AMORES VIRTUAIS escrita por Projeto Literário ColetâneaS, Georgeane Braga, Maxine Sinclair, Hanna Martins, Piper Palace, Sr Devaneio, itsmemare, arizonas, Serena Bin, Amauri Filho, Sabrina Azzar, Leeh, Natasha Alves


Capítulo 3
Conto 3 - Venha ver o amanhecer


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas! Tudo bem?
Eu sou a Hanna Martins e estou simplesmente amando participar deste projeto MARAVILHOSO. Quando recebi o convite, não hesitei em aceitar, porque sabia que seria incrível e está sendo. Amei escrever este conto. E ele é bastante especial para mim. Espero que gostem :)
Obrigada a todos que estão acompanhando nosso projeto que foi feito com muito amor.
E um obrigado especial para a linda da Lisa Costa que recomendou nossa coletânea! Muito amor!
Sinopse do conto:
O destino pode ser alterado? O que você faria se soubesse o que vai acontecer no futuro? Clara recebe um e-mail do futuro de uma pessoa desconhecida, que assina apenas como “F.”, avisando que ela precisa salvar Vicente, um colega com o qual nunca conversou. Ela acredita que tudo não passa de um trote. Entretanto, os acontecimentos descritos no e-mail começam a ocorrer. Clara e Vicente começam a se aproximar. Sentimentos começam a surgir. Clara irá acreditar em “F”? Ela poderá impedir que a tragédia aconteça?
Classificação: Livre.
Trilha Sonora de Clara e Vicente: Breathe me (Sia)



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            Aquilo era ilógico. Absurdo. Surreal. Não era possível que aquilo estivesse acontecendo.

Clara apanhou discretamente o celular na mochila.

Não, não era uma ilusão, realmente havia recebido aquele e-mail. Ele estava ali em sua caixa de entrada.

— Vicente, se junte ao grupo de Guilherme, Talita e Clara — continuava a falar a professora Neusa. — Vocês vão apresentar um trabalho sobre o conto, As pérolas de Lygia Fagundes Telles.

Vicente olhou para eles, ou melhor, levantou a cabeça e inclinou sutilmente na direção deles, o que Clara tomou como um olhar.

“Salve Vicente. Você precisa ajudá-lo”, a frase gritava em sua mente como uma súplica.

Aquilo se tornava cada vez mais estranho e irreal. Como poderia acreditar no misterioso “F.”? Como poderia acreditar em uma pessoa que afirmava conhecer o futuro? Como poderia acreditar em alguém que lhe dizia ser do futuro? Alguém que lhe declarava: “conheço você melhor do que você mesma”.

Ela respondera aquele e-mail em um tom bem-humorado, afinal era um trote, uma piadinha de alguém desocupado:

Mostre-me provas, pessoa do futuro. Quero provas!

Cerca de vinte minutos depois, recebera outro e-mail de F.:

Hoje, a professora Neusa passará um trabalho em grupo. Ela colocará Vicente em seu grupo. O trabalho vai ser sobre o conto “As pérolas” de Lygia Fagundes Telles.

Clara releu a mensagem. Mesmo seus olhos teimavam em não acreditar nas palavras que viam. 

Vicente balançou a cabeça, concordando. A professora prosseguiu com a aula. E Clara não conseguiu mais parar de pensar naquilo.

Vicente sentava-se no fundo da sala, na última carteira. Não tinha amigos, pouquíssimas vezes fora avistado falando com algum colega. Transferido no início do ano, não demonstrava indícios de querer se enturmar com os novos colegas. Sempre andava com fones de ouvidos, e nas aulas se mantinha rabiscando uma folha de papel. Nos intervalos, era impossível localizá-lo.

No início, os colegas se entusiasmaram com a presença do novo colega. Era bonito, do tipo que chamava a atenção, alto, dono de um corpo de alguém que fazia parte de vários clubes de esporte. Cheia de entusiasmo e curiosidade, as meninas começaram a lançar sorrisos e olhares doces em sua direção, palavras simpáticas. Os meninos, desejando um novo membro para seu time de futebol, lançavam palavras acolhedoras. Porém, os sorrisos, os olhares e as palavras foram recebidos de modo indiferente pelos belos olhos claros dele. Aos poucos os sorrisos, os olhares e as palavras foram se extinguindo. No final, não restou nada, apenas a indiferença dos colegas e dele.

Clara baixou os olhos quando percebeu que ficara tempo demais com os olhos em Vicente. Ele se sentava do lado oposto ao dela. Tentou se concentrar na aula, mas seus olhos persistiam em buscar Vicente.

Pegou seu celular e abriu sua caixa de e-mails. Suspirou e escreveu uma pequena mensagem:

“Então, o que acontece depois, F.?Clara.”

A cada cinco minutos checava a caixa de entrada de mensagens, mas ela permanecia vazia. Definitivamente, aquilo era um trote. Riu de si mesma por ter se deixado levar por aquela coincidência.

A aula de português terminou. E nenhuma mensagem havia chegado.

Consultou a caixa de mensagens mais uma vez (precisava eliminar de vez aquelas dúvidas). Seu coração saltou, uma nova mensagem. Uma nova mensagem de F.:

“O professor de história irá faltar. Vocês terão a próxima aula vaga. Talita irá propor iniciar o trabalho de português. Guilherme convidará Vicente para participar da reunião de trabalho. Você e Vicente ficarão encarregados da análise do conto, por meio de um sorteio. Na biblioteca, Talita receberá uma ligação, precisará ir embora. Guilherme também irá embora, porque vai derrubar Coca-Cola na calça. Não deixe Vicente sozinho. Ele mora perto de você. Vá embora com ele. E no caminho convide-o para visitar aquela banca de jornal, “Revistas e Jornais do dia”, sua banca favorita, que fica dois quarteirões antes do prédio em que você mora.

F.”

Clara leu a mensagem uma segunda vez. Entretanto, não precisou ler uma terceira. A coordenadora do colégio entrou na sala, naquele momento, anunciando que o professor de história não iria dar a próxima aula, portanto, estavam dispensados.

E exatamente como estava no e-mail, tudo ocorreu.

Viu-se na biblioteca com Vicente. E agora? O que faria? Confiaria em F.? F. sabia de muitas coisas. Até mesmo de coisas que ela nunca tinha revelado. Como alguém poderia saber que ela frequentava aquela banca de jornal? Ela amava ler quadrinhos e mangás. Quando voltava do colégio, sempre que podia, passava na banca para conferir os lançamentos. Além disso, tudo estava acontecendo como F. previra. Será que realmente F. era do futuro? 

Vicente rabiscava algo no papel. Ele mal notara os colegas saindo. Durante todo o tempo que ficaram na biblioteca, ele levantara a cabeça, se muito, duas vezes.

Clara se debatia sobre o que fazer. Inúmeras vezes seu olhar foi parar em Vicente. Até que em uma dessas vezes, ele também retribuiu o olhar. Constrangida, desviou o olhar rapidamente. Entretanto, ele continuou a olhando.

— É...  moramos pertos, não é? — disse porque precisava falar algo.

— Ahn? — um som acabara de sair dos lábios dele. Um progresso.

— Eu vi você... no caminho para o colégio — mentiu.

Ele deu os ombros.

— Onde você mora? — indagou ele, após ela pensar que seu breve diálogo havia terminado.

— Perto daquela banca de jornal... sabe... aquela banca Revistas e Jornais do dia — explicou —, uma banca bem grande, que vende vários quadrinhos e mangás...

— É, fica perto do prédio em que moro — disse friamente e voltou a rabiscar algo no papel. Sua resposta soara desinteressada, como se não quisesse nenhum tipo de conversa, respondera como se responde a alguém que lhe vinha vender algo que não lhe interessava de forma alguma.

Clara folheou o livro que tinha nas mãos. Os dois eram parceiros, precisavam fazer aquela análise.

— Este é conto que vamos apresentar... — empurrou o livro aberto na página do conto para Vicente.

Ele apenas pegou o livro desinteressadamente. Com uma expressão bem óbvia que não estava a fim de continuar naquele lugar.

Ah, que se danasse aquele tal de F. Mesmo que as coisas estivessem acontecendo como F. avisara, não via como poderia “salvar Vicente”. Aliás, por que ela o salvaria? Vicente parecia não dar a mínima para ela ou para qualquer outro ser. 

— Tenho que ir... se você conseguir fazer alguma coisa, me avise — disse, pegando as suas coisas.

Vicente nada falou, nem ao menos se dignou a lançar um breve olhar para ela. Colocou os fones de ouvidos e continuou a rabiscar o papel.

Aquele cara estava a irritando. F. deveria ter se enganado. Não via como poderia ajudar Vicente. Ele mal olhava e falava com ela.

Assim que chegou no apartamento, abriu o notebook e escreveu um e-mail para F.:

“Por que tenho que ajudar Vicente? Ele não parece ser alguém que precisa de ajuda.Clara.”

À noite, antes de dormir recebeu outro e-mail de F., que não esclareceu de nenhum modo aquelas dúvidas que estavam pairando em cima de sua cabeça como uma imensa nuvem negra.

“Ajude Vicente. Você precisa ajudá-lo. Amanhã, você irá encontrá-lo, converse com ele. Você precisa conversar com ele. Não fuja.”

O dia seguinte era um sábado. Como encontraria Vicente? Os dois moravam perto, mas ela não fazia ideia de seu endereço. Por que precisava conversar com ele? Por que F. insistia tanto nisso? Aquele e-mail só a deixou com mais dúvidas.

Um dia negro e com um aspecto de que a qualquer momento o céu iria desabar em forma de chuva foi o que Clara recebeu na manhã seguinte ao acordar.

Precisava comprar pão para o café da manhã. A mãe deixara o dinheiro em cima da mesa. Olhou para o céu. Talvez, se fosse rápido até a padaria, conseguisse não pegar aquela chuva que o céu anunciava com muita ênfase.

Apenas havia andado uma quadra quando a chuva desabou. Precisou se refugiar embaixo do toldo de uma loja. Ventava. As gotas de chuva se assemelhavam a balas prateadas. Não havia quase ninguém na rua. Por isso, quando alguém andando sem guarda-chuva nem capa, surgiu, seus olhos imediatamente notaram. Apenas o capuz do moletom protegia a cabeça da pessoa.  Vicente. Era ele, não havia dúvidas. Estava completamente encharcado.

As palavras do e-mail de F. voltaram a sua mente (se é que elas tinham de fato ido embora alguma vez).

O que Vicente estava fazendo no meio daquele temporal? Eram apenas sete horas da manhã. E ele parecia não se importar nenhum um pouco com o fato de que o céu estava desabando sobre sua cabeça.

dissera que ela precisava conversar com Vicente, demonstrara ter urgência para que aquela conversa acontecesse.

— Vicente! — Clara se viu o chamando.

Ele voltou-se para ela.

Clara recuou alguns passos, assustada.

Os sentimentos que emanavam do olhar de Vicente penetravam na pele, nos ossos, na alma. Tristeza. A tristeza em seu estado mais puro. Este era o único sentimento que aqueles profundos olhos claros continham. Por um segundo, sentiu-se mergulhando em um mar gelado. A sensação era tão real que se encolheu toda. 

Embora aquele olhar houvesse durado menos do que um segundo, Vicente havia rapidamente desviado o olhar, nunca mais o poderia esquecer. 

— Você... precisa de um guarda-chuva? — ofereceu, estendendo o seu.

— Não.

— Tem certeza? — ele estava completamente encharcado.

— Não.

Ele começou a andar.

“Converse com ele”, as palavras ressoavam em sua mente juntamente com a sensação daquele olhar... Sentiu seus pés moverem-se em direção a Vicente. 

— Eu moro perto daqui — disse, o seguindo.

Gostaria que F. tivesse a orientado sobre o que exatamente deveria conversar com Vicente.

Recebeu como resposta o silêncio.

— Naquele prédio pequeno, perto daquele amarelo... — continuou a falar.

Silêncio.

— Você mora onde?

Silêncio.

Ele parecia nem a ouvir. Se não fosse por causa daquele olhar, já teria parado de tentar puxar conversa.

A chuva continuava a cair, embora um pouco mais leve. Vicente não dava nenhum sinal de que se importava com o fato de estar completamente encharcado.

— Faz muito tempo que...

Não terminou a frase, Vicente começou a correr.

Perfeito, agora sua conversa, ou melhor, sua tentativa de conversa, também o espantava, tanto que ele saiu literalmente correndo. Aquele tal de F. tinha a incumbido de uma tarefa difícil, uma verdadeira missão impossível.

Vicente atravessou a rua correndo, sem olhar para os lados, e apanhou algo. Um carro freou bruscamente e o motorista despejou uma grande carga de palavrões. 

Clara olhou para a cena sem compreender, até que identificou nas mãos de Vicente uma minúscula bolinha de pelo. Correu até ele. A minúscula bolinha de pelo era um gatinho. Um pequeno gatinho preto com manchas brancas. O gatinho se encolhia nas mãos de Vicente.

O motorista arrancou o carro, provocando um grande barulho. Vicente não demonstrou qualquer sinal de que se importara. Apenas tratava de proteger o gatinho em suas mãos.

— É um filhotinho! — exclamou Clara.

— Segure — pediu Vicente.

Ele passou rapidamente o gatinho para as mãos de Clara e retirou a blusa de moletom. Escolheu o lugar menos molhado e envolveu o gatinho na blusa.

— Ele precisa comer — observou Clara. — Tem um pet shop perto daqui...

— Onde fica? — indagou Vicente.

— Eu te levo até lá.

Vicente a acompanhou até ao pet shop. Ele comprou comida e mais algumas coisas para o gato.

— Você vai ficar com ele? — perguntou Clara.

— Ele precisa de um lar... — olhou para o filhote pensativo. — Mas... não permitem animais em meu prédio... — lançou um olhar para Clara.

— Eu... posso ficar com ele... por alguns dias... até ele encontrar um lar... — se ofereceu.

Sua mãe não iria se importar.

Vicente assentiu, lhe entregando a pequenina bolinha. Apesar de sua fragilidade, ele era cálido. Seu pequenino corpinho se acomodou em suas mãos, havia uma vida ali. Uma vida que almejava continuar a existir.

Naquele final de semana, Clara tentou se comunicar com F., mas não recebeu nenhuma resposta. Nunca um final de semana demorou tanto para terminar.

Na segunda-feira, Vicente não foi para o colégio. Nem na terça-feira. E nenhuma resposta de F.

Na quinta-feira, a carteira de Vicente ainda continuava vazia.

Passou, na volta do colégio, na banca de jornais. Estava precisando de uma distração. Talvez, um mangá ou uma revista de quadrinhos ajudasse. Toda aquela história de F., o sumiço de Vicente, o encontro com ele naquele dia chuvoso, as dúvidas que pairavam em sua cabeça estavam a deixando maluca.

Por que ninguém lhe dava uma resposta? Por que F. lhe lançara aquele enigma e depois sumira? F. estava com cara de Mestre dos Magos, quando mais precisava dele, desaparecia.

Olhava os novos mangás, em busca de algum título que lhe chamasse atenção, quando alguém se aproximou. Vicente.

Teve que se conter alguns segundos para disfarçar o espanto em vê-lo.

— Hum... não sabia que você também vinha aqui... — tentou agir naturalmente, não como alguém que estava preocupada com seu sumiço repentino, nem como alguém que tinha como missão salvá-lo (sabia-se lá do quê).

— É... — gostaria que ele fosse um pouco mais eloquente, não precisava ser muito, mas que pelo menos falasse mais de uma sílaba.

— Você não foi ao colégio nestes últimos dias...

 Ele nada respondeu. O silêncio. Apenas o silêncio. 

— O gatinho está bem... — falou, olhando distraidamente para os mangás.

— Está? — ele a olhou.

Ora, tinha finalmente conseguido atrair sua atenção.

— É, ele come muito! — sorriu, voltando-se para ele. — Quer vê-lo?

— Posso? — indagou.

— Claro! Podemos ir agora... se você quiser — acrescentou rapidamente.

Vicente assentiu e os dois saíram da banca de jornal.

Clara resolveu colocar Vicente em dia sobre o que havia perdido no colégio. Assim, teriam algo para conversar. Embora aquilo que tiveram não pudesse, exatamente, ser denominado como diálogo. Um diálogo necessita de pelo menos duas pessoas. E Vicente não falara quase nada.

Vicente ficara feliz em ver o gatinho, pelo menos, era o que presumira depois de ele acariciar o gatinho e brincar com ele.

— Estava pensando em ficar com ele... — disse Clara.

Vicente a olhou. Os olhos dele eram belos e profundos. Olhar para os olhos de Vicente era como um olhar um lago. Um lago profundo que escondia inumeráveis segredos. E eles tinham aquela tristeza que parecia nunca os abandonar.

— Isso seria bom — voltou a acariciar o gatinho.

Ele acariciava o filhote com tanta ternura. Era tão amável que Clara se questionava onde escondia tanta afabilidade.

 — Já pensou em um nome para ele?

— Ainda não decidi. Você tem alguma sugestão?

Ele passou a mão pelos sedosos cabelos castanhos claros.

— Hum... não sei... — acariciou o gatinho, que soltou um miado de contentamento. — Rain?

Sorriu com a sugestão dele.

— É, gostei do nome. Vai se chamar Rain.

Ele voltou a acariciar o gatinho.

— Hum... temos que fazer aquele trabalho de português.

— É, precisamos fazer... Pode ser amanhã, depois da aula?

— Ok.

— Tenho que ir — disse ele, levantando-se do chão e colocando cuidadosamente o gatinho na caixa que servia como casa provisória. Rain soltou um miado reclamando.

— Ele gosta de você... — observou Clara.

Vicente olhou para o pequeno gatinho e um sorriso quase imperceptível surgiu em seus lábios. Admirou-se, era a primeira vez que via um sorriso de Vicente, na verdade, a sombra pálida de um sorriso.

— Você gosta de mangás? — perguntou, enquanto o acompanhava até a saída. — Como eu vi você na banca de jornal, olhando mangás... pensei que gostasse...

— É, gosto...

— Eu adoro mangás — sorriu. — Tenho alguns aqui... se você quiser, posso te emprestar... Agora estou lendo Inuyasha.

— Eu estava lendo também, mas ainda não li os últimos volumes...

— Você quer ler os últimos volumes?

Sem esperar por uma resposta, Clara foi para seu quarto e voltou com vários volumes de Inuyasha. Ela gostava de ter alguém com quem falar sobre aquele assunto.

Vicente apanhou os volumes que ela lhe trouxe.

— Obrigado — agradeceu. — Até amanhã.

Vicente não quis pegar o elevador e foi pela escada. Clara ainda ficou observando-o, até perdê-lo de seu campo de visão.

Clara percorria os olhos pela prateleira de livros em busca de algum que pudesse a ajudar no trabalho de português. Localizou um livro, sua mão já estava prestes a pegá-lo quando acidentalmente tocou em algo. A mão de Vicente. Retirou rapidamente a mão, sem saber ao certo o porquê daquele pequeno constrangimento após tocar a mão dele.

Depois de várias reuniões, os dois finalmente estavam terminando o trabalho.

— Acho que este serve — disse Vicente, apanhando um livro.

— Ah... deve servir — falou, após dar uma rápida olhada no título.

Voltaram à mesa em que estavam estudando. Vicente começou a folhear o livro e ela a reler o conto.

— Sabe... — ele levantou os olhos do livro. — Talvez, o conto fale sobre a impossibilidade de se mudar o futuro... o destino já está escrito, e o personagem principal percebe isso... é por isso que ele deixa a sua amada ir aquele encontro, mesmo sabendo o que vai acontecer no futuro. Ela vai ficar com outra pessoa... E ele vai morrer em breve.

— Então, não podemos mudar o futuro se soubermos que vai ocorrer? — falou Clara mais consigo mesma do que com ele.

— Talvez, lembra daquela história do Édipo?

— Profetizaram para o rei de Tebas que seu filho irá matar o pai e se casar com a mãe. Para evitar isso, o rei resolve matar seu filho, mas o pastor, que foi encarregado da tarefa, fica com pena e deixa o menino viver. Édipo é criado longe de Tebas. Anos se passam, e Édipo recebe uma profecia de que iria matar o pai e se casar com a mãe. Édipo foge para não matar o pai e se casar com a mãe. No caminho da fuga, ele tem uma discussão com um homem e o mata. Este homem era o rei de Tebas, ou seja, o pai de Édipo. Mais tarde, ele resolve um problema que estava atormentando Tebas, como prêmio casa-se com a rainha. Ou seja, ele matou o pai e casou-se com a mãe.

— Viu? Tanto o rei, quanto Édipo estavam tentando evitar o destino. Mas, não há como escapar — falou pensativo.

Clara desviou os olhos de Vicente. Não, tinha que haver uma maneira de mudar o futuro.

— Por isso, Tomás — disse Vicente se referindo ao protagonista do conto que estudavam —, mesmo sabendo o que irá acontecer, não pôde evitar que Lavínia e Roberto se encontrem e fiquem juntos. Ele até tenta evitar, mas no final, Tomás se vê em um beco sem saída...

— Não, ele não poderia dar-se por vencido. Ele deveria ter lutado! — sua voz era quase um murmúrio.

Vicente arqueou a sobrancelha.

— Se você sabe o seu destino, você deve lutar para mudá-lo — sua voz agora era mais alta.

— Não sei... — Vicente rabiscou algo no papel. — Será mesmo que podemos mudar algo que é inevitável?

— Podemos! — afirmou.

Embora a voz de Clara fosse forte e decidida, uma pequenina parte dela se debatia, gritando que aquilo poderia estar certo. Clara tentava suprimir esta parte. O futuro poderia ser mudado. Estava certa. Tinha que estar certa.

Terminaram o trabalho. Como moravam no mesmo bairro, os dois foram embora juntos. Aliás, ir embora juntos estava se tornando quase um hábito. Não soubera como aquilo começara. Os dois moravam perto, estudavam na mesma sala, seus horários coincidiam.

Eles conversavam geralmente sobre os estudos ou mangás. No princípio, Clara falava a maior parte do tempo, e Vicente apenas respondia com algumas palavras. Porém, as poucas palavras foram aumentando a cada dia.

Naquele dia, Clara não falou tanto, Vicente falara mais do que ela. Estava preocupada, aquela conversa que tivera sobre destino com Vicente a deixara alarmada.

Quando chegou ao apartamento, a primeira coisa que fez foi enviar um e-mail para F. Este, aliás, havia dias que não lhe mandava mais nenhum recado.

“Por favor, F., preciso de respostas. O que você sabe sobre o futuro? Do que exatamente tenho que salvar Vicente? Por favor, me responda, F., eu preciso saber a resposta. Por favor.Clara.”

Passou o resto do dia agoniada, checando sua caixa de e-mail a cada minuto. 

As horas, os minutos, os segundos escorriam lentamente.

Uma nova mensagem; seu coração saltou. F. Era uma mensagem de F.

Com os dedos quase trêmulos clicou no e-mail e o abriu.

“Me comunicar com você não é muito fácil. Você me perguntou sobre o que aconteceria com Vicente... Ainda não posso revelar toda a verdade a você. Tenho algumas regras que preciso seguir para continuar me comunicando com você.

Há pessoas especiais que partiram deste mundo muito cedo. Pessoas que precisavam ter ficado no mundo por mais tempo. Pessoas que precisavam ver o amanhecer mais vezes. Pessoas que não fazem ideia da falta que fazem. Vicente foi uma destas pessoas.  —F.”

Uma lágrima rolou e caiu no teclado do notebook de Clara. Sua visão ficou embaraçada. As letras dançavam em sua frente.

Vicente não mais existiria no futuro? Vicente... ele... iria morrer?

Clara não conseguia desviar os olhos de Vicente. Ele notou os olhares dela e a encarou. Ela continuou o olhando. Vicente arqueou a sobrancelha, interrogativo.

O sinal tocou. Mecanicamente, Clara apanhou suas coisas.

— Algum problema? — perguntou Vicente, se aproximando dela.

— Nada... — respondeu evasiva.  — Você... quer ver o Rain?

Vicente gostava de visitar o filhotinho de gato.

— Sim, mas antes preciso passar em meu apartamento...

— Ok.

Ela tentou disfarçar sua apreensão, porém vez ou outra se pegava olhando Vicente.

Nunca havia entrando no apartamento dele. Ficou até surpresa quando ele a convidou para subir.

— Quer um sanduíche? Minha mãe fez vários ontem à noite para o jantar... — perguntou Vicente.

— Quero, sim, obrigada.

Vicente foi para a cozinha a deixando sozinha na sala.

O apartamento era pequeno assim como o dela. A decoração era bem sóbria. Não havia nada colorido naquele lugar. Nenhuma cor vibrante. Clara notou algumas fotos, quase escondidas em um canto da estante. Uma das fotografias lhe chamou a atenção. Vicente usava o uniforme de jogador de futebol, sorria, e estava rodeado por vários outros garotos que também usavam o mesmo uniforme. O sorriso dele era tão bonito. Ele sorria com os todos os músculos da face. Seu rosto inteiro era um grande sorriso. Era um daqueles sorrisos que faziam as pessoas desejarem ficar o dia inteiro observando.

Apanhou a foto, impressionada com aquele sorriso. Será que um dia iria presenciar aquele sorriso brotar no rosto de Vicente? Por que ele não sorria mais assim?

Vicente entrou na sala equilibrando uma bandeja com sanduíches e uma garrafa de Coca-Cola.

— Ah... você participava de um time de futebol? — perguntou, após notar o olhar indagador de Vicente ao ver a foto em sua mão.

— É, eu fazia parte do time de futebol do colégio... — colocou a bandeja na mesinha de centro.

— Por que você não quis fazer parte do time de futebol do nosso colégio? — pegou um dos sanduíches e deu uma mordida, estava gostoso.

Ele deu de ombros.

— O futebol não era tão interessante... — respondeu laconicamente, tomando um gole de Coca-Cola.

— Como era o outro colégio?

— Normal — deu uma mordida no sanduíche.

Ele estava voltando a ser evasivo. Havia tantas coisas que gostaria de perguntar para ele, tantas. Por que ele não permitia que ela entrasse em seu mundo? Ele se fecha em si mesmo, hermético. Considerava impossível abrir aquela concha dura construída por ele naqueles momentos.

— Você era popular... — fez aquela observação, quase distraidamente.

— A popularidade não é tão boa... — disse, enquanto continuava a comer o sanduíche.

Clara voltou os olhos para as fotografias. Havia uma foto praticamente escondida das outras, nela uma mulher jovem e bonita segurava duas crianças. As crianças eram idênticas. Os dois garotinhos eram uma cópia de Vicente criança.

Vicente acompanhou o olhar de Clara. Ele foi até a estante e apanhou a fotografia.

— Este é meu irmão Renato — entregou a foto para Clara.

— Você não me disse que tinha um irmão gêmeo! — surpreendeu-se com aquela descoberta. — Onde ele está? Ele não estuda nosso colégio ou estuda? Porque eu nunca o vi...

Vicente tomava calmamente um gole de Coca-Cola. No entanto, havia algo de perturbador naquela tranquilidade.

— Ele morreu no ano passado.

Clara voltou-se para Vicente.

— Sinto muito!

Ele nada disse, nem sequer a olhou.

O silêncio caiu sobre eles. Clara sabia que não havia nenhuma palavra que poderia utilizar naquele momento. Em certas ocasiões as palavras tornam-se vazias, sem sentido, frias.

Ela também não ousou fazer nenhuma pergunta, há feridas que não devem ser mexidas.

A tristeza de Vicente era algo físico, palpável. A tristeza emanava de todo o seu ser.

Clara envolveu-o em seus braços. Ele deixou-se ficar.

Os dois permaneceram assim por um longo momento, calados.

Clara sentiu que aquela fora a conversa mais íntima que tiveram até então. Uma conversa em que as palavras eram desnecessárias.  Uma conversa entre duas almas.

— Você já quis mudar o passado? — indagou repentinamente Vicente.

Clara o olhou, interrogativa. Os dois estavam voltando do colégio.

— Já... há muitas coisas que eu gostaria de mudar em meu passado... Acredito que todo mundo tem algo que gostaria de mudar em seu passado. Principalmente, as escolhas que não faríamos. Sempre haverá um “se”. Se eu tivesse falado aquilo em vez disso, se eu tivesse feito aquela viagem, se eu tivesse feito aquele curso, se eu tivesse escolhido aquele caminho... Você nunca quis mudar seu passado? Nunca teve algo que gostaria de mudar?

As perguntas de Clara ficaram sem respostas. Ele estava distraído. Seu olhar era distante. Clara não estava menos distraída do que ele. Diversas dúvidas estavam pairando sobre sua cabeça. Os dois não trocaram mais nenhuma palavra durante o resto do trajeto.

Os passos de Clara eram lentos. Seus olhos vagavam por todos os cantos da rua. Várias pessoas andavam na rua, mas seus olhos não se detinham em nenhuma. Quando o viu, um sorriso se formou em seu rosto. Encontrar com Vicente no caminho para o colégio era algo que estava se tornando parte de sua rotina.

Gostava de conversar com Vicente, mesmo só caminhar junto a ele, sem dizer uma única palavra, era bom. Gostava de estar em sua presença.

Quando ele não ia para a aula, ou não se encontrava com ele no caminho para o colégio, ou se por algum motivo não podiam vir juntos na volta do colégio, era como se estivesse faltando algo.

Caminhou em sua direção com passos firmes e apresados. Ao chegar perto dele, não disse nada. Ela continuou a sorrir. Desejou que o caminho até o colégio fosse bem mais longo.

— Escrevam um poema — pediu a professora Neusa. — Um poema sobre... — ela olhou lentamente para cada um dos rostos que tinha em sua frente. — O futuro! Vocês estão no último ano do colégio, como imaginam seus futuros?

A professora começou a passear entre as carteiras. Clara tentou escrever algo em seu caderno, mas seu olhar foi instintivamente para a carteira de Vicente. Como ela imaginava o futuro? F. não poderia estar certo. Um futuro sem Vicente? Como poderia existir um futuro em que ele não estava? Um futuro sem Vicente era vazio. Um futuro sem Vicente era impensável.

O sinal tocou antes que Clara pudesse concluir seu poema, ou melhor, antes que pudesse escrever a primeira linha do poema. Ela apanhou suas coisas e foi até a carteira de Vicente.

Ele parecia nem ter notado sua aproximação, seus movimentos eram lentos e distraídos. Havia algo de errado com ele.

— Vicente?

Ele não respondeu.

— Você está bem?

Vicente continuou sem a responder.

— Vicente! — falou um pouco mais alto.

Ele a olhou.

Clara recuou. Já havia visto aquele olhar antes. Era o mesmo olhar daquele dia de chuva. Tristeza. Só havia tristeza em seus olhos.

Vicente recolheu suas coisas e, sem esperar por Clara, saiu. Ela foi atrás dele.

— Vicente! — o chamou diversas vezes.

Ele não parava de andar. Seus passos eram rápidos.

Clara não conseguia o alcançar, por mais que tentasse, ele lhe escapava.

— Vicente!

Começou a correr. Correu com todas as suas forças, até que se colocou em frente a ele.

— O que está acontecendo? Você está bem?

Ele não a olhou, apenas tentou continuar a andar. Entretanto, ela o impediu de continuar.

— O que foi? — insistiu.

— Eu odeio poesia! — aquelas palavras saíram em uma mistura de raiva, mágoa, medo e tristeza.

— Por quê?

—Porque a poesia levou meu irmão Renato — falou ainda sem a olhar.

— Vicente?

— Clara, eu nunca me odiei tanto... — ele a olhou. Seus olhos não refletiam mais a tristeza, eram a personificação da tristeza. — Como eu não via o que Renato estava passando? Ele era alguém tão diferente de mim... Amava tudo, era sensível e sua grande paixão era a poesia... Ninguém o compreendia, nem mesmo eu. Ele era ridicularizado por seus gostos, por escrever poemas, por ser diferentes dos demais garotos... e eu? O que eu fazia? Nada. Era um idiota — a voz de Vicente era raivosa. — Um perfeito idiota.

A respiração de Vicente era ofegante, as palavras não eram ditas, eram cuspidas com raiva. Elas saiam como um grito. Cada palavra que ele proferia era como um espinho sendo arrancado de seu corpo.

— Não. Não foi a poesia que levou meu irmão, eu estava errado — falou em um tom mais baixo, mas nem por isso menos cheio de raiva. — Foi o descaso, a incompreensão. A minha incompreensão. Foi por isso que Renato se suicidou no ano passado. Foi porque eu não fiz nada.

Vicente recomeçou a andar e Clara viu-o se afastar, inalcançável aos seus passos, aos seus apelos, ao seu chamado.

No dia seguinte, Vicente não foi ao colégio. Ela foi até o seu apartamento, mas ele não estava. Tentou ligar, mas ele não respondeu nenhuma de suas ligações.

Enviara um e-mail para F., contando sobre o que acontecera, pedindo ajuda, um pouco de luz à situação. F. ainda não havia respondido ao seu e-mail.

O que deveria fazer? Sentia que algo grave iria ocorrer a qualquer minuto.

Não conseguia dormir. Olhava para a tela do notebook e do celular o tempo todo. Passou a noite sem fechar as pálpebras uma única vez, já estava quase amanhecendo, quando um novo e-mail de F. chegou. Veio como uma pequena fagulha de esperança, mas que se transformou em desespero a medida em que lia.

“Eu comecei a enviar estes e-mails para você cheia de esperança e de medo. Não sabia se daria certo. Aliás, sei que provavelmente minha realidade não será alterada. Em meu mundo Vicente não voltara a viver. Se você voltar no tempo e modificar o passado, cria-se um tempo paralelo a aquele que você partiu. Provavelmente, estamos criando um tempo paralelo.

Mas, mesmo que Vicente não viva em meu mundo, eu gostaria que ele vivesse no seu. Gostaria que a Clara de 17 anos fizesse as coisas que a Clara adulta se arrepende de não ter feito. Eu me arrependo de muitas coisas. E meu maior arrependimento foi o de não ter salvado Vicente, de não ter falado o que ele precisava ouvir, de não ter dado o abraço que ele precisava ter recebido. Não cometa os mesmos erros que cometi.

Quando Vicente fez aquele trabalho de português comigo, não trocamos muitas palavras. No início até me irritei com seu modo desinteressado das coisas (o que era uma grande máscara que ele usava. Vicente se importava e muito com tudo, como pude constatar mais tarde). Por isso, insisti para que você conversasse com ele.

Naquele dia chuvoso, quando encontrei Vicente na rua, não falei com ele. Vi ele salvando aquele pequeno gatinho. Porém, não me aproximei. A partir daquele momento, um pequeno interesse por aquele garoto calado, que não conversava com nenhum de seus colegas, começou a nascer. Ele parecia não se importar com nada, mas salvava gatinhos abandonados, arriscando a própria vida.

Notei que morávamos no mesmo bairro, via-o indo para o colégio, via-o na banca de jornal, olhando os quadrinhos e mangás. Tínhamos gostos parecidos, logo percebi. Mas, ainda assim não me aproximei dele. Observava Vicente em segredo cada vez mais. Ficava agitada, quando ele não ia para o colégio. Impaciente, quando não o encontrava de manhã, no caminho para o colégio. Trocávamos apenas algumas palavras, mas que para mim, naquele momento, eram suficientes (mas, elas não foram suficientes. Se eu soubesse...). Sem perceber, comecei a amá-lo.

Eu queria me aproximar de Vicente, mas eu não consegui. Eu sempre deixava para semana que vem. Quando eu o encontrava na banca de jornais, pensava que na próxima semana, eu falaria com ele. Quando eu o via no trajeto para o colégio, hesitava em me aproximar. Talvez, na próxima semana. Aquele ainda não era o momento apropriado.

No entanto, a semana que vem nunca chegou.

Vicente foi meu primeiro amor. E eu o perdi de forma terrivelmente repentina e trágica.  

Vicente se suicidou, cheio de culpa, dor e mágoa.

Segue em anexo a carta que ele deixou. É a única coisa que restou de Vicente.

Por favor, salve-o. Quero que ele seja feliz em algum lugar. Salve-o.Clara.”

Com as mãos trêmulas clicou no arquivo em anexo.

“Eu apenas queria voltar no tempo. Apenas queria trazer Renato de volta. Meu irmão gêmeo... Dizem que irmãos gêmeos podem sentir o que o outro sente, compreendem-se melhor do que qualquer pessoa que existe no mundo.  Não é verdade. Eu não compreendi Renato, não vi o quanto ele sofria. Enquanto eu vivia uma vida feliz e cheio de amigos, Renato se afogava em sua solidão. Enquanto todos me parabenizavam por ser o capitão do time de futebol, Renato era ridicularizado por seus poemas. Eu me odeio. Não mereço viver enquanto Renato já não está aqui. 

Todos os meus dias são negros. Todos os meus dias são sufocantes. Respirar dói. Há dias que não quero me levantar da cama, só gostaria de dormir e nunca mais acordar.

Quero que esta dor termine. Não quero mais lutar. Estou cansado. Se eu desistir, não farei diferença para este mundo.Vicente, 18 de junho.”

***

Clara se viu na rua, correndo em direção ao prédio de Vicente. A rua estava escura. O sol ainda não tinha nascido. Mas nada daquilo importava.

Vicente iria se suicidar naquele dia.

Tentou ligar para ele. Seu celular estava desligado. Ninguém atendeu em seu apartamento.

Lágrimas de desespero escorriam por seu rosto. Seu coração pulsava forte. Onde estaria Vicente?

Lembrou-se de algo. Em uma de suas conversas, Vicente falara que adorava ver o amanhecer no topo do prédio. Ele tinha que ver aquele último amanhecer.

O elevador estava ocupado. Não esperou por ele. Subiu, ou melhor, saltou os degraus de dois em dois.

Sem fôlego, chegou ao topo do prédio. E seu coração já estava ao ponto de estourar quando o viu. Vicente contemplava o amanhecer. Contemplava o amanhecer encostado no parapeito.

— Vicente! — gritou.

Ele voltou-se para ela.

— Por favor, não! — sua voz, seu corpo eram uma súplica.

— Clara... por que você está aqui? — ele a olhou de um modo terno.

— Porque você precisa viver — respondeu, aproximando-se com os passos curtos, cuidadosos, como se aproxima de um animal ferido, que você não quer espantar.

— Viver? — ele indagou. — Por que eu deveria viver?

— Vicente... Você precisa se dar outra chance — deu mais um passo em sua direção. — E aquilo que aconteceu com seu irmão não foi sua culpa.

— Como você sabe?

— Porque não foi! — contestou cheia de convicção. — Eu não sei exatamente o que aconteceu, não conheci seu irmão. Mas, eu conheço você, Vicente. E o Vicente que conheço é alguém muito especial. O Vicente que eu conheço ama as coisas, mesmo que não demonstre, ele se importa com todos os seres vivos.

Vicente a olhava. As lágrimas banhavam o rosto de Clara.

— Sei que dói respirar, sei que dói viver. Há dias que é difícil para mim simplesmente me levantar e viver. Mas, eu vou continuar este caminho, mesmo que seja difícil. Porque mesmo que o caminho seja árido, sei que há também beleza neste mundo. Siga em frente! E um dia essa vida vai ter sentido. 

— E se não tiver? — questionou Vicente.

— Então, eu estava errada, mas... eu vou continuar a insistir. Insistirei até meu último suspiro. Insistirei até que tenha sentido. E eu quero que você esteja comigo.

— Clara — ele fechou os olhos. — Por que você tinha que aparecer em minha vida? Há muito tempo eu já tinha decidido o que fazer, já tinha optado pelo caminho que deveria seguir... Mas, você apareceu, cheia de vida. Me lembrando que a vida não é tão ruim assim... E até mesmo me fazendo sorrir. Eu gosto de estar com você, escutar sua conversa... Você me fez questionar sobre minha decisão. Me vi duvidando de minhas escolhas. Me vi agitado, querendo sua companhia... É por isso, que eu... quero continuar. 

Clara se aproximou. Vicente abriu os olhos e desceu do parapeito.

— Eu só gosto de apreciar o amanhecer daqui. É o local mais bonito... — ele sorriu.

Era aquele antigo sorriso que ele apresentava nas fotografias. Um sorriso que irradiava vida. 

— Venha ver o amanhecer comigo — ele estendeu a mão.

Clara se jogou em seus braços, aspirando seu aroma. O abraço de Vicente era quente e acolhedor.

Seus lábios se encontraram.

A luz delicada e cheia de vida do sol apanhou o encontro dos seus lábios.

♥ ♥ ♥

 

 


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Notas finais do capítulo

O que acharam do conto? Por favor, deixem suas opiniões.
E o mais importante, nunca se esqueçam que vocês podem fazer uma enorme diferença na vida de alguém. Um pequeno gesto pode mudar todo o futuro. Mude o presente, mude o futuro.
A playlist já está disponível para vocês. Nada melhor do que ler acompanhado de uma boa música.
(https://www.youtube.com/playlist?list=PLpXFY9Wj92Rb9oorcSt6FPYoup-_EcLdb)
Então é isso, foi uma honra estar aqui!
E no próximo sábado, tem mais! Bjus



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