Backstage escrita por Fe Damin


Capítulo 23
Capítulo 23


Notas iniciais do capítulo

Olá, olha o capítulo chegando cedíssimo para alegrar a todos, nem fiz vocês esperarem tanto hauhaua
Primeiro tenho que agradecer a recomendação da Mrs Ridgeway! Fico muito feliz de ter sido a sua primeira recomendação e espero que Backstage continue a te agradar. Suas palavras me inspira a continuar escrevendo e tentando fazer essa história cada vez melhor ;)

Tenho que dizer que o cap está imeeeeenso, mas eu amei cada pedacinho, não consegui parar...
Agora é a hora da verdade, será que o Ron e a Mione vão conversar?
Notem que temos um narrador diferente, por outras perspectivas, a história parece diferente....
Espero que gostem :)



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Ron POV

Eu fiquei paralisado assistindo, não movi um músculo para impedir a porta que se batia à minha frente com um barulho estrondoso, levando para longe a pessoa que eu queria por perto. Ela me disse que seria tudo ou nada. Definitivamente, “nada” estava fora de cogitação, mas eu tinha como oferecer qualquer coisa além do que existia?

Os anos passam tão depressa, e a minha mente parou de contabilizar mais rápido ainda. Tudo o que eu sabia era que o tempo em que um par de olhos castanhos envoltos por mechas cacheadas não existia na minha vida, parecia antigo demais para valer a pena lembrar. Contudo, eu não conseguia ir em frente, justamente por ter correntes que me prendiam ao “antes”. Eu nunca contei a ela, claro que não, mas eu já havia sido uma pessoa muito diferente, o Ron antes da Mione não é o mesmo que ela conhece. Eu fui feliz e eu fui arrasado, a dificuldade era a de esquecer as partes ruins.

“Como eu cheguei até aqui?” As palavras dela me levaram para uma trilha quase existencial, memórias que eu achava já nem serem mais tão vívidas. Levantei, fui até o móvel da sala onde eu guardava as minhas bebidas e enchi um copo com o meu melhor whisky, se eu ia pensar na vida, o melhor era não estar muito sóbrio, se não o risco era ter quer admitir que as emoções e lágrimas eram causados por nada além de mim, assim eu poderia ter uma desculpa. Levei o copo aos lábios, sorvendo o primeiro gole da bebida e sentindo o calor se espalhar pelo meu corpo. Me joguei de novo no sofá, trazendo a garrafa junto comigo.

A pergunta era como eu cheguei até ali. O que aconteceu antes de me mudar para aquela cidade não importava nessa questão, afinal a Mione não tinha nada a ver com isso. Tudo antes só serviu para moldar a pessoa que ela conheceu: fechado, ressentido e - acima de tudo – desconfiado. Esse era o Ron que encontrou a jovem vizinha da irmã logo que se mudaram.

Engraçado, eu olhava, e ainda olho, para a minha irmã e via uma criança, a menina de rabo de cavalo que corria atrás de mim pedindo atenção. Alguém para quem eu não me importava em fazer cara de forte só para que ela pensasse que tudo ia bem, e que no fim as coisas iam dar certo. Foi o que eu fiz a vida toda, e mais ainda depois que a nossa família se reduziu a apenas dois integrantes. O mesmo nunca aconteceu com ela. A primeira vez que a vi, conversando descontraída com a Ginny, meus olhos enxergaram algo que me prendeu, a vivacidade de alguém que existia numa frequência tão diferente da minha.

A princípio eu me forcei a deixar tudo aquilo de lado, ela e a minha irmã já eram claramente amigas, e eu não buscava nada de definitivo, esse tipo de coisa não combinava com a pessoa que eu tinha me tornado. Porém algum inseto foge da luz? E eu, me colocando no papel mais vergonhoso dessa alusão, desisti de resistir e fiz a primeira ligação que acabou não se tornando nada além de um recado para a Gin. Várias comunicações e desculpas depois, eu fiz o primeiro convite, que para a minha surpresa ela aceitou, mais surpreendente ainda foi a sucessão de afirmações que se passaram depois. Minha alegria ao descobrir que ela, assim como eu, não buscava nada sério, desatou o nó de incerteza que ainda caminhava junto comigo ao começar aqueles encontros.

Tudo entrou numa rotina sem rotina, nossa dança não tinha regras, apenas a diversão que nos trazia, e funcionava, por muitos anos funcionou. Até que de repente eu estava sentindo mais do que deveria. Já eram cinco anos, meses e meses em que nos mantemos propositalmente afastados das nossas vidas pessoais, nunca cruzamos linhas que indicassem algo a mais e permanecemos sendo o que sempre fomos. Entretanto, eu deixei de enxergar essas barreiras, me vi querendo cruzar limites que antes pareciam inabaláveis, e nem sabia dizer quando foi que a vontade começou.

Quando eu dei por mim, o sorriso dela já me assombrava, a sua presença era o que eu buscava, mesmo quando ela negava em aceitar. A primeira vez que eu a pedi para ficar, passar a noite comigo, o não que eu ganhei entrou atravessado e serviu como um lembrete de que eu estava tentando mudar as regras do jogo que já estava rolando há tanto tempo. Ao invés de aprender, parece que eu piorei. Eu mal me reconhecia ao sentir o ciúmes que se apossou de mim ao vê-la se afastando, o sentimento que me corroía por dentro, toda vez que eu pensava naquele assistente dela, que só podia ser uma brincadeira dos infernos para testar o meu auto controle. No impulso mais insensato da minha vida, eu fiz o convite para que ela viajasse comigo, e a partir daí foi só ladeira abaixo.

Como eu conseguiria passar aquele tempo todo ao lado dela e simplesmente voltar à configuração de antes? Eu gostei da proximidade, de poder ver o rosto sorridente dela ao acordar, de passar tempo juntos, nem que fosse desenhando árvores terríveis, ou a matando de medo num barco, toda e qualquer experiência valia. Eu fazia manha, mas adorava poder mimá-la um pouco, e conhecer como ela era quando não tinha barreiras em volta. Claro que com o retorno, eu quis trazer a nossa viagem para o dia a dia. De vez em quando, eu percebia algum deslize, pequenas indicações de que ela não era tão indiferente ao que tínhamos, e meu coração não sabia se batia acelerado de felicidade ou apertado com hesitação. Eu já estava no meio de uma trilha que eu não sabia mais o caminho, se é que algum dia eu soube, porém voltar atrás era igualmente impossível.

Então eu segui em frente. Fechei os olhos para todos os alarmes que soavam à minha volta, e continuei  com aquilo que me deixava feliz, o que eu percebi estar cada vez mais ligado àquilo que a deixava feliz também. De duas pessoas que mal conversavam, passamos a nos falar até para contar bobeiras do nosso dia, e cada vez mais, eu me pegava querendo relatar tudo a ela, sabendo que ela ouviria com a atenção que eu não tinha há um bom tempo. Não sei se foi algum tipo de defesa da minha parte, ou puro egoísmo mesmo, mas eu me acomodei com a situação toda. Dessa forma, nós tínhamos o que queríamos, sem riscos de que pudesse dar errado.

Mas eu claramente estava me enganando, a Hermione era uma pessoa decidida e resolvida demais para se contentar com coisas pela metade, eu só não sabia se tinha algo inteiro para oferecer. Ela apareceu aqui com determinação escrita no rosto, porém eu enxerguei o temor, ficou claro que ela não estava certa do que eu falaria em resposta, mas eu consegui ser o mais idiota de todos os idiotas e não falar nada. Numa ação desesperada, eu ainda tentei evitar a tal conversa, pois no fundo, eu sabia qual era a única conclusão lógica, mas nada pararia a minha Hermione e ela foi até o fim. Deu voz a tudo que eu desejava e temia escutar, enquanto eu fazia o melhor papel de paisagem já interpretado.

Aquilo foi tão inesperado que tudo se desligou à minha volta. O rosto da pessoa que eu esperava nunca mais ver, apareceu na minha frente, rindo da minha tentativa de pensar em construir qualquer coisa com alguém. Sentimentos que eu mantinha trancados, vindos de outra vida, se soltaram e me afogaram de maneira a roubar todo meu ar e meus movimentos. Eu vi a tristeza naqueles olhos, que eram os prismas pelo qual eu encarava a vida de uma maneira melhor, e mesmo assim não consegui dizer nada. O medo de que ela fosse embora, só se igualava ao medo de fazer com que ela ficasse, pois naquele momento, em que ela me dizia que queria mais, eu finalmente percebi que eu queria o mesmo já há muito tempo. Logo eu, que pensei não haver mais chances de que isso acontecesse. Sinceramente, eu achava que a redoma com a qual eu havia envolvido o meu coração, fosse feita de material mais resistente, mas o que eu julgava ser diamante, se mostrou apenas um vidro barato quando ela se aproximou e com um toque imperceptível transformou tudo em estilhaços, deixando o meu coração indefeso para ser reclamado.

Tive que encher o segundo copo de whisky antes de admitir que eu realmente estava enrascado. Eu não era mais capaz de medir meus dias sem a presença dela, era a voz dela que eu precisava escutar no final de um dia bom, e mais ainda no de um dia ruim, porém o mero pensamento de me colocar na situação em que tudo pudesse ir por água abaixo, repetindo o filme, que a tanto custo eu consegui deixar de visualizar diariamente, trazia um desespero, quase um pânico. Imaginar estar vulnerável de novo me paralisava e eu não sabia como lidar com isso.

Minha mente começou a tentar processar as informações, tudo o que eu precisava para decidir como prosseguir, porém eu não consegui escolher. Talvez eu devesse ter ido atrás dela antes que ela tivesse partido, mas o que eu poderia dizer? Escolher o não era impossível, essa chance não me era mais uma opção, eu só não sabia como dizer sim, e nem se eu conseguiria aprender a tempo em que ela ainda quisesse escutar.

Olhei para garrafa ao meu lado, cogitando a sensatez de encher um terceiro copo, eu já estava atolado até o pescoço numa maré de pensamentos, talvez continuar com a bebida, pudesse apagar de vez  a minha mente e me deixar descansar, porém a escolha foi tirada das minhas mãos. O som da campainha tocando me pegou desprevenido, quase me fazendo derrubar o copo, não apenas pelo susto, mas pela pressa com a qual eu me levantei para atender. No fundo eu tinha certeza de que não seria a Mione, ela deixou bem claro que a decisão era minha, então não voltaria, eu a conhecia bem demais para ter certeza, mas controlar esperanças não era uma habilidade que vinha fácil.

Abri a porta praticamente segurando o fôlego, apenas para ter que disfarçar a minha decepção quando percebi ser a Gin me aguardando. Eu não precisei de mais do que um olhar rápido para saber que alguma coisa estava errada, não foi a minha irmã médica, brincalhona e segura de si que tocou a campainha, e sim a versão que surgia tão poucas vezes ultimamente: a menina assustada que precisava do meu abraço para ter certeza de que o mundo continuaria no lugar. Não era nem de longe o momento ideal para eu conseguir lidar facilmente com esse tipo de coisa, eu estava mais para precisar de um abraço do que ser capaz de oferecer um, mas eu tinha anos e anos de treinamento. Mais uma vez, eu ia respirar fundo, jogar os meus problemas de lado e cuidar da pessoa que eu nunca deixaria pra trás.

Perguntei o que tinha acontecido, e a resposta envolvendo um paciente que tinha tentado se suicidar não chegou com nenhuma surpresa, não era a primeira vez, e enquanto as pessoas continuassem a ter suas fraquezas, não seria a última. Era em momentos como esse, em que eu via uma lágrima escorrendo no rosto dela, que eu sentia ressurgir a pequena reserva de ressentimento que eu nunca deixei de ter, por mais que ela ficasse esquecida por debaixo de tantas outras coisas. A Ginny afundou o rosto no meu pescoço e descarregou todas as lágrimas que ela precisava. Eu odiava vê-la sofrendo assim, não tinha eufemismo para isso, nem um tipo de sutileza. De novo, eu me sentia impotente em não ser capaz de tirar esse peso de cima dela, tudo o que eu podia fazer era oferecer a minha presença e apoio, sem nenhuma cobrança ou perguntas que eu sabia a incomodar.

Para mim, ela nunca precisaria dizer nada, explicações e pedidos não eram necessários. Claro que eu não a deixaria ir para casa, bem debaixo das minhas vistas era aonde eu gostava que ela estivesse, sempre que ela se sentia assim. Ela ainda tentou saber se tinha algo de errado comigo, aparentemente eu não conseguia disfarçar tão bem assim, mas a possibilidade de incomodá-la com qualquer outra coisa era tão absurda que eu desconversei rápido, nos acomodando na minha cama, para que ela pudesse descansar, num sono embalado por carinhos, e o meu abraço que a asseguraria de que ela nunca estaria sozinha.

O sono que envolveu a minha irmã, não estendeu a mesma cortesia a mim. Minha noite foi passada entre preocupações e pensamentos confusos. Eu não conseguia me achar no meio de tudo que eu sentia, desisti da batalha por hora, nenhuma conclusão seria alcançada assim de repente. Depois a que a Ginny foi embora de manhã cedo, eu fui novamente deixado apenas com os meus problemas. Originalmente eu tinha que ir até o escritório naquele dia, porém eu não sentia a menor animação para sair de casa, as coisas iam ter que funcionar sem mim. Passei a mão no celular e liguei para o Nick.

—Fala, Ron. Não quer deixar ninguém dormir é, chefe? - ele respondeu ao atender minha ligação.

Eu e o Nick trabalhávamos juntos há muitos anos e nos conhecíamos há mais tempo ainda, então eu sabia exatamente quando ele estava sendo irônico, toda as vezes que ele colocava um “chefe” na frase, ele estava zombando discretamente da minha cara, o que nunca me incomodou.

—Se eu não durmo, ninguém dorme - rebati tentando manter a conversa leve, não tinha porque fazer propaganda do meu estado deprimente - só estou avisando que não vou pro escritório hoje.

—Porra, Ron! - ali a estava a sinceridade costumeira do meu amigo - você vai me deixar sozinho na reunião com o mala do Soares?

—É pra isso que eu pago um salário bem gordo para o meu gerente - expliquei sem o menor peso na consciência, ele já tinha feito o mesmo, prós e contras de trabalhar com e para o seu melhor amigo.

—Acho que eu estou precisando de um aumento, nem que seja para comprar de volta o meu bom humor - ele resmungou, mas eu sabia que era só fachada, o Nick adorava se fazer de difícil, quando na verdade era o meu melhor funcionário.

—Ele nem é tão ruim assim, seu velho rabugento! Escuta o que ele quer mudar no projeto e pronto - eu aconselhei.

—Primeiro: velho, meu caro Ronald, é o seu passado, eu estou muito em forma ainda - eu nunca deixava passar qualquer chance de lembrá-lo do um ano que nos separava em idade, a brincadeira já era uma tradição, principalmente por ele sempre pegar corda - e segundo, ele nunca vai direto ao ponto.

—Lide com isso, clientes são clientes.

—Posso pelo menos saber por que você não vem?

—Eu… - como responder essa pergunta? A verdade não me pareceu aconselhável - só tenho  umas coisa para resolver nada de mais.

—Coisas para resolver? - eu podia imaginar as sobrancelhas escuras dele se frisando com a desconfiança que ele passava pela voz - ah, já sei… isso deve ter a ver com a sua estilista misteriosa - ele riu.

—Claro que não! - obviamente a minha afirmação saiu mais rápida e incisiva do que deveria, e ele teve toda a confirmação que precisava.

—Uhum… Só espero que ela seja real mesmo - ele me perturbava com essa ideia louca de que eu tinha inventado a Hermione, pois depois de tantos anos, ele ainda não a conhecia.

—Lá vem você com essas merdas de novo, não tem nada a ver com ela, que existe sim senhor - ela só não existia mais perto de mim.

O pensamento me levou a imaginar o que ela estaria fazendo no momento, como ela tinha passado a noite. Será que ela tinha ficado acordada como eu? Será que ela também tinha um buraco no peito? Será que as lágrimas que eu não consegui chorar foram parar nos olhos dela? A imagem dela com o rosto úmido de chorar não fez bem ao meu emocional, que já estava descomposto, fazendo o meu coração se apertar.

—Ron? Tá surdo, cacete? - pelo tom irritado, eu percebi que o meu amigo deve ter me chamado uma porção de vezes, porém as minhas ideias estavam tão longe que eu nem notei.

—Não grita no meu ouvido - foi a minha vez de reclamar, só para desviar do fato de que realmente eu não estava prestando atenção nele.

—Então me responde.

—O que você me perguntou? - eu não tinha como dizer nada.

—Se é pra pedir pra Bete desmarcar o almoço de hoje também.

—Desmarca, desmarca tudo - recomendei, sem deixar o desânimo transparecer.

—Amanhã você se entende com ela, sabe o jeito que ela fica quando tem que fazer esse tipo de coisa “deselegante” - ele zombou.

A Bete era a minha secretária, que estava mais para controladora geral da minha empresa se fosse levado em consideração o tanto de opinião que ela tinha sobre tudo e todos. Sendo a senhora de quase 60 anos que era, ela adorava dar conta da vida de todos os meus empregados e principalmente da minha, mas fazia tudo sempre com boa intenção. Mesmo que ela vivesse reclamando em como eu não comia direito, ou não dormia o suficiente, eu não a trocaria por nada, ela não sabia, mas todos tínhamos plena consciência de que ela valia o próprio peso em ouro.

—Deixa a Bete comigo, só avisa ela, por favor.

—Pode deixar - ele fez uma pausa, e eu já me preparava para me despedir quando ele continuou - tem certeza que está tudo bem, Ron?

—Tá sim, Nick - eu menti.

—Não sei nem pra que eu pergunto, não é como se você fosse me dizer….

Éramos amigos desde a faculdade, e ele aprendeu com o tempo que eu não era a pessoa mais aberta do mundo, fato esse que ele fez questão de me apontar diversas vezes. O que eu podia, eu contava, mas a verdade era que havia coisas na minha vida, que eu nunca consegui colocar em palavras, ou a pessoa estava lá para saber, ou a informação não sairia de mim.

—Vai trabalhar, seu dramático - falei irônico, como eu sempre fazia toda vez que ele reclamava.

—Vou, mas você sabe que se precisar, meus ouvidos estão aqui.

Isso era algo que eu nunca tinha duvidado eu tinha um melhor amigo que não podia ser melhor, até com a irritante habilidade de saber se tinha algo me incomodando mesmo quando eu tentava esconder.

—Eu sei, cara - nos despedimos e eu me vi diante de um dia inteiro sem absolutamente nada para fazer.

A ideia de uma folga em plena quinta feira não era algo usual, porém em poucos minutos, percebi que eu era a pior companhia que eu poderia ter arrumado para mim mesmo, pois a única coisa que me separava de tudo que eu realmente queria, não era nada mais nada menos do que minhas próprias correntes. O problema estava em ser o único capaz de usar as chaves do cadeado quando eu não tinha ideia de onde as tinha colocado. Fui e voltei até a porta inúmeras vezes, sem jamais conseguir, sequer abri-la. Comecei a ficar com raiva de mim mesmo, por não ser forte o bastante para sair da jaula que, sem que eu percebesse, aquela assombração tinha me colocado.

Minha melhor opção foi tentar achar qualquer tipo de distração, mas quando eu não consegui me entreter nem pelos jogos novos que eu tinha adquirido recentemente no lançamento, eu sabia que nada mais seria possível.

—Chega, Ronald! Você não vai ficar aqui sentado igual a um idiota. - briguei comigo mesmo.

A tarde estava ensolarada, muito diferente do meu humor, eu peguei as chaves do carro e dirigi até o local onde eu tinha certeza que a Mione estaria. Da vaga em que estacionei, eu conseguia ver as janelas espelhadas do prédio onde ela trabalhava, mais alguns passos me levariam até ela, faltava pouco. Tudo bem, mas e depois? Eu chegaria lá, passaria pela mesa do amiguinho dela e entraria na sala que eu já conhecia, e?

Minha mente era um branco depois disso. Eu não conseguia pensar no que dizer, em como me explicar. A certeza de que eu poderia oferecer o que ela realmente queria não tinha me encontrado ainda, e se fosse para piorar as coisas, eu não falaria com ela. Eu tinha medo de me abrir para a possibilidade, mas arriscar cortar de vez esse vínculo me aterrorizava do mesmo jeito. Só tinha uma resposta imediata: dei partida novamente e voltei para casa.

Eu achei que o meu dia ia passar sem mais nenhum acontecimento, apenas tentando me afundar em algum tipo de esquecimento, mas eu estava enganado, logo depois que eu terminei de comer, a minha campainha tocou. Será que eu escutaria o som da porta mais alguma vez sem que meu pulso acelerasse achando que eram o meu par favorito de olhos castanhos que me encarariam de volta? Provavelmente não, porém como da última vez, era a minha irmã que vinha me procurar, e repetindo a cena do dia anterior, ela não estava bem. Quase me senti mal por ficar feliz ao saber que a razão não tinha nada a ver com a da véspera, o problema foi uma briga com o Harry dessa vez. Segurando o impulso automático que eu tinha em me imaginar dando um soco na cara daquele moleque por fazer a minha irmã chorar, eu a chamei para dentro, deitando-a no meu colo no sofá e escutando toda a história.

Eu não sei se ela percebia o quão triste estava por debaixo de toda a indignação e raiva. A briga tinha sido feia, mas eu não deixei de mostrar alguns lados que ela não me pareceu muito satisfeita em vislumbrar. Mesmo esse tipo de coisa entrava na lista com itens que eu gostaria de ser capaz de resolver por ela, mas assim como os outros tópicos, fugia das minhas mãos o que nunca me agradava. Faltou pouco para eu fazer um comentário sobre como nós tínhamos sincronizado até os nossos problemas sentimentais, mas ela estava tão atordoada, que eu preferi poupá-la novamente de lidar com qualquer coisa a mais. Num final inusitado, ela se levantou decidindo ir para casa ao invés de dormir ali aquela noite, de acordo com ela, era preciso crescer e deixar de me procurar quando problemas acontecessem. Para mim, ela não tinha que crescer nunca, como eu bem disse.

A minha noite não foi muito melhor do que a anterior, mas eu precisava trabalhar na sexta feira, então me forcei a fechar os olhos e descansar. Cheguei ao escritório no horário habitual que eu cumpria sempre que precisava aparecer e fui direto em direção a minha sala, não sem antes parar na mesa da Bete para recuperar as boas graças para o meu lado.

—Bom dia, Betinha! - tentei parecer o mais animado possível, o que não era muito.

—Não me venha com bom dias, Ronald! Desmarcar o almoço de ontem? Já é a segunda vez com esse cliente, como você acha que isso me faz parecer? - eu mordi a língua para não apontar que era eu que seria xingado pelo cliente e não ela, porém eu sabia que a minha secretária tomaria isso como uma ofensa pessoal.

—Me perdoa, Bete não deu mesmo para vir, eu estava muito ocupado, mas você foi um anjo de eficiência, tenho certeza de que uma nova data já está até marcada.

—Claro que está, inclusive já atualizada no seu calendário - ela respondeu de nariz empinado, nem um pouco encabulada de esfregar toda a competência dela na minha cara, porém eu já via um pequeno sorriso surgindo em seus lábios.

—Tá vendo, só? Por isso que eu te amo!

—Pare de me adular, seu levado! - as vezes ela falava como se estivesse tratando com os filhos e eu achava sempre engraçado - da próxima vez, quero pelo menos um dia de adiantamento para fazer essas coisas.

—Sim senhora! - fiz um sinal fingido de continência e ela finalmente caiu na risada, pronto, tudo de volta ao normal.

—Mas você está bem, querido? Estou te achando meio cansadinho… - ela me olhou atentamente e eu dei um jeito de logo desviar o assunto.

—Estou ótimo, Bete, só tenho mil e uma coisas para fazer hoje.

—Melhor começar logo então - ela falou, mas eu percebi que ainda me olhava meio desconfiada.

Virei em direção a minha porta e comecei a cruzar o pequeno espaço até a minha sala, quando a Bete me chamou novamente.

—Ah, chegou ontem um envelope de uma das empresas daquela feira de jogos, deixei em cima da sua mesa - eu agradeci e entrei na sala.

Geralmente a minha porta ficava aberta, mas aquele não era um dia em que eu estava me sentindo muito comunicativo, então optei por fechá-la e permanecer o mais separado do resto do mundo que eu pudesse. Me afundei na minha cadeira confortável, e corri as mãos pelo rosto tentando entender como eu conseguiria pensar em qualquer coisa relacionada ao trabalho, quando tudo parecia me lembrar das palavras que eu não falei. Chacoalhei a cabeça, para ver se conseguia deixar um pouco de lado o que eu sentia, e liguei o meu computador. Decidi começar o dia examinando o tal envelope que a Bete tinha deixado na minha mesa.

A primeira vista não tinha nada de especial no papel, notei pelo logo na borda que pertencia a empresa que estava lançando o jogo de realidade aumentada que eu tinha gostado tanto. Minha mente não demorou nem cinco segundos para fazer a conexão com a diversão que eu e a Mione tínhamos dividido naquele estande. A sentença era apenas uma: até detalhes bobos da minha vida agora me lembravam dela. Determinado a não deixar que isso me impedisse de seguir em frente, eu rasguei a embalagem, até ligeiramente curioso para saber o que tinha dentro. Uma pastinha feita de papel acetinado me encarava, sem pesar duas vezes, eu levantei a borda para ver o que me aguardava.

—Puta merda, só pode ser brincadeira - ali estava eu, tentando dar um rumo no meu dia, sem fica o tempo todo pensando na Hermione, mas até o destino não estava me ajudando.

Ela olhava sorridente e linda para mim da foto que eu tinha nas mãos, eu estava igualmente feliz e abraçado a ela. Eu nem me lembrava mais que tínhamos tirado essa foto naquele estande, e menos ainda que eles pediram informações de contato, tudo parecia tão distante, mesmo sendo apenas semanas atrás. Eu não consegui despregar o meus olhos do rosto dela, a maneira com que os seus olhos refletiam a luz, o leve desalinho dos cabelos, causado pelo acessório do jogo, o jeito como ela se inclinava na minha direção, tudo era razão para aumentar a falta que eu já sentia dela. Não foi aquele sorriso a última coisa que eu vi quando ela deixou a minha casa na quarta feira e isso me corroía. Essa era a expressão que eu queria ver sempre naquele rosto, e saber que eu fui a causa do seu desaparecimento, só aumentava o peso que eu sentia sobre as minhas costas.

Eu estava tão alheio ao meu entorno, ainda encarando aquele pedaço de papel, que nem notei quando o Nick entrou na minha sala.

—Terra para Ron - ele estalou os dedos e conseguiu a minha atenção.

—Não é mais costume bater antes de entrar, seu mal educado? - virei a foto para baixo e olhei feio para ele por ter interrompido a minha sessão nada saudável de comiseração.

—Ainda bem que eu nem perdi o meu tempo, com a cara que você estava, eu podia ter jogado uma bomba e mesmo assim não ser escutado - ele me olhou de cima, claramente mostrando que sabia que tinha algo de errado.

—Mas é um intrometido do cacete, mesmo - debochei - fala logo o que você quer.

Ele sentou na cadeira que ficava na frente da minha mesa, mesmo sem ser convidado.

—Preciso saber se o projeto do Adams já está na finalização, ele ligou cobrando o prazo.

—Merda! Não me lembrei disso - eu passei a mão pelos cabelos, indignado por ter esquecido de revisar esse trabalho que tinha urgência.

—Ah, ótimo seu cabeça oca, como você é o dono dessa empresa mesmo? - ele cruzou os braços enfurecido.

—Você vai ter que pedir para ele pelo menos até segunda, vou fazer isso hoje mesmo.

—Agora eu estou começando a entender como a Bete se sente.

—Tá, eu sei que pisei na bola com essa, não precisa ficar choramingando.

—Pisou na bola? Tá mais para ter feito uma grande merda isso sim, você sabe que ele paga a mais pela rapidez - deixe com o seu melhor amigo a função de ignorar a hierarquia do trabalho e te colocar no lugar quando merecido.

—Eu sei… - respirei fundo, fechando os olhos ao encostar na cadeira.

—Ron, o que foi? Você desmarcou tudo ontem, esqueceu de revisar o projeto que está na sua mão desde quarta e agora me aparece aqui com essa cara de cú - ele me olhou preocupado.

—Muito sutil - respondi irônico.

—É alguma coisa com a sua irmã? - ele sabia que eu tinha um ponto fraco ali, então não foi surpreendente ter chegado a essa possibilidade.

—Não, ela está bem, na medida do possível. É só… que o dia não começou bem hoje - expliquei, sem realmente dizer alguma coisa.

—Você chegou aqui há menos de meia hora, o que deu errado do estacionamento até a sua sala? O elevador parou com você dentro, por acaso?

—Rá rá, que engraçado - eu resmunguei, bastou uma vez eu ter ficado preso no elevador e quase tido um treco para que ele não se esquecesse nunca mais.

—Não sei mais o que pensar…

—É porque você não tem que pensar em nada mesmo, tá tudo certo - meu dedos se apertaram involuntariamente na borda da foto, mas eu ia continuar afirmando que nada estava acontecendo, quem sabe eu não passava a acreditar.

—Se você está dizendo…. Ah! A Alex está te intimando a jantar lá em casa no sábado.

—Não vai dar, Nick.

—Sem desculpas, meu caro, ela está puta contigo por não aparecer mais, ela falou que pode nos trocar pela estilista invisível, desde que a apresente para nós.

—Pode dizer para sua esposa, que o compromisso dessa semana é com a Ginny, vou levá-la para jantar, foi aniversário dela.

—Tá desculpado então, quantos anos? - ele quis saber.

—30

—Caralho, tudo isso? Não tem jeito, to ficando velho mesmo, ontem ela era uma criancinha.

—Nem me fala - era melhor nem pensar por esse caminho, nada de bom sairia dai.

—Vem no próximo sábado então, a Alex não se importa de mudar de data, pode trazer a sua garota - ele me deu um sorriso sugestivo que eu não retribui - ou vem sozinho….

—Vamos ver.

Assim como eu imaginei, chegar em casa na sexta feira depois do trabalho e não estar a caminho de vê-la ou a espera de que ela chegasse, me atingiu com a delicadeza de um soco. Já fazia tantas semanas que nós nos víamos regularmente, que eu senti o início de uma bela crise de abstinência. Meu substituto mais próximo, era a foto que eu tinha trazido comigo na minha mochila que também me lembrava dela.

O horário que eu tinha combinado com a Ginny se aproximava, mas eu não achava em nenhum lugar a animação nem para me trocar, continuava com roupas de ficar em casa. Eu abria o armário e via a tonelada de roupas que a Mione tinha insistido para que eu comprasse e me lembrava de como ela estava feliz naquele dia. Parando para pensar, não precisava de muito para ganhar o meu sorriso favorito ultimamente, ela se alegrava com cada coisa besta que eu não sabia se ria ou chorava ao recordar. Eu sei que reclamei do começo ao fim, mas fazer café da manhã e passar por horas de provas de roupa, me parecia muito pouco para sequer começar a recompensar o que eu tinha feito, e continuava a fazer com essa minha paralisia.

Eu quase levantei as mãos ao céu quando a minha irmã apareceu tão desanimada quanto eu para sair, ainda tentei argumentar que eu poderia me arrumar rapidinho, já que era o aniversário dela e sempre comemorávamos, mas ela me assegurou que pedir alguma coisa e comer em casa estava muito mais de acordo com o que ela gostaria. Claro que dessa vez eu não consegui escapar das perguntas dela e resolvi finalmente contar o que tinha se passado entre a Mione e eu. A Ginny, sendo a irmã mais nova que sempre foi, acabou mais jogando na minha cara como eu tinha sido cego por não perceber que a Mione estava envolvida do que me animando. Acabei recebendo o belo conselho de: não faça merda, como se ela tivesse muita moral para falar. A nossa implicância não a impediu de ficar e passar a noite comigo, essa era a certeza que éramos um na vida do outro, não precisávamos nem estar sorridentes para saber que mesmo assim não nos deixaríamos sozinhos.

Minha semana foi um amontoado de dias em que eu me focava em trabalhar apenas para não ter como deixar a mente vagar sozinha, pois invariavelmente ela buscava sempre a mesma pessoa. As coisas estavam ficando cada vez mais complicadas, não existia nada na minha casa que não me lembrasse dela, e eu ainda me via perturbado pelo sentimento paradoxal de desejar muito ir atras dela e me apavorar ao pensar em fazê-lo, as forças opostas me mantinham no mesmo lugar. No sábado seguinte eu não consegui fugir do jantar na casa do Nick, era risco de ser colocado na lista de persona não grata da Alex, e isso eu não podia permitir.

Até que a noite estava saindo melhor do que eu esperava, como o tom leve e divertido que o meu amigo e a esposa sabiam criar, mas as garravas de vinho foram sendo abertas e eu não maneirei nas taças, quando dei por mim, a bebida tinha acabado com a minha máscara de felicidade, expondo a tristeza que estava por baixo.

—A Mione gosta muito de vinho - falei para ninguém ao encarar o líquido carmim durante uma pausa na nossa conversa.

—Ah, essa é a sua estilista misteriosa? - quis saber a Alex, já se inclinando em minha direção.

—É sim, mas ela não é mais misteriosa, tudo o que ela tinha pra dizer, ela falou - continuei, sem dar atenção que os dois se olharam espantados com as minhas declarações.

Nos muitos anos em que éramos amigos, dava para contar nos dedos de uma mão, as vezes em que eu abri a boca, mais do que devia.

—E o que foi que ela falou? - o Nick me incentivou.

—Ela falou que não quer mais - sussurrei.

—Ah, Ron, não fica assim - a Alex colocou a mão no meu ombro em simpatia - ela não sabe o que está perdendo ao te deixar.

—Deixar? Não, ela não quer mais não ter nada comigo, ela quer mais - expliquei e os dois me olharam confuso.

—Ué, então não estou entendendo…

—Ah, não acredito, você é um escroto mesmo, né oh ferrugem? - eu detestava o apelido desde sempre, mas hoje o que incomodou mais foi o meu amigo também me dando bronca - você deu o pé na bunda da garota? Vive sorrindo pelos cantos por causa dela e me sai com uma dessa?

—Eu não dei o pé na bunda de ninguém, mas estou com vontade de começar com a sua - reclamei olhando feio pra ele, eu não precisava ser lembrado de como eu estava por causa dela.

—Meninos, sem brigas! - a Alex se intrometeu, como fazia desde sempre para apartar as nossas discussões - mas explica isso direito, Ron.

—Ela me falou o discurso dela, e eu não falei nada, só fiquei lá - olhei envergonhado para a expressão incrédula dela.

—Não tem como te defender assim, Ron, você foi um escroto mesmo - ela balançou a cabeça.

—Yes, ponto pra mim! - o Nick comemorou, mas recebeu um olhar tão feio da esposa que voltou à expressão séria em segundos murmurando um “desculpa”.

—Por que você fez isso? - a loira me perguntou.

—Não sei - dei de ombros.

—Como não sabe? Eu nem conheço a moça e sei que você está de quatro pro ela, cara, não me vem com não sei.

Eu não tive resposta.

—Ron, eu sei que eu jurei nunca falar sobre isso, mas sou seu amigo então vou correr um risco de levar um soco. A razão disso não tem nome e sobrenome? Um que, todos aqueles anos atrás, combinava com o seu?

Ele estava certo, eu tinha feito ele prometer nunca trazer esse assunto a tona, e o mesmo valia para a Alex, mas na situação em que eu me encontrava, nem consegui realmente ficar bravo com ele, ele estava com a razão certa.

—Claro que tem - deixei os ombros caírem, me sentindo um pouco mais leve depois de confessar em voz alta.

—Ah, não Ronald! Eu te proíbo de deixar isso atrapalhar o que estava te fazendo feliz - a Alex apontou o dedo indicador na minha direção, e eu quase ri, seria ótimo se tudo o que bastasse fosse uma proibição.

—Eu só não consigo… não sei como…. - estava difícil colocar em palavra o que eu realmente sentia - como vocês sabem?

—Você precisa de uma pergunta mais completa que essa, camarada - o Nick zombou, apesar de me olhar com toda a atenção do mundo.

—Como vocês sabem que isso - eu apontei de um para o outro - vai dar certo, permanecer sempre assim?

Eles se entreolharam, e eu vi ali todo o amor que eles compartilhavam, espelhado nos olhares e sorrisos.

—Não sabemos - foi a resposta da Alex.

—Mas temos que confiar que vai dar - meu amigo completou, antes de se virarem novamente para mim.

—Esse é o problema, eu não tenho mais confiança para distribuir.

Depois disso eu fui logo para casa, recusando a oferta de me levar que os meus amigos fizeram, eu chamei um taxi e voltei da mesma maneira que vim. Entrar em casa naquela noite, conseguiu ser pior do que todas as outras, porque eu senti com uma força redobrada, o peso da ausência dela. Não sei se foi o efeito do vinho, mas a necessidade de estar próximo a ela de alguma maneira eclipsou qualquer outro pensamento que eu tinha. O travesseiro que dormia ao meu lado, já não tinha mais o cheiro dela, numa busca sem sentido, eu abri o meu guarda roupas e fucei nas gavetas, até encontrar o último vestígio dela que eu ainda tinha em casa. Essa cena podia ser considerada patética se olhada por qualquer ângulo, e não era algo que eu me orgulharia de ter feito, mas me joguei na cama, trazendo as cobertas para cima de mim, e prendendo o tecido fino das meias dela entre os dedos. Eu estava tão cansado dos dias mal dormidos, que não demorou muito para perceber que o sono chegaria, fechei os olhos ainda recordando imagens das vezes em que aquele pedaço de tecido me fez sorrir ao invés de me dar vontade de chorar.

Mais uma semana se passou, e eu me sentia cada vez mais deprimido, principalmente por saber que o que faltava para resolver esse problema estava em mim, não tinha nada a ver com a Mione. Nos dias em que eu fui ao escritório, o Nick me olhava de canto de olho, prestando atenção quando ele achava que eu não notaria, mas eu sabia que ele estava preocupado. A minha sorte é que ele era compreensivo ao ponto de não forçar o assunto, porém eu tinha certeza de que relatórios diários chegavam até a Alex, que não demoraria muito a inventar um outro “jantar” para ver se conseguia mediar a situação.

Na sexta feira, fiquei trabalhando em casa, eu agarrava todas as chances que eu tinha para não ter que sair. Assim que o relógio denunciou a chegada do meio dia, eu me forcei a levantar e esquentar a sobra da comida do dia anterior. Fome era algo que não me atingia nesses últimos dias, mas eu não era idiota o suficiente para simplesmente não comer, mesmo que nada tivesse gosto enquanto eu mastigava e engolia. Assim que eu terminei, fechei o pote da comida e levantei para colocá-lo de novo na geladeira. Acabei fechando de mal jeito, e minha mão esbarrou em um dos imãs que a enfeitavam, fazendo o objeto se estilhaçar no chão.

Fiquei encarando os cacos espalhados, e o meu coração se apertou mais do que nunca com a imagem que eu conseguia relacionar à minha vida. Eu continuava esperando, tentado lidar com os problemas que ainda me prendiam, mas até quando seria possível permanecer assim antes que o que tínhamos se quebrasse de maneira irreversível? Me abaixei e recolhi os pedaços, na ilusão de que talvez eu pudesse achar um sentido naquela bagunça e fazer o primeiro presente que ela me deu, voltar ao que era. Já no início da minha tentativa, percebi que era inútil, não tinha conserto. Ao encarar aquilo, senti a decisão se formando de que não era o que eu queria. Precisei de uma coisa tão besta quanto um imã de geladeira, para mostrar na minha cara o que aconteceria com a minha relação com a Mione se eu não tomasse uma atitude o mais rápido possível, e eu saberia lidar ainda menos com essa possibilidade do que com a dificuldade de aceitar a nova condição em que nos encontrávamos.

Me veio a cabeça exatamente o que eu tinha que fazer, uma última ação antes que eu conseguisse realmente ir atrás da pessoa que eu já tinha deixado muito tempo esperando. Era preciso o mínimo de resolução que eu nunca encontrei, e eu sabia como conseguiria, só precisava achar a lembrança que eu sabia ainda estar em algum lugar da minha casa. Eu me condicionei tanto a não pensar nessa época da minha vida que não tinha mais a menor ideia de onde eu tinha guardado o que agora eu precisava achar. Sai abrindo portas e gavetas e revirando tudo ao meu alcance, minha casa ficou uma zona completa, mas eu finalmente tinha nas mãos o saquinho com os objetos que numa vida passada, me assombraram sem piedade. Tirei o conteúdo e encarei, sentindo o peso na minha mão. Com uma boa dose de surpresa, percebi que aquilo não doía mais, não machucava como antes, tudo o que eu sentia era alívio, uma sensação de leveza por saber que me livrei de uma bala perdida com aquele assunto. Entretanto, a ferida continuava, só era hora de deixar de cultivá-la e dar um fim definitivo.

Coloquei o saquinho no bolso e saí de casa, entrei sem pensar muito no carro e dirigi um pouco sem rumo, pensando onde eu iria para me desfazer das minhas amarras. Acabei estacionando o carro num parque onde eu sabia existir um lago. Antes que eu mudasse de ideia, eu caminhei a distância até a água, retirei os objetos do bolso e dei uma ultima olhada. Uma das coisas ali, eu precisava mostrar para a Mione, mas o restante eu não queria ver nunca mais, impulsionando o braço, lancei no lago, e observei os pontinhos minúsculos afundando. Poderia até parecer besteira, mas eu me senti mais leve ao me livrar daquilo que antes representava tanto, mas que perdeu o significado, permanecendo apenas objetos baratos e sem importância.

Prolonguei o momento, ao ficar alguns instantes contemplando a minha ação, porém não era mais hora para estática, eu tinha uma missão difícil e complicada pela frente, mas que eu estava determinado a ser bem sucedido. De volta ao banco do meu carro, eu peguei o celular e disquei o número que eu não usava já há duas semanas. Meu coração se acelerava a cada toque não respondido, e meu estômago deu um nó ao confirmar que ela não me atenderia. Talvez ela estivesse ocupada, provavelmente ainda no trabalho, mas no fundo eu sabia não se tratar disso. Como eu podia culpá-la por não querer falar comigo assim? Uma opção seria que ela não queria me ouvir, a outra, que precisaria mais do que isso. Eu tinha que acreditar que se tratava da segunda.

Não existia a alternativa de desistir assim, portanto eu dei partida no carro e segui para o prédio dela, preferi tentar a sorte lá, mesmo que tivesse que esperar, do que ir até o trabalho dela, desse jeito eu tinha mais chances de sucesso. Entrei sem problema nenhum, como de costume, e fui direto para a porta do apartamento com o número certo. Meu coração pulsava nos meus ouvidos quando eu levei o dedo à campainha, e a decepção chegou ao perceber que ela realmente não estava em casa. A chave do apartamento da Ginny estava comigo, era sexta então ela estava no hospital, mas eu sabia que ela não se importaria se eu esperasse lá. Porém essa possibilidade nem me passou pela cabeça, eu não brincaria com a chance de não ser atendido, ficaria ali esperando até que ela chegasse. Sentei no chão, encostando na porta, tentando controlar o nervosismo que estava me consumindo.

O tempo foi passando e ela nunca chegava, já estava escuro quando eu finalmente escutei passos vindos em minha direção. Levantei a cabeça e meus olhos encontraram os dela, que congelou no lugar, me olhando como se não tivesse a menor ideia do que fazer a seguir. Eu não consegui ler nada no seu semblante, mas precisava conversar de alguma forma.

—Mione - eu cumprimentei, e ela continuou parada onde estava.

Tomando impulso eu me levantei e acabei bloqueando o acesso dela à porta.

—O que você está fazendo aqui? - ela perguntou sem nem um indício de que aquilo fosse uma boa notícia.

—Eu vim pra gente conversar - murmurei.

—Meio tarde pra isso, Ronald. Eu falei que não ia ficar esperando, não falei? - o que machucou ali foi o tom com o qual ela falou o meu nome, não a cadência marcada de brincadeiras e sim, um timbre designado a estranhos, até raiva seria melhor.

—Eu sei… - concordei, sem ter como negar, ela tinha deixado tudo bem claro.

—Com licença eu quero entrar - as palavras dela terminavam em pontas afiadas e eu senti no fundo do estômago o medo de que ela não fosse me dar nem uma chance de explicar, e eu não poderia realmente reclamar.

—Você vai me deixar entrar junto? - insisti, ainda impedindo que ela acessasse a fechadura.

—Para escutar que você não quer mais nada, pode ser em cinco segundos aqui no corredor mesmo - por um instante eu pensei ouvir um tremor na voz dela e me apeguei a isso com todas as minhas forças.

—Não é isso!

—Não? - ela levantou a sobrancelha irônica, mas eu vi um leve arregalar de olhos, ela realmente acreditava que eu tinha vindo só para terminar tudo, o que conseguia me deixar mais culpado ainda.

—Só se for o que você quiser depois de escutar o que eu tenho a dizer.

—Você levou um bom tempo ensaiando esse discurso, é melhor que seja bom.

Sai do caminho, ela destrancou a porta e eu entrei logo em seguida dela. Não houve indicação alguma, ela apenas jogou a bolsa na mesa da sala, foi até o sofá sentou, cruzou os braços e as pernas e falou:

—Pode começar - a pose dela colocava uma distância invisível entre nós.

Eu caminhei até ela, mas decidi me sentar em uma das poltronas já que ela se acomodou bem no meio do sofá e eu não me sentia estável o bastante para fazer isso sentado bem ao lado dela.

—Bom... – eu limpei a garganta, tentando procurar as palavras certas para começar – vou começar do início... pode parecer que não tem nada a ver, mas... – eu estava me enrolando, porém a hora de realmente colocar tudo para fora era mais difícil do que parecia a princípio.

—Eu tenho mais o que fazer - ela me olhou feio, indicando que eu deveria começar logo.

—Você falou que eu devia ter alguns bloqueios na cabeça e não estava errada, quero te contar tudo para você saber o que é o pacote completo - expliquei.

Ela se ajeitou ligeiramente, mas pareceu interessada no que eu tinha a dizer.

—Eu sei que você se pergunta o que aconteceu com os meus pais, já que eu nunca expliquei a história toda. Não vou te pedir para manter isso só entre nós porque tenho certeza que não é necessário, mas entenda que a gente não fala disso, nunca - ela assentiu de leve com a cabeça.

As palavras começaram a sair, uma atrás da outra numa avalanche, desde aquela época, eu jamais tinha contado em voz alta o que aconteceu, nunca tive que colocar em uma sequência lógica de eventos, aqueles que estavam entre os piores dias da minha vida. Precisei fazer várias pausas e segurar o nó na garganta, pois começar a chorar não ia me ajudar em nada. Eu conseguia falar neles sem sentir tanto aperto no peito, mas isso era sobre a vida que tiveram e não sobre a morte. A Mione não me interrompeu nenhuma vez, mas aos poucos ela descruzou os braços e eu a vi apertando os dedos na ponta do sofá, alguma reação eu tinha conseguido, já era melhor do que nada.

—Sinto muito, eu não fazia ideia… - ela sussurrou, quando eu terminei o relato.

—Não tinha como você saber.

—Eu realmente sinto  muito por você e a Gin, não consigo nem imaginar como é passar por isso - ela recomeçou, falando com cautela - isso explica muitas coisas, principalmente sobre ela, mas não justifica nada. Eu não aceito isso como explicação por você não ter me dito uma palavra, por ter me deixado esperando todo esse tempo - a expressão que tinha ficado mais suave, voltou a se fechar -  Não sei porque você decidiu me contar isso, por mais que eu fique feliz que você o tenha feito, mas se foi atrás de pena perdeu seu tempo, não vou deixar tudo de lado.

Eu sabia que essa conversa não ia ser fácil, mas eu subestimei a mágoa que eu tinha causado com a minha falta de ação. Claro que eu não estava contando aquilo com o simples intuito de conseguir um perdão por pena, aliás eu detestava os olhares de pena que tive que encarar durante aquele período, porém eu sabia que o ressentimento estava pesando nas palavras dela, mesmo assim não consegui ficar indiferente com essa acusação.

—Não estou atrás de pena, só acho que se temos alguma chance de ir em frente, você precisa saber a minha história, tanto quanto eu preciso contá-la.

—Não foi a minha intenção ser insensível – ela começou, mas eu a interrompi.

—Eu sei... e também sei que eu te devo mais explicações – eu passei a mão pelos cabelos, tentando me colocar em ordem.

—Eu preciso entender a razão daquilo, Ron e saber se estou louca ao sentir tudo sozinha – ela enunciou as palavras quase numa frase só, parecendo que se não despejasse tudo logo, ia perder a coragem - Por que você demorou tanto? Você tem medo que o que aconteceu com seus pais se repita?

—Não, Mione... minhas razões vem na segunda parte da história – ela me olhou surpresa.

—Tem uma segunda parte?

—Quem me dera não tivesse... – me distrai um pouco imaginando como a minha vida teria sido melhor se no passado eu tivesse feito escolhas bem diferentes.

—Vai me fazer esperar muito mais? – ela me olhou isatisfeita e eu voltei ao momento presente.

—Eu fui casado – não tinha jeito sutil de falar isso, portanto optei pelo modo mais direto.

—O que? – se eu tivesse uma câmera comigo para registrar a expressão dela naquele momento, seria possível colocá-la no dicionário ao lado da palavra incredulidade.

—Eu sei que nunca mencionei nada... – continuei, tentando achar um meio de explicar.

—Por quanto tempo?

—Cinco anos.

—Como aconteceu? – ela perguntou baixinho.

—Aconteceu o que?

—Como ela... – ela me olhou sem conseguir terminar a frase, e eu entendi o que ela estava pensando.

—Não! – eu me apressei a dizer – ela não morreu, acho que teria sido mais fácil se esse fosse o caso - eu carreguei todo o meu ressentimento nessa frase, o que a deixou mais confusa ainda.

—Explica isso direito - o tom de exigência não passou despercebido, mas eu entendia, eu agiria da mesma forma se ela viesse me dizer que existia alguém no mundo que já dividiu a vida com ela.

—Na verdade a história é bem simples, começa com um dos maiores erros da minha vida, e termina num dia qualquer - falei em tom debochado -  eu cheguei em casa e ela tinha evaporado, o que me esperava era a aliança dela e um bilhete! A merda de um bilhete dizendo que o advogado ia entrar em contato comigo, mais nada, cinco anos e foi isso que eu mereci – acabei me deixando levar pelos sentimentos que ficaram tanto tempo reprimidos, e as palavras saiam duras e ácidas.

A Mione permaneceu calada, mas eu vi que não era isso que ela esperava.

—Não me entenda mal, nós nos dávamos muito bem, nunca brigávamos. Eu era feliz e ela também. Eu fazia tudo ao meu alcance para que ela tivesse a vida que ela sempre quis... pelo menos era o que eu pensava – completei

—Ela nunca te explicou porque fez isso?

—Não, e eu não consegui entender, tudo estava tão bem, ela nunca reclamou de nada. Aquilo acabou comigo, Mione, de um jeito que... – confessei, sem me importar em admitir – eu chorei naquele dia como nunca tinha feito na vida. Claro que não foi fácil quando os meus pais morreram, mas quando ela me deixou foi diferente.

A Hermione apenas me olhava, como se tivesse tentando juntar as peças do mais novo quebra cabeça que eu tinha jogado aos pés dela, mas eu tinha que continuar, agora eu iria até o fim.

—Claro que eu me senti passado para trás com a morte dos meus pais, mas eu sabia que não tinha a ver comigo. Ela indo embora era sobre mim, ela estava me deixando, me abandonando – levei a minha mão ao peito, frisando todas as frases que se relacionavam a mim - eu era a pessoa que não era boa o bastante por alguma razão que ela não teve a decência nem de explicar.

—Eu não sou ela, Ron, jamais faria isso! – a declaração dela soou como um acusação, e eu entendi que ela tomou isso como uma ofensa.

—Eu sei que não, Mione! – nessa hora eu me levantei, ficar parado no lugar estava ficando difícil, precisava me mexer para ver se dissipava um pouco de tudo o que eu estava sentindo – vocês não podiam ser mais diferentes.

Eu respirei fundo antes de chegar no cerne da questão.

—Só que depois disso, eu tomei a decisão de que não me colocaria nessa posição de novo, eu não ia disponibilizar o meu coração para correr esse risco. Por mais que hoje eu veja com mais clareza, naquela época, ela era o meu mundo e quando ela foi embora não sobrou nada.

Ela olhou para mim e eu enxerguei a derrota em seus olhos.

—Então é isso... agora é a parte que você diz que não sobrou nada para me dar em troca – não tinha como ela estar mais errada, e eu me vi quase atravessando a distância que nos separava apenas para colocá-la num abraço apertado e dizer que não era assim, mas eu precisava explicar tudo direito, era a chance que eu tinha.

—Eu achava que era assim, por muito tempo foi, mas ai eu te conheci... – eu vi uma faísca de emoção brilhando naqueles olhos castanhos e não consegui mais ficar tão longe, me alojei no sofá ao lado dela, mesmo que na ponta mais distante, mantendo nossos corpos completamente separados – tantos anos depois de tudo isso, lá estava você, tão bonita, inteligente e viva que eu fui atraído. Eu vivia os meus dias numa existência que já me era habitual, mas eu tenho que confessar que a primeira vez que eu te vi, você parecia tão vibrante, livre e tão certa de tudo o que dizia, a maneira como você se portava... eu quis roubar só um pouquinho daquilo pra mim, só queria sentir um pouco daquela vida.

Ela abriu a boca para dizer alguma coisa, mas eu continuei falando, tudo o que eu mantive preso, não por duas semanas, mas sim por anos, precisava chegar aos ouvidos dela.

—Depois que você aceitou o meu primeiro convite, eu não consegui me desprender... eu sei que ficávamos um bom tempo sem nos falar, mas eu gostava de saber que você estava por perto, a uma ligação de distância, nada mais sério do que alguns encontros, como eu sabia que era o que você queria também. Mas aí eu me peguei pensando em te pedir para ficar, ou em ligar dois dias seguidos, e toda vez o rosto da minha ex esposa aparecia na minha frente, lembrando de como tinha sido. Eu me acostumei com o jeito que as coisas eram, foi uma maneira de não arriscar, pois se você não estivesse de fato do meu lado, não tinha como ir embora, me recusei a abrir uma porta que poderia se fechar de novo na minha cara.

—Você devia ter me dito isso! – ela clamou, exasperada – eu teria entendido.

—Dito? Como, se eu não conseguia nem imaginar dar esse espaço pra ninguém? – eu precisava que ela entendesse que foi mais forte do que eu, lidar com isso era difícil para mim, eu me inclinei para frente, meus dedos, roçando de leve a mão dela que estava apoiada no assento, senti meu coração dar uma pirueta quando ela não negou o contato – Quando você me disse que era tudo ou nada, eu precisei de tempo, mas decidi que era melhor o risco do que ficar longe. Eu sei que me acomodei com a situação, e que demorei tempo demais, mas as coisas foram evoluindo de uma maneira que eu nem percebi... quando dei por mim, você já estava dentro do meu coração e eu nem sabia que ainda tinha alguma porta disponível. Você foi chegando e fez a sua própria chave, já há tanto tempo, e eu tentei ignorar, mas como?

Num arroubo de coragem, eu peguei a mão dela na minha, e me senti feliz ao perceber que os dedos dela estavam tão trêmulos quanto os meus. Ela permanecia me olhando, quase sem piscar, perdida entre o monte de palavras que eu atirava sem nem me importar o quão besta eu podia estar soando, se tinha alguma hora para fazer papel de bobo, era aquela, em que tudo estava em jogo.

—Eu sinto sua falta quando você não está comigo, ciúmes quando imagino que tem outras pessoas à sua volta, quero te ver o tempo todo... e aí eu tentava não fazer as coisas ultrapassarem os limites, porque no fundo eu não queria que você percebesse. Ter a chave do coração de alguém, te dá muito poder e eu estou completamente assustado com isso, eu sei a facilidade que seria para eu voltar a me sentir como da outra vez, nem precisaria de muito.

—Isso não é uma repetição, somos pessoas diferentes – ela repetiu a afirmação, e eu quase sorri quando a outra mão dela veio se encontrar com a minha, assim que ela se virou para ficar completamente de frente para mim.

—São, o que me alivia e aterroriza em partes iguais. Ela era um bebê, uma pessoa para quem eu fazia tudo, você é tão segura e independente, não precisa de mim para nada e fica na minha cabeça “para que ela vai me querer por perto?” – no fim das contas, essa era uma das minhas maiores inseguranças, por boa parte da minha vida, eu fui a pessoa encarregada de cuidar de outros, seja meus pais, a Ginny ou a minha esposa, era natural para mim, mas a Mione nunca teve essa necessidade – aí você vem e me diz que me queria na sua vida e eu entrei em parafuso e... aqui estamos, se você ainda me quiser, eu também te quero.

Eu prendi a respiração, tudo o que eu sentia era o bater frenético e descompassado do meu coração enquanto eu aguardava qualquer reação da parte dela. A Mione baixou a cabeça, desvencilhando as mãos da minha e levando ao rosto.  Eu notei que ela esfregou os olhos, provavelmente se livrando alguma lágrima, o que não me dizia se era um bom ou mau sinal. Aqueles segundos estavam se estendendo ao infinito, e eu quase gritei para que ela dissesse alguma coisa. Não dava realmente para entender como ela tinha aguentado passar por aquela conversa toda comigo, quando eu não disse nada, realmente a minha Mione era feita de material mais forte. Eu já estava imaginando o que poderia dizer para convencê-la de que não era tarde demais além de tudo que eu havia exposto, mas ela finalmente levantou o rosto, a cara era séria, mas eu via o brilho de lágrimas nos olhos dela.

—Eu realmente não preciso de você, Ron – minha mente começou a tocar alarmes, esse discurso não estava indo por um caminho bom – a diferença é que eu quero estar ao seu lado e isso deveria dizer tudo o que você precisa saber

—Mione? – eu tinha entendido direito? Tudo o que eu consegui fazer, foi buscar com os olhos alguma confirmação, pois naquele momento, eu não tinha capacidade de formar sentenças condizentes.

—Ron – ela se aproximou de mim, nossas pernas agora se encostando, ela ergueu a mão e prendeu meu queixo entre os dedos, guiando-o até centímetros do rosto dela – e você tem a chave do meu coração também, o risco é o mesmo.

Não sei o quanto eu fui puxado em direção e ela e o quanto eu me joguei ao seu encontro, o que importava era que eu sentia os lábios dela nos meus, depois do que me pareceu uma eternidade de distância. Desabafos e confissões a parte, aquele beijo tinha um gosto diferente, muito mais autêntico e desprendido de restrições. Era o que eu queria, era o que ela queria, e o mais importante: era o que queríamos juntos. Os centímetros que ainda nos separavam, estavam me incomodando, então, antes que as nossas bocas se desgrudassem, eu a puxei, de modo que ela viesse para o meu colo, de onde ela não sairia tão cedo, se dependesse de mim.


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Notas finais do capítulo

Para o mundo que eu quero descer! Como assim o Ron joga essa bomba em cima da Mione?
E então, o que vocês acharam da situação pelo lado dele? Deu pra ver os sentimentos profundos que o faziam querer ir atrás dela e correr para o outro lado ao mesmo tempo?
E o Ron irmão fofo que tem sempre um abraço esperando quando a Ginny precisa?
Além disso, aqui deu pra ver um pouco da vida dele que não conhecíamos antes: melhores amifos, a empresa e até a secretária mandona que ele tem.
Espero ansiosamente os comentários de vocês, com muuuuuitas opiniões!

Bjus

Crossover: se quiserem ler com detalhes esses encontros entre o Ron e a Ginny, é só não perder nenhum capítulo de DV!