Backstage escrita por Fe Damin


Capítulo 20
Capítulo 20


Notas iniciais do capítulo

Primeiro eu tenho que agradecer pelas palavras lindas que a Helenith escreveu na recomendação de Backstage! Eu fico muito feliz de ver que alguém que, assim como eu, ama tanto esse casal, está gostando da minha história. Você não sabe o quão significativo é saber que estou conseguindo transmitir os sentimentos que tento colocar em cada capítulo, muito obrigada mesmo! E pode deixar que eu vou me esforçar para continuar te matando de ansiedade kkkk

E sobre o capítulo de hoje: minha ansiedade de postá-lo me fez ficar acordada até depois da meia noite só para fazer isso o mais rápido possível, entendam o que quiserem sobre isso....

Espero que gostem :)



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Na sexta feira, eu cheguei ao trabalho um pouco antes do normal, no dia anterior a Dolores havia me dado a incumbência de fazer os relatórios finais que avaliariam de maneira fria e imparcial os resultados do nosso desfile. Era um trabalho enorme e tedioso, porém ela me deu até terça feira para terminar, o jeito era usar cada minuto disponível. Não estava exatamente dentro das minhas obrigações, só que discutir esse tipo de coisa com a minha chefe, seria a mesma coisa que falar com o tronco de uma árvore, então me poupei do esforço.

Eu estava afundada em papeis e arquivos de computador quando o Ced chegou.

—Olá, chefinha. Consegue me escutar por detrás dessa muralha? – ele colocou as mãos em volta da boca fingindo gritar para que eu escutasse.

—Ainda bem que você chegou para me ajudar a escalar essa montanha – não demorei e já repassei várias pastas para ele.

—Nossa chefe é um amor de pessoa, não? Podia muito bem ter pedido isso na semana seguinte ao desfile – a voz dele destilava veneno.

—Você sabe que a cabeça dela não tem lá muita lógica.

—Sempre tão gentil, essa minha amiga... A bruxonilda não tem lógica nenhuma, isso sim. Alguém me responde como ela é a chefe disso aqui?

—Na verdade eu nunca soube como ela chegou à empresa, só sei que trabalha há anos aqui – tentei me lembrar se já havia escutado algum rumor, mas nada me veio à cabeça.

—Um mistério profundo...

Trabalhamos quase sem parar, nem saímos para o almoço, o tempo curto não nos animou a interromper o esforço, já que não estávamos muito dispostos a vir no final de semana. Eu estava perto de ir para casa, o relógio já marcava quase seis da tarde, quando a Dolores irrompeu pela minha sala sem o menor anúncio. Eu me sobressaltei com o barulho da porta batendo.

—Granger, posso saber por que os relatórios não estão na minha mesa? – ela já chegou praticamente latindo, a cara feia me olhava em acusação.

—O que? – a exigência foi tão descabida que eu fiquei sem palavras.

—Não faça essa cara de sonsa, te dei um trabalho, e espero que ele seja cumprido dentro do prazo. Onde estão os resultados?

Ela tinha acabado de me chamar de sonsa e de irresponsável? Sempre que eu estava na presença dessa mulher eu tentava manter a calma, mas ela conseguia ultrapassar as barreiras do aceitável como ninguém. Respirei fundo para não dar, mais uma vez, uma resposta torta, porém ela não esperou nem por isso.

—Vai ficar ai sem dizer nada? Não tem nem desculpas inventadas? – ele levantou a sobrancelha num olhar tão condescendente que foi a gota d’água.

—Você pediu os relatórios para terça, não tenho bola de cristal para saber que você ia ter um piripaque e mudar de ideia – aquela frase inteira ia contra o que eu sou, desde a maneira de falar, até a completa falta de respeito pela minha superiora, mas ela tinha sido tão grossa, que eu não pude me conter.

—Isso é jeito de falar comigo, Granger? Você está colocando essas asinhas de fora, pode voltar para o seu poleiro se não eu dou um jeito de cortá-las!

Agora ela ainda tinha a pachorra de me ameaçar, quando foi ela que chegou me atacando.

—A senhora chega aqui berrando comigo por algo que não tem o menor sentido, e eu tenho que ficar calada?

—A única coisa que a senhorita tem que fazer é me entregar os relatórios que eu pedi.

—Eles serão entregues sim! – bati a mão na mesa e me levantei, cansada de ficar vendo a cara dela me olhando de cima – na terça feira como foi pedido originalmente no e-mail que sua secretária muito gentilmente me mandou – completei quase pulando no pescoço dela.

—O e-mail estava errado, eu preciso disso para hoje.

—Pois então a senhora é bem vinda para terminar, porque eu estou indo para casa.

Eu pretendia ficar mais um tempo adiantando o serviço, mas depois dessa, eu joguei todas as minhas coisas na bolsa enquanto ela me olhava horrorizada.

—Não se atreva a ir embora antes de terminar isso!

—Eu acho que a senhora deveria contratar uma secretária nova, essa parece estar cometendo muitos erros – falei ao passar por ela – até segunda feira.

Encontrei um Ced de olhos arregalados ao sair da minha sala, ele, de maneira muito sábia, não falou nada.

—Pega as suas coisas e me encontra lá embaixo – vociferei sem esperar pela resposta dele.

Entrei com tudo no elevador e fui direto para o meu carro, onde nem dez minutos depois o meu amigo se juntava a mim.

—Eu vou matar aquela mulher, Ced! Matar! – eu apertei as mãos no volante como se estivesse com o pescoço dela entre os dedos.

—Respira fundo, Mi! – ele colocou a mão no meu ombro, sentado na ponta do banco do passageiro.

—Respirar? Você ouviu o que ela falou?

—Eu e o andar todo, provavelmente.

—Essa mulher não tem o menor tato, sair gritando igual a uma louca, e eu nem fiz nada errado! Ela me chamou de sonsa, Ced!

—Você sabe que não é sonsa – ele falou gentilmente, tentando me acalmar.

—Claro que sei! Isso não vem ao caso – passei a mão nos cabelos, parando alguns segundos para colocar ar nos meus pulmões – como ela tem a cara de pau de me pedir hoje um trabalho que é para terça?

—A Jane da administração me contou que ouviu a secretária da bruxa contar para Ivone do almoxarifado que um dos diretores ligou exigindo esse relatório para hoje, ela perdeu o prazo, entende?

Eu não me dei ao trabalho de acompanhar a linha de percurso da informação, apenas a mensagem final.

—E o que eu tenho a ver com isso? Ela faz merda e eu que tenho que escutar? Ela que grite olhando para um espelho.

—Você sabe que a cara de sapo é assim, não se estresse, chefinha! Tem o e-mail comprovando que você está certa.

—Eu sei, Ced... – a lembrança de que eu estava certa e tinha como provar foi o que começou a me acalmar, foquei apenas em inspirar e expirar até eu conseguir sentir meu batimento cardíaco voltando ao normal.

—Passou? – meu amigo me olhava de canto de olho, quase esperando que eu desse um novo ataque.

—Quase... Meu Deus, Ced, eu falei mais do que devia, ela pode me demitir por isso!

—E ter que assumir que fez merda? Não se preocupe, Mi, a última coisa na mente dela é te demitir, até porque quem é que vai terminar esses relatórios, ela? Me poupe.

—Talvez você tenha razão – para me mandar embora ela teria que ter uma justificativa, e eu não ficaria calada a respeito, o mais provável mesmo é que ela ficasse de boca fechada, mas eu não podia sair repetindo meu show de hoje.

—Claro que eu tenho razão! – ele me olhou ofendido, já entrando no seu modo habitual de agir agora que eu tinha retornado ao meu modo normal de ser, a irritação contida em níveis manejáveis – mas eu a-do-rei você dizendo que ela teve um piripaque, arrasou, chefinha!

Ele levantou a mão para que eu batesse em comemoração e acabei rindo junto com ele.

—Na verdade é bem satisfatório gritar na cara daquela mal educada.

—Meu sonho é ter uma oportunidade um dia...

—Um dia você consegue. Obrigada por me escutar e aturar os meus gritos, Ced – agradeci com sinceridade, ele não merecia ser o alvo do meu desabafo.

—Estou sempre às ordens, Mi, Ainda mais se é para falar mal da nossa bruxa favorita.

—Vou para casa agora, e você quer saber o que eu vou fazer quando chegar lá?

—O que? – era tão fácil atiçar a curiosidade dele.

—Ligar para a Martha e dizer que vou fazer o vestido da filha dela, faço a até o dela se precisar! – se meu emprego me dava desgostos como o daquele dia, eu não me sentia nem um pouco culpada de me ocupar com outras coisas.

—Agora sim! Estou gostando de ver.

—Quero ver ela vir reclamar – eu me sentia pronta para qualquer briga, o que não era muito inteligente da minha parte, pois eu tendia a ser teimosa demais quando era desafiada, e ser mandada embora nem seria encarado como o fim do mundo nessa situação, o arrependimento só viria depois.

—Eu já estou vendo, Mi, daqui a pouco você vai ser uma estilista renomada e vai poder deixar essa jararaca fazendo os próprios relatórios, só me leva junto, claro – nós caímos na gargalhada, só de imaginar uma realidade em que a previsão dele fosse verdadeira, mas quem sabe? Se começasse bem...

—Uma coisa de cada vez, deixa eu ir aceitar minha encomenda inicial primeiro.

—Tudo bem, depois me liga pra avisar como foi – ele me abraçou e me deu um beijo na bochecha antes de sair do carro.

Nem bem eu entrei em casa, já fui discando o número da minha futura cliente no celular. Ela ficou muito feliz em receber a noticia de que eu aceitaria o trabalho e marcamos um jantar para discutir os detalhes pertinentes. Como ela estaria ocupada, ficou para segunda a noite. A minha vontade era de sair dando pulinhos pela casa, tamanha era a minha empolgação, mas acabei decidindo por uma opção tão satisfatória quanto.

—Oi, Ron, tenho uma boa notícia! – a animação na minha voz era impossível de mascarar.

—Deixa eu adivinhar, aceitou o trabalho do vestido?

—Como você sabe? – ele tirou o impacto de contar a novidade, mas acabou me surpreendendo por ter quase lido os meus pensamentos.

—Você está com voz de criança que ganhou exatamente tudo o que pediu na lista de natal, tinha que ter algo a ver com roupas – ele explicou brincalhão.

—Pois você está certo! Marquei um jantar na segunda para definir tudo.

—Estou muito feliz por você, Mione, isso merece uma comemoração, seu primeiro cliente!

—Você tem razão, eu nem tinha pensado nisso...

—Passo aí em meia hora, pode ser?

—Pode, onde vamos?

—Eu penso no caminho.

Eu já ia abrir a boca para reclamar, mas ele foi mais rápido.

—A roupa é casual, Mione, não precisa se estressar.

—Quer parar com isso de adivinhar o que eu vou falar? – briguei com ele, mas sem nenhuma convicção.

—Não tenho culpa se eu presto atenção. Ah! E pode já fazer uma malinha que você vem pra cá depois.

—Assim, vou precisar de mais de meia hora – resmunguei.

—Eu espero se precisar.

—Tá bom, até daqui a pouco.

Ele chegou no horário combinado, e teve que esperar alguns minutos enquanto eu terminava de organizar o que eu precisaria levar para a casa dele.

—Pronto, podemos ir – declarei finalmente voltando a sala onde ele se encontrava sentado no sofá.

—Vem cá, deixa eu te dar parabéns direito primeiro – ele se levantou e esticou a mão para que eu me aproximasse, colando os lábios dele aos meus, num beijo longo e profundo – Parabéns – ele sorriu, prendendo os olhos nos meus.

—Obrigada – ele se afastou pegou a minha bolsa e descemos para o carro dele – isso porque eu ainda nem te contei o que me fez decidir aceitar.

—Não vai me dizer que foi o seu queridinho? – ele perguntou de mau gosto.

—Nem de longe.

—Conta então.

—Acho que eu preciso beber alguma coisa primeiro antes de reviver os momentos fortes da minha tarde, aonde vamos?

—Que tal aquele bar que já fomos algumas vezes?

—O que tem música ao vivo? – perguntei tentando lembrar de qual ele estava falando.

—Isso.

—Pode ser.

Sexta a noite não era um horário fácil de conseguir uma mesa em qualquer bar que fosse, mas por algum milagre, não demoramos muito a conseguir sentar. Escolhemos logo algumas coisas para beliscar, e eu pedi uma caipirinha, o Ron decidiu tomar um refrigerante.

—Refrigerante, Ron? – estranhei.

—Eu vim dirigindo, lembra, cabecinha oca? – ele deu uma batidinha na minha testa.

—Poxa, nem me liguei nisso, se não teria sugerido virmos de taxi.

—Não tem problema, eu não me importo, você que precisa beber hoje.

—Está tentando me deixar bêbada, Sr Weasley?

—Longe de mim, gosto muito de você sóbria, apesar de que bêbada eu gosto também – meu coração deu uma pirueta acentuada com as palavras dele, ainda mais ditas baixinho ao meu lado antes de serem completadas com um beijo.

Os nossos pedidos chegaram e eu ataquei sem piedade a minha bebida que estava uma delícia.

—Não é suco, viu! – zombou arregalando os olhos para a minha rapidez.

—Foi só pra relaxar de uma vez – eu ri, fazendo gesto para o garçom trazer outra.

—Desse jeito eu não vou precisar me esforçar para te deixar bêbada.

—Estava fraquinha, e a próxima eu tomo devagar – expliquei, apesar que eu já sentia a sensação de estar ligeiramente mais solta, afinal eu nem tinha comido praticamente nada antes de beber aquele copo.

—Então, me conta como foi o processo de decisão.

Eu relatei todo o episódio com a minha chefe, e me deliciei com a indignação que ele demonstrou por mim.

—Como essa mulher teve a coragem de te chamar de sonsa? É uma vaca mesmo! Ela não podia estar num cargo de chefia, não tem a mínima noção de como gerenciar pessoas – ele estava alterado e eu só conseguia rir da cena.

—Nisso você tem razão, mas ela está lá e pronto, o jeito é engolir.

—Mas cuspindo ocasionalmente umas boas palavras de volta – ele sorriu maldoso.

—Sempre que possível, e justificável, claro, eu não sou nenhuma irresponsável.

—Não mesmo.

A noite continuou com uma lista infinita de insultos à minha chefe e o Ron perguntando mais detalhes de como seria a negociação com a minha nova cliente. Eu ainda estava ponderando o assunto também, mas só saberia como prosseguir depois da nossa primeira reunião da segunda feira. Ele me ofereceu para dar o contato do advogado da empresa dele, caso eu precisasse de ajuda com contrato ou qualquer tipo de coisas legais, o que eu agradeci e aceitei, pois não tinha conhecimento suficiente sobre o assunto.

—Ah, e mais uma coisa – ele colocou a mão por dentro do casaco que estava usando e tirou uma caixinha fina e comprida, entregando para mim – não tive tempo de embrulhar, mas queria te dar um presentinho para comemorar.

—Não precisava, Ron!

Eu abri a caixa e me deparei com uma caneta muito bonita, daquelas que se paga uma boa fortuna para ter e que duram uma vida inteira se bem cuidadas, aliás, até mais de uma vida.

—É linda! Quando você teve tempo de ir atrás disso?

—Era minha na verdade – ele explicou, abri a boca para protestar, mas ele continuou a falar antes que eu tivesse a chance – eu tenho há muito tempo, desde que me formei, ela ficou guardada para que eu assinasse meu primeiro contrato quando conseguisse abrir a minha empresa, que era o que eu sempre quis. E eu consegui, espero que dê a mesma sorte para você.

—Ron... – eu não tinha nem palavras para expressar o quanto esse presente era significativo para mim, mais do que qualquer coisa que ele pudesse ter comprado numa loja.

—Sempre usei para assinar os documentos importantes da minha vida, por isso não está muito novinha – ele se desculpou.

—Isso não importa – me apressei em dizer – mas eu não posso aceitar, Ron, você tem há tanto tempo e é importante.

—Pode sim, e vai. A caneta é minha e eu dou pra quem eu quiser – eu ainda não estava inteiramente convencida – por favor, Hermione – ele fechou a minha mão em volta do objeto e ao escutar o pedido dele, eu acabei cedendo.

Eu queria dizer o quanto aquilo era importante para mim, que ele dividisse um pedacinho da vida dele comigo, queria jogar meus braços e volta dele e reclamar que ele só conseguia me deixar mais apaixonada, mas eu me contive. Ao invés disso, me contentei com um abraço apertado e um beijo, pois se eu abrisse a boca para falar naquele momento, acabaria saindo mais do que eu estava disposta a compartilhar.

Guardei meu presente com todo cuidado na bolsa e iniciei um novo assunto, tentando tirar a força que apertava o meu coração de volta de mim. Já estava tarde quando decidimos ir embora, meus olhos pesados de sono e da moleza que a bebida ajudou a trazer. Por mais que tivesse existido uma parte muito desagradável, no fim das contas aquele dia tinha terminado bem, e seria lembrado pelas partes boas.

No sábado, pedimos almoço e ficamos em casa sem fazer nada, isso é, até a hora que o Ron teve uma ideia.

—Ah! Quase me esqueço que prometi um reencontro seu com o Mário, espera aqui – eu continuei sentada no sofá e ele foi para o escritório dele, voltando com um vídeo game nas mãos e uma caixa onde eu supunha estarem os jogos e os controles.

—Era esse mesmo que eu tinha! – exclamei reconhecendo o console.

—Vamos ver se você ainda é boa, se prepara porque eu sou um campeão praticamente invicto – se gabou todo arrogante.

—Isso é o que você acha!

Ele conectou os cabos à televisão sem nenhum problema, me deu um dos controles e sentou ao meu lado.

—Eu quero o controle colorido – fiz bico pedindo para trocar o meu modelo cinza padrão pelo muito mais bonito azul que ele tinha.

—Funciona igual, Mione – ele revirou os olhos para a minha besteira.

—Se é igual você não vai se importar de ficar com esse aqui, né?

—Mas eu sempre joguei com esse, é o meu – eu sabia que tinha alguma razão, e foi engraçado vê-lo todo protetor com o brinquedo dele.

—Mas esse é tão mais bonito...

—Ai, tá bom, me dá esse, vai – trocamos de controle e eu sorri satisfeita por ter o modelo mais estiloso.

—Ainda bem que o meu não é daqueles transparentes, se não você ia sair correndo atrás dele – zombou.

—Tem transparente? – perguntei interessada.

—Tem, de várias cores.

—Você devia ter um desses – sugeri, séria.

—Esses dois ainda estão bons. Que jogo você quer?

Olhamos a coleção dele, que incluía praticamente todos os jogos do Mário que eu já tinha ouvido falar, e mais um pouco. Acabamos decidindo pelo que descobrimos ser o nosso favorito em comum, onde os personagens disputavam num tipo de jogo de tabuleiro, precisando ganhar vários joguinhos que eu ainda lembrava muito bem como se jogava, impressionante o que a memória retém.

Ele começou ganhando, e eu não gostei nada do sorrisinho convencido que se instalou no rosto dele. Aquele jogo nunca foi de ser jogado de maneira inteiramente limpa, já que envolvia até roubar moedas dos seus amigos, então resolvi dar uma ajudinha a minha causa. Toda vez que era a vez dele de jogar, eu o distraia. Da primeira vez foi com um beijo no pescoço, que fez o bonequinho dele morrer no jogo. Depois eu deslizei a mão pela coxa dele, apertando meus dedos bem próximo à sua virilha na hora que ele tinha que se concentrar para acertar um alvo, que claro ele errou.

—Você quer parar com isso, está roubando – ele pausou o jogo e brigou comigo, que tinha a maior cara de inocente.

—Não estou fazendo nada.

—Aham, só me distraindo! Agora eu não estou mais em primeiro!

—Não seja mal perdedor, Ron – provoquei pegando o queixo dele e estalando um beijo na sua boca.

—Quem não sabe perder aqui é você!

—Não posso fazer nada se tenho um poder de concentração superior.

—Até parece – ele bufou.

Verdade seja dita, éramos ambos péssimos perdedores, mas eu adorava vê-lo frustrado.

—Vou voltar o jogo, mas se você fizer mais alguma gracinha, eu paro de jogar – ele avisou sério.

Foi tudo o que eu precisei ouvir para repedir a dose na primeira chance que o jogo me deu. Nem precisei de muito, apenas me inclinei sobre ele, roçando o nariz na curva do pescoço dele antes de mordiscar a orelha dele. Escutei um suspiro saindo dos lábios dele, seguido de um controle sendo jogado de lado.

—Esse jogo nem está mais tão interessante – ele se virou em minha direção e afundou a boca na minha, decididamente o jogo ficaria esquecido.

A brincadeira que começamos no sofá foi levada para o quarto e no maior sabor de disputa, nos entretemos de uma maneira bem mais prazerosa.

Na segunda feira eu fui trabalhar como se o escândalo da sexta nem tivesse acontecido, e fiquei satisfeita ao ver que a Dolores fez o mesmo. Saí de lá direto para o restaurante em que eu tinha marcado a reunião com a Martha. Felizmente eu cheguei primeiro e a esperei sentada na mesa que eu havia reservado. Ela chegou pontualmente no horário marcado, nos apresentamos novamente, afinal estávamos nos falando pela primeira vez em pessoa, e pedimos a comida antes de começar a discutir o assunto que nos levara até ali.

—Estou muito contente que você aceitou, Hermione – ela sorriu simpática, no pouco que já havíamos conversado, eu tinha tido uma boa impressão dela.

—Eu também, Martha, mas preciso que você entenda que eu tenho um trabalho regular e só vou poder me dedicar a esse projeto fora desse horário, então vai ser impossível encontrar comigo no horário comercial normal.

—Tudo bem, querida, eu sei como vai ser.

—Eu vou me esforçar para terminar o mais rápido possível, e eu conheço algumas costureiras maravilhosas que podem fazer um trabalho perfeito em conjunto com o design.

—Ótimo.

—O que eu preciso primeiro é saber a data da festa e marcar um encontro com a sua filha, para avaliar detalhadamente o que ela quer e o que fica melhor no perfil dela.

—A festa é daqui a quatro meses.

—Temos um bom tempo então, vai dar e sobrar – respondi satisfeita.

—E nós podemos marcar logo a reunião com a minha filha, poderia ser num sábado?

—Seria muito bom, assim pode ser de dia.

—Essa semana não vai dar, pois vamos fazer uma viagem no final de semana, mas que tal o próximo? – eu concordei – poderia ser lá pelas três da tarde na nossa casa se não for incômodo.

—De maneira alguma – ela me passou o endereço e eu anotei juntamente com a data no calendário do celular.

Concordamos que eu daria o orçamento do trabalho assim que eu me certificasse exatamente do que a filha dela queria, pois eu precisava saber os tipos de tecido que teriam que ser comprado e tudo o mais. O resto do nosso jantar foi passado conversando amenidades e nos despedimos me deixando com a sensação boa de que a noite havia sido um sucesso.

Cheguei em casa e fui direto tomar um banho, eu precisava tirar o peso daquele dia de cima de mim. Me joguei na cama, já me preparando para dormir. Ao checar o celular antes de coloca-lo para carregar, eu vi que tinha uma mensagem do Ron.

“E aí, como foi o seu primeiro jantar de negócios?”

“Tranquila, já agendei de encontrar com a filha dela, estou animada ;)”

Trocamos mais algumas mensagens antes que eu apagasse a última luz do quarto e fosse dormir.

No dia seguinte, a fatídica terça em que eu tinha que entregar os relatórios, eu cheguei bem cedo para ter certeza de que eu já estaria lá, prontinha para jogá-los na cara da Dolores quando ela chegasse. Cinco minutos depois que ela chegou, eu entrei na sala dela, tão sem anúncio como ela fez alguns dias antes comigo, porém com muito mais educação e classe.

—Aqui estão os relatórios, qualquer dúvida eu estarei na minha sala - depositei a pilha de papel sobre a mesa dela, que permaneceu calada pela duração do nosso encontro.

Não vendo motivo para prolongar aquela cena, dei meia volta e sai triunfante por ter conseguido deixar a bruxa sem palavras, fato quase inédito.

—Jogou os papéis na cara dela? - o Ced quis saber.

—Isso está bem abaixo de mim, Ced - respondi empinando o nariz.

—Não custa sonhar… Ela bem que merecia.

—Ela vai ser lembrada por usar aquele suéter horrível pelo resto da vida, já é alguma coisa, Certo? - brinquei.

—Como a mulher trabalha numa empresa de moda e me aparece com aquilo? Devia ter algum tipo de regra que nos poupasse o sofrimento!

—Mais um mistério para sua coleção.

—Detesto mistérios, já falei? - ele perguntou de cara feia.

—Do jeito que você adora uma fofoca, dá para imaginar…

—Sou apenas bem informado - ele deu de ombros – aliás, eu te contei que a Tânia do marketing escutou a Rebecca lá da criação reclamado que a dondoca deu o maior piti na última reunião do departamento? - o sorriso dele era tão maldoso que era difícil saber se a notícia era boa ou ruim na opinião dele.

—Que estranho, ela não me parece do tipo que sai gritando… Deve ter dado alguma coisa errada - ponderei.

—Quer parar de defender essa mulher? - ele revirou os olhos, exasperado.

—Não estou defendendo, apenas disposta a avaliar as informações, eu nunca a vi nem nervosa.

—Tá bom, tá bom - ele balançou a mão dispensando o assunto - eu descubro sobre o que foi o piti e depois a gente continua esse tópico.

Na tarde seguinte, eu me lembrei que faltava menos de uma semana para o aniversário do Ginny, então estava na hora de pensar em um presente adequado. Na maioria dos anos, eu a presenteava com alguma peça de roupa, ou algum acessório, o que eu sabia que agradava. Como eu não tinha muitas outras ideias sobre o que a minha amiga gostaria de ganhar, já que os interesses dela eram bem específicos – ossos, hospitais, cirurgias e o Harry ultimamente – eu preferia não arriscar e acabar escolhendo algo que ela não se interessaria.

Acabei decidindo escolher para ela entre os modelos do nosso desfile, várias provas preliminares eram feitas e acabavam sendo disponibilizados entre os funcionários. Eu só precisava achar algo com a cara e o número dela. O bom humor no qual eu me encontrava, acabou me fazendo cometer a loucura de chamar o Ced para vir comigo.

—Ced, eu vou escolher um presente para a Ginny, quer vir comigo?

—Suas palavras são música aos meus ouvidos, chefinha! – ele levantou da sua cadeira e, num piscar de olhos, estava ao meu lado – vamos ao país das maravilhas? – perguntou todo animado ao se referir ao local onde eram armazenados os modelitos.

—Exatamente – o sorriso dele deu a volta na Lua com a notícia – mas temos que ser rápidos, tenho muito o que fazer ainda hoje.

—Tudo bem, a gente corre para a Rainha de copas não cortar nossas cabeças depois.

Passamos pelos corredores infinitos, até chegar à sala imensa que era praticamente um paraíso para nós. A Nancy, que era a responsável pelo local e as vendas internas, veio nos cumprimentar toda satisfeita, pois sabia que a nossa dupla sempre era garantia de “se livrar” de alguns dos produtos, já que eles não eram colocados a venda nas lojas tradicionais.

—O que vai ser hoje, Mione?

—Presente de aniversário para uma amiga – respondi.

—Qual o número – eu falei e ela apontou para a fileira adequada - fiquem à vontade, quando escolherem é só me chamar.

Era uma sequência bem grande de roupas, variando entre todos os tipo, mas eu estava mais inclinada por um vestido, como falei para o Ced. Demos uma olhada geral, depois começamos a considerar as opções.

—Que tal esse, Mi? – ela um vestido casual, muito bonito, mas nem de longe o ideal.

—Laranja, Ced? Ela é ruiva, esqueceu? – olhei para ele como se estivesse perdido a cabeça.

—Ai, Jesus! É mesmo! O presente é da Srta Incendinho, laranja está super fora do adequado, tão fora que não está mais nem nessa conversa – ele encaixou o cabide de volta e continuamos a procurar.

—Eu gostei tanto desse – gemi me abraçando à um vestido xadrez de mangas longas estilo vintage. Ele tinha todo o charme clássico do estilo, acinturado com a saia ampla, terminando lodo acima do joelho, perfeito para o inverno.

—Devo lembrar que o presente não é para você? Para de olhar na sua numeração!

—Eu sei... acho que a Gin nem ia gostar desse aqui, nunca a vi de xadrez, mas eu estou de olho nele desde que vi o primeiro desenho – minha mão ainda estava agarrada ao tecido, e meus olhos se recusavam a quebrar o contato, porém eu tinha um presente para escolher.

—Volta pra cá e me ajuda a olhar – ele exigiu.

Alguns minutos e vários debates depois, eu tinha o vencedor.

—Vai ser esse aqui! Tenho certeza que combina com ela, as estampas geométricas, o comprimentos, a cor, tudo!

—Escolheu bem, chefinha, esse foi um dos mais bem avaliados e não está nem perto de ser laranja – nós rimos com a gafe que ele cometeu mais cedo.

—Vou avisar a Nancy que já escolhi.

Caminhei até a sala dela que ficava ao lado, deixando o meu amigo se divertir mais um pouco no “país das maravilhas”

—Vou levar esse aqui, Nancy – coloquei o vestido nas mãos dela para que desse baixa no estoque e me passasse o preço.

—Um dos melhores, não? – eu assenti.

—O pagamento como sempre – expliquei, me referindo à facilidade que os empregados tinham de serem debitados direto no salário, além do desconto maravilhoso.

—Faz tempo que você não vem pegar nada de “brinde”, esse vai sem pagar.

—Não mesmo, Nancy, é presente, vou me sentir mal se não pagar o que devo.

Era comum que alguns dos funcionários mais antigos e nos escalões mais altos, ganhassem peças da nossa coleção, até porque era uma ótima propaganda. Por sorte, eu estava entre os selecionados, mas me continha com as escolhas, pois não achava justo simplesmente abastecer meu guarda-roupa sem pagar, como muitos dos meus colegas faziam.

—Então pode voltar lá e escolher um! – ela apontou para a porta.

—Outro dia eu volto, Nancy.

—Esse outro dia vira nunca, fico esquecida aqui – ela reclamou, fazendo drama digno do Ced.

—Ai, Chefinha tira logo a Nancy do sofrimento – nem percebi o meu amigo se aproximando e parando ao meu lado – leva logo esse.

Ele colocou o vestido xadrez nas minhas mãos, e foi impossível conter a vontade de tê-lo para mim.

—Ela estava babando nesse, Nana – ele disse em tom conspiratório.

—Só tem esse, fizeram só um, e é o seu tamanho, um sinal! – ela me encorajou.

—Tá bom, tá bom, vou levar – respondi como se fosse uma dificuldade muito grande para mim, mas meu sorriso dizia o contrário.

O Ron estava muito ocupado com um trabalho que deu errado durante a semana e precisava ser entregue até a quarta da semana seguinte, então nos falamos apenas pelo telefone. Dessa vez ele precisava de mais do que apenas o notebook para trabalhar, então não pode ir até a minha casa, e eu decidi não incomodar, até porque ele não estaria sozinho. Alguns dos funcionários dele estariam acompanhando o projeto que precisava de toda a ajuda possível para ser completado. Estranhei a distância nos dias que passaram a significar uma proximidade entre nós, mas me distraí da melhor maneira que pude.

No dia do aniversário da Ginny, terça feira, eu coloquei o despertador para um horário mais cedo do que o de costume, pois queria encontrar a minha amiga antes que ela saísse de casa. Um pouco depois da cinco da manhã eu bati na porta dela, parabenizando-a e entregando o presente que eu havia escolhido. Eu perguntei como havia sido a comemoração do aniversário do Harry e ela me contou que o Ced foi excepcional na escolha, prometi contar a ele, mas fiz uma nota mental para pensar no assunto mais tarde, ele não precisava de nada para inflar mais aquele ego. Acabei ficando para tomar café da manhã com ela o que me fez chegar um pouco mais tarde do que o normal na empresa, mas não me importei nem um pouco, ainda estava adiantada.

Naquele dia fomos informados de que o departamento de marketing estava organizando um ensaio fotográfico com as melhores modelos e roupas do desfile para lançar as propagandas. O evento aconteceria no dia seguinte em uma das nossas salas, que funcionava como um estúdio permanente.

—Ótimo, mais uma chuva de modelos por aqui... pensei que tínhamos nos livrados dessas – o Ced reclamou ao sairmos da reunião.

—Posso saber como você não gosta de modelos? Você trabalha com moda!

—Não é das modelos que eu não gosto, individualmente são ótimas pessoas, mas você já viu um bando delas? Minha vontade é correr pro outro lado – completou, com um olhar aterrorizado.

—Isso é só porque elas sempre querem te agarrar – zombei.

—O que posso fazer se nasci com essa cara tão linda? Elas que se contentem em olhar – o tom convencido deu as caras com força.

Mas foi exatamente como o Ced previu, na quarta feira o andar do escritório foi povoado por várias modelos, mudando bastante a dinâmica do ambiente. Ele era conhecido da maioria delas, então veio correndo se refugiar na minha sala assim que elas chegaram. Ficamos conversando quase até o fim do expediente.

—To te achando meio tristinha hoje, Mi, porque isso?

—Impressão sua – dei de ombros, eu não estava triste, de verdade, era apenas uma pontadinha de melancolia, fazia muitos dias que eu não via o Ron.

—Ta com saudade do seu Ronald, né?

—Um pouco, ele esteve muito ocupado esses dias...

—Sabe o que melhoraria isso?

—O que? – ele conseguiu a minha atenção, por mais que eu tivesse certeza de que não era nada que eu gostaria de fazer.

—Ir atrás dele, dizer como você se sente e ser feliz!

—Lá vem você de novo, ainda..

—Ainda não! – ele me interrompeu – sempre é ainda não, e quando vai ser o agora, Mi? Vai esperar alguém aparecer do nada e chamar a atenção dele?

—Não! – respondi ríspida, só a ideia já me afundava o estômago.

—Do meu ponto de vista, você já passou do período de espera, para o de marcar bobeira – a sinceridade às vezes machucava, e naquele caso irritou.

—Pois o seu ponto de vista precisa de óculos. – eu me levantei, querendo encerrar aquele assunto – termina de preencher essas requisições, eu vou tomar um café – deixei bem claro que não era para ele me acompanhar.

Saí no corredor e fui pisando forte até a máquina de café, onde encontrei a última pessoa que eu queria ver com aqueles pensamentos rondando a minha cabeça.

—Srta Granger, que bom te ver de novo! – a loira toda animada veio me cumprimentar com um abraço e dois beijinhos.

—Oi, Sasha, como vai? – respirei fundo mentalmente, me forçando a deixar minhas besteiras de lado e ser simpática, afinal a garota não tinha feito nada para mim.

—Tudo ótimo, a sessão de fotos foi incrível... – ela ficou mais algum tempo tagarelando sobre a tarde e eu respondi em monossílabos quando me pareceu necessário.

Eu achei que tinha encontrado uma brecha para voltar à minha sala e me livrar dela, quando a garota me perguntou.

—Ah, eu queria te pedir uma coisa, você tem o telefone daquele ruivo que eu conheci no desfile? O nome dele é...

—Eu sei o nome dele! – respondi afrontada, como ela tinha a cara de pau de me pedir o telefone dele? Claro que eu me dei conta de que não tinha como ela saber que existia algo entre nós, mas mesmo assim!

—Ai, que ótimo! Eu acabei não tendo tempo de perguntar, e como vi que vocês se conheciam, sabia que você era a pessoa certa para pedir! –ela sorriu toda empolgada, e a minha cara só se fechou mais – e então, você tem o telefone?

—Tenho.

—Pode dizer - ela puxou o celular.

—Não vou dizer nada, ele não está disponível! – eu quase gritei a última frase e tive tempo apenas de ver os olhos dela dobrando de tamanho antes de me afastar bufando para longe dali.

Eu não sabia se era a saudade que estava sentindo dele, ou as palavras que o Ced tinha me dito há pouco, mas aquela cena me perturbou profundamente. O desplante daquela garota em vir me pedir o telefone dele! Ela não tinha nem que estar pensando nele. Eu me senti de novo no meio do ciúme que me afogou durante o desfile, por mais que eu soubesse ser infundado, mas o Ced estava certo! Já tinha se passado praticamente um mês, eu ia esperar alguém aparecer e tomar o lugar que eu queria pra mim? Não mesmo! A decisão finalmente foi tomada, e eu era teimosa o bastante para não voltar atrás nessas resoluções. Entrei na minha sala com cara de poucos amigos e passei a mão na minha bolsa.

—Que cara é essa? – o Ced perguntou com cautela, e eu nem respondi – já está indo embora?

—Já, já são cinco horas.

—Vai aonde?

—Resolver um assunto – respondi sucinta e determinada.

—Ai meu Deus, ai meu Deus, ai meu Deeeeeus! É o que eu estou pensando? – ele literalmente pulou da cadeira, e abriu a boca para provavelmente continuar com perguntas.

—Agora não, Ced, depois eu te conto preciso ir, não quero mudar de ideia – ele assentiu calado, e eu fui embora, traçando os passos do que eu esperava ser um dia que terminaria bem.

Passei o caminho inteiro com o estômago se revirando e o pulso acelerado, eu não tinha ideia de como fazer aquilo, apenas sentia que era o necessário. Entre o que tínhamos no começo da nossa relação e aonde chegamos, havia um longo caminho que para mim não tinha mais volta, ou chegaríamos a algum lugar, ou eu abandonaria a estrada, o que não dava era para continuar vagando sem rumo. Meu coração batia apertado de pensar na possibilidade de receber uma resposta negativa, mas a esperança começou a ganhar espaço, principalmente ao relembrar todas as ações dele dos últimos tempos.

Eu não me lembrava de me sentir tão nervosa e ansiosa para tocar a campainha da casa do Ron antes, era a iminência de uma mudança, fosse ela boa ou ruim, que me manteve alguns segundos encarando a porta antes de finalmente tomar a última dose de coragem e pressionar o botão. Não demorou muito para escutar os passos dele e vê-lo abrir a porta, vestindo apenas um shorts e uma blusa surrada e abrindo o sorriso, que sempre me derretia, quando viu que era eu.

—Oi, Mione eu ia te ligar para vir aqui mais tarde, você foi mais rápida – eu entrei sem dizer nada, toda a minha concentração voltada para a tarefa difícil que eu tinha pela frente.

Se eu parasse para pensar muito, era possível que a minha coragem desse as mãos à teimosia e me abandonassem sem aviso prévio, me deixando apenas com a incerteza que não seria uma companheira suficientemente boa para conseguir expulsar do campo dos pensamentos, as palavras que precisavam ser ditas já há um bom tempo. Eu estava tão deslocada naquela posição que não sabia nem onde ficar. Uma conversa assim se tem sentado no sofá? Em pé? Não existia manual para isso. Na minha hesitação, acabei ficando parada no meio da sala e ele, obviamente estranhou.

—Não vai nem me dar um oi direito? – ele me abraçou, e eu me perdi nos seus lábios, saboreando o gosto do que eu teria para mim, ou não teria mais.

—Ron, precisamos conversar – eu disse séria colocando a mão no peito dele para me afastar, eu não ia esperar, tinha que ser agora.

Ele me olhou desconfiado, franzindo as sobrancelhas, provavelmente sentindo que tinha algo de diferente em mim naquela noite.

—Pode ser depois de comermos alguma coisa? Cheguei agora há pouco de uma reunião e ainda não comi, podemos pedir algo - talvez fosse impressão minha, mas ele pareceu querer se esquivar, o que já não me soou como um bom sinal.

—Não, Ron, não dá pra esperar.

O mero pensamento de passar pelo ritual de escolher a comida, esperá-la chegar e remoer tudo o que eu estava sentindo durante uma refeição inteira, me deu vontade de rir, aquele tipo de riso histérico que não carregam nenhuma gota de felicidade. Eu não conseguiria nem fingir estar interessada pela comida, a minha garganta já estava entalada demais com tudo que eu ainda não tinha dito, engolir qualquer coisa ia precisar de tempo.

Novamente ele parecia meio ressabiado com a minha reação, até porque em todos esses anos em que nos conhecíamos, foram poucas as vezes em que ele escutou uma negativa de mim. A superficialidade do que tínhamos até pouco tempo, nunca deu espaço para questões que precisariam dessa resposta, principalmente no tom seco que utilizei.

—Tenho que me preocupar com essa conversa? - ele tentou fazer uma gracinha, se aproximando novamente de mim.

—Não sei - fui sincera, passei a língua nos lábios numa tentativa de amenizar a secura da minha boca.

—Como não sabe? - alarmado, assim eu definiria a expressão dele ao me indagar.

—Não sei porque vai depender de você, não de mim - a minha cabeça já estava decidida em relação ao que queria e ao que devia fazer, a parte difícil seria executar tudo, o papel principal no desenrolar dessa noite repousava nas costas dele.

—Quanto mistério! - ele zombou, e eu me segurei para não dizer que aquele era um momento para tudo, menos brincadeira, mas eu estaria sendo injusta, pois ele nem sabia do que eu tinha vindo tratar.

—Essa é a questão, sem mais mistérios - ensaiei um sorriso, que não saiu muito convincente, porém ele pareceu ficar um pouco menos tenso ao ver uma quebra no meu rosto, tão sério desde a chegada.

—Agora você conseguiu fisgar direitinho a minha atenção, vem – ele puxou a minha mão e nos guiou até o sofá.

Eu não ia conseguir manter a compostura e a perseverança se estivesse grudada a ele, já era penoso o suficiente ter que apostar as minhas fichas em uma carta que podia nem estar no baralho, não havia necessidade de passar por isso sentindo o braço dele enlaçando o meu pescoço, e o seu perfume, já meu velho conhecido, distraindo os meus pensamentos, portanto eu me desvencilhei do abraço e me sentei mais para a ponta do sofá, me virando de frente para ele.

—Então, o que é tão importante e misterioso que não pode esperar nem um lanchinho? - ele me encarou atentamente.

Quem falou que o primeiro passo era o mais difícil realmente sabia das coisas, pois naquele momento em que nos encontrávamos frente a frente, tudo pronto para iniciar minha lista de confissões e petições, eu simplesmente não via a maneira certa de começar. Senti as minhas mãos frias, as palavras parecendo flutuar a minha volta sem terem um sentido lógico. Talvez eu devesse ter pensado melhor, ensaiado alguma coisa, mas já era tarde para isso. Eu tinha vindo despreparada, carregada pelo impulso de resolver tudo, o jeito seria improvisar e torcer para sair certo, mas eu não era boa nisso, acabei optando pela sinceridade.

—Eu não sei por onde começar - confessei baixinho, meus olhos grudados nas minhas mãos em meu colo, incapazes de encontrar as aqueles olhos azuis que me encaravam.

—Do começo? Sempre ouvi dizer que era a melhor maneira – ele brincou.

—E quando foi o começo? Também não sei, Ron.

Quando tudo começou a mudar? Eu não tinha um registro preciso, nada que traçasse uma linha divisória entre o que eu queria antes e o que queria agora. Era isso que eu tinha que explicar a ele, fazê-lo entender que houve uma mudança no que eu sentia.

—Não entendi, sobre o que você quer conversar?

—Sobre você e eu – declarei quase num fôlego só.

No final das contas se resumia a duas palavras, ele e eu, esse era o assunto delicado que eu precisava tratar, esperando que no fim restasse apenas uma palavra: nós. Contudo ele não pareceu nem um pouco animado com o assunto.

—Pra que você quer falar sobre isso? – ele soou confuso, mas eu notei um tom de nervosismo na voz dele.

Eu gostaria de pensar que foi a tensão do momento, a culpada por inflamar o meu ânimo.  Eu cheguei ansiosa, porém determinada a conduzir as coisas de maneira tranquila, afinal eu não queria transformar tudo em um embate, mas acabei me irritando com o descaso dele sobre o assunto e levei a conversa para um tom que eu não esperava, nada estava saindo como eu pretendia.

—Eu quero falar sobre isso porque nos conhecemos há muito tempo e as coisas não são mais como eram, não é Ron? – minha voz foi aumentando de volume conforme a adrenalina surtia efeito.

—Não exatamente - ele concedeu.

—Para mim não é o mesmo - declarei - há cinco anos, te ver de vez em quando era normal, a gente só se divertia e estava tudo bem.

—Não está mais?

—Não é isso! Nos vemos com mais frequência agora e…. - esse era o momento em que eu tinha que dizer o quanto gostava dessa nossa nova configuração, de como eu queria que houvesse uma evolução ainda maior a partir dali, mas no instante em que eu hesitei para juntar as palavras, ele me interrompeu.

—Se você quiser diminuir as visitas, é só dizer - ele usou um tom tão clínico naquela declaração que eu quase senti no peito a frieza das palavras, fazendo um conjunto perfeito com o olhar afiado.

—Quer me deixar falar? - vociferei, revoltada, ao mesmo tempo que magoada, com a conclusão absurda ao qual ele tinha chegado - Está tudo bem, bem até demais, eu gosto dessa proximidade.

—Então pra que essa conversa? – ele levantou a voz soando ríspido e foi o que precisava para quebrar de vez o restante da minha calma e complacência.

—Pra que? Porque pra mim já deu, Ron! – eu levantei, encarando-o de cima, não aguentando mais ficar parada - Você nunca fala nada sobre nós, sobre o que é a nossa relação e ficar calada não está funcionando mais para mim, eu preciso ter uma imagem real do que temos, e colocar tudo em pratos limpos.

Esperei um pouco, para ver o que ele teria dizer, mas ele parecia estar petrificado no assento, me olhando como se nunca tivesse me visto na vida, as mãos apertando os joelhos e a expressão inescrutável no rosto. Aquilo só alimentou mais ainda as minhas palavras que saiam atropelando umas as outras.

—Pelo jeito você perdeu a língua por um momento, então eu falo - disse de maneira caustica - o fato é que eu não sou mais aquela menina que só queria se divertir. Foram 5 anos de festa e eu percebi que gosto demais de você para as coisas continuarem só nisso, não chegamos a lugar nenhum, então antes que se passem mais 5 anos e eu me arrependa da década que eu desperdicei sem ir atrás do que eu queria, eu vou te dizer tudo o que preciso.

Olhei para cima, me dando alguns momentos de interrupção da pressão que eu sentia ao encarar os olhos silenciosos dele. Eu precisava me acalmar também, acabei me exaltando demais e jogando tudo em cima dele sem realmente explicar nada. Tentei ignorar a falta de resposta da pessoa a minha frente e continuar, respirei fundo e recomecei, tentando ser mais delicada.

—Eu me apeguei, me apaixonei por tudo o que temos, mas eu não me apaixonei sozinha - eu não consegui dizer com todas as letras que tinha me apaixonado por ele, mas por hora ia ter que ser o suficiente, minha necessidade agora era de deixar bem claro que eu não tinha sido a única responsável por esse resultado, não tinha sido apenas eu que tinha quebrado as regras, não sozinha.

—Tenho certeza que metade do tempo você nem presta atenção no que fala ou nas coisas que faz, mas eu noto. Percebi cada palavra gentil, cada elogio, cada momento em que você se preocupou ou de desdobrou para me fazer sorrir, todas as vezes que você me pediu para ficar e os olhares de decepção quando eu ia embora. E aí eu me acostumei a esperar sua presença e querer estar perto. Então se eu estou aqui te dizendo tudo isso, você não pode se isentar da sua participação.

Isso era muito mais do que eu pretendia revelar, abri uma fenda grande na armadura com a qual eu tinha, inconscientemente, protegido o meu coração por todo esse tempo. Mas eu estava no tudo ou nada, se tinha uma hora apropriada para isso era agora.

—Depois de experimentar o que é estar tão perto, eu não consigo mais olhar para trás - continuei, esquecendo por um momento de que ele continuava como uma estátua - então eu preciso dizer de uma vez que ou você me assegura que a nossa relação pode realmente evoluir para uma que tenha futuro, ou eu não vou mais estar a sua disposição e ficar esperando. Eu adoro o que temos, Ron, mas não é mais o suficiente, eu não sei mais viver de meios termos. Você é um bom homem, uma pessoa maravilhosa, mas se a possibilidade de existir um “nós” no futuro for nula, é assim que vai ser.

Eu não contava com uma resposta instantânea, mas esperava ao menos uma reação, e não foi o que consegui, ele não mostrava indícios de que ia falar nada, e aquilo me magoou. O silencio estava opressivo aos meus ouvidos, então continuei a fim de preencher o vazio das palavras que ele não disse.

—Eu não estou te pedindo em casamento ou juras de amor, nem estou te pedindo para me colocar no topo da sua lista, eu sei que esse lugar é da sua irmã, entendo que a relação de vocês é muito especial, o que eu quero é pelo menos ter o meu nome na lista – parei novamente, recuperando o fôlego e tentando conter a vontade de andar de um lado para o outro, a tranquilidade que eu quis tanto passar, novamente esquecida.

Fiquei ainda mais alguns segundos calada, tentando dar oportunidade para ele dizer alguma coisa, mas ele continuou mudo e as minhas esperanças de que ele se manifestasse foram começando a murchar, o que não aconteceu sem uma boa dose de aperto no meu coração.

—Não vou me desculpar por isso, se você acha que eu estou sendo injusta, eu lamento, mas passei da época de que me encontrar com o irmão gato da minha vizinha esporadicamente era o suficiente – pronto, eu tinha colocado todas as cartas na mesa, falei como me sentia e que precisava da certeza de que havia um futuro, não havia mais nada a dizer, era a hora em que ele deveria reagir, demonstrar pelo menos que estava me escutando. Fiquei o encarando, ainda esperando que ele fosse abrir aquela boca que continuava apertada quase como um risco.

—Nem uma palavra, Ron? – eu insisti com a voz quase não saindo, eu estava pedindo qualquer fiapo de resposta e ele não disse nada. Eu cansei.

—A decisão é sua – declarei - não sei que bloqueios rondam a sua cabeça, mas se você conseguir contorna-los e chegar a uma decisão sabe onde me encontrar, só não vou esperar pra sempre.

Não existe despedida quando você leva um coração cheio de esperança e sai derrotado pelo peso do silêncio, por isso apenas me virei e fui embora, não dava para continuar ali assistindo enquanto nada acontecia. Ele não me chamou, não hesitou, permaneceu exatamente no local onde estava, e eu já não queria mais ver a cara dele. No fundo, eu esperava nem sair dali naquela noite, e agora, não só estava partindo, como foi bem pior do que eu imaginei. Eu tinha cenários na minha mente onde tudo dava certo, alternativas mais obscuras onde ele não conseguia se decidir no momento, ou me dizia que não era o que ele queria, mas nem a última opção seria tão doída quanto colocar tudo o que eu tinha a dizer para fora e não receber nada de volta.

Cinco anos e eu não merecia uma mísera palavra.


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Notas finais do capítulo

Eu tenho tantos comentários sobre esse capítulo, afinal muita coisa aconteceu, mas toda vez que chego ao final, fico tão sem rumo quanto a Mione....
Ela finalmente disse tudo o que tinha para ser dito! O que vocês acharam da razão que a levou a isso?
E sobre o real problema desse capítulo: o Ron não disse NADA! Alguém ai esperava por isso? O que será que isso quer dizer? E mais importante ainda: como os dois vão agir depois disso?
Estou doida para saber a opinião de vocês, além das teorias para os próximos capítulos, não deixem de me contar nos comentários ;)

Bjus

Crossover: esse capítulo mostra a Mione escolhendo o presente de aniversário da Ginny e indo entregar, para saber mais sobre a conversa das duas, não deixe de ler o capítulo de DV!