Backstage escrita por Fe Damin


Capítulo 5
Capítulo 05


Notas iniciais do capítulo

Paulinha aqui de novo, porque a Fê teve outro imprevisto.
Maaas um imprevisto muito nobre dessa vez: é aniversário dela! Nossa autora está fazendo 25 anos hoje, essa linda!
Então vamos todos desejar felicidades aqui nos comentários, ela vai amar ;)
Bom capítulo!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/692675/chapter/5

O café da manhã que me encarava no dia seguinte estava com gosto de serragem na minha boca. Para dizer que a minha noite havia sido mal dormida, ela ainda teria que melhorar bastante, então não era de se admirar que eu não estivesse num humor muito propício pra refeições. A minha mente naturalmente trabalhava numa velocidade acima do esperado, porém quando existiam pensamentos confusos pairando no meu horizonte, era uma batalha quase perdida tentar desacelerar o ritmo. Aquilo estava indo longe demais, a minha sorte é que em dois dias eu embarcaria para uma boa estadia a meio mundo dali, pois cheguei à conclusão de que era isso que eu precisava: distância. Espaço para respirar.

Não haveria nem a sombra de esperança de conseguir desvendar tudo o que eu sentia e queria se eu estivesse a uma ligação de distância do ruivo que era a causa do meu recente tormento. As atitudes dele estavam embaralhando o que eu antes considerava muito claro, e o pior era não saber se ele tinha realmente alguma parcela de culpa nisso ou se era tudo fruto da minha imaginação que andava meio alterada para encaixar o que eu gostaria que existisse.

Passei praticamente o dia sentada no sofá, compilando uma lista de coisas que eu precisava fazer antes de viajar, que incluíam coisas parar levar na mala e coisas que eu ainda tinha que comprar. Eu até que havia deixado para fazer isso muito em cima da hora, mas não planejava estar trabalhando nessa semana. Decidi comprar as coisas que faltavam no dia seguinte, pois no domingo a maioria das lojas se encontrava fechada, e como uma alternativa, fui começar a separar as roupas que eu levaria na viagem. Selecionei uma variedade de trajes apropriados para o clima quente do país, combinando-as com alguns pares de sapatos e acessórios. Não levei muito tempo para organizar o que eu podia e dispor tudo da melhor maneira na mala que eu decidira levar.

A minha eficiência no preparo da minha bagagem me deixou ainda com um bom tempo livre antes que o dia acabasse. Eu me distraí assistindo alguns filmes na televisão e testando uma receita nova que havia achado na internet, gostei tanto que acabei anotando para repetir no futuro.

Eu estava terminando de lavar os pratos do jantar quando escutei o toque do meu celular, por um momento eu pensei que fosse o Ron, mas ao olhar o visor, foi a foto do Ced que me encarou. Eu respirei fundo para juntar a paciência que eu sabia que precisaria para enfrentar o interrogatório a qual seria submetida.

—Oi, Ced – respondi no tom mais neutro possível.

—Oi Mi, como vão as coisas? – só pelo jeito com o qual ele enunciou as palavras eu sabia exatamente o que ele queria saber, aliás ele nem precisava ter dito nada e eu já saberia.

—Vão bem, acabei de jantar – eu evitei propositalmente dar qualquer informação que ele desejava, meu amigo teria que fazer melhor do que aquilo para eu cogitar comentar qualquer coisa que fosse.

—É só isso que você vai me dizer? – sua declaração ultrajada trouxe um sorriso aos meus lábios, eu podia imaginá-lo com a mão no peito e um olhar de vítima.

—Não faço ideia do que você está falando – desconversei, me esforçando ao máximo a segurar o riso.

—Eu sabia que você seria difícil, assim não vai dar – como minha última parte do seu castigo, eu só iria comentar qualquer coisa quando voltássemos ao trabalho, mas eu esqueci que o Cedrico podia ser bem impossível. - Pode abrir a porta que eu estou chegando – não havia uma gota de fingimento em sua voz.

—O que? Mas... – antes que eu pudesse finalizar a frase o interfone tocou anunciando a chegada do meu assistente.

Abri a porta para encontrar o Ced com um sorriso que ia de uma ponta a outra do rosto.

—Você achou mesmo que eu ia te deixar viajar sem ouvir as fofocas de ontem? – ele levantou as sobrancelhas ao falar, sua expressão aliada ao tom de voz, formava um conjunto tão engraçado que eu não consegui impedir o riso.

—Eu devia imaginar que você apareceria. – me afastei para que ele pudesse entrar.

O Ced passou pela porta e foi, sem a menor cerimônia, se sentar no meu sofá.

—Vamos, agora senta aqui e me conta tudo – ele deu umas batidinhas no assento ao seu lado me indicando onde eu deveria ir.

—Você é a pessoa mais indiscreta que eu conheço – declarei me sentando onde ele queria, não me admirei de não escutar nenhum tipo de negativa de sua parte.

—Podemos pular a parte que você tenta não falar nada, chefinha – ele balançou as mãos na frente do rosto – me diz logo se o Sr. Incêncio amou a minha escolha de presente – um sorriso maldoso apareceu em seu rosto.

Memórias da noite passada chegaram com toda a força em minha mente, principalmente de como ela tinha terminado e eu senti meu sorriso morrer ao responder:

—Ele adorou, por mais que eu não queira admitir, você acertou. – ele me olhou desconfiado, franzindo o cenho.

—Ótimo, já estou convocado para o ano que vem – ele continuou me olhando atentamente e eu desviei meu olhar, um medo súbito de que ele conseguisse enxergar além do que eu queria mostrar me acometeu, mas eu devia saber quer era tarde demais, os olhos dele eram muito afiados.

—Mas que cara é essa, Mi? – ele apoiou a mão em meu ombro – achei que você estaria mais feliz hoje.

—Não foi nada, é só impressão sua – esbocei um sorriso para desconversar, mas a minha tentativa resultou em um sorriso amarelo que não convenceria nem o observador mais ineficiente, quanto mais o Ced.

—Aconteceu alguma coisa? – ele parecia preocupado – Não me diga que o Ron fez algo de errado? Me fala logo que eu vou lá quebrar a cara dele! – eu nunca tinha visto o meu amigo em um modo tão protetor, e de uma certa forma isso foi reconfortante, mas eu não podia deixá-lo com pensamentos equivocados.

—Ele não fez nada Ced, só... – minha coragem desapareceu, eu não sabia ao certo se queria falar sobre aquilo com ele.

—Só o que? Você pode me contar – seu tom carregava uma sinceridade tão pura que me vi continuando sem pensar.

—Ele me pediu pra ficar – murmurei baixinho, quase querendo que ele não tivesse escutado.

—Ficar? Ah você quer dizer dormir lá? – eu assenti – eu lembro que você comentou que nunca dormiam juntos, mas isso é um bom sinal, não? – ele parecia confuso.

—Eu não aceitei – vi seus olhos castanhos duplicarem de tamanho com a incredulidade ante a minha resposta.

—Não entendi, eu pensei... Por que você não ficou? – ele estava genuinamente atrapalhado com a informação.

—Eu não sei, Ced – levei as mãos ao rosto apoiando os cotovelos nos meus joelhos.

—Ah chefinha, estou vendo que a sua cabeça não está muito equilibrada no momento – ele passou o braço pelos meus ombros.

—Não – eu ainda me recusava a encará-lo

—Cinco anos – ele falou mais para ele do que para mim.

—O que? – levantei a cabeça tentando entender o que ele tinha dito.

—É um tempo longo demais, não é? – seu olhar me dizia que ele já estava convencido da resposta.

—Eu não costumava achar – um suspiro escapou dos meus lábios.

—E o que mudou?

Fiquei por alguns segundos ponderando a pergunta, passei as mãos pelos meus cabelos e por fim respondi:

—Eu também não sei e odeio não saber.

—Tá te torturando, né? Não precisa dizer, eu sei que sim – ele passou a mão pela minha bochecha num sinal de conforto e se afastou para se apoiar no encosto do sofá.

—Eu não sei o que quero... – afirmei meio envergonhada da declaração;

—Você vai viajar logo, aproveita e pensa no assunto – aconselhou.

—Tudo o que eu faço é pensar e não cheguei a lugar algum – levantei as mãos demonstrando minha exasperação - como eu faço isso? – eu realmente gostaria de saber a resposta

—E eu é que sei? – ele arqueou a sobrancelha - Você é a pessoa mais inteligente que eu conheço, se você não sabe a resposta que esperança tenho eu?

—Não se subestime, Ced. – apontei o dedo indicador em sua direção - Você adora dar palpites quando não é chamado e agora que eu estou pedindo não vai colaborar?

—Mi – ele levou suas duas mãos aos meus ombros me posicionando de frente pare ele - isso é uma conclusão a que você tem que chegar sozinha – ele me puxou para um abraço e eu não recusei o conforto apoiando minha cabeça em seu ombro.

—Você é um ótimo amigo, eu já te disse isso?

—Já, mas não me canso de ouvir – seu tom convencido me fez rir - eu já vou indo, não se preocupe você vai sair dessa, de um jeito ou de outro.

Eu me afastei e ele se levantou para ir embora.

—Espero que você esteja certo – eu o acompanhei até a porta e a abri para ele passar.

—E quando foi que eu errei? – ri da sua gracinha - Tchau, chefinha e boa viagem – ele se despediu com um beijo e um abraço

—Tchau, obrigada por me escutar e.... pode esquecer do que eu disse? – pedi sem muitas esperanças.

—Não tem a menor chance de que isso aconteça – ele se posicionou em frente ao elevador.

—Eu tinha que tentar – as portas se abriram e ele entrou no elevador - tchau – acenei antes que ele tivesse fora do meu campo de visão.

A visita do Ced acabou me dando um pouco de conforto, a perspectiva da minha viagem e de poder usar esse tempo longe do Ron para tentar me colocar de volta nos eixos foi suficiente para me proporcionar uma noite mais tranquila de sono. Na manhã seguinte, eu organizei a minha casa, pois não havia a menor possibilidade de eu deixar uma bagunça para trás e partir para o outro lado do mundo, e no fim da tarde dei uma saída para comprar os itens restantes da minha lista.

Em pouco menos de duas horas eu estava de volta. O peso das sacolas estava começando a me cansar, pousei os volumes no chão a fim de procurar a minha chave em um dos meus bolsos, abri a porta e peguei as sacolas de volta. Eu estava prestes a entrar em casa quando escutei o barulho da porta da minha vizinha se abrindo, me virei imediatamente para cumprimentar a Ginny e pra minha surpresa dei de cara não apenas com ela, mas com seu irmão também.

Eu não estava pronta para rever o Ron depois da nossa última despedida, para falar a verdade eu me sentia meio sem saber como prosseguir, mas o sorriso que ele lançou em minha direção me fez perceber que ele não parecia estar sofrendo do mesmo problema, eu dei oi para a minha vizinha e em seguida para ele, eu senti que o meu sorriso estava meio amarelo, contudo não consegui fazer melhor do que aquilo.

A Ginny perguntou sobre as minhas férias e eu disse novamente que viajaria no dia seguinte, ela em retorno me desejou boa viagem e ofereceu ajuda com as sacolas. O Ron que ficou calado durante a duração de nossa conversa, pareceu se lembrar que estava ali e se adiantou dizendo que me ajudaria com os volumes. Me despedi da minha amiga e ele veio em minha direção  pegando as sacolas da minha mão.

Eu me sentia nervosa, algo que não acontecia na presença dele há muito tempo, anos na verdade. Ele depositou as sacolas na mesa da cozinha e eu fui abrir a geladeira só para ter uma desculpa para não olhar para ele.

—Você já jantou? – ele me perguntou

—Ainda não, saí há um tempo para comprar as últimas coisas que precisava para a viagem e acabei nem comendo nada – fechei a geladeira sem chegar a pegar nada de dentro.

—Eu acabei de voltar de um restaurante com a Ginny, mas se quiser posso fazer alguma coisa rápida pra você, pelo que eu vi você ainda tem algumas coisas para organizar – ele indicou as sacolas com os olhos.

Eu podia até estar meio desconfortável com a presença dele, mas a verdade é que a oferta era boa demais para recusar, aceitei a sua sugestão e o deixei na cozinha preparando as coisas enquanto eu levava as compras para o quarto e terminava de colocá-las na mala. Quando retornei para onde ele estava, encontrei um sanduíche me esperando e um copo cheio com o resto do suco de uva que estava na geladeira.

—Foi o melhor que consegui fazer com as opções – ele sorriu, claramente tirando sarro do estado vazio da minha geladeira.

—Está ótimo, eu teria ficado só com o suco se você não estivesse aqui – ele indicou a cadeira da mesa ao lado da que ele estava sentado e eu me juntei a ele.

Comi em silêncio sob o escrutínio do seu olhar observador, eu era naturalmente falante, se eu continuasse calada ele notaria que algo estranho estava se passando. Decidi puxar conversa, mas ele foi mais rápido:

—Quantos dias mesmo você vai passar com seus pais? – a pergunta foi feita num tom baixo e peculiarmente sério.

—São dez dias – respondi sem rodeios.

—Hum... você não tinha me dito que ia visitá-los – era impressão minha ou ele parecia chateado por eu não ter lhe contado? Sua expressão não deixava transparecer nada, mas eu conhecia bem demais as inflexões da voz dele para saber que ele estava no mínimo incomodado.

—Provavelmente escapou da minha mente, foram umas semanas conturbadas – me concentrei de novo no meu sanduíche, não querendo ver a reação dele.

Terminei de comer e agradeci pela comida, elogiando o prato que estava muito gostoso para algo feito em poucos minutos. Levei a louça em direção a pia e ele ficou encostado na parede ao meu lado me observando, ao invés de ir embora como eu achei que faria.

—Você já está sabendo que a Ginny está de caso com um cara novo? – ele me perguntou em tom conspiratório, achei aquilo tão engraçado que acabei rindo.

—Saber exatamente eu não sei, ela só me disse que tinha aparecido alguém interessante, qual é o nome dele mesmo?

—Harry, e pelo jeito ela está achando ele interessante até demais – me virei para encarar sua expressão um tanto inconformada e finalmente me tranquilizei com aquela situação, o Ron ainda era o Ron, eu estava sendo boba em me preocupar com a presença dele, eu podia até ter ainda muito no que pensar, mas a noite de sábado não tinha alterado nada de fundamental em nossa relação atual.

—Ciúmes da irmãzinha, Ron? – provoquei, caminhando em sua direção após finalizar a limpeza da louça.

—Claro que não, fico feliz que ela esteja se divertindo, eu só queria saber se você poderia me dizer o que acha dele – ele deu de ombros tentando afirmar a sua indiferença, porém eu não cairia nessa farsa.

—Sei, então eu posso contar para ela esse seu súbito momento de irmão mais velho protetor? – ele riu e me prendeu em um abraço que eu não neguei.

—Claro que não, você quer acabar com a minha imagem? – ele me puxou pela mão e eu me deixei levar até o sofá da sala.

—Acho que você vai ter que comprar o meu silêncio então – um sorriso maldoso surgiu em meus lábios.

Ele passou o braço por detrás da minha nuca e se aproximou do meu ouvido para perguntar:

—Em qual moeda eu tenho que fazer o pagamento?

—Como eu estou boazinha hoje, eu aceito em beijos – aproximei os meus lábios dos dele esperando que ele eliminasse a distância entre nós.

Ao invés do beijo longo que eu estava esperando, ele me deu um selinho e se afastou, seus olhos faiscantes me dizendo que ele sabia que eu não acharia aquilo suficiente, ele estava certo.

—Pagamento insuficiente. – Falei e ele repetiu a ação.

—Dois está bom? Não sei quantificar isso.

—Não senhor, vai ter que fazer melhor – foi a minha vez de colar meus lábios nos dele, dessa vez ele não se afastou rapidamente e o beijo foi profundo e deliberadamente demorado. Ele enroscou os dedos nos meus cabelos e eu passei meus braços pelo pescoço dele. Ficamos alguns minutos entrelaçados até que nos afastamos em busca de ar para recuperar nosso fôlego.

—Acho que agora eu estou com crédito positivo – sua cara de convencido foi o suficiente para me fazer dar outra gargalhada, eu estava tão distraída rindo, que não vi quando ele tirou um celular que eu não conhecia do bolso, se posicionou ao meu lado e tirou uma foto, apenas com o clique da câmera eu me atentei para o que ele tinha acabado de fazer.

—Ei, o que você está fazendo? – eu sabia muito bem a resposta literal para a minha pergunta, mas nós nunca tínhamos tirado uma foto juntos, eu queria entender o que tinha levado àquilo.

—Nada, só estou testando meu presente novo, A Ginny acabou de me dar – ele falou como se fosse a coisa mais corriqueira do mundo e eu senti uma pontada de decepção.

—E você decide tirar uma foto minha toda desarrumada? – eu não ia perder o meu tempo pensando no que aquela foto significava para mim, era melhor desviar o assunto para outros tópicos.

—Eu não ligo pra sua roupa, eu estava mais interessado no seu sorriso – seus olhos azuis me olhavam tão intensamente que eu quase desviei os meus.

Ele só podia estar fazendo aquilo de propósito, pois num segundo ele dá a entender que não era nada de mais e no outro fala o tipo de coisa que ultimamente vinha provocando flutuações no meu batimento cardíaco, ignorei a sensação e continuei como se nada tivesse acontecido.

—Deixa pelo menos eu ver se fiquei com a cara decente – estiquei a mão pedindo o celular, mas ele fez que não com a cabeça.

—Pode ver na minha mão, não quero que você apague – ele virou a tela para mim.

Por mais que eu não estivesse tão arrumada quanto o normal para tirar uma foto, eu não podia negar que o resultado final tinha sido bom. Eu tinha os cabelos meio embaralhados, as bochechas e os lábios rosados em virtude das atividades recentes e um largo sorriso em meu rosto, mas o que mais me surpreendeu foi o rosto dele. Ele havia inclinado a cabeça em minha direção e seu olhar carregava um ar de felicidade e ternura que eram mimetizados em seu sorriso.

—Você tem duas opções – levantei dois dedos em sua direção - ou apaga essa foto...

—Nem adianta – ele me interrompeu balançando a mão em negativa, achei graça da prontidão dele ao negar.

—Ou você me passa a foto – ele me olhou surpreso com a condição – Você tem que testar o bluetooth do celular também – emendei, tentando disfarçar o meu pedido.

Ele riu da minha desculpa esfarrapada, mas escolheu a última opção. Depois que a foto já tinha sido passada com sucesso para o meu celular, ele se levantou para ir embora.

—Já vou indo, Mione você tem que dormir cedo pra viajar amanhã.

Eu o acompanhei até a porta.

—Tchau, Ron.

—Tchau, Mione e boa viagem – ele se aproximou e se despediu com um beijo mais longo do que o normal, ao se afastar sua mão permaneceu em meu rosto por alguns segundos enquanto ele me fitava intensamente com aqueles olhos azuis, foi impossível conter o arrepio que atravessou as minhas costas.

Ele se virou em direção à saída e eu pude jurar que escutei sua voz murmurando “dez dias” enquanto eu fechava a porta. Fiquei sem ação olhando para a porta fechada a minha frente. Eu estava beirando o ridículo ou ele tinha realmente dito aquilo? Meu coração se acelerou involuntariamente com duas palavrinhas simples e eu não podia estar mais irritada. Eu estava sendo patética, agindo como uma completa idiota que solta suspiros por qualquer coisa, realmente as coisas estavam confusas demais na minha cabeça, já era hora de começar a colocar ordem na minha vida de novo.

Me dirigi ao sofá com passos largos e decididos, peguei o celular e sem nenhum pingo de hesitação abri a foto que ele tinha tirado de nós dois e posicionei o meu polegar em cima do ícone que apagaria o arquivo, eu não tinha razões para ficar contribuindo para o meu atual estado de insensatez. Meu dedo não se movia, meu cérebro ordenava o descarte daquela imagem, mas a mensagem não conseguia me forçar a executar a ação. Os olhos dele, tão vivos e alegres, me encaravam com o que eu já estava enxergando como uma ameaça, e o sorriso desconcertante me impedia de tirar os olhos do conjunto.

Sacudi a cabeça como se fosse me ajudar a ter alguma clareza e joguei o celular de volta ao sofá em um gesto de irritação.

—Sua idiota – repreendi a mim mesma em voz alta.

Decidi ir dormir sem lançar nem mais um olhar àquele aparelho que tinha sido o veículo da minha última sandice, no dia seguinte eu me livraria daquela foto, não era nada demais.

Eu não estava acostumada a acordar com o despertador do relógio digital que ficava ao lado da minha cama e quase perdi a hora na qual eu deveria acordar, mais um motivo para me irritar com aquela foto que eu tinha me proibido, por hora, de abrir mesmo que fosse para apagar. Foi uma pequena correria para me arrumar, mas como até para me atrasar eu geralmente estou adiantada, cheguei no horário certo no aeroporto e embarquei sem problemas no avião que felizmente estava previsto para sair pontualmente.

Foram muitas horas de voo nas quais eu passei tentando me distrair com as mais diversas coisas, desde palavras cruzadas e filmes, até músicas ou livros. Nada prendia a minha atenção por muito tempo, várias vezes eu me peguei desviando os meus pensamentos para o dono do único sorriso que me fazia sentir arrepios, não ajudou o fato de o comissário de bordo, que veio me servir a primeira das refeições da viagem, ter os cabelos de um tom muito familiar de ruivo. O coitado não teve culpa do mau humor que me abateu ao fitá-lo, ele foi muito simpático, como era o costume naquela profissão, mas eu não consegui responder de acordo, parecia que até as coincidências estavam tentando me deixar alterada.

Quando eu cheguei ao ponto em que não aguentaria passar mais nem um minuto sentada, o piloto anunciou que o nosso pouso tinha sido autorizado, senti uma onda de alívio me alcançando e a ansiedade em encontrar meus pais, depois de tanto tempo, atingiu níveis extremos, se tinha uma coisa que eu estava precisando era do abraço carinhoso do meu pai e das palavras reconfortantes da minha mãe. Eu vivia muito bem longe deles, mas a falta que eles me faziam estava sempre presente, por mais crescida que eu fosse, meus pais sempre seriam um porto seguro.

Peguei a minha mala e saí no saguão do desembarque do aeroporto de Brisbane. O Sr. e a Sra. Granger estavam à minha espera em frente à porta com sorrisos gêmeos no rosto. Ao vê-los, todos os meus tormentos e confusões foram delegados para um segundo plano e eu corri na direção deles para receber um abraço saudoso e apertado. Meu pai me deu um beijo na testa como era de costume desde que eu me lembro como gente e minha mãe passou a mão pelos meus cabelos, me olhando como seu eu fosse uma peça inestimável.

—Que saudade, princesa – meu pai foi o primeiro a falar.

—Fez boa viagem, filha? – quis saber a minha mãe, sempre preocupada.

Meu pai pegou a minha mala para puxar e eu passei o meu braço pela cintura dos dois, de modo que eu pudesse abraçá-los ao mesmo tempo enquanto andávamos em direção ao estacionamento onde estava o carro deles.

—A viagem foi tranquila – eles não precisavam saber de detalhes – e eu também estava morrendo de saudades – meu pai sorriu satisfeito ao escutar.

Eles fizeram uma série de perguntas sobre como eu estava, meu trabalho, meu amigos entre outras coisas, e eu devolvi perguntando uma infinidade de coisas para saber tudo o que tinha acontecido desde a ultima vez que eu os visitara, tudo isso no período entre entramos no carro e chegarmos à casa deles. Eu tinha de quem herdar a rapidez de fala e de pensamento, mas meus pais naturalmente eram ainda mais versados nessa arte do que eu, dado os vários anos a mais de experiência. Esse era um encontro comum da família Granger, perguntas, respostas e comentários soavam numa rapidez que as pessoas não acostumadas estranhariam, mas nós sempre nos entendíamos.

A casa que eles moravam era muito aconchegante, eu até achava que era grande demais só para os dois, mas eles insistiam que eu tivesse um quarto reservado só para mim, o que eu no fundo adorava, eles diziam que eu sempre teria uma casa onde quer que eles estivessem, então com o escritório deles e o quarto de hóspede, somavam-se quatro quartos. Eles tinham um quintal grande com piscina e churrasqueira e uma área ampla o bastante para satisfazer os dois labradores que eram residentes ali. Por mais que fossem biólogos marinhos, meus pais não tinham nenhum animal aquático em casa, de acordo com eles peixes eram fascinantes de estudar mas davam péssimos animais de estimação, a alternativa era a Mila e a Lola, eles as haviam adotado quando se mudaram para a Austrália, entretanto mesmo com o pouco contado as duas me adoravam e a recíproca era verdadeira.

Passei boa parte da tarde pondo todos os assuntos em dia com meus pais enquanto brincava com as duas cadelas que sempre estavam dispostas a ser o centro das atenções. Meus pais insistiram para que eu descansasse da viagem, mas eu rebati dizendo que já tinha ficado tempo o suficiente sem fazer nada.

—Teremos que ir trabalhar amanha e depois, querida, conseguimos só uma semana de férias – minha mãe me contou com uma voz triste.

—Não tem problema, mãe! Você sabe que eu me viro bem por aqui, e teremos sete dias inteirinhos juntos – meu tom positivo pareceu espantar a decepção dos seus olhos, minha mãe nunca tinha me dito, mas eu sabia pelo meu pai o quanto ela ficava triste por eu não estar por perto.

—Eu e sua mãe estávamos pensando que dessa vez você podia nos acompanhar em uma expedição, o que acha? – ele me olhava ansioso aguardando a resposta.

—Só se não tiver nada a ver com tubarões ou arraias – respondi rindo.

—Claro que não, Mione – minha mãe abanou as mão em negativa – nem é uma expedição mesmo, não estaremos trabalhando, só pensamos em te levar para ver os corais, prometo que é seguro.

—Tudo bem, eu vou então – era uma ironia da vida, mas eu sempre tive um certo medo de água, meus pais me colocaram em aulas de natação desde criança sem que eu obtivesse muito sucesso além de me desesperar, eles vinham tentando me convencer a acompanhá-los em vários tipos de passeios de mergulho ao longo dos anos, tentando me encorajar com diferentes opções exóticas, sem que eu me animasse. Dessa vez, os corais me pareceram seguros o suficiente e eu decidi satisfazer o desejo dos dois, se eu ficasse com medo eu sabia que eles não me forçariam a ir.

No dia seguinte eu acordei um pouco mais tarde, meu corpo ainda se acostumando com o fuso horário diferente. Fui para a cozinha preparar um café da manhã rápido e encontrei a mesa posta com alguns quitutes que eu adorava e um bilhetinho em cima:

“Já fomos trabalhar, princesa. Voltamos às 18h, sua mãe deixou suco para você na geladeira.

Te amo

Papai”

O bilhete, com a letra redonda característica do meu pai, trouxe o primeiro sorriso do dia ao meu rosto. Eles nunca se cansariam de me mimar, e por mais que eu fosse mais do que capaz de preparar o meu próprio café da manhã, toda essa atenção me deixava muito feliz. Peguei o suco na geladeira e me sentei para saborear as delícias que esperavam por mim. Demorei mais do que o previsto nessa refeição, e quando terminei já era perto da hora do almoço. Como eu sabia que não sentiria fome tão cedo, decidi me arrumar e passear pelo centro da cidade. O calor sufocante me fez optar por um vestido leve de alcinha e um par de rasteirinhas. Peguei a chave do carro da minha mãe, que eles sempre deixavam à minha disposição quando eu estava de visita, e fui para o centro.

Eu adorava passear pela cidade, as ruas arrumadinhas e os dias sempre com o sol brilhando me agradavam. Entrei em várias lojas de lembrancinhas e artigos diversos, eu queria comprar alguns presentinhos para levar de volta e eu sabia que a melhor estratégia seria escolhê-los nos dois dias que meus pais não estivessem disponíveis, pois após isso seria uma sucessão de atividades com eles e eu não teria tempo. Eu estava andando em um dos corredores que continham coalas de pelúcia em todas as configurações possíveis, até que um em específico me chamou a atenção e eu sabia que tinha um presente a menos para me preocupar. Peguei o coala vestido de médico e coloquei na cesta que estava pendurada em meu braço. Eu sabia que a Ginny ia gostar, o jaleco branco e o estetoscópio em volta do pescoço dele formavam uma figura muito fofa. Gostei tanto da ideia que decidi olhar mais um pouco as opções. Encontrei um coala vestido de surfista, ele tinha até uma prancha e os óculos de sol, na hora eu me lembrei do Ced dizendo “pode me trazer um surfista de presente da viagem, Mi” quando eu contei o que faria nas minhas férias. Acabei levando aquele também, eu já estava rindo só de imaginar a reação do meu amigo com a minha brincadeira.

Entrei em outros estabelecimentos e escolhi mais alguns presentinhos para levar para outros colegas do trabalho, faltava apenas um presente a escolher e não era o de uma pessoa na qual eu estivesse muito disposta a pensar no momento. Nada me atraía para comprar para o Ron, até que eu parei em frente a uma vitrine de roupas masculinas e vi uma camisa azul marinho linda, instantaneamente eu sabia que ficaria muito bem nele, eu já podia até imaginar o contorno da sua silhueta envolto por aquele tecido. Essa divagação me fez retornar para o redemoinho de confusão do qual eu tinha sido capaz de me ausentar desde que tinha chegado no país. Desisti na hora da ideia, nós nem trocávamos presentes em aniversários, eu não tinha nada que sair dando esse tipo de coisa pra ele, minha intenção durante essa viagem era tentar reorganizar meus pensamentos e não misturá-los ainda mais.

No fim da tarde eu retornei à casa dos meus pais com as sacolas cheias de presentinhos, a última adição tinha sido um imã de geladeira, cheguei à conclusão de que era um presente seguro o bastante para que ele não achasse que eu estava ultrapassando nenhum tipo de limite. Meus pais chegaram e fomos jantar fora em um dos nossos restaurantes favoritos da região. Se tinha uma coisa que se podia afirmar sobre a minha família, é que nunca ficávamos sem assunto, não existiam muitos momentos calados, o que para mim era ótimo, pois me distrair entre os vários tópicos de conversa, não me permitia pensar em coisas que estavam sendo difíceis de entender.

A semana passou com uma velocidade impressionante como era típico de momentos que não queremos que acabem. Aproveitei bastante os meus pais, saíamos todos os dias para revisitar lugares que gostávamos ou conhecer alguns ainda inexplorados, eu até que consegui me divertir um pouco no dia em que fomos mergulhar, por mais que essa história não tenha durado nada além de meia hora, entretanto os meus pais ficaram felizes só de eu ter ido e conseguido presenciar nem que apenas por um curto período, as coisas pelas quais eles se interessavam tanto. Até o final da semana eu tinha adquirido um bronzeado sutil, efeito colateral de tanta praia e sol.

Eu fui obstinada o bastante para manter o Ron o mais longe possível dos meus pensamentos, se era distância que eu queria, foi o que eu consegui, mas no dia anterior à minha volta, enquanto fazia a minha mala eu não pude mais impedir que ele invadisse a minha mente. Dentro de horas eu voltaria à vida de antes e não estava mais perto de me recompor do que quando cheguei. Sentei na minha cama, deixando de lado a bagunça ainda não arrumada, e fiquei olhando para nada em especial, minha consciência trabalhando a todo vapor. Foi aí que uma ideia surgiu e eu me admirei por não ter pensado nisso antes, se eu não sabia a resposta, iria perguntar para a pessoa mais sensata e inteligente que eu conhecia: minha mãe.

Saí do quarto a procura dela e a encontrei sentada em uma das cadeiras perto da piscina lendo um livro enquanto a Mila e a Lola disputavam um frisbee de brinquedo a não muitos metros de distância. Ela percebeu a minha aproximação e fechou o livro apontando a cadeira ao seu lado para que eu me juntasse a ela. De repente eu não sabia como começar aquela conversa, minha mãe e eu sempre fomos muito próximas, mas eu não queria compartilhar mais do que o necessário daquela situação. Ela já tinha ouvido falar do Ron esporadicamente ao longo dos anos, mas eu nunca dei a entender que ele era nada mais do que o irmão da minha amiga. Contudo, eu já estava ali e precisava começar de alguma forma, os olhos castanhos da minha mãe me olhavam inquisidores, como se soubessem que eu não estava ali apenas por estar.

—Mãe, posso te fazer uma pergunta? – comecei meio sem jeito.

—Claro, querida! Desde quando você precisa me pedir para perguntar alguma coisa? – ela franziu as sobrancelhas um tanto confusa com a minha reação.

—É que... – respirei fundo e falei de uma vez – como você soube que era o papai? Que ele era a pessoa que você queria ter ao seu lado para o resto da vida?

Ela me olhou de uma forma engraçada, como se não estivesse realmente acreditando que eu estava ali perguntando sobre aquilo, mas me lançou um sorriso carinhoso antes de responder:

—Ah, filha essa é uma pergunta difícil, não existe uma resposta exata. Minha Mione nunca gostou disso, não é mesmo? – sua expressão me dizia que ela já tinha entendido muito mais do que aparentava apenas com aquelas poucas palavras.

Eu apenas assenti com a cabeça e ela continuou:

—Eu sou uma cientista e por mais que você não seja, sei que a sua mente funciona baseada em fatos e lógica exatamente como a minha – ela fez uma pausa e apoio o braço no meu ombro – você pode até tentar quantificar essas coisas com evidências, mas no final das contas não é assim que funciona. Quando o coração está envolvido, a mente e a razão não tem muita vez.

—Isso só me deixa mais confusa – declarei sem pensar na implicação do meu comentário, e minha mãe deixou escapar um riso.

—Eu sei que você detesta não entender qualquer coisa que seja... estamos falando de alguém específico aqui? – ela me encarou aguardando ansiosamente a resposta, mas tudo o que recebeu de volta foi a minha cara envergonhada – tudo bem não precisa dizer, vamos trabalhar no campo hipotético.

Eu agradeci mentalmente por não ter uma mãe bisbilhoteira.

—Um bom começo seria decidir se você enxerga um espaço para essa pessoa na sua vida e se ela seria melhor assim, saber se você se pega querendo que os momentos juntos ultrapassem os separados e se a pessoa quer o mesmo.

Até que o conselho era interessante, mas nada fácil de executar.

—Essa é a pior parte, não sei o que o Ron... quer dizer, como eu saberia o que a outra pessoa quer? – tentei encobrir o meu deslize da melhor maneira possível, mas eu sabia que a minha mãe não deixaria nada passar.

—Você não vai saber até perguntar – arregalei os olhos diante dessa possibilidade e ela me abriu um sorriso – ninguém falou que era fácil, se ele não disser, você tem que perguntar. O importante é diferenciar o que é real do que é apenas hábito.

A conversa não durou muito mais tempo e eu voltei para dentro a fim de terminar de ordenar as minhas coisas, mas as palavras da minha mãe ficaram ecoando na minha mente. Hábito. Era exatamente isso, o Ron era um hábito de muitos anos, um costume do qual eu não estava conseguindo me desvencilhar e o que eu precisava fazer urgentemente era quebrar esse padrão antes que eu chegasse ao ponto em que o hábito se tornava um vício e as coisas se elevassem para um outro nível de dificuldade.

No dia seguinte eu me despedi dos meus pais, tentando conter as lágrimas da saudade que já estava enchendo meu peito antes mesmo de partir e entrei no avião. Cheguei em casa na quinta feira e combinei com a Ginny de me encontrar com ela no dia seguinte para contar as novidades da viagem. Eu me sentia muito mais tranquila ao deitar para dormir naquela noite, meu problema estava diagnosticado, agora eu só precisava encontrar um meio de curá-lo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eei, pessoal, tudo bem?
Tenho três considerações sobre esse capítulo:
Ced é realmente o máximo, isso é inegável! Tô pensando em combinar com a Fê um jeito de fazer ele e o Colin (de Déjà vu) se encontrarem com os casais, porque vai ser um festival de indiscrição! ahahahahah
Esse Ron é um apaixonante, gente, não é? Como ele consegue ser tão apaixonante e tão distante ao mesmo tempo? Deve ser mal dos Weasleys desse nosso universo aqui...
A mãe da Mione é uma sábia, mas desculpe, Mione, sua inteligência não te representou na interpretação desse conselho --' Como assim ela te diz para pensar e identificar o que ele quer e você decide que é um hábito? Miga, por favor! ahahahah
E vocês, o que tem a dizer desse capítulo?
Eu mal posso esperar pelo próximo, porque quero ver a reação do Ron quando só ganhar um imã de geladeira! #sofreRon ahahaha
Não saiam daqui sem deixar um comentário para a Fê, ela vai amar saber o que acharam!
Beijos.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Backstage" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.