Sua testa doía, assim como seus joelhos, mas ele não se importava. Permaneceu ali, por minutos, horas... Não tinha forças para se mover. Nada se comparava ao vazio que sentia em seu peito.

  Ouviu passos, mas não ligou.

  - O que você está fazendo aqui? – Perguntou uma voz conhecida, parecendo surpresa.

  Levantou os olhos para Inukashi, ao seu lado estava um garotinho de 7, 8 anos, ele trazia um buquê de flores roxas.

  - O que está fazendo aqui, Nezumi? – Inukashi perguntou mais uma vez, suas mãos tremiam levemente e o semblante deixava transparecer a raiva que sentia. Mas ele não conseguiu responder.

  Tanto tempo havia passado... Aquele menino era o bebê que Shion salvara? Como podia estar tão grande?

  Shion...

  - Ele esperou por você! Esperou todos os dias! Mesmo quando eu insistia que você não ia voltar, ele sempre dizia: “Você vai ver, Inukashi, ele prometeu”. Era sempre a mesma resposta... Irritante! Só ele conseguia me irritar daquele jeito! – Uma lágrima escapou e rolou por seu rosto magro. – ELE ESPEROU POR VOCÊ! Até quando estava doente... Ele ainda acreditava. Mas você não veio. Ele se foi, e você não estava aqui. Por que demorou tanto, Nezumi? – A raiva dava lugar ao pesar.

  Nezumi soluçou e baixou os olhos, o sentimento de culpa corroendo suas entranhas, como um monstro faminto, deixando um grande buraco em seu interior.

  - Vamos, Shion. – Inukashi disse, já se afastando. O menino, no entanto, correu para a lápide e, com delicadeza, depositou as flores.

  - Até logo, papai. – Sussurrou. Então encarou Nezumi, com grandes olhos castanhos. Arrancou uma das flores do arranjo e colocou-a em sua mão. – Papai era um homem bom, se ele o amava, acho que também deve ser um homem bom. – O menino sorriu e saiu correndo para alcançar Inukashi.  

  Estando sozinho novamente, Nezumi voltou a apoiar o rosto na lápide. As lágrimas finalmente escorriam. Deixou que caíssem. A dor em seu peito apenas crescia, e ele não conseguia fazê-la parar, também não sabia se era isso que queria.

  Uma chuva desabou sobre sua cabeça, mas não se importou. Estava completamente perdido. Dor, perda, culpa...

  “Shion, nunca mais verei o seu sorriso?”

  Já passava da meia-noite quando voltou para casa, completamente ensopado, suas roupas estavam geladas, a pequena flor roxa ainda esmagada em sua mão. Jogou-se daquele mesmo jeito sobre o sofá. Aquele lugar... Talvez não tenha sido uma boa ideia voltar. Passara muitos dias ali com Shion, e as memórias o sufocavam. Ele só queria poder vê-lo mais uma vez...

  Mais lágrimas brotaram em seus olhos.

  “Nezumi, essa é a primeira vez que o vejo chorar.”, lembrou-se da voz de Shion. Ele dissera isso uma vez, naquele lugar horrível...

  Hamlet estava agitado, parecia querer dizer alguma coisa, mas Nezumi não estava com paciência. O rato, no entanto, não parava de cutucá-lo.

  - O QUE VOCÊ QUER? – Agora gritava com ratos... A que ponto chegara?

  Viu que o animal indicava algo perto da porta, então caminhou até lá, sua cabeça já latejando pelo choro.

  Havia um bilhete e um envelope.

“Shion deixou essa carta para você”, dizia o pedaço de papel.

  Não tinha nome, mas sabia que o bilhete fora escrito por Inukashi. Abriu o envelope tão rápido que quase o rasgou.

  “Querido Nezumi,

  Se está lendo essa carta, duas coisas aconteceram. Primeira: você voltou por mim, como eu sempre soube que faria. Segunda: não fui forte o bastante para esperar.

  Decidi escrever, pois ainda quero lhe dizer muita coisa. Mas, agora que estou com o papel e a caneta, não sei por onde começar. Você não teria esse problema, acho. Já comecei e desisti milhares de vezes, acredito que Inukashi me atirará pela janela se amassar mais uma folha de papel.

  Bem, acho que devo começar dizendo para não se sentir culpado. Eu sei que é difícil, mas simplesmente fiquei doente. A culpa não é de ninguém. E você não fazia ideia. Se fizesse, tenho certeza de que teria voltado o mais rápido possível.

  Também tenho que me desculpar. Sinto muito por não estar aqui quando você chegar, ainda quero saber tanto sobre você, queria poder viver ao seu lado para sempre... Porque eu te amo, Nezumi. É estranho dizer isso pela primeira vez em uma carta, mas a verdade é que não precisávamos de palavras. Mesmo assim, quero que guarde essas: Eu te amo, e te esperaria por uma vida inteira, se pudesse. Agradeço todos os dias por ter aberto aquela janela.

  Mas isso não é um adeus, tenho absoluta certeza de que nos encontraremos novamente. É sua vez de ter paciência. É sua vez de esperar. Espere, Nezumi, você vai ver, logo estaremos juntos!

  Darei ‘oi’ para a sua família, pode deixar.

  Com amor,

  Shion”

  Nezumi deixou-se cair sobre os joelhos, ainda agarrado às últimas palavras do outro. Por que demorou tanto para voltar? Por que partiu, em primeiro lugar? Podia ter tido anos ao lado de Shion... Mas tivera medo.

  - Eu esperarei, Shion... Prometo que esperarei. – Sussurrou.

  “Também te amo”, completou em pensamento.