temeroso.


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