O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 41
Capítulo 41




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/691593/chapter/41

Por Henutmire

Mais dias se passaram. Os escravos foram obrigados a reparar a destruição causada pela chuva de pedras. Construções foram reerguidas, casas reconstruídas, mas nada disso fará com que os egípcios esqueçam a tempestade de fogo que destruiu nosso reino. Quanto a Ramsés, todos já se deram conta de que ele novamente voltou atrás em sua promessa de deixar os hebreus partirem. Moisés esteve ontem no palácio, certamente para anunciar uma nova praga, mas meu irmão não me permitiu falar com meu filho e tampouco me disse o que irá nos atingir desta vez.

—Ganhei novamente. — Falo com um sorriso ao vencer mais uma partida de Senet.

—Vossa alteza joga muito bem. — Alon elogia.

—Não seja mentiroso. — Falo. — Você me deixou ganhar.

—Perder para a senhora é uma honra. — Ele fala me fazendo rir.

—Eu soube que Ramsés deu a você um lugar na guarda real. — Eu o olho. — Foi um pedido de Nefertari?

—Não, ela própria ficou surpresa com a atitude do soberano. — Alon responde. — Confesso que eu também fiquei surpreso, mas muito contente. Como guardião, sempre fui uma espécie de soldado e continuarei sendo.

—Ser um oficial do rei exige maior responsabilidade do que ser um guardião. Mas, acredito que você irá se sair bem. — Minhas palavras fazem o rapaz sorrir. — E Nefertari? Como vai sua relação com ela?

—A rainha me trata muito bem, até mais do mereço. — Ele ri. — Apenas divergimos um pouco quando ela insistiu em me legitimar como seu irmão, mas eu recusei.

—Tem certeza de que tomou a decisão certa?

—Sim, alteza. Não quero ser príncipe, menos ainda ser conhecido como o irmão bastardo da rainha. — Alon me olha. — Estou satisfeito com quem sou e apenas isso me basta.

—Admiro você por isso. — Sorrio.

—Com licença, princesa. — Leila pede ao entrar em meus aposentos. — Trouxe seu desjejum.

—Deixe-me ajudar. — Alon tira o tabuleiro e as peças de Senet de sobre a mesa para que Leila coloque a bandeja.

—Não encontrei as uvas que tanto gosta, senhora. — Minha dama fala.

—Não se preocupe com isso, minha querida. — Olho para a bandeja diante de mim. — Isso é suficiente para mim.

—Posso parecer impertinente, mas creio que uma mulher grávida deveria se alimentar melhor. — Alon fala ao olhar para a tão pouca fartura da bandeja.

—Eu sei, mas no momento não há muito o que Gahiji possa oferecer a princesa. — Leila diz.

O Egito foi reerguido, mas a comida tornou-se praticamente escassa. No palácio, não há muito alimento e o que temos está sendo rigorosamente racionado para que não falte a ninguém.

—Não se preocupem comigo, posso me manter bem me alimentando pouco. — Falo. — O importante é que não falte comida para ninguém no palácio.

—Vossa alteza precisa pensar primeiro em seu filho. — Alon fala ao se aproximar de mim. — Precisa de uma boa alimentação para o bem da senhora e do bebê.

Antes que eu possa demonstrar que dou razão as palavras do rapaz, sinto uma leve dor em meu ventre, que faz com um pequeno grito escape de minha boca. Faço por onde me acomodar na cadeira onde estou, o que deixa Leila e Alon preocupados.

—O que houve, senhora? — Minha dama pergunta. — Está se sentindo mal?

—Não foi nada, senti o mesmo quando estava grávida de Hadany e Tany. — Falo aliviada ao sentir a dor passar. — Talvez esta criança esteja crescendo rápido demais em pouco espaço.

—Significa que será forte e cheia de saúde. — Alon sorri ao olhar para meu ventre.

—Já entrou na quarta lua? — Leila pergunta sobre o tempo de gravidez.

—Não, ainda demora um pouco. — Respondo e logo me entristeço ao pensar em Hur. — Leila, você se lembra de como Hur ficava o tempo todo ao meu lado quando eu estava grávida de nossas filhas?

—É impossível esquecer. — Ela sorri. — Ele quase não lhe deixava respirar, se preocupava com cada passo que dava.

—Ele esteve comigo desde o início, viu nossas filhas crescerem em meu ventre. — Falo, nostálgica. — Á noite, conversava com elas antes de dormir.

Flash back on

—Durma bem, pequeno anjo. — Hur deposita um beijo em meu ventre volumoso. — Boa noite.

—Será que nosso filho pode mesmo nos escutar? — Pergunto.

—É claro que sim. — Ele diz, sorrindo. — Quando ele nascer, a primeira voz que irá reconhecer será a sua. Depois, será a minha.

—Acha que ele dirá mamãe ou papai primeiro?

—Com certeza será mamãe. — Hur responde e acaricia suavemente o meu rosto. — Quando ele se der conta de que sua mãe é a mulher mais bela de todo o reino, vai querer você por perto a todo o momento e para isso precisará saber como te chamar.

—E você? — Eu olho em seus olhos. — Sabe como me chamar?

—Meu coração sempre sabe chamar por aquela a quem ele pertence. — Ele sorri, antes de unir nossos lábios em um beijo.

Flash back off

—Hoje, Hur não está ao meu lado, não pode acompanhar essa pequena vida crescer dentro de mim e lhe dar seu amor antes mesmo de conhecer seu rostinho. — Dou lugar as lágrimas. — Ele sequer sabe que espero um filho.

—Não chore, princesa. Lágrimas não combinam com seus belos olhos. — Alon limpa as lágrimas de meu rosto. — Se vossa alteza quiser, eu posso ir até a vila falar com seu marido. Direi a ele tudo o desejar e trarei até a senhora cada palavra que ele disser.

—Faria mesmo isso? — Leila pergunta.

—Faço qualquer coisa para que a princesa Henutmire se sinta melhor. — Ele responde.

—Eu agradeço muito, meu querido, mas não será necessário. — Falo. — Tenho que resolver essa situação de outra maneira.

(...)

—Não posso fazer o que me pede, Henutmire. — Ramsés diz. — É um completo absurdo.

—Absurdo é o que você fez! Se Hur e eu estamos longe um do outro é por sua culpa. — Falo sem muita calma. — Eu só quero o meu marido de volta, tenho esse direito.

—Quando expulsei Hur, fui muito claro ao dizer que ele jamais poderia retornar. — Ele me olha. — Já fiz muito não decretando o seu divórcio. Aceitar Hur novamente no palácio está fora de cogitação.

—Não acha que já me fez sofrer o suficiente?

—Henutmire, por favor.

—Não, Ramsés! Agora você vai ouvir tudo o que eu tenho para dizer. — Eu o encaro. — Desde que me mandou para aquela maldita prisão, você age como se eu fosse um reles servo seu. Mas, eu não sou! Eu sou filha de Seti, sou princesa do Egito e, por um grande infortúnio, sou sua irmã.

—Não vou admitir que...

—Eu ainda não terminei! — Esbravejo, interrompendo o rei. — Eu não sou um de seus súditos, não estou subordinada á suas ordens e ao seu autoritarismo. Pare de achar que a coroa que herdou de nosso pai lhe dá esse direito sobre mim, porque não dá.

—Seu marido agora é um escravo e eu jamais permitirei que ele coloque os pés novamente no palácio, mesmo que seus olhos continuem tentando me convencer do contrário. — Ramsés fala. — Você só está pensando em si mesma e não no que trazer Hur de volta pode me causar.

—Não sou egoísta, não penso apenas em mim. Eu tenho duas filhas que, apesar de crescidas, ainda precisam muito do pai. — Coloco uma de minhas mãos em meu ventre. — E aqui carrego uma criança que precisará ainda mais de Hur ao seu lado.

—Você me fez um pedido e já tem a minha resposta. — Ele desvia seu olhar de mim. Por um momento, pareceu que Ramsés havia se desarmado ao me ver mencionar o filho que espero, mas ele insiste em negar o meu pedido.

—Se não fizer por mim, faça por meus filhos. Hadany e Tany cresceram com o pai, tiveram Hur ao lado delas em todos os momentos. Não obrigue esta criança a conhecer o pai apenas por histórias contadas pelas irmãs. — Faço com que meu irmão olhe em meus olhos, assim como eu olho nos seus, e finalmente consigo perceber que minhas palavras surtiram algum efeito sobre ele. — Por favor, Ramsés. Eu não estou pedindo nada a você como princesa, ou como sua irmã. Estou pedindo como mãe que sou, acima de qualquer outra coisa.

—O único que posso prometer a você é que irei pensar a respeito. — Ele diz e em seguida me deixa sozinha, dirigindo-se a varanda. Todavia, logo ouço sua voz alterada. — Maldito seja!

—Ramsés? — Chamo por ele e faço menção de ir até a varanda, mas meu irmão volta para a sala do trono antes que eu dê um passo sequer. Então, inúmeros gafanhotos invadem a sala do trono, entrando pela varanda e pelas janelas.

—Henutmire! — Ramsés exclama ao correr até mim e envolver seu manto ao meu redor, assim me protegendo dos insetos. Eu apenas permaneço junto a meu irmao e vejo, pela pequena brecha deixada pelo tecido que me cobre, os gafanhotos espalharem-se por todo o salão, e certamente por todo o palácio.

—Por Deus! De onde vieram tantos gafanhotos? — Pergunto, mas logo a resposta me vem a mente. — É mais uma praga.

—Exatamente como Moisés disse que aconteceria. — Ele fala.

—Você sabia o que iria acontecer e mesmo assim não deixou os hebreus partirem? — Questiono. — O que você quer, afinal? Nos matar?

—Eu vou resolver isso de uma vez por todas. — Ramsés decreta e tal atitude me assusta.

 

Por Hadany

—Por que você me olha tanto e não diz nada? — Mayra pergunta.

—Gosto de observar você brincar. — Sorrio para ela.

—Acho que na verdade nossa prima não gosta muito de mim, irmãzinha. — Amenhotep fala.

—Sabe que sua companhia não me agrada. — Falo, ríspida.

—Quando nos casarmos, darei um jeito nesse seu gênio.

—Você continua achando que irá se casar comigo? — Pergunto, rindo.

—Você disse que não aceitava o noivado, mas ainda assim é minha noiva. — Ele me olha. — Você será minha esposa querendo ou não.

—Se eu for mesmo obrigada a me casar com você, juro que serei sua esposa e sua viúva no mesmo dia.

—Devo entender isso como uma ameaça? — Amenhotep pergunta.

—Pouco me importa. — Digo, procurando não lhe dar atenção. Logo ouço um alvoroço nos arredores do palácio e dentro dele próprio. Minha irmã entra afoita no harém e quase sem fôlego. — O que houve, Tany?

—Gafanhotos estão tomando o palácio. — Ela responde, me deixando confusa. — Eu estava no jardim, eles estão devorando as poucas plantas que restaram da chuva de pedras, e certamente estão devorando também as plantações do campo.

Tomada pela curiosidade, Mayra vai até a janela e abre as cortinas. No mesmo instante milhares de gafanhotos invadem o harém e praticamente derrubarem minha prima ao entrar pela janela.

—Mayra! — Amenhotep corre até a irmã e a abraça, protegendo-a com seu próprio corpo. Pego um tecido que estava por perto e com ele cubro meus primos, só então percebendo que os gafanhotos não se aproximam de mim ou de Tany.

—É mais uma praga, não é? — Mayra pergunta, abraçada a seu irmão e com seus olhos temerosos.

—Com certeza sim. — Respondo, enquanto vejo os insetos se espalharem pelo harém, fazendo com que as mulheres gritem com histeria e crianças se assustem grandemente.

 

 Por Hur

Flash back on

—Desculpe, me excedi. — Falo ao me separar dela, mas não me arrependo nem um pouco de ter beijado a princesa.

—Não precisa se desculpar, eu também me deixei levar pelo momento. — Ela diz.

—A verdade é que eu sempre a amei. — Revelo, ao acariciar seu rosto e vejo em seus belos olhos o quanto minhas palavras a surpreendem. — Tentei sufocar esse amor durante todos esses anos, porque até então era uma paixão impossível. — Olho em seus olhos e sorrio. — Você é uma mulher linda, doce, adorável... Como eu gostaria de cuidar de você, de lhe dar todo o amor que merece.

—Eu fico lisonjeada com as suas palavras. — Henutmire parece estar emocionada. — Mas, foi tudo tão de repente que eu não sei o que pensar.

—Eu entendo.

—Mas, saiba que meu coração está mais leve. — Ela sorri. — Você é um homem muito especial.

Flash back off

Quando me declarei a Henutmire meu maior medo era que ela se afastasse de mim e assim eu perdesse sua amizade e a chance de conquistar seu amor. Mas, não foi o que aconteceu. Aquela noite no jardim foi o começo da nossa história. No entanto, como eu poderia imaginar que anos depois eu estaria aqui, longe da mulher que sempre amei. Eu, que tanto lutei pelo amor de Henutmire, agora não tenho nada que me garanta a mínima certeza de que ainda é meu o seu amor. Isso é o que mais machuca meu coração, considerar a possibilidade de que perdi para sempre o grande amor da minha vida.

—Você mal tocou na comida, Hur. — Abigail fala.

—Estou sem fome.

—Está preocupado com a princesa, não é? — Ela pergunta.

—Henutmire sempre é atingida pelas pragas por ser egípcia, é impossível não me preocupar com ela sabendo que o palácio foi tomado pelos gafanhotos. — Respondo e respiro fundo. — Mas, é um pequeno alívio saber que meus filhos são imunes as pragas.

—Sua família deve sentir muito a sua falta. — Ela fala. — Você não considera voltar para o palácio?

—Ramsés jamais permitiria. — Falo. — E, sinceramente, não sei se me acostumo a viver novamente no palácio. Se eu voltasse para lá, seria únicamente por Henutmire e meus filhos.

—Vocês não imaginam quem está na vila. — Bezalel fala ao entrar afoito na casa.

—Deve ser alguém muito importante para você estar desse jeito. — Abigail diz.

—O rei. — Meu neto revela.

—Ramsés? — Indago. — Mas, o que ele veio fazer aqui?

—Eu não sei, mas não está nem um pouco satisfeito. — Ele responde. — Venham ver.

Então, Abigail e eu deixamos a casa, seguindo Bezalel até chegarmos a uma pequena multidão de pessoas que observam temerosas a conversa entre Moisés e o rei.

—Será que o faraó nos deixará partir dessa vez? — Abigail pergunta.

—Eu duvido muito. — Respondo, sincero.

—Ore ao seu deus para que me livre dessa morte. — Ouço Ramsés pedir a Moisés.

—Farei isso. — Moisés diz.

—Vamos embora. — O rei ordena aos oficiais que o acompanham. Ele dá as costas e caminha em direção a saída da vila, todavia detém seus passos ao passar diante de mim. Ele me olha por alguns instantes e eu nada digo. — Hur?

—Sim, majestade. — Falo.

—Como você está diferente. — Ramsés me observa. — Não se parece com o nobre que era.

—Como o soberano mesmo disse, passei a ser um escravo como outro qualquer no momento em que atravessei os portões do palácio.

—De fato. — O faraó concorda.

—Soberano, é melhor irmos. — Bakenmut aconselha.

—Henutmire está... — Ramsés interrompe o que estava por dizer, me deixando intrigado. Seu olhar para mim é de quem deseja contar algo, mas não pode. — Ela está bem, direi a ela que vi você.

O rei do Egito se dirige para fora da vila, seguido por Bakenmut, Paser e seus oficiais. Os hebreus voltam a suas casas, mas eu permaneço parado no mesmo lugar.

—O que Ramsés te disse? — Moisés pergunta ao se aproximar de mim.

—Nada. — Respondo. — Mas, tive a impressão de que ele queria me dizer algo a respeito de Henutmire.

—Seria sobre o divórcio? — Bezalel pergunta, me fazendo lembrar que Ramsés disse com muita segurança que iria revogar meu casamento com sua irmã.

—Talvez sim. — Falo, pensativo. — Mas, acho que se fosse esse o motivo, Ramsés não iria se calar apenas para me poupar.

 

Por Henutmire

Vejo tudo esbranquiçado ao meu redor, devido ao véu que me cobre para impedir que os gafanhotos encostem em minha pele. Meu irmão me trouxe envolvida em seu manto até meus aposentos, mas logo em seguida saiu para ir até a vila falar com Moisés. Sinceramente, não espero nada de bom dessa conversa e por isso estou tão apreensiva, principalmente porque já faz muito tempo que Ramsés saiu. Minhas filhas estão sentadas ao meu lado, o que também evita que os insetos me importunem já que eles não se aproximam delas.

—Está com sono, Hadany? — Pergunto ao vê-la bocejar.

—Um pouco. — Ela responde. — Não dormi bem à noite.

—E o que roubou seu sono? — Tany pergunta.

—Um sonho. — Hadany fala. — Tive o mesmo sonho duas vezes.

—Não quer nos contar com o que sonhou? — Pergunto.

—Meu tio estava a frente do exército, a expressão de seu rosto era séria e seus olhos carregavam muito ódio. Estava claro que o exército avançava em direção à guerra, mas eu não via inimigo algum. — Ela fala. — Então, os soldados empunharam suas armas e começaram a gritar. Eu fechei meus olhos e de imediato tudo ficou em silêncio. Quando os abri, todos estavam mortos, mas não havia sangue ou ferimentos em seu corpos. — Hadany volta seu olhar para mim. — Então, eu olhei para a frente e me vi no palácio. Vi o trono de meu tio completamente quebrado e em seu lugar havia um novo trono, enfeitado com flores azuis. Eu vi o rei sem sua coroa, mas em suas mãos havia uma outra coroa feita de ouro e adornada com as mesmas flores azuis do trono. Então, meu tio colocou a coroa dourada e azul sobre a cabeça de uma mulher, cujo rosto não consegui ver. Eu o vi coroar uma nova rainha e então acordei.

—Há vários improváveis em seu sonho e o maior deles é nosso tio deixar de ser rei e coroar uma nova rainha sobre o Egito. — Tany fala, enquanto eu fico pensativa a respeito do sonho.

—Sei que é impossível, mas parecia muito real. — Hadany fala. — Parecia uma visão de algo que realmente pode acontecer.

—Foi apenas um sonho, minha filha, procure não dar tanta importância. — Falo ao abraçar Hadany. — Na maioria das vezes, sonhos são apenas cenas sem fundamento criadas por uma mente que voa enquanto um corpo adormece.

Um vento muito forte invade meu aposento, balançando as cortinas da janela a tal ponto que fazem um intenso barulho. Os tecidos finos das vestes de minhas filhas voam no ar e eu faço um certo esforço para manter o véu que me cobre em meu rosto. No entanto, o vento quase tempestuoso leva consigo todos os gafanhotos presentes em meu quarto, sem deixar para trás um inseto sequer. E, assim como veio, o vento se vai pela janela em direção ao deserto.

—Acabou. — Tany fala um pouco surpresa ao olhar em volta e não ver um só gafanhoto.

—Isso significa que a conversa que meu tio foi ter com Moisés teve resultado? — Hadany pergunta.

—Não é exatamente isso o que me preocupa agora. — Falo para mim mesma.

(...)

—As plantações que restaram da chuva de fogo foram completamente devoradas pelos gafanhotos. Os camponeses não têm o que colher, nem o que plantar. — Ikeni faz seu relatório e é impossível não notar a insatisfação de Ramsés com o que ouve.

—A despensa real também foi atingida, não restou nada além de vinho. — Gahiji fala. — Não temos alimento para ninguém no palácio, soberano.

—Maldição! — Ramsés esbraveja, furioso.

—A culpa é toda sua! Você sabia o que iria acontecer e mesmo assim não fez nada para impedir. — Falo, nervosa. — Agora, todo o Egito irá passar fome até que as plantações do campo voltem a ser capazes de nos alimentar.

—Não preciso que me diga o que eu já sei, minha irmã. — Ele me olha com ares de reprovação.

—O que faremos, senhor? — Ikeni pergunta. — Muitos irão morrer até que essa situação se resolva.

—Envie mensageiros à Núbia para que comuniquem ao príncipe o que houve conosco. — Meu irmão ordena. — Jahi é um grande amigo, não nos negará ajuda.

—Os mensageiros serão enviados imediatamente, majestade. — Ikeni reverencia a mim e a meu irmão e em seguida deixa a sala do trono.

—Você também pode ir, Gahiji. — O rei fala. — Preciso conversar com a princesa.

—Com licença de vossa majestade e de vossa alteza. — O cozinheiro real faz uma reverência e se retira.

—O quer conversar? — Falo ao me ver sozinha com meu irmão.

—Você e suas filhas irão para a Núbia.

—Como? — Indago, incrédula.

—Você está grávida, não posso deixar que você e esta criança corram algum risco. — Ele diz. — Na Núbia vocês estarão protegidos até que tudo isso acabe.

—E até quando pretende levar esta situação adiante? — Pergunto. — Isso só vai acabar quando você aceitar o pedido de Moisés e deixar os hebreus partirem.

—Não quero discutir novamente com você pelo mesmo motivo. — Ele desce do trono e vem até mim. — Assim que você e as meninas estiverem prontas, partirão para a Núbia.

—Eu não vou, e por favor não insista. — Surpreendo meu irmão com minha recusa.

—Eu só estou tentando honrar minha promessa e proteger você.

—Você já quebrou sua promessa mais de uma vez, principalmente quando me mandou para aquela cela. — Eu o olho seriamente. — Se quer mesmo me proteger, pare de se deixar cegar pelo seu orgulho e veja que é você mesmo quem está colocando em risco não só a minha vida e a dessa criança, mas as vidas de todos no Egito.

—Já é tarde, Henutmire. — Ramsés fala e eu vejo em seus olhos que não possui argumentos contra o que eu disse. — É melhor você ir dormir.

—Boa noite, Ramsés. — É tudo o que digo antes de caminhar para fora da sala do trono.

—Tenha belos sonhos, minha irmã.

(...)

Adormeci sem sequer me dar conta e despertei antes de sentir que o sono havia revigorado minhas forças. Observo o céu através de minha janela, seu tom azul é o mesmo de todas as manhãs. Olhando-o até parece que este é um dia como outro qualquer. Mas, não. Hoje com certeza não é um dia como os outros.

—Mamãe? — Hadany chama por mim e eu me deparo com minha filha ao meu lado e não em minha cama, onde ela dormia ao lado da irmã.

—Bom dia, minha filha. — Dou-lhe um beijo em sua testa. — Dormiu bem?

—Mais ou menos. — Ela responde e olha para sua irmã, que permanece adormecida. — Acho que Tany não está bem.

—Por que diz isso? — Pergunto, mas antes de obter resposta vou até Tany. Ouço sua respiração e percebo que está um pouco fraca, bem como o seu próprio corpo parece estar. — Ela precisa se alimentar.

—No momento, isso é um pouco difícil. — Hadany fala.

—Eu preciso fazer alguma coisa, qualquer coisa. — Falo, aflita. — Tany tem a saúde frágil, não pode ficar sem se alimentar.

—Meu tio não pediu ajuda a Jahi? — Ela questiona. — Temos que esperar as provisões enviadas pelo príncipe chegarem.

—Sua irmã talvez não possa esperar tanto tempo. — Afirmo, mesmo que minhas palavras me doam. — Se Tany chegar a morrer de fome, eu nunca irei perdoar Ramsés. Farei com que ele se arrependa de ter nascido!

—Nada vai acontecer com minha irmã. — Hadany fala e seus olhos me transmitem confiança. Então, ouvimos batidas na porta. — Entre.

—Com licença, altezas. — Gahiji pede ao entrar em meu aposento, trazendo consigo um cesto com pães. — Eu vim lhe trazer isso, senhora.

—Como conseguiu fazer pães? — Pergunto.

—Não foi obra minha, princesa. — Ele responde. — Esses pães foram trazidos ao palácio pelos hebreus.

—A atitude deles chega a ser desconcertante. — Falo. — Os hebreus foram tratados pelos egípcios da pior forma possível e ainda assim são capazes de nos ajudar, ou melhor, de salvar nossas vidas.

Pego um dos pães do cesto e dou a Hadany, que de tão faminta começa a comê-lo de imediato. Minhas atenções se voltam para Tany, que desperta lentamente.

—Mamãe. — Ela pronuncia baixinho.

—Estou aqui. — Ajudo minha filha a se sentar na cama. — Se sente bem?

—Apenas um pouco fraca, mas não é nada demais. — Ela responde e logo seu olhar contempla o cesto com pães. — Nós temos pão?

—Uma grande gentileza feita pelos hebreus. — Respondo ao pegar um pão e entregá-lo a ela. — Coma, você precisa se alimentar.

—A senhora e meu irmão também precisam. — Tany divide o pão ao meio e faz menção de me dar metade dele.

—Fique com este, tem o suficiente para todos nós. — Falo e então é a minha vez de tomar um pão e comê-lo. Acho que nunca em minha vida comi algo tão saboroso, talvez seja a fome que sinto que faz o sabor ser ainda melhor.

—Coloquei uma boa quantidade para vossa alteza e suas filhas. — Gahiji fala. — Creio que será suficiente para mantê-las até que cheguem as provisões vindas da Núbia.

—Eu agradeço imensamente o seu cuidado, querido amigo. — Sorrio.

—É uma honra serví-la, senhora. — Ele corresponde ao meu sorriso.

—Henutmire, eu... — Ao entrar em meu aposento, Nefertari interrompe o que estava por dizer ao se deparar com o cesto de pães sobre a cama. — Gahiji, você conseguiu fazer pão. — Ela pega um pedaço de pão e leva até a boca. Seus olhos chegam a brilhar. — Pensei que não tivéssemos trigo ou qualquer outro mantimento.

—E não temos, soberana. — Gahiji diz.

—Então, como conseguiu estes pães? — Ela pergunta, colocando mais um pedaço de pão em sua boca.

—Foram os hebreus que trouxeram. — A resposta de Gahiji fazem os olhos de Nefertari se arregalarem e ela cospe o pão que estava em sua boca.

—Quem esses escravos pensam que somos? Não precisamos que tenham pena de nós e nos enviem de sua comida miserável. — Nefertari fala, plena de soberba. — Devolva os pães para os hebreus.

—É tudo o que temos para comer, majestade. — Gahiji argumenta.

—Deixe seu orgulho de lado ao menos uma vez na vida, Nefertari. — Falo, atraindo as atenções de minha cunhada para mim. — Nós vamos morrer de fome se não aceitarmos ajuda.

—Não precisamos da ajuda de escravos! — Ela esbraveja.

—Precisamos sim! — Falo com firmeza. — Você pode ser orgulhosa o bastante para não reconhecer isso, mas eu não.

—O que quer dizer? — Minha cunhada me olha.

—Sou mãe de duas filhas e espero um terceiro, que já enfrentou situações terríveis antes mesmo de vir ao mundo. Eu jamais me negaria a receber ajuda se isso significasse preservar o bem estar de meus filhos. — Eu olho em seus olhos verdes, olhos que herdou de sua mãe. — Você vai deixar Mayra e Amenhotep morrerem de fome tendo em suas mãos o alimento para eles?

Nefertari nada diz, apenas permanece olhando-me em silêncio. Não é possível que minha cunhada seja tão orgulhosa a ponto de rejeitar alimento sabendo que corremos o risco de morrer de fome. Aliás, ela não pode ser tão egoísta a ponto de não pensar em seus próprios filhos.

—Você tem razão. — Minha cunhada concorda, me surpreendendo. — Eu não serviria para ser mãe se não pensasse em meus filhos antes de tudo.

—Isso significa que...

—Significa que não precisa devolver os pães. — Nefertari interrompe Gahiji. — Distribua a todos no palácio e leve um pouco para mim e meus filhos em meus aposentos.

—Como a soberana desejar. — Gahiji fala e em seguida Nefertari se retira.

—Será possível que ela teria coragem de devolver os pães? — Hadany pergunta.

—Vindo de Nefertari, não me surpreenderia se ela mandasse jogá-los fora. — Respondo. — Sua soberba às vezes a deixa completamente cega.

—Ainda bem que senhora é capaz de confrontar a rainha e abrir seus olhos. — Tany fala.

—Nem sempre, minha filha. — Falo. — Nem sempre.

(...)

Alon sorri e faz uma reverência ao me ver adentrar a sala do trono. Ramsés me olha, mas sou incapaz de decifrar o que seu olhar que dizer.

—Mandou me chamar, Ramsés? — Falo ao me aproximar do trono.

—Sim, Henutmire. — Ele fala. — Você me fez um pedido e eu prometi pensar a respeito.

—Estou ouvindo. — É tudo o que digo.

—Permitirei que Hur venha uma última vez ao palácio. — Ramsés fala e eu fico sem ação. — Você poderá ficar algum tempo com seu marido, poderá contar a ele que está grávida. Mas, ele voltará para a vila e nunca mais colocará os pés no palácio. Fui claro?

—Como sempre, soberano. — Falo, triste. Tudo o que eu quero é ter Hur novamente ao meu lado, mas isso será pior do que qualquer outra coisa.

—Alon, amanhã você irá até a vila buscar o marido de minha irmã e depois o levará de volta. — Meu irmão ordena ao rapaz.

—Como quiser, majestade. — Alon curva sua cabeça em sinal de obediência ao rei.

—Se era apenas isso, peço licença para me retirar. — Digo, tentanto não transparecer minha tristeza.

—Pode ir, Henutmire. — Ramsés fala com uma naturalidade que me impressiona. — Você também pode ir, Alon. Se eu precisar, mando chamá-lo.

—Com sua licença, soberano. — O rapaz faz uma reverência e em seguida se retira da sala do trono junto comigo.

Atravesso as portas do salão em silêncio. Meus pensamentos se dividem entre ver meu marido uma última vez ou pedir a Ramsés que esqueça o que eu lhe pedi. Penso no sofrimento que um último encontro irá nos causar, principalmente a Hur.

—Mesmo que tente esconder, vejo em seus olhos o quanto vossa alteza está triste. — Alon fala, enquanto caminhamos pelo corredor. — Não ficou contente com o que o rei disse?

—Antes Ramsés negasse terminantemente o meu pedido. — Paro de caminhar e olho para Alon, sentindo meus olhos se inundarem de lágrimas que insisto em conter. — Irei contar a Hur que ele será pai novamente, mas depois ele será obrigado a ir embora. Isso será doloroso demais, para nós dois.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Maior Amor" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.