O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 51
Capítulo 51


Notas iniciais do capítulo

Continuando...



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Por Henutmire

 

Deixo o quarto de Uri juntamente com Mayra, que segura firmemente minha mão direita, enquanto a esquerda repousa suavemente sobre meu ventre. Conforme me afasto, os soluços de choro de minhas filhas se tornam menos nítidos. Neste momento não a nada que eu possa fazer por elas, a não ser permitir que chorem por seu irmão. O clamor das ruas também parece silenciar-se aos poucos, mas a verdade é que estou conseguindo torná-lo menos intenso dentro de mim. Meu coração chora a perda de cada primogênito, mas é um lamento que agora só eu mesma posso escutar.

 

—Meu irmão... — Mayra pronuncia ao deter seus passos subitamente. — Ele está morto.

 

—Infelizmente sim, minha menina. — Falo com pesar. — Você quer ir até ele? Se sim, eu irei com você.

 

—Não, tia. — Ela recusa, para minha surpresa. — Não quero que a última imagem que eu tenha de meu irmão seja a de um corpo sem vida.

 

—Ele amava você, do seu jeito torto mas amava. — Afirmo e isso faz a menina sorrir.

 

—É o meu pai. — Mayra diz ao ver Ramsés vindo pelo corredor em nossa direção. Seus passos são lentos, seu semblante é triste como jamais antes eu vi. Seus olhos parecem carregar imenso pesar. Ele fica frente a mim e a sua filha, olhando-nos em silêncio por alguns instantes.

 

—Não sabia que era possível sofrer tanto. — Meu irmão diz com voz trêmula. — Você e todos estavam certos ao dizer que quando eu sofresse uma grande e dolorosa perda iria reconhecer o tamanho do meu erro.

 

—Sinto muito, meu irmão. — Eu o abraço.

 

—Eu perdi meu filho, Henutmire. — Ele fala, rendido a meu abraço, e não preciso olhar em seu rosto para saber que lágrimas tomam seus olhos. — Perdi o meu primogênito, o meu menino. — Ramsés se afasta e me olha. — Todos me alertaram, mas fui cego demais para ver o que estava claro a minha frente. Agora, Amenhotep está morto e o único culpado disso sou eu.

 

—A dor transforma as pessoas e eu espero que a sua te transforme em uma pessoa melhor do que a que foi até aqui. — Falo com sinceridade e trago Mayra para junto de mim. — Aprenda a olhar melhor os que estão a sua volta. Você perdeu seu filho, mas ainda tem sua filha.

 

—Você tem razão. — Meu irmão então se ajoelha e abre os braços para a filha, que no mesmo instante se deixa envolver por eles. — Eu ainda tenho minha menina, aquela que também é parte de mim neste mundo.

 

—Eu te amo, papai. — A menina fala com doçura, o que deixa Ramsés ainda mais emotivo. — Apesar de tudo, eu amo o senhor.

 

—Eu também a amo, minha filha. — Ele sorri para ela quando o abraço se desfaz. Em seguida, se coloca de pé e olha firmemente para mim. — Eu sei o que seu coração deseja.

 

—Não entendo. — Me mostro confusa.

 

—Deixei os hebreus partirem e jamais poderia ignorar que entre eles está o homem que você ama. — Suas palavras me deixam em silêncio, enquanto seu olhar não se desvia de mim. — Eu sei que quer ir com eles, que quer começar uma nova vida ao lado de seu marido, de seu filho.

 

—Mentiria se dissesse que não é este o meu desejo. — Eu o olho, mostrando toda a minha transparência diante dele. — Eu já não sinto que pertenço a este lugar.

 

—Vá, Henutmire. — Ramsés diz de uma forma que me faz duvidar do que acabo de ouvir. — Se é o que seu coração deseja, pegue suas filhas e vá com os hebreus.

 

—Está falando sério, Ramsés? — Pergunto, incrédula.

 

—Eu não posso mais prender você, não posso mais mantê-la longe de um dos motivos que tem para viver. — Ele diz e sorri para mim. — Um amor como o que existe entre você e Hur é único, um sentimento almejado por muitos mas que pertence apenas aos corações de vocês. — Meu irmão segura minhas mãos. — Eu já lhe fiz muito mal, sei que muitas de suas lágrimas foram provocadas por mim. Mas, fico feliz pela chance de poder me redimir ao olhar em seus olhos e dizer: Vá e seja feliz, minha irmã.

 

—Eu não sei o que dizer. — Falo desnorteada e um tanto quanto sem ação. Eu estou livre, finalmente livre.

 

—Não diga nada, apenas se apresse pois os hebreus não irão se demorar em deixar o Egito. — Ramsés acaricia meu rosto de uma maneira que jamais fez antes. — O reino ficará sem sua princesa, mas Israel ganhará uma mulher extraordinária entre os seus.

 

—Muito obrigada, meu irmão. — Eu o abraço novamente, com um largo sorriso de felicidade no rosto.

 

—Eu quero ir com minha tia. — Mayra diz e suas palavras levam nossas atenções inteiramente para ela.

 

—O que disse, filha? — Ramsés indaga.

 

—Eu disse que quero ir com minha tia. — Ela repete com toda a clareza que é capaz de demonstrar.

 

—Tem certeza disso? — Meu irmão se abaixa a altura da filha.

 

—Tia Henutmire sempre foi mais que minha tia, ela foi minha mãe. Acho que sempre me senti sua filha, mesmo não tendo nascido de seu ventre. — A menina diz, me deixando emocionada e sem fala. — Eu não quero ficar longe dela.

 

—Você é a princesa do Egito, Mayra, e agora é a herdeira do trono. — Falo ao perceber a perplexidade de Ramsés diante da situação. — Não pode ir embora e deixar seu reino para trás.

 

—A senhora também é princesa e mesmo assim irá partir. — Ela argumenta. — Além disso, eu sou menina e não poderei reinar no lugar de meu irmão.

 

—Você agora é minha única filha e eu jamais lhe negaria o trono por ser menina. — Ramsés fala.

 

—Eu não quero o trono, papai. Não quero ser a rainha que um dia foi a filha caçula e esquecida do antigo rei. — As palavras de Mayra ferem Ramsés, mas sua sinceridade espontânea de criança não se dá conta disso. — Por favor, me deixe ir com tia Henutmire.

 

—Mayra...

 

—Eu te daria tudo o que quisesse e jamais negaria um pedido seu. — Ela diz, me deixando confusa. Mas, Ramsés parece entender muito bem o que a filha diz. — O senhor se lembra do dia que me disse isso?

 

—Jamais esqueceria. — Meu irmão suspira e volta seu olhar para mim. — Se eu permitisse, você a levaria consigo?

 

—É claro que sim. — Respondo de imediato.

 

—Será como deseja, pequena princesa. Sentirei sua falta, mas estarei pensando em você todos os dias e irei sorrir por saber que está bem. — Ele abraça a filha fortemente, enquanto tento acreditar que meu irmão realmente deixou sua única filha partir. — Se sua felicidade está longe daqui, eu tenho que deixar você voar até ela.

 

—Obrigada, papai. — Mayra agradece ainda com os braços envoltos no pescoço do pai. — Eu prometo que nunca irei me esquecer do senhor.

 

—Eu não preciso prometer o mesmo, pois será impossível esquecer você. — Ramsés sorri e então se levanta. — Vá com sua tia, foi para os braços dela que você sempre correu.

 

—Tem certeza do que está fazendo, meu irmão? — Questiono, enquanto a mão de Mayra volta a segurar a minha. — Ela é sua única filha.

 

—Por isso mesmo não quero mais errar com ela. — Ele responde. — Eu falhei com Amenhotep, mas não farei o mesmo com Mayra.

 

(...)

 

Eu pude ver o sol despontar no horizonte e dar início a um dia que se divide em luto e em festa. Enquanto os hebreus comemoram sua liberdade e se preparam para partir, os egípcios choram a perda de seus primogênitos e preparam-se para inúmeros funerais. Esperei que minhas filhas se separassem do corpo de Uri para dar-lhes a notícia de que iremos partir. Isso as alegrou, mas nada que apague a tristeza dos olhos de quem perdeu um irmão. Tristeza esta que também percebo no fundo do olhar de minha sobrinha.

 

—Este, senhora? — Radina pergunta sobre um vestido.

 

—Sim. — Respondo e me levanto com certa lentidão devido ao tamanho e peso de meu ventre.

 

—Deixe-me ajudá-la a se vestir. — A princesa núbia diz, solícita. Logo troco as vestes de dormir pelo vestido, que faz com que eu me lembre do dia em que Leila o trouxe até mim.

 

Flash back on

 

—Ficaram deslumbrantes, senhora. — Leila fala, encantada com meus novos vestidos que trouxe das artesãs. — Veja este, tão belo e delicado como a própria princesa.

 

—Bondade sua, Leila. — Sorrio e pego o vestido ao qual ela se refere. Sua cor é de um tom de azul escuro bastante peculiar. Seu modelo também se difere dos demais. Mangas compridas, porém justas até a altura dos cotovelos, onde um cuidadoso bordado circunda o tecido e marca uma pequena abertura que se alarga e se estende até os pulsos. O corpo do vestido foi feito com uma quantidade maior de tecido, para se adequar ao tamanho de meu ventre quando estiver maior. — Este é diferente de qualquer outro que já tive.

 

—Ficará lindo na senhora. — Ela fala com um sorriso, enquanto dobra os outros vestidos para serem guardados.

 

Flash back off

 

—É diferente de qualquer um que eu já tenha visto. — Radina fala, referindo-se ao vestido que agora está em meu corpo. — Ficou lindo na princesa.

—Obrigada. — Agradeço, mas logo percebo algo estranho na irmã de Jahi. — Há algo mais que queira me dizer, Radina?

 

—Desde o dia em que o cajado do irmão de Moisés se tornou serpente bem diante de nossos olhos, algo dentro de mim mudou. Eu fiquei impressionada com o poder do Deus dos hebreus, a cada praga isso só crescia dentro de mim. — Ela me olha. — Hoje, eu tenho plena certeza de que o Deus de Israel é o único e verdadeiro Deus.

 

—Isso é maravilhoso, Radina! — Sorrio para ela. — Não sabe como fico feliz.

 

—Se não houver incoveniente para a princesa, eu gostaria de ir com vossa alteza e suas filhas. — Radina pede com doçura. — A rainha não precisa de mim aqui e meu coração me diz para partir com os hebreus.

 

—É claro que pode vir conosco. — Falo e ela sorri.

 

—Com licença, princesa. — Paser pede ao entrar em meus aposentos. — Eu posso lhe falar um instante?

 

—Claro, Paser. — Falo. — Pode ir, Radina, e prepare-se pois logo deixaremos o palácio.

 

—Com sua licença, senhora. — Radina faz uma reverência simples e se retira.

 

—A senhora vai mesmo partir? — O sumo sacerdote pergunta.

 

—Sim, meu amigo. Ramsés permitiu, nada mais me prende aqui. — Respondo com um sorriso. — Vou ao encontro de Hur, de Moisés, de Leila e Bezalel. Finalmente irei me unir novamente a minha família hebreia.

 

—Todos sentiremos muito a sua falta, alteza. — Ele fala com tristeza, mas ao mesmo tempo sorri. — Me alegra saber que enfim terá a felicidade que merece.

 

—Você nunca cogitou partir também?

 

—Algumas vezes, mas jamais poderia deixar minha filha para trás. — Paser responde. — Nefertari pode não admitir, mas ela precisa e ainda precisará muito de mim, principalmente quando se der conta de que a filha preferiu a tia do que a própria mãe.

 

—Mayra me surpreendeu com sua atitude, mas confesso que foi também uma alegria ao meu coração. — Revelo. — Partir e deixá-la aqui seria o mesmo que deixar uma filha para trás.

 

—Às vezes chego a pensar que por um equívoco do destino Mayra nasceu sua sobrinha. — Ele diz. — Sempre que estavam juntas eu percebia que o olhar de vossa alteza para minha neta era o de uma mãe, assim como o olhar dela para a senhora tinha o brilho do amor de uma filha. — Paser se aproxima e toma minhas mãos nas suas. — Mayra não poderia ter escolhido melhor pessoa para que seu coração chame de mãe.

 

—Ela sentirá sua falta, assim como eu. — Meus olhos são tomados por lágrimas devido a emoção que uma despedida pode causar. — Fique bem, meu bom amigo. E sempre que possível, continue orientando Ramsés com seus bons conselhos. Ele precisará de alguém como você para ajudá-lo a reerguer o Egito.

 

—Prometo que farei o possível, alteza. — O sumo sacerdote me olha e percebo que também está emocionado. — Será que eu posso lhe dar um abraço?

 

—Nem precisa pedir. — Falo e no mesmo instante abraço Paser, meu amigo de tantos anos que para sempre irei levar em meu coração.

 

Por Hur

 

Olho para a sala vazia, nada foi deixado para trás. Suspiro antes de atravessar a porta e caminhar pela vila, em silêncio. Todos estão prontos ou se preparam para partir, hebreus de todas partes do Egito chegam a Pi-Ramsés. Não somos mais escravos, este é um passado que ficou para trás. Somos agora um povo livre e temos um deserto para atravessar rumo a terra que Deus nos prometeu. Mas, eu não consigo sentir alegria alguma pois sei que minha esposa e filhas estão no palácio. Certamente já sabem que Ramsés nos concedeu liberdade e devem estar sofrendo, como eu próprio estou, por nossa inevitável separação.

 

—Shalom, Hur. — Moisés diz ao se aproximar de mim, juntamente com seu irmão e dois de seus sobrinhos.

 

—Shalom. — Forço um sorriso.

 

—Eu sinto muito por seu filho. — Ele fala. — Uri era um hebreu, assim como nós. Sua perda também é uma perda para Israel.

 

—Uri fez sua escolha e já não há nada que possamos fazer. — Falo, tristonho. — Já vamos partir?

 

—Algumas famílias ainda estão retirando seus pertences de suas casas, outras ainda estão chegando. — Arão responde. — Temos que esperar que todos estejam prontos para então partirmos.

 

—Moisés, eu não posso ir embora sem Henutmire e nossas filhas. Eu não posso deixá-las para trás! — De súbito, o desespero me toma. — Ela deseja partir com o nosso povo, viver entre nós, você sabe disso.

 

—Sim, eu sei. — Moisés diz, enquanto tenta me acalmar. — Mas, minha mãe é a princesa do Egito e infelizmente eu não posso passar por cima da autoridade que Ramsés possa ter sobre ela.

 

—Então, eu vou ficar. — Afirmo com segurança.

 

—Isso seria loucura, Hur. — Arão adverte. — Ramsés pode não permitir que fique e se permitir pode se voltar contra você a qualquer momento.

 

—Eu não posso deixar minha família! — Exclamo.

 

—Acalme-se, meu amigo. — Arão pede, mas isso só me deixa mais nervoso.

 

—Eu já perdi meu filho porque falhei com ele como pai. — Falo, culpado pela morte de Uri. — Não vou cometer o mesmo erro com minhas filhas, com minha esposa e com a criança que carrega em seu ventre.

 

—Elas irão conosco. — Moisés afirma e eu me surpreendo com a firmeza de suas palavras. Como ele pode ter tanta certeza? — Eleazar e Oseias, vão até o palácio buscar minha mãe e minhas irmãs.

 

—Tem certeza, tio? — Eleazar questiona.

 

—O faraó pode não permitir a nossa entrada no palácio. — Oseias ressalta.

 

—Façam o que pedi. — É tudo o que Moisés fala.

 

Por Paser

 

Me despedir da princesa Henutmire não foi uma das coisas mais fáceis que fiz em minha vida. Eu sempre a tive como uma grande amiga, estive presente em determinados momentos importantes de sua vida e fui o portador da notícia que mais a alegrou em toda sua vida quando anunciei que estava grávida, honra que tive não apenas uma e sim duas vezes. Ela fará falta a mim, mas principalmente a Ramsés e ao reino. Seja como for, durante os anos de reinado de meu genro, a senhora Henutmire reinou ao lado do irmão cada vez que o aconselhava, que o escutava. No dia da coroação de Ramsés II, Henutmire foi também coroada e na sacada do palácio o povo viu não apenas o seu novo rei, mas também a sua princesa e rainha ao lado dele.

 

—Mestre, será que um dia nós vamos sorrir outra vez? — Simut pergunta.

 

—Você sempre me faz sorrir, Simut.

 

—Obrigado por me dizer isso. — Ele sorri, mas logo fica pensativo como antes. — Vamos com eles, mestre. Até a princesa Henutmire e as filhas vão partir, sua neta vai partir. — Simut fala, mas não lhe tenho uma resposta. — Eu não consigo mais ser sacerdote de deuses nos quais não acredito.

 

—Vá você, Simut. — Falo com um sorriso sincero e coloco uma de minhas mãos sobre seu ombro. — Eu tenho minha filha, jamais ficaria longe dela. Mas você é livre, Simut. Vá com os hebreus.

 

—O mestre não consegue ficar longe da filha e eu não consigo ficar longe do mestre.

 

—Não estou te dando um conselho, é uma ordem. — Falo enquanto me esforço para conter as lágrimas. — E até onde sei você nunca me desobedeceu.

 

—Mestre, eu...

 

—O que você vai ficar fazendo aqui? Sofrendo, traindo o que você sente? Ou então, arriscando sua vida pelo que acredita? — Minhas palavras o deixam sem fala. — Vá embora com os hebreus, Simut. Você é uma pessoa doce, talvez a pessoa mais doce que eu já conheci. — Ele sorri, em meio a singelas lágrimas. — Você tem toda uma vida pela frente, meu caro, vá vivê-la.

 

—Eu vou sentir muita falta do senhor. — Simut diz com voz embargada.

 

—Eu também, Simut. Mas, ficarei feliz por saber que você está feliz. — Falo e seu sorriso se torna maior. Então, pego a urna com os ossos do governador José. — E como última missão que lhe darei, peço que entregue isto a Moisés.

 

—Como o mestre ordenar. — Meu assistente diz, enquanto coloco a urna sobre a mesa próxima a ele.

 

—Me dê um abraço, Simut. Um forte abraço, sem lágrimas. — Peço e no mesmo instante meu coração sente o peso do abraço de despedida que dou em meu assistente.

 

—Eu nunca vou esquecer o senhor, mestre. — Ele diz. — Sempre serei grato por tudo o me ensinou.

 

—Seja feliz, Simut. — Digo ao olhar em seus olhos e lhe sorrir. — E se eu puder lhe fazer um pedido, cuide bem das princesas por mim.

 

—Prometo que farei o meu melhor por elas, mestre.

 

Por Hadany

 

A dor de ter perdido Uri se mistura com a alegria de saber que voltaremos a ser uma família completa. Para minha grande surpresa, meu tio permitiu a nossa partida. Quando minha mãe contou a mim e a minha irmã, eu não consegui acreditar. E assim permaneci até este momento, onde me vejo em meio a baús sem saber o que devo ou não levar.

 

—É tão estranho para você quanto é para mim? — Tany pergunta, mas eu a olho sem entender. — Nós nascemos e crescemos no Egito, tudo o que vivemos está aqui. E agora, vamos deixar tudo para trás.

 

—Despedidas nunca são fáceis, minha irmã. — Me aproximo dela. — Mas aqui nós deixaremos apenas uma parte de nossa história e as boas lembranças levaremos em nossos corações.

 

—Eu me sinto caminhando rumo ao desconhecido, Hadany.

 

—Eu também me sinto assim, mas teremos nossa mãe e nosso pai ao nosso lado como antes. — Abraço minha irmã. — Eles sempre guiaram nossos passos, não será agora que não farão o mesmo por nós e por nosso irmãozinho nesta nova jornada.

 

Por Henutmire

 

—Entre. — Falo ao ouvir batidas na porta. Logo Ramsés entra em meu aposento, trazendo nas mãos uma baú de porte médio em cuja madeira foram esculpidas formas de raras flores azuis que há muito não se vêem em todo o Egito.

 

—Você os escondeu muito bem. — Meu irmão dá um risinho ao olhar para mim e fico confusa. Mas, ao olhar para a peruca que tirei e deixei sobre a cama quando Paser se retirou, me dou conta de que Ramsés se refere a meus cabelos. — Dourados como raios de sol. Ficam bem em você.

 

—Obrigada. — Agradeço, sem saber o que realmente devo dizer.

 

—Eu trouxe isto para você. — Ele me entrega o baú. — Um presente.

 

—O que é?

 

—Abra e saberá.

 

Sento-me na cama e em seguida abro o baú. Qual não é a minha supresa ao ver dentro dele três coroas que conheço muito bem: a minha e as de minhas filhas. Todavia, há uma quarta coroa que nunca antes eu vi. Sua base é de ouro puro e acima dele brilha a sutileza da prata reluzente. Seus detalhes foram cuidadosamente desenhados nos próprios metais. Não há pedra preciosa alguma, apenas o ouro e a prata, como se fosse feita para um príncipe.

 

—Por que está me dando isto? — Pergunto.

 

—Pertencem a você e suas filhas, foram feitas especialmente para vocês. — Ele responde. — Quero que leve consigo, assim como Mayra levará a sua. Quero que tenham alguma lembrança de seu reino, mesmo que jamais voltem a pisar no Egito.

 

—Mas, e esta? — Falo ao pegar a coroa de ouro e prata em minhas mãos.

 

—É para o filho que ainda guarda consigo. — Ramsés se senta ao meu lado e pousa sua mão em meu ventre. — Ele também será um príncipe do Egito, mesmo que não venha a nascer neste reino. — Vejo um sorriso iluminar o rosto de meu irmão. — Quando você anunciou estar grávida eu logo pensei em dar a meu sobrinho uma coroa, como fiz com Hadany e Tany. Quis esperar o nascimento para saber se é um menino ou uma menina, mas você afirmou com tanta segurança que é um menino que encomendei uma coroa para o novo príncipe.

 

—Foi Uri que a fez? — Pergunto.

 

—Não, tive medo de ele não conseguir guardar segredo até a coroa estar pronta. — Meu irmão responde. — Foi feita no Alto Egito e trazida quando sua gestação completou cinco luas.

 

—Guardarei com muito carinho, meu irmão. — Sorrio e então coloco a coroa junto com as demais, fechando o baú em seguida.

 

—Quando vi Amenhotep morto pensei em renunciar ao trono, Henutmire. —Ramsés revela, me deixando surpresa. — Não via sentido em continuar sendo rei estando completamente dilacerado por dentro.

 

—Você não pode deixar o Egito sem seu rei.

 

—Eu pensei em dar ao Egito uma rainha. — Ele me olha de uma forma terna, como jamais me olhou antes. — Esta rainha seria você.

 

—Eu? — Indago, incrédula. Então, me lembro do sonho de Hadany onde o trono de Ramsés estava quebrado e ele coroava uma nova rainha.

 

—Sim, Henutmire. E se porventura você não aceitasse, seria a rainha regente de Hadany até que ela pudesse assumir o trono. Ou a rainha regente de Tany, caso sua irmã também não aceitasse. De uma forma ou de outra, o trono e a coroa, assim como o reino, pertenceriam as herdeiras da linhagem real de Seti. — Ramsés olha em meus olhos. — Mas, você e suas filhas merecem um novo trono, uma nova coroa. Vocês buscam a felicidade plena, algo tão belo e raro quanto as flores azuis que cresciam nas margens do Nilo quando você era criança.

 

—Como você pode saber das flores azuis?

 

—Nosso pai uma vez me contou que quando você nasceu uma cheia do Nilo trouxe a vida lindas e raras flores azuis, nunca vistas até então. Nossa mãe as colhia nas margens do rio para enfeitar o quarto da pequena princesa. — Ele fala e suas palavras me fazem recordar de minha infância. — No seu décimo quinto aniversário, nosso pai colheu diversas das flores azuis e com elas fez para você a coroa que usou em sua festa.

 

—Uma seca do próprio Nilo fez com que as flores azuis desaparecessem aos poucos, até que não restou uma sequer. — Falo, nostálgica, e então me lembro que são estas as flores azuis que aparecem em alguns de meus sonhos. — As flores de Henutmire, como meu pai as chamou, nunca mais foram vistas em nenhum lugar do Egito.

 

—Belas e raras, assim como você e o seu coração. — Ramsés segura minhas mãos. — Eu não sei como me portar diante de uma despedida, não sei o que dizer para expressar o que estou sentindo. — Ele baixa seu olhar, mas logo o traz de volta para mim. — Cuide bem de minha filha, como fez até hoje. — Sorri. — Aliás, se algum dia Mayra foi minha filha, já não é mais. Agora, ela é sua filha e digo isso com toda a sinceridade de meu coração.

 

—Esteja certo de que eu cuidarei dela, Ramsés. — Minha voz é embargada devido a emoção.

 

—Se puder e conseguir, fale bem de mim a meu sobrinho, conte a ele as coisas boas que talvez eu tenha feito. — Ele acaricia meu ventre e seu sorriso aumenta, mas logo seu semblante volta a ser sério. — Peça perdão a Hur em meu nome. Diga a ele que lamento muito ser eu o culpado da morte de Uri, pois eu o convenci a ficar quando já tinha decidido partir.

 

—Hur perdoará você, tenho certeza.

 

—E você? — Ramsés pergunta. — Você algum dia poderá perdoar tudo o que lhe fiz?

 

—Eu já te perdoei, Ramsés. — Eu o abraço fortemente, um abraço de clara despedida. Ramsés corresponde e eu posso sentir que seu coração chora por se separar de mim. Pela primeira vez, os filhos de Seti tomarão rumos opostos e irão se afastar um do outro. Ramsés deposita um beijo carinhoso em minha testa, antes de levantar-se e olhar em meus olhos.

 

—Adeus, minha irmã. — Seu último sorriso me é dado, o que me faz sorrir também.

 

—Adeus, meu irmão.


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