Backstage escrita por Fe Damin


Capítulo 34
Bônus


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal!
Primeiro eu tenho que agradecer imensamente a recomendação da Bia (Bião Weasley), suas palavras lindas e comentários sempre maravilhosos me deixam com um sorriso no rosto e vontade de continuar a escrever! Obrigada :)
Finalmente o último capítulo de Bstg chegou! Desculpem pela demora. Esse pequenos bônus é pra contar uma parte da história que não foi explorada ainda e que eu sei que a maioria tem curiosidade de saber. O Ron que vai contar a todos o que aconteceu
Espero que gostem :)



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POV Ron

Engraçado como quando o pior dia da sua vida começa, você inocentemente acha que ele seria comum, normal igual a tantos outros que se passaram e aos muito mais que virão. Foi assim que se iniciou uma segunda feira qualquer do 27º ano da minha vida.

Eu trabalhava em uma empresa de informática que prestava serviços para grandes centros corporativos, não estava nem perto do que eu queria fazer, mas por hora pagava as contas do apartamento recém adquirido por mim e a minha esposa, Lilá. Estávamos casados há 3 anos e, se no departamento profissional eu não estava muito satisfeito, o mesmo não podia ser dito do meu coração. Eu era profundamente apaixonado pela minha esposa e agradecia todos os dias pelo mero acaso que fez os nossos caminhos se cruzarem.

Levantei às 5:30 como era de costume, deixando a silhueta adormecida da Lilá sozinha na cama, ela trabalhava mais perto de casa então podia dormir um pouco mais. Nada na minha rotina denunciou qualquer tipo de anormalidade, tomei meu café, deixando a xícara dela já disposta na mesa ao lado das bolachas, que eu sabia que ela comia, e fui me arrumar. Cheguei ao trabalho depois de enfrentar o trânsito infernal e fui para o cubículo que eu chamava de “sala”.

O único objeto que destoava do cinza impessoal de um escritório era o porta retrato que eu tinha, com uma foto tirada dois anos antes no natal com toda a minha família. Eu estava abraçado à Lilá com a minha irmã Ginny grudada em mim do outro lado e meus pais mais à direita, abraçados igual a todas as fotos em que apareciam juntos. Às vezes eu passava dias sem notar a fotografia, mas curiosamente a observei por alguns segundos naquele dia. Eu não entendia bem o que me fazia manter aquele pedaço de memória tão perto de mim, mas desconfiava que tinha algo a ver com não querer esquecer de um dos últimos momentos em que a minha família havia sido inteira e feliz.

O sorriso que meu pai exibia tinha se perdido há um ano, já a minha mãe havia perdido muito mais do que isso, a presença dela não era mais uma opção para nós, apenas a falta seguia evidente como uma ferida que todos tinham desistido de tentar curar. O tempo passou, porém, e até mesmo a maior das dores passa a ser um hábito, eu e a Ginny começamos a conseguir falar sobre nossa mãe sem nos afundarmos e um dilúvio de lágrimas, no entanto, nosso pai ainda não tinha saído do buraco escuro no qual ele tinha caído.

Aquilo me preocupava, eu tentei diversas vezes falar com ele, procurar alternativas para que ele conseguisse entender que viver seria tudo o que a mãe gostaria para ele e não uma traição sem tamanho, eu não tinha chegado a lugar algum. Minha irmãzinha terminaria o colégio naquele ano, e eu sabia que ela vinha se sentindo muito sozinha, eram apenas os dois naquela casa enorme que sem a vivacidade da minha mãe havia se tornado um mausoléu, aguentando o silêncio quase ensurdecedor por entre as paredes.

Balancei a cabeça para me desviar das memórias infinitas de tempos mais alegres e comecei os trabalhos do dia. Quando chegou a hora fui almoçar, engolindo quase que forçado a merda de comida que a minha empresa tinha a cara de pau de chamar de almoço. Se eu soubesse o que estava por vir, não teria reclamado pela milésima vez, e muito menos passado o período todo do almoço de cara feia por ter que encarar um menu que não estava na minha lista de favoritos.

Dois amigos meus, Simas e Nick, se juntaram a mim e nos distraímos do gosto medonho da comida buscando as piores piadas possíveis sobre o assunto e rindo até que não conseguíssemos nem comer direito. O trabalho da tarde foi tão chato e repetitivo quanto o da manhã. Eu estava pronto para fazer uma pausa quando meu celular tocou. Atendi sem nem pensar muito em quem poderia ser a uma hora daquelas. A voz que me respondeu era séria e desconhecida.

—Senhor Ronald Weasley?

—Sou eu mesmo - respondi curioso para entender como alguém que eu não conhecia sabia meu nome completo.

—Aqui é do departamento de polícia, temos uma situação na casa dos seus pais, teria como você comparecer ao local? - o tom clínico indicava que o policial já havia cansado de fazer a mesma declaração.

—Situação? Do que você está falando? - meu estômago afundou, vários pensamentos horríveis me atacando de uma vez, provavelmente não era nada, um vazamento de gás ou coisa do gênero, eu não precisava me agitar tanto, mas uma sensação incômoda me dizia baixinho que eu estava me enganando.

—Melhor o senhor chegar aqui e aí nós discutimos ao vivo.

Não me lembro nem de ter respondido, num pulo eu juntei as minhas coisas, passei na sala do meu supervisor para dizer que eu precisava sair mais cedo por causa de uma emergência e dirigi o mais rápido que pude até chegar na casa onde eu havia crescido.

Duas viaturas tornavam o local mais ameaçador do que antes, mas foi a visão da ambulância que acabou estourando as redes que seguravam o meu pânico. Estacionei de qualquer jeito e me aproximei dos policiais que aguardavam na porta da frente.

—Você deve ser o Sr Weasley? - assenti com a cabeça - eu sou o oficial Parker, que tal entramos para conversar? - eu não queria entrar, queria saber logo o que tinha acontecido e foi justamente o que falei para ele.

—Filho, melhor você sentar, vamos - o olhar me disse tudo o que eu precisava saber, eu já tinha passado por isso uma vez, mas como a esperança se recusa a morrer, me apeguei a qualquer chance de que a previsão não fosse verdade.

Entramos e nos sentamos no sofá que tantas vezes tinha sido palco de reuniões familiares.

—Onde está o meu pai? - perguntei sem rodeios.

—É exatamente sobre isso que eu queria conversar, infelizmente seu pai foi encontrado sem vida há quase duas horas  - a sua voz era gentil e compassiva, o olhar de quem pede desculpas por ser a pessoa a destruir seu mundo, não que isso fizesse alguma diferença.

—Sem vida? - meu cérebro parou de funcionar, a informação me atingiu com a força de um trem desgovernado e eu não conseguia enxergar nada à minha volta.

Fiquei em silêncio, nem uma reação foi possível, aquilo só podia ser uma brincadeira de muito mau gosto.

—Ele deixou essa carta - o envelope branco que o policial colocou na minha frente conseguiu me puxar de volta para a realidade.

—Carta? - as peças se juntaram na minha cabeça e eu quase ri de desespero, pois se eu achava que eu estava no meio de uma situação de merda, ela tinha acabado de piorar até chegar a um nível tão assustador com o qual eu não conseguia ligar.

O policial saiu para que pudesse ter um pouco de privacidade, mas disse que estaria lá fora esperando para me levar a delegacia onde eu teria que cuidar dos procedimentos necessários. Encarei aquele pedaço de papel branco como se fosse o meu maior inimigo, a partir do momento que eu o abrisse, tudo seria realidade. A letra do meu pai era visível com os dizeres “para os meus filhos” e de repente eu saí do estado em que eu me encontrava e comecei a sentir tudo de uma vez só. Medo, tristeza, desespero, raiva. Raiva, como ele pôde? Rasguei o envelope, querendo descontar toda a minha frustração em alguma coisa.

A carta era grande e falava sobre como ele não conseguia mais continuar, como nos amava, mas que tinha de partir, só que tudo o que eu consegui enxergar era: traição. Eu não sabia o momento em que as lágrimas tinham começado a cair, meu rosto estava completamente molhado quando eu me dei conta de um fato que adicionou mais uma tonelada às minhas costas. Órfão. Esse era meu título agora, irmão, marido e órfão, não mais filho de ninguém. Como o homem que tinha me ensinado a dar o primeiro nó de gravata, que tinha me ensinado a dirigir e que ia comigo ao estádio assistir aos jogos do meu time, mesmo torcendo para outro, teve a coragem de simplesmente ir embora? Eu e a Ginny não…. Ginny!

Pela primeira vez a minha irmã veio a minha mente e toda a minha tristeza se direcionou para ela, eu teria que, pela segunda vez, dar uma notícia que a faria perder o chão. Dessa vez era só eu e ela, mesmo sendo dez anos mais velho eu me sentia perdido, sem ter noção do que fazer, eu imaginava como aquilo ia atingir a já frágil estrutura da minha irmãzinha. Me vi querendo protegê-la de tudo, eu aguentaria todas os trancos se isso pudesse poupá-la de qualquer coisa que fosse.

Guardei a carta no bolso e fui ao banheiro lavar o rosto e tentar diminuir os indícios de todas as lágrimas que eu tinha derramado. Eu teria que ser forte por ela para que ela pudesse desabar e lidar com o sofrimento. Quem seria forte por mim? Por um momento desejei ser a pessoa que tinha um irmão mais velho que pudesse me abraçar e garantir que tudo ia ficar bem, mas esse era o meu papel. Respirei fundo e fui a procura dos policiais, eu tinha muito o que fazer antes que a Ginny voltasse para casa, não tinha necessidade de estragar a tarde dela com as amigas, eu sabia que demoraria muito para que outra acontecesse.

Eles me explicaram como a Maggie, a senhora que fazia a faxina na casa dos meus pais desde que eu me lembro, havia encontrado meu pai no chão do quarto e que, como parte do protocolo, eu teria que fazer o reconhecimento do corpo. Cheguei na delegacia, assinei todos os papéis necessários e forcei meus passos a cruzar o caminho que me levaria a última imagem que eu teria do meu pai. A outra vez que eu estive ali, me lembro de pensar que existiam coisas que ninguém precisava fazer na vida, a mera possibilidade de passar por aquilo de novo soava como uma pegadinha muito bem montada pela vida.

A porta da sala foi aberta por uma médica de aspecto sério e eu finalmente entendi que não havia brincadeira nenhuma, só a realidade das ações de um homem e as consequências para os que foram deixados pra trás. Ali, debaixo de um lençol branco estava o corpo que eu reconheci como sendo do meu pai, a pessoa que até poucas horas atrás, eu jurava que sempre estaria perto de mim, ao meu alcance.

Eu já podia sair dali, mas não consegui me mover, meses atrás eu não permaneci naquela sala por um segundo a mais do que o necessário, dessa vez algo me impedia de partir. Eu encarava o rosto, agora tão sereno, do meu pai e foi nessa hora que a raiva foi derrotada pela tristeza. Por mais que eu quisesse gritar com ele por ter feito o que fez, sem imaginar como seria a nossa vida, eu entendi pelo que ele estava passando. Os últimos meses tinham roubado a vontade dele de viver, e eu não via uma expressão tão pacífica no semblante dele desde o dia em que recebemos uma ligação muito semelhante a de hoje.

Me permiti deixar as lágrimas caírem mais uma vez, a tristeza trouxe o vazio que agora era o lugar dele e a realização de que nada seria como antes. Refiz o caminho até o meu carro e voltei para casa sem que eu conseguisse parar de chorar. Ainda havia uma viatura na porta, os policiais não estavam se apressando em juntar tudo o que precisavam para o relatório, mas eu não me sentia com ânimo de reclamar.

Sentei no primeiro degrau da escada da entrada e esperei a volta da Ginny. Era bem capaz de ela chegar enquanto ainda tivesse movimentação policial por ali e eu não queria que ela se assustasse logo de cara, eu estaria esperando para ajudá-la. Minha mente era um grande espaço em branco, eu tinha que me preparar para a notícia que teria que dar, porém parecia que meus pensamentos estavam se recusando a entrar em ordem, Fiquei girando meu celular de uma mão para a outra, minha vontade era ligar para a Lilá para que ela pudesse estar ao meu lado, era a única pessoa que restava, permaneci apenas na vontade porque no fundo eu sabia que avisá-la seria só adicionar mais uma pessoa para eu ter que consolar, ela era sensível demais a esse tipo de coisa e tudo o que eu não precisava naquele momento era aumentar a quantidade de força que eu teria que fazer surgir de algum lugar.

Eu a avistei no momento em que ela virou a esquina, o rabo de cavalo balançando enquanto ela andava despreocupada e sorridente falando no telefone, um dia como outro qualquer, mas foi no instante em que eu vi o sorriso dela murchar que meu coração despencou mais uma vez. A Ginny era uma menina muito inteligente e a recente experiência só tornava mais fácil fazer as contas e entender o que significava aquela viatura na frente de casa. Ela me viu e veio correndo em minha direção.

—Ron, o que aconteceu? - gritou ainda a alguns metros de distância, eu me levantei respirando fundo, a hora tinha chegado.

—Gin… - senti um aperto na garganta, eu sabia que tinha que falar, mas a coragem estava vacilando, ela me olhava com aqueles olhos azuis arregalados, o desespero já evidente e eu notei o quão pequena ela ainda era.

Se eu pudesse, colocaria a minha irmãzinha num quarto blindado para que nada de ruim pudesse atingi-la, assim ela poderia viver uma vida feliz e tranquila, do jeito que eu sempre quis que fosse, mas a realidade não me permitia isso e, com o meu coração partindo em pedaços cada vez menores, eu finalmente falei:

—É o papai, Ginny… a Maggie o achou no quarto, ele… - eu não precisei nem terminar, ela entendeu que não teria mais nenhuma chance de vê-lo

—Não! - ela se abraçou a mim, agarrando a minha blusa como se caso ela se soltasse eu fosse embora também - o que aconteceu, Ron? - eu sentia as lágrimas encharcando o tecido, mas nem prestei atenção, eu passei meus braços em torno dela num abraço apertado que por mais que ela não soubesse, eu precisava também.

—Ele não conseguiu mais, Gin tomou a caixa inteira de remédios - ela se desvencilhou de mim como seu eu tivesse lhe dado um choque.

—O que? Eu não acredito nisso! O papai não faria uma coisa dessas, ele não me deixaria…

Não consegui evitar pensar que eu achava que ele não deixaria nenhum de nós dois, mas me mantive calado, o que importava era ela, eu sabia que o que viria pela frente seria a parte mais difícil.

—Gin, já foi confirmado - os olhos dela endureceram, ela endireitou as costas e secou as bochechas com as palmas das mãos, minha irmã era personificação da fúria.

—Por quê? - a pergunta foi feita num tom seco, quase acusatório.

—Ele deixou uma carta - coloquei a mão no bolso e retirei o pedaço de papel entregando para ela..

Com as mãos trêmulas, ela segurou a folha e eu prestei atenção em cada movimento do seu rosto enquanto os olhos corriam as linhas contidas na carta. Vi os olhos delas se encherem de lágrimas e, quando já não dava mais para segurar, ela se rendeu ao choro, estando aos soluços quando terminou a leitura. Ela se aproximou novamente e afundou o rosto no meu pescoço, eu não sabia por quanto tempo mais eu aguentaria, então a guiei para que sentássemos no mesmo degrau onde antes eu a esperava.

—Ron, ele disse que foi por amor… - ela quebrou o silêncio entre os soluços, eu não precisava que ela me dissesse o que estava escrito ali, uma leitura já tinha gravado as palavras na minha mente, mas ela precisava processar aquilo tudo para ter a chance de superar algum dia - se foi por amor, o que ele sentia por nós era o que? Ele foi um covarde.

Eu notei a amargura em cada uma das palavras dela e não soube como responder, como eu a faria compreender algo que nem eu entendia muito bem?

—Ginny, não fala assim… foi demais pra ele, ele não conseguiu aguentar mais - tentei justificar, mesmo sabendo que não tinha desculpa, a minha intenção era apenas tentar ajudar a liberar a raiva que eu sabia que ela estava sentindo.

—Demais? Se fosse a Lilá, você faria a mesma coisa? - ela me encarou sem desviar o olhar.

—Claro que não! - me apressei a responder, mas depois que as palavras saíram da minha boca, eu tive que admitir para mim mesmo que na verdade eu não sabia, eu nunca diria isso a ela, mas eu amava tanto a minha esposa que não conseguia nem imaginar o que a morte dela faria comigo e com o meu bom senso, apenas quem passa por isso realmente sabe.

—Viu! Ele também não podia ter feito… - eu entendia bem o sentimento, a tristeza misturada com a raiva, mas diferente de mim a minha irmã claramente tinha focado a atenção dela na raiva, se era o que ela precisava para encarar os fatos, que assim fosse.

Ficamos vários minutos parados ali, sentados lado a lado, ela tinha a cabeça apoiada no meu ombro, quem olhasse de longe veria um belo retrato de uma família desfeita. Os policiais finalmente foram embora, estávamos sozinhos para retornar a casa. Me levantei e ajudei a Ginny a se colocar ao meu lado.

—Vem, Gin vamos pegar algumas roupas pra você poder ir lá pra casa - ao termino da frase ela deu um passo para trás quase como se tivesse levado um choque.

—Não vou, eu não quero mais entrar nesse lugar, nunca mais - ela virou as costas para mim e cruzou os braços. A atitude que ela queria passar por rebeldia não alcançou o objetivo, eu percebi pelo leve balançar dos ombros, que ela tinha voltado a chorar e sabia exatamente porque ela tinha decidido não ter mais nenhum contato com o interior daquela casa.

Se eu pudesse escolher, faria o mesmo que ela, mas alguém tinha que engolir as vontades e tratar do que era necessário e no nosso pequeno grupo de opções, só restava a mim para passar pela porta de entrada e olhar de novo para todos os cômodos que um dia foram testemunhas de que ali morava uma família feliz.

—Tudo bem, Gin me espera aqui que eu já volto - dei um beijo no topo da cabeça dela e subi os degraus em direção à porta.

Tudo continuava exatamente no mesmo lugar, passei rapidamente pela sala e virei no corredor em direção aos quartos, se alguém passasse por ali nunca seria capaz de adivinhar que aquela casa guardava tanta tristeza, as fotos felizes que ficavam penduradas no corredor conseguiram me deixar novamente com vontade de chorar, respirei fundo para conter as lágrimas, eu não queria que a Ginny me visse assim quando eu saísse, e passei o mais rápido possível pelas imagens, não que tivesse feito muito efeito, pois eu conhecia de cor cada um dos sorrisos expostos. O quarto da minha irmã era o primeiro do corredor, não levei mais do que alguns minutos para juntar o que eu julguei ser necessário por alguns dias, até que eu tivesse como voltar ali para esvaziar de vez o cômodo.

Com uma mochila cheia nos ombros, fechei o quarto com a intenção de ir embora, mas alguma coisa me impediu, meus pés se moveram quase que sozinhos para a última porta que se encontrava fechada. Minha mente sabia que eu não conseguiria nada além de mais tristeza entrando ali, eu já tinha até ido à delegacia reconhecer o corpo,  mas aquele lado irracional que se apegava às possibilidades mais loucas, ainda tinha a última esperança de virar a maçaneta e encontrar o meu pai sentado na poltrona preferida dele, lendo pela milésima vez um dos livros favoritos. Podia ser que todo mundo estivesse errado e ele não tivesse feito nada daquilo e esse dia não passasse de um pesadelo do qual eu agradeceria muito de me livrar.

Abri a porta e claro que o quarto estava vazio, meu coração afundou novamente, não apenas pela minha esperança impossível que foi obrigada a dar lugar a realidade, mas por notar que jogado ao lado da cama estava um porta retrato que continha a foto favorita da minha mãe, nós quatro juntos logo depois que a Ginny entrou pela primeira vez na escolinha. Se o objeto estava lá, só tinha uma explicação, entendi que era aquilo que meu pai queria de volta, a felicidade que ele sentiu ao tirarmos aquela foto, só que ele não parou para pensar que existiam duas pessoas a mais naquele retrato também. Eu o imaginei abraçado ao porta retrato nos últimos minutos e um soluço escapou, me dizendo que aquilo não estava me fazendo bem e que se eu permanecesse mais tempo ali, eu não ia conseguir manter a Ginny longe das minhas lágrimas como eu queria.

Refiz o caminho até a saída, calculando os meus passos para que eu pudesse alcançá-la apenas quando a minha respiração tivesse voltado ao normal. Encontrei a minha irmã ainda em pé, na mesma posição.

—Pronto, Gin vamos embora - passei a mão pelos ombros dela e caminhamos em direção ao meu carro.

Nada foi dito durante o trajeto, não havia o que dizer, palavras não iam mudar em nada o que aconteceu e eu sabia que a minha irmã ia precisar de um bom tempo para conseguir sequer cogitar falar sobre o assunto. Eu a instalei no nosso único quarto de hóspedes, onde ela sempre dormia nas vezes que vinha ficar comigo. Ela falou que tomaria um banho e que iria se deitar, eu estranhei pelo horário tão cedo, mas eu sabia que a última coisa que ela faria era dormir então só concordei com a cabeça e me ofereci para levar um pouco de comida assim que eu tivesse terminado o jantar.

Me distraí um pouco preparando a comida enquanto esperava a hora da Lilá voltar para casa, seria mais um momento difícil para mim. Eu teria que recontar tudo o que aconteceu, e aguentar impassível mais lágrimas, sem poder deixar as minhas próprias caírem. O barulho de chave denunciou a chegada da minha esposa e eu parei o que estava fazendo para ir recebê-la.

—Uon Uon, cheguei! - a voz animada dela contrastava com o meu  humor, mas não era culpa dela, eu lhe dei um abraço e um beijo. Abri a minha boca para começar a difícil tarefa que eu tinha pela frente, só que ela foi mais rápida.

—Nossa, tive um dia horroroso! Você acredita que a minha chefe teve a coragem de aumentar meu número de clientes? E.. - ela continuou a falar sem parar e eu não consegui mais prestar atenção, aquilo estava tão longe do meu dia “horroroso” que nem dava pra me simpatizar muito - …. você não acha? - ela olhou para mim, esperando a resposta de uma pergunta que eu não fazia ideia qual era, mas eu rapidamente balancei a cabeça e concordei.

—Lilá, vem cá eu tenho uma coisa pra te contar - puxei-a até o sofá e ela estranhou a minha atitude.

—O que foi? Você está tão sério… - agradeci mentalmente por ela ter me deixado falar de uma vez e despejei a história todas.

—Meu Deus - ela colocou a mão sobre a boca e como eu já havia imaginado uma enxurrada de lágrimas e perguntas se seguiram. Eu odiava vê-la chorando, passei meus braços em torno dele segurando-a em um abraço apertado enquanto ela dava vazão aos sentimentos dela.

—Que coisa terrível, Ron fazer uma coisa dessas…. Como eu vou contar para a minha família? - eu não tinha resposta para essa pergunta então apenas continuei a abraçando.

—E como vão ficar as coisas? Tem tantos detalhes para pensar, o velório...

—Já cuidei disso, o velório vai ser essa noite amanhã cedo é o enterro - falei, ela se endireitou e limpou as lágrimas com o rosto.

—Sempre tão prestativo, o meu Ron - ela passou a mão pelo meu rosto - e a sua irmã, já falou com ela?

—Já, ela está lá dentro descansando.

—Aqui? Quer dizer, claro que ela está aqui…. - não entendi muito bem a expressão dela, mas eu me sentia tão cansado que não deu pra pensar mais a fundo no assunto.

—Eu estou com fome, Uon Uon acho melhor comer alguma coisa antes de irmos para o velório.

—Claro, a comida já está pronta - nos levantamos e eu levei a comida para mesa. Ela começou a comer e eu fui levar um prato para a Ginny que ainda estava deitada e não se mostrou muito a fim de comer nada, ela só aceitou depois de muita insistência. Voltei para a sala e me sentei ao lado da Lilá para comer.

—Você está bem, bebê? - perguntei usando o apelido que eu sabia que ela gostava.

—Mais ou menos, me sinto esgotada com tudo isso não sei como vou aguentar o velório - ela passou a mão na testa indicando a preocupação.

—Não precisa ficar o tempo todo, o quanto você conseguir está bom - fiz um carinho no rosto dela e recebi um sorriso de presente.

—Melhor eu ir descansar um pouco então, se não 15 minutos lá já vão ser demais - ela se levantou e foi para o nosso quarto, eu permaneci mais tempo arrumando a bagunça do jantar depois fui me juntar a ela.

Como eu esperava, o velório e o enterro foram momentos tão terríveis quanto eu me lembrava de alguns meses atrás. A Ginny não conseguiu entrar na sala onde se encontrava o caixão, então eu era o único a receber a infinidade de condolências e abraços chorosos, mas o pior eram os olhares de pena. Todos ali sabiam exatamente o que meu pai havia feito e eu sentia que eles me olhavam como se eu fosse um cachorrinho abandonado que ninguém queria mais. Olhei para a minha esposa que ainda continuava ao meu lado, provando que não era verdade.

Pouco mais de duas horas depois, eu notei que ela estava muito cansada e falei para ela que ela podia ir para casa descansar, teríamos que acordar bem cedo no dia seguinte para o enterro, ela então se despediu de mim e foi embora. Pensei em falar para ela levar a Ginny junto, mas eu sabia que se a minha irmã quisesse ir, ela não estaria mais lá.

O dia seguinte ao enterro amanheceu ensolarado, aquilo me irritou eu continuava me sentindo tão triste que parecia errado o dia estar tão bonito. Como eu tinha alguns dias de folga, não tive que me levantar para ir trabalhar, mas eu sabia que a Lilá teria que acordar em breve então fui fazer o café como era o costume todos os dias. Ela sempre contava que as coisas estariam preparadas e eu não queria que ela se atrasasse. Fiz companhia a ela enquanto ela comia, jogando conversa fora e tentando não deixar transparecer o quanto eu preferia não estar dizendo nada.

—A Ginny vai ficar aqui, UonUon? - de repente ela mudou de assunto.

—Vai, bebê pra onde mais ela pode ir? - era a mais pura verdade, eu não deixaria a minha irmãzinha sozinha por nada, ainda mais numa situação dessas.

—Humm - ela pareceu ponderar minha resposta por algum tempo - não, você está certo ela ainda é muito nova, coitada.

Eu sabia que a Lilá e a Ginny não morriam de amor uma pela outra, porém nunca foram nada além de cordiais entre si, não sei porque, mas me peguei querendo tranquilizá-la de que ter a minha irmã na nossa casa não mudaria nada.

—Você nem vai perceber que ela está aqui, bebê os horários de vocês são tão diferentes, e duvido que ela vá sair muito do quarto por um bom tempo - pousei a minha mão na sua.

—Duvido muito, mas… - ela não completou a frase.

Então a vida seguiu em frente, e nós fomos obrigados a seguir também. Um mês depois eu criei coragem de realmente ir tirar tudo de dentro da casa dos meus pais para podermos vendê-la. Não foi um dia agradável, a Ginny ainda mantinha a convicção de que não voltaria a entrar lá, e a Lilá ficou bastante incomodada em ter que ir mexer nas coisas de pessoas que não estavam mais entre nós, então eu fui sozinho. Foram caixas e mais caixas abarrotadas com coisas que eu me lembrava de existirem desde a minha infância, cada objeto me trazia várias lembranças e não demorou muito para que eu começasse a chorar, desisti até de enxugar as lágrimas, pois cada nova porta de armário que eu abria, elas teimavam em voltar. Acabei agradecendo mentalmente por nenhuma das mulheres da minha vida estar lá, conter aquelas lágrimas seria muito mais difícil do que deixá-las cair livremente.

O restante daquele ano passou, criando uma nova dinâmica na minha casa. Aos poucos a Ginny foi voltando ao seu normal, por mais que eu notasse que ainda existia muita raiva escondida debaixo dos olhos dela e que ela tinha se tornado mais retraída do que antes. Ela e a Lilá nunca seriam melhores amigas, como um dia eu sonhei, mas estavam convivendo pacificamente e isso era tudo o que eu podia pedir. Me doía só de pensar que as duas pessoas que eu mais amava no mundo pudessem se desentender, porque eu seria forçado a fazer uma escolha para a qual eu não sabia se tinha forças o suficiente.

No final do ano foi a formatura da Ginny, ela não quis comemorar e eu respeitei a decisão dela. Quando saiu o resultado da sua aprovação para a faculdade de medicina, no entanto, eu fiz questão que saíssemos para jantar, não era certo ficarmos para sempre nos privando de sorrir e criar novas memórias boas. Ela estava realmente feliz naquele dia e meu coração se enchia de alegria de saber que o sorriso lindo da minha irmã ainda estava vivo, por mais que não se mostrasse mais com tanta frequência como antes, o que eu esperava que acontecesse com o tempo.

Naquela noite, quando eu e a Lilá tínhamos acabado de nos deitar, ela chamou minha atenção começando uma conversa.

—Então UonUon, a Ginny já tem 18 anos agora, passou até na faculdade de medicina, acho que ela pode cuidar de si mesma, não é? - aquela pergunta me pegou de surpresa e eu acabei respondendo sem medir as minhas palavras.

—Claro que não, Lilá! Aqui também é a casa dela agora e vai ser pelo tempo que ela quiser - minha esposa não estava acostumada com respostas atravessadas vindas de mim e eu notei instantaneamente o olhar ferido que ela me lançou e acabei me arrependendo do tom que eu usei.

—Deculpa, bebê, não quis falar assim com você, é só que eu nunca vou conseguir mandar a minha irmã para longe - eu a puxei para perto, dando um beijo para tentar alegrá-la - você entende, né?

—Claro… - fiquei feliz por terminar aquele assunto, mas algo me dizia que a afirmativa dela não tinha sido totalmente sincera.

A partir dali a relação das duas evoluiu, só que para pior. A Lilá sempre achava pequenas coisas para reclamar e a Ginny que já não era mais nenhuma garotinha e tinha o gênio forte da nossa mãe, passou a responder cada uma das observações. Eu me sentia perdido no meio do fogo cruzado. Sempre que eu perguntava pra minha irmã se as coisas estavam bem entre as duas, ela me respondia que sim, mas a Lilá passou a me cobrar mais do que nunca. Desde o nosso casamento, ela era acostumada com a minha atenção só para ela, o que não era mais verdade há bastante tempo, no início ela se conteve, mas os anos não fizeram nada para ajudar. Eu tentava ao máximo mostrar para ela que para mim ela ainda tinha o lugar que sempre foi dela no meu coração, porém era só eu não estar em casa quando ela chegasse porque fui buscar a Ginny na faculdade que eu sabia que ela não ficava feliz.

A situação me incomodava, só que o amor que eu tinha pelas duas era o suficiente para me fazer tentar contornar tudo da melhor maneira que eu encontrava. Quando a Lilá se chateava com alguma coisa, eu sempre preparava algo especial para alegrá-la de novo voltando a boa convivência aos eixos. A Ginny nunca reclamou de nada, mas não era difícil ver nos olhos dela que existia uma lista muito grande de pessoas que ela gostava mais no mundo do que a cunhada. Me acostumei a essa dinâmica e eu realmente pensava que as coisas funcionariam bem para sempre, eu deixei de lado a lembrança de que a vida já tinha conseguido me passar a perna duas vezes, de maneira inesperada, nada me preparou para a terceira vez.

Eu cheguei em casa um pouco mais tarde do que de costume numa terça feira, dois anos após a morte do meu pai. A Ginny com certeza ainda estaria na faculdade, eu tinha deixado de tentar compreender ou repreendê-la pelos horários malucos de estudo, e a Lilá provavelmente estaria me esperando para fazer o jantar, mesmo eu não sendo o melhor dos cozinheiros, ela conseguia ser pior, então era um acordo silencioso de que eu cuidava das refeições. Abri a porta esperando escutar o seu habitual “Que bom que você chegou, UonUon” e estranhei encontrar as luzes todas apagadas.

—Lila, cheguei! - gritei para chamar a sua atenção, mas não obtive nenhuma resposta - Bebê, onde você está? - a porta do banheiro estava aberta então fui até o nosso quarto apenas para encontrá-lo vazio.

—Será que aconteceu alguma coisa? - eu não estava acostumado a não ter notícias dela, e a essa hora ela já devia estar em casa, tentando não deixar o pânico que se instalava no fundo do meu estômago crescer, afinal ela podia ter se atrasado por vários motivos assim como eu, sentei na cama e peguei meu celular do bolso para ligar para ela. Minhas três tentativas acabaram indo parar na caixa de mensagens.

—Mas que merda! - joguei o celular no colchão e ele acabou quicando com a força do lançamento e indo parar no chão, bem em frente ao nosso guarda roupa.

Foi quando eu notei a porta do lado dela ligeiramente aberta, levei a mão automaticamente para fechá-la, as broncas que eu tinha levado a vida inteira da minha mãe por largar todas as portas escancaradas tinham dado resultado afinal. Meus olhos fitaram de relance o interior do armário o que eu enxerguei desalinhou as batidas do meu coração, ou melhor, o que eu não enxerguei. O local se encontrava totalmente vazio. Ansioso eu abri a porta com força, como se pudesse magicamente mudar o que eu encontraria. As roupas dela que antes estavam todas bem arrumadas ali dentro tinham desaparecido.

—O que… - tinha que ter uma explicação razoável para aquilo, ela podia ter mudado as coisa de lugar.

Corri para o meu lado do guarda-roupa e abri as portas sem piedade, encontrando apenas os meus pertences, uma tremedeira desconhecida tomou conta de mim e eu saí como um doido abrindo cada gaveta, cada porta daquele quarto sem achar nada que pertencesse à minha esposa. Que tipo de brincadeira era aquela? Onde estava a Lilá? Vaguei pela casa inteira a procura de uma explicação, até o quarto da Ginny eu vasculhei, mas todas as vezes a resposta era a mesma: nada. Eu já estava mais do que desesperado quando cheguei na cozinha e encontrei a aliança dela descansando como se nada tivesse acontecido sobre um pedaço de papel em cima da mesa.

Ela tinha deixado a aliança e um bilhete? Eu não queria bilhete nenhum, eu queria a minha esposa ali me dizendo que porra de atitude era aquela para que eu pudesse responder que se a intenção dela era me deixar apavorado ela tinha conseguido e já podia trazer tudo de novo.

Ela não estava ali, no entanto, era o bilhete ou nada. Fechei a aliança dela sob os dedos e com a outra mão ainda trêmula, peguei a folha.

“As coisas não estão dando certo, Ronald. Decidi que não é assim que eu quero viver a minha vida, pois não foi para essa vida que eu concordei entrar. Já levei todas as minhas coisas, não tente me ligar que eu não vou atender. Meu advogado vai entrar em contato com você logo, logo.

Lilá!”

Fiquei encarando aquelas palavras, minha mente não conseguia entender o que estava acontecendo, só podia ser um pesadelo, porque a minha esposa que eu amava tanto, não ia simplesmente partir num dia qualquer e me deixar apenas um bilhete avisando que um idiota de um advogado viria falar comigo. Eu nem percebi quando as lágrimas começaram a cair, na verdade eu não percebi mais nada a minha volta. Em algum momento eu escorreguei as costas pela parede do lado da mesa e me joguei no chão, minhas pernas tendo deixado de conseguir me sustentar, o que eu sentia era que o meu mundo tinha perdido todo o sentido. Eu nunca tinha estado tão sozinho na vida, um vazio imenso ameaçava me engolir a qualquer momento, imagens dos olhares que as pessoas me lançavam durante o enterro do meu pai me voltaram a mente, agora eu era de fato um cachorrinho abandonado que ninguém queria.

O que tinha acontecido? Tudo estava bem entre nós, ainda hoje cedo eu a acordei com beijos e ela estava feliz e radiante como sempre, nessas últimas horas alguma coisa deu errado? Eu criei um monte de perguntas que me deixaram só mais confuso, aquilo não tinha nenhum tipo de lógica, pessoas que se amam como nós nos amávamos não se abandonavam assim. Eu tinha me enganado todo esse tempo? Os soluços estavam dificultando a minha respiração, as lágrimas se intensificaram mais ainda quando eu me dei conta de que não sabia mais definir a minha vida longe da Lilá. Tudo girava em torno dela, eu fiz dela o centro do meu universo e de repente tinha virado um planeta sem sol, existia esperança de que a vida continuasse sem a luz do sol? Eu queria entender porque ela tinha feito aquilo, o que eu tinha feito de errado para merecer tão pouca consideração, mas ela cumpriria a promessa feita no bilhete e não me atenderia. Eu não tinha ideia de pra onde ela podia ter ido, os pais dela moravam em outra cidade e ela não faltaria ao trabalho.

Eu não sei quanto tempo eu fiquei ali sentado no chão, a cabeça pendendo entre os meus joelhos levantados. Quando a Ginny chegou, eu ainda estava preso a mesma posição, mas antes que ela entrasse na cozinha, eu me levantei rapidamente e tentei desfazer ao máximo a cara de desastre ambulante que eu provavelmente tinha. Passei muito tempo da minha vida preocupado para que nada atingisse a minha irmã, não seria aquele o momento em que eu mudaria as coisas, claro que eu teria que contar o que aconteceu, mas eu manteria a minha dor o mais escondida possível.

—Oi, Ron - por sorte ela não foi até mim, passando direto para ir ao banheiro, preferi não responder imediatamente pois eu tinha certeza que a minha voz sairia toda errada, eu não era um ator tão bom assim.

Respirei fundo algumas vezes, os braços apoiados na pia e a cabeça baixa tentando me colocar de volta aos eixos, mesmo achando a tarefa quase impossível. Joguei um pouco de água no rosto, lavando a trilha que as lágrimas com toda a certeza tinham deixado na minha cara. Escutei os passos da Gin retornando e entrando na cozinha, antes que ela pudesse começar qualquer assunto, eu tomei coragem e falei:

—Gin, eu preciso falar com você - não adiantava enrolar, a situação continuaria a mesma.

—Pode falar, aconteceu alguma coi… Ron, que cara é essa? - ela se espantou quando eu me virei em sua direção, constatei que eu definitivamente não tinha muito jeito para essa história de ator, pois eu achava que estava usando uma boa expressão de neutralidade, mas a minha irmã me olhava como se eu tivesse sido atropelado por um caminhão.

—Vamos sentar, assim não consigo falar - numa atitude muito pouco típica, ela não fez mais perguntas, apenas me seguiu até o sofá onde eu desabei e ela se sentou ao meu lado.

—O que aconteceu foi que a Lilá…. - me abandonou? Partiu? Desistiu do nosso casamento? Como eu devia caracterizar aquilo? Senti algo preso em minha garganta, como se dizer em voz alta fosse fazer tudo aquilo ganhar um nível de realidade que ainda parecia impossível para mim.

—O que tem ela, Ron? - a mão dela cobriu a minha e eu não precisava olhar para saber que os olhos dela já estavam banhados em preocupação, efeito colateral de ter passado por várias tragédias - fala logo, o que foi?

—Ela foi embora, Gin… não tem mais nada aqui e eu não sei…. - as frases vinham soltas e incompletas.

—Embora? Do que você está falando? - virei em sua direção e notei a confusão explícita no seu rosto.

—Embora do tipo que deixa a aliança pra trás e a merda de um bilhete - fechei os olhos e pousei o braço sobre os olhos, eu sentia minha voz tremendo, em pouco tempo eu sabia que as lágrimas voltariam e eu não queria estar na frente dela quando isso acontecesse.

—O que? - ela praticamente gritou ao meu lado, toda a confusão sendo substituída por raiva - como ela teve a coragem de fazer isso? Vocês se amam e… - a voz dela morreu - desculpa, Ron eu só não consigo entender.

—Somos dois - foi tudo o que eu pude responder - eu vou me deitar, Ginny estou sem fome, mas se você quiser comer tem comida na geladeira.

Eu nem esperei a resposta, passei direto por ela e fui para o meu quarto. Meu. Não era mais “nosso”, nada mais era meu e da minha esposa porque aparentemente essa vaga não estava mais preenchida. Fechei a porta e me sentei na cama, peguei um dos travesseiros e afundei meu rosto, ainda tinha o cheiro dela. Joguei o objeto para o lado, tentando me desvencilhar das memórias que aquele local guardava. Não ia dar, eu não tinha como ficar ali, onde cada canto me encarava jogando momentos nossos em cima de mim, totalmente insensíveis a tudo o que eu estava sentindo. Eu conhecia a minha esp… a Lilá muito bem, ela era muito teimosa e adorava que tudo fosse do jeito dela, aquilo me dizia que não importava o que eu tentasse fazer, as palavras daquele bilhete eram finais para ela.

Esse pensamento foi a gota d'água para me derrubar de novo direto para o meio de um mar de lágrimas. Eu me sentia cansado e mais do que nunca, precisando de apoio, um abraço, um simples ombro para chorar e pela primeira vez eu quebrei uma das minhas regras mais definitivas. Abri a porta e vendo que as luzes estavam apagadas, bati na porta do quarto da minha irmã sem dizer nada, ela me mandou entrar e foi o que eu fiz.

—Gin, posso ficar aqui? - as palavras saíram abafadas pelos soluços, mas a minha irmã entendeu perfeitamente. Eu nunca esqueceria a cara de quem não fazia a menor ideia do que fazer, mas mesmo assim ela se levantou e num piscar de olhos estava me abraçando.

—Claro, Ron. Eu estou aqui. - ela não sabia o quanto aquelas palavras significavam para mim, porém não tinha a menor chance de eu conseguir falar mais nada no momento.

Ela me levou em direção a cama, onde eu deitei com ela ainda me abraçando, do mesmo jeito que eu já havia feito tantas vezes para ela. Ela não disse nada, me deixou chorar tudo o que eu precisava.

—Cinco anos, Gin e tudo o que eu mereço é uma merda de um bilhete! - eu não estava em busca de comentários e ela sabia, eu tinha chegado na parte em que a raiva tinha se juntado as outras emoções - eu não sei o que aconteceu, eu…. eu achei que a gente fosse feliz, que eu a fizesse feliz. Eu estava errado.

Aquilo resumia tudo: eu estava errado. E pelo jeito estive errado por um bom tempo porque no meu livro de conceitos, amor não desaparece de um dia para o outro. Não falei mais nada, fechei meus olhos, os segundos se tornaram minutos, as lágrimas secaram, e com o abraço apertado da minha irmã  eu finalmente consegui dormir.


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Notas finais do capítulo

E então o que acharam? Eu chorei horrores escrevendo esse capítulo hauhauah
Chegamos ao fim definitivo e eu agradeço muito a cada um de vocês que acompanhou a história até aqui. Não esqueçam de me dizer o que acharam com seus comentários lindinhos.
Espero que possamos nos encontrar de novo nas minhas próximas histórias e se vocês não quiserem perder nenhuma atualização, etrem no meu grupo fechado do facebook onde eu posto sempre as novidades (https://www.facebook.com/groups/1779275052355810/)
Bjus