O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 40
Capítulo 40




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Por Hadany

Alguns dias se passaram e, se eu não me perdi em minhas contas, a gravidez de minha mãe completou três luas. Ela está completamente radiante e sempre que eu a olho seu sorriso é o que vejo primeiro. Às vezes, chego a pensar que nunca antes eu a vi tão feliz. Aos poucos, as lembranças da passagem de Anat por nossas vidas estão desaparecendo e creio que algum dia será como se ela nunca tivesse existido. A senhora Atalia retornou para Om, mas não levou Alon consigo. Ele ficou no palácio, mas não por um pedido meu ou de minha mãe, tampouco de Tany ou de Paser. Foi tia Nefertari quem pediu para Alon ficar, dando a entender que talvez deseja conhecer melhor o irmão. Ao que parece, tudo está tomando o seu devido lugar.

—Hadany? — Tany chama por mim ao entrar em meu quarto. Não nego meu espanto, pois é a primeira vez em que minha irmã me procura desde o dia em que Amenhotep feriu Alon. — Será que podemos conversar?

—Certamente que sim. — Respondo, temendo que o motivo que a troxe até aqui seja grave. — Aconteceu alguma coisa?

—Aconteceram várias coisas, e sinceramente nem sei por onde começar. — Ela suspira. — Eu quero te pedir perdão, Hadany.

—Como? — Indago, sem acreditar no que acabo de ouvir.

—Eu agi mal com você, me deixei levar pelo ciúme e disse coisas que te magoaram. — Minha irmã me olha. — Fui injusta te fazendo culpada, quando na verdade era inocente. Pode me perdoar por isso?

—Claro que posso, Tany. Jamais negaria isso a você. — Falo, surpreendendo-a. — Mas, peço também que me perdoe pelas coisas que lhe disse. Sei que também te magoei, mesmo sem querer.

—Eu perdôo você, embora saiba que a minha culpa é maior do que a sua nesta história. — Ela leva seu olhar ao chão.

—Quando o perdão é sincero, ele apaga toda a mágoa e lembrança do erro que foi cometido. — Trago seu olhar de volta para mim. — Você me perdoou, eu te perdoei. Agora, o que precisamos fazer é nos perdoar individualmente.

—Você tem razão.

Sorrio ao abraçar minha irmã e assim tirar de meu coração o grande peso que eu carregava por estar brigada com ela. É como se agora voltássemos a ser o que sempre fomos: as filhas gêmeas de Henutmire, que dividiram o mesmo ventre e cresceram unidas como jamais antes se ouviu falar.

—Eu tenho uma pergunta. — Falo quando o abraço se desfaz.

—Qual?

—Você estava tão decidida a jamais fazer as pazes comigo. — Eu a olho. — O que te fez mudar de ideia?

—O bebê que nossa mãe espera. — Minha irmã responde. — Quando essa criança nascer e crescer, eu serei um dos exemplos que ela terá para seguir. Por isso, revi meus conceitos, percebi o quanto estava errada e que devia consertar meus erros enquanto é tempo, pois a última coisa que quero é que nosso irmão ou irmã faça algo sequer parecido com o que eu vinha fazendo.

—Você me deixou sem palavras.

—E agora vou deixar você sem ar. — Tany ri e de imediato começa a fazer cócegas em mim.

—Tany, não! — Minhas risadas ecoam pelo aposento.

 

Por Henutmire

"E eis que a nova dama das duas terras, cujo esplendor fora concedido pelo próprio Rá, será conhecida pela bondade de seu coração e pela justiça de seus atos. Todo o reino a venerará e se curvará ao ouvir a mais simples menção de seu nome. Eis a princesa chamada Henutmire, aquela que carrega o céu em seus olhos."

Eu tinha semanas de nascida quando um sacerdote proferiu estas palavras a meu respeito, mas cresci ouvindo meu pai repetindo-as para mim. Ele se orgulhava de eu verdadeiramente carregar o tonalidade do céu no olhar. Mas, principalmente, se orgulhava por eu ser exatamente o que o sacerdote dissera: boa e justa. Agora, entendo porque meu pai apareceu para mim em sonho dizendo que eu não deveria ser tão má. Por mais que eu tenha o seu sangue, ele jamais desejaria que eu me tornasse uma pessoa como ele.

—Tia? — Mayra chama por mim. — A senhora está me ouvindo?

—Perdão, minha menina. — Falo ao voltar minhas atenções para ela. — Eu estava distraída.

—Há algo diferente na senhora, um brilho maior em seus olhos.

—Você acha?

—Eu tenho certeza. — Ela responde. — E não é apenas isso.

—Não? — Indago. — O que mais você notou de diferente em mim?

—Sua barriga. — A menina aponta para meu ventre.

—Você é bastante observadora, mocinha. — Sorrio um tanto nervosa por saber que Mayra notou o aumento do tamanho de meu ventre, mesmo que ainda seja difícil de perceber devido as roupas que venho usando e também pelo pouco tempo de gravidez.

—A senhora está doente, por isso sua barriga está inchada? — Ela pergunta, me fazendo rir.

—Me dê sua mão. — Peço.

—Para quê?

—Confie em mim. — Falo e logo Mayra faz o que lhe pedi. Com certa delicadeza, coloco sua mão sobre meu ventre, tendo a minha por sobre a dela. — Eu tenho uma vida crescendo aqui dentro, um filho meu e de Hur.

—Eu sabia! — Mayra me surpreende com seu sorriso repentino. — Eu sabia!

—Como assim? — Questiono, sem entender. — Quem contou a você?

—Ninguém me contou, eu senti. — Ela responde, porém isso só me deixa mais confusa. — Eu senti naquele dia em que toquei sua barriga.

—Do que está falando, Mayra?

—A senhora não se lembra?

Flash back on

—Por que a senhora não teve mais filhos, tia? — A menina pergunta.

—Porque Hadany e Tany foram suficientes para me completar como mãe. — Respondo, sorrindo. — Depois, chegou você e eu não precisei de mais ninguém para ser plenamente feliz.

—Mas, pense em como seria ter outro bebê aqui dent...

—O que houve, alteza? — Leila pergunta ao ver que Mayra se calou de repente ao tocar em minha barriga.

—Nada, foi apenas uma sensação estranha. — Mayra responde, mas parece estar escondendo algo de mim.

Flash back off

—Está dizendo que conseguiu sentir a criança que está dentro de mim? — Pergunto.

—Não sei explicar, apenas sei que senti algo diferente e tive a certeza de que a senhora estava grávida. — Mayra fala. — Ninguém acreditaria em mim, então guardei isso comigo. Mas, no fundo eu já sabia que havia um bebê em seu ventre.

—Você é de uma sensibilidade sem igual, minha menina. — Falo, emocionada.

—Eu posso? — Mayra faz menção de tocar em meu ventre.

—Claro que pode.

—Acho que ele terá olhos azuis, como os seus. — Ela sorri, enquanto suas mãos acariciam meu ventre com leveza. Em seguida, Mayra me surpreende ao depositar um beijo carinhoso sobre meu ventre. — Tia, quando o seu bebê nascer, eu posso ajudar a cuidar dele?

—É claro que sim. — Respondo com um sorriso.

—Com licença, alteza. — Ikeni pede ao entrar em meus aposentos e me reverenciar. — O soberano aguarda a princesa na sala do trono.

(...)

—Você está diferente, Henutmire. — Nefertari comenta ao me olhar.

—Impressão sua, minha cunhada. — Falo.

—Nefertari tem razão, há algo diferente em você. — Ramsés concorda. — Parece mais bela, mais feliz.

—Agradeço o elogio, mas creio que não me chamou aqui para isso.

—Não de fato. — Meu irmão me olha. — Lembra-se que eu lhe disse que iniciaria os trâmites de seu divórcio?

—Não poderia esquecer. — Falo com certa frieza.

—Eu a chamei aqui para que testemunhe com seus próprios olhos o fim de seu casamento com Hur. — Ele fala. — Falta apenas a minha aprovação para que seu divórcio seja oficial e pretendo dá-la agora mesmo.

—Não! — Surpreendo os soberanos com minha atitude. — Ramsés, por favor, não faça isso.

—Eu não te entendo, Henutmire. — O rei me olha, intrigado. — Você parecia conformada e até mesmo conivente com minha decisão.

—Isso foi antes. — Falo um tanto nervosa. — Agora tudo mudou.

—Nada mudou, minha irmã — Ele fala rindo. — A afronta que Hur me fez continua sendo a mesma e uma das consequências de seu ato é deixar de ser marido.

—Você não pode fazer isso, Ramsés. — Falo com firmeza.

—E sob que argumento você pretende me fazer mudar de ideia? — Ramsés me encara.

—Eu estou grávida. — Falo sem rodeios, deixando meu irmão e Nefertari chocados. — Espero um filho de Hur.

—O quê? — Minha cunhada exclama. — Não está falando sério, está?

—Pode parecer mentira, mas não é. — Respondo.

—Como isso aconteceu? — Meu irmão pergunta, incrédulo.

—Não espera que eu te dê uma explicação como esta, não é? — Sorrio, furtiva.

—Não seja sarcástica, Henutmire. Não me referi a isso. — Ele me repreende. — Hur foi expulso do palácio há pouco mais de três luas e...

—E é exatamente este o tempo que tem a criança que está em meu ventre. — Eu o interrompo. — Ramsés, por favor, não decrete este divórcio.

—Não sei o que pensar. — Meu irmão parece confuso.

—Eu nunca lhe fiz muitos pedidos, e o que pedi você fez questão de me negar. — Subo os degraus do trono, ficando frente a frente com Ramsés. — Mesmo que Hur e eu nunca mais possamos viver juntos, quero ser sua esposa até o último dia de minha vida. Eu peço, por favor, que não me negue isso também.

—Será como você deseja, minha irmã. — Ele diz e em seguida dirige seu olhar para meu ventre. — Não vejo que benefício isso te traz, mas é melhor não contrariá-la, pelo bem dessa criança.

—Com sua licença, majestade. — Um oficial adentra a sala do trono.

—O que deseja? — Ramsés pergunta.

—Vim a procura da senhora sua irmã. — O homem responde.

—Já me encontrou. — Falo.

—Vim avisá-la de que as ordens de vossa alteza foram cumpridas. — Ele fala. — Está tudo pronto para a execução da sentença de Yunet.

—Como assim? — Nefertari se manifesta. — Será hoje?

—Quando decidiu isso, Henutmire? — Ramsés questiona.

—Não importa quando! — Falo, ríspida. — Já esperei tempo demais para ver essa mulher pagar por tudo o que fez.

—Vá e certifique-se de que esteja tudo pronto. — Meu irmão ordena ao oficial. — Iremos assim que minha irmã desejar.

—Como quiser, senhor das duas coroas. — O homem faz uma reverência e em seguida se retira.

—Por favor, Henutmire, não leve isso adiante. — Nefertari suplica ao se aproximar de mim e segurar minhas mãos. — Dê ordens para que minha mãe permaneça presa o resto de sua vida, mas não a condene a uma morte cruel como esta.

—Nefertari, eu não posso mudar o que já fiz e sim o que estou por fazer. — Minhas palavras provocam lágrimas nos olhos de minha cunhada. — Condenei Yunet a morte e não posso revogar minha sentença.

—Sei que ela merece o pior dos castigos, mas é minha mãe. — Ela fala.

—Sinto muito. — É tudo o que digo.

(...)

Observo em silêncio os servos preparem o sarcófago, enquanto outros dois reviram a terra ao abrir nela um buraco. Ramsés colocou a sentença de Yunet em minhas mãos de tal forma que até mesmo o local onde ela será enterrada foi escolhido por mim. Nefertari se recusou a comparecer, o que é totalmente compreensível, e Ramsés permitiu que ela ficasse no palácio com Amenhotep. Mayra queria vir comigo, mas fui terminantemente contra. Se eu mesma não gostaria de estar aqui agora, jamais permitiria que minha sobrinha estivesse.

—Ela parece estar furiosa. — Tany comenta sobre Yunet.

—Perda de tempo da parte dela. — Hadany diz. — Nada do que fizer, disser ou sentir vai mudar sua sentença.

—Todos os que fizeram mal a nossa mãe tiveram o mesmo destino: a morte. — Tany fala, me fazendo refletir a respeito. Primeiro foi Disebek, depois Anat e agora Yunet.

—Não há quem provoque lágrimas nos olhos de Henutmire e fique vivo para gloriar-se disso. — Ramsés fala.

—Você ainda está vivo. — Eu o olho com seriedade.

—Acredito que não deseje a minha morte. — Ele afirma com segurança, mas meu olhar o faz duvidar. — Ou estou errado?

—Por mais que você tenha mandado me prender e com isso quase causado a minha morte, não desejo vê-lo morto. — Respondo e volto minha atenção para Yunet.

—Eles esperam apenas a sua ordem para começar. — Meu irmão fala, referindo-se a execução da sentença.

—Você é o rei, dê a ordem. — Falo.

—Você é a filha mais velha. — Ele me olha. — Hoje, seja a rainha que é por direito e permita que eu volte a ser apenas o príncipe.

—Simut. — Chamo pelo sacerdote.

—Vossa alteza. — Ele de pronto se apresenta a mim.

—Podem começar. — Ordeno com calma.

Simut se afasta de mim para orientar os servos e os oficiais quanto ao que deve ser feito. Paser quis ficar no palácio com a filha e, mesmo com seu jeito atrapalhado, Simut veio no lugar de seu mestre.

—Não! — Yunet grita apavora ao ver que sua hora chegou. Ela começa a se debater, afim de se livrar dos homens que a seguram.

—Ela deveria ser amordaçada. — Hadany sugere.

—Henutmire! — Ramsés exclama ao me amparar em seus braços quando sinto-me terrivelmente fraca de uma hora para a outra.

—Estou bem. — Minto com o máximo de veracidade possível.

—É claro que não está bem. — Tany fala, preocupada. — A senhora está pálida.

—Ela não deveria ter vindo. — Hadany diz.

—É melhor voltarem ao palácio. — Ramsés fala sugestivo.

—Eu estou bem! — Afirmo com firmeza. — É apenas um mal estar por causa da gravidez.

—Tem certeza, Henutmire? — Meu irmão pergunta, preocupado comigo e com o bebê.

—Sim, Ramsés. — Respondo e no mesmo instante os gritos de Yunet chamam novamente a minha atenção. A mãe de Nefertari está sendo levada a força em direção ao sarcófago simplório que foi feito para ela. Presenciar tal cena é o que está me deixando mal a ponto de perder as forças de meu corpo, porque sei que fui eu a decretar esse fim para Yunet.

—Eu quero falar com a princesa Henutmire! — Yunet exige.

—É melhor se calar. — Um dos oficiais aconselha.

—Mãe, não. — Hadany me detém quando faço menção de ir até Yunet.

—Ela só deseja atormentar você uma última vez. — Ramsés fala.

—Vocês precisam confiar em mim. — Falo e dirijo meu olhar para Yunet.

—Tragam a prisioneira até a princesa. — Ramsés ordena.

Os oficiais de imediato acatam as ordens do rei. Dou alguns passos a frente, me afastando de minhas filhas e de meu irmão. Respiro fundo e levo uma de minhas mãos até meu ventre ao perceber que Yunet tem seu olhar fixo sobre ele.

—O que você quer? — Pergunto ao ficar frente a frente com Yunet.

—Ouvi rumores de que você está grávida novamente. — Ela me encara. — Vai trazer outro pestilento ao mundo?

—Não, minha cara. Trarei ao mundo mais um príncipe. — Respondo com um sorriso. — Eu compreendo que esteja frustrada consigo mesma por saber que seus venenos não conseguiram me tirar o direito de ser mãe.

—Honestamente, acho que eu preferia ser evenenada quantas vezes fosse do que gerar em meu ventre um bebê com o sangue imundo dos hebreus.

—Você realmente merece o fim que está tendo, Yunet. — Falo. — Há alguns intantes atrás me senti mal pela sentença que lhe dei, mas agora vejo que chega a ser pouco perto do que você merece.

—Então, minha morte poderia pesar em sua consciência? — Ela pergunta com certo cinismo.

—Em uma guerra existem apenas duas opções: você ganha ou você morre. — Falo. — A sua guerra foi contra mim e eu venci. Portanto, nada mais justo que te reste apenas a morte e eu posso lhe assegurar que não perderei meu tempo me sentindo culpada.

—Eu desejo de todo o meu coração que você e essa criança morram durante o parto. — Os olhos de Yunet brilham com ira. — E que suas filhas sofram imensamente a perda da mãe.

—Adeus, Yunet. — Falo sem dar importância ao que ela disse e vejo em seus olhos o quanto isso a irrita. Faço sinal para os oficias levarem Yunet para que a sentença seja enfim executada.

—Maldita seja, Henutmire! — Yunet grita, enquanto é praticamente arrastada pelos dois homens. — Maldita seja você e toda a sua descendência!

—O que ela disse a senhora? — Hadany pergunta assim que me aproximo dela.

—Nada que se deva dar importância, minha filha. — Respondo. — Hoje, tudo o que Yunet fez será enterrado e esquecido, assim como ela própria.

—Malditos sejam os filhos de Seti! — Yunet continua a gritar aos quatro ventos. — Maldito seja Ramsés II por ser conivente com o que Henutmire está fazendo!

—Façam essa infeliz se calar! — Ramsés ordena com certo nervosismo. Os oficiais seguram Yunet com força, afim de fazê-la se aquietar, e logo um servo cumpre as ordens do rei ao amordaçar a mulher.

Os pés e mãos de Yunet são amarrados com cordas grossas e fortes. Uma serva retira suas jóias e adornos, deixando-a apenas com o vestido de tom roxo que está vestida e a peruca plenamente negra como uma noite sem luar e estrelas. Com grande esforço, os oficiais colocam a mãe de Nefertari dentro do sarcófago. Servos os ajudam, pois Yunet se debate violentamente na tentativa de escapar de seu fim eminente. Todavia, seus esforços são em vão. Logo o sarcófago é fechado sobre ela. E ainda assim se pode ouvir seus gritos horrendos, mesmo que abafados pela mordaça.

—Quer mesmo presenciar isso? — Ramsés me pergunta.

—Sou mais forte do que pareço, meu irmão. — Falo.

Minhas filhas se aproximam de mim e cada uma segura uma de minhas mãos, gesto que eu apenas correspondo. Meus olhos se prendem a cena diante de mim. Os homens carregam o sarcófago, que se agita devido a inquietação da pessoa dentro dele. Ainda ouço os murmúrios apavorados de Yunet, que parecem uma dolorosa e interminável tortura ao penetrarem em meus ouvidos. Sinto uma fraqueza tomar meu corpo, mas não me permito ser fraca agora. Jamais irei fraquejar diante de alguém, seja quem for. O sarcófago é colocado no profundo buraco no solo e em seguida servos começam a jogar terra sobre ele, assim executando a sentença que foi ordenada por mim.

—Sente-se satisfeita? — Meu irmão me olha.

—Creio que seja impossível não sentir satisfação em ver um inimigo perecer da pior forma possível. — Respondo. — Mas, agora que estou aqui e presenciei com meus próprios olhos o que meu ódio é capaz de fazer, sequer sei o que estou sentindo.

—Nosso pai se orgulharia de você. — Ele fala.

—Não, ele não se orgulharia. — Discordo. — Seti iria se entristecer por ver sua filha corromper a bondade de seu coração. Por saber que, quando quero, posso ser ainda pior do que ele foi.

 

 

Por Hadany

A volta para o palácio deu-se em silêncio. Ninguém disse uma só palavra, principalmente minha mãe. Seus olhos denunciavam o quanto estava impressionada com o que acabara de presenciar. Não nego que eu própria estou ainda um pouco abalada com o que vi, foi a primeira vez em minha vida que presenciei uma sentença de morte tão cruel. Todavia, não consigo sentir o mínimo de pena de Yunet pelo que fim que teve.

Quando retornamos, minha irmã e eu ficamos todo o tempo com nossa mãe. Quando a noite caiu, ela demorou a pegar no sono. Dizia que os gritos de Yunet ecoavam em sua mente e que a estavam deixando atordoada. Então, Tany cantou uma doce canção, enquanto eu acariciava suavemente o rosto de minha mãe. E assim, ela finalmente conseguiu adormecer. No entanto, quem agora não consegue dormir sou eu. Mas, o que me incomoda não é a tarde atípica que tive e sim a lembrança de algo que fiz.

Flash back on

—Você? — Yunet se surpreende ao me ver entrar em sua cela. — Veio a mando de sua mãe?

—Não, ela sequer sabe que estou aqui. — Respondo.

—Então, o que a princesinha quer? — Ela pergunta. — Deseja que eu lhe felicite pelo irmãozinho que irá ganhar?

—Como você pode saber disso?

—Notícias correm, principalmente quando são atribuídas a um milagre. — Ela responde. — Não é assim que estão chamando o bebê que Henutmire carrega no ventre?

—Sim, a criança que minha mãe espera é de fato um milagre, bem como somos eu e minha irmã. — Eu a olho. — Já que está tão bem informada, soube que descobrimos um filho bastardo de Disebek?

—Como? — Yunet indaga, incrédula.

—Isso mesmo que ouviu. Nefertari não é a única bastarda do falecido general. — Falo com firmeza. — Disebek traiu minha mãe com você, mas traiu você com outra.

—É mentira! — Ela esbraveja. — Está dizendo isso para me provocar!

—Eu não perderia meu tempo inventando mentiras para te provocar. — Altero um pouco meu tom de voz. — Acredite ou não, Disebek teve um filho com Anat.

—A sobrinha de Paser? — Ela questiona. — É ela a mãe do filho bastardo de Disebek?

—Sim, é ela. — Respondo. — Mas, isso é uma longa história e não estou com a mínima vontade de contá-la a você.

—Quem é ele? — Yunet pergunta, nervosa. — Quem é o bastardo?

—Morra sem saber. — Decreto, deixando-a furiosa. — Saiba apenas que ele será um príncipe por ser irmão da rainha e será legitimado por ela.

—Não! Nefertari não pode fazer isso! — Ela se descontrola. — Ela não pode legitimar esse bastardo.

—Ela é a soberana do Egito, pode fazer o que quiser. — Falo calmamente. — Quanto a você, pode gritar e se desesperar o quanto quiser. Não há mais nada que possa fazer, nem mesmo quanto a sua vida. Tudo o que lhe resta é a morte.

—Quem você pensa que é para falar comigo desse jeito? — Yunet me encara. — Você não é nada além de uma hebreiazinha suja!

—Eu sou Hadany, a princesa híbrida do Egito, filha de Henutmire, neta de Seti I e sobrinha de Ramsés II. Tenho o sangue da casa real em minhas veias e sempre serei lembrada por todos que me conhecerem. — Falo plena de superioridade. — Já você, Yunet... Você sim não passa de uma traidora assassina, uma meretriz que não merece sequer pisar em minha sombra.

—Eu sou a mãe da rainha!

—E isso faz de você coisa nenhuma, pois os privilégios que tinha como nobre era apenas por ser mãe de Nefertari. — Eu a encaro. — Seu nome será apagado da história, assim como qualquer lembrança sua que restar. Suas roupas e jóias serão queimadas e as cinzas serão atiradas no mais árido deserto. A beleza que possui, e da qual tanto se orgulha, será engolida pela terra e ninguém mais irá olhá-la com admiração.

—Cale-se! — Ela ordena ao me olhar furiosa e eu lhe respondo com um belo tapa em seu rosto.

—Você não dá ordens a mim. — Falo e sorrio ao ver a marca avermelhada de meus dedos na pele clara de Yunet. — Aproveite seus últimos dias nessa cela, pois quando estiver debaixo da terra irá sentir falta dela.

—Isso não vai ficar assim, garota. — Yunet ameaça.

—Não tenho medo de alguém tão interior, cujo destino já foi decretado e nada mais pode fazer para me atingir. — Olho para Yunet com desprezo e caminho até a porta. — Guarda.

—Alteza. — O oficial imediatamente abre a porta para mim.

—A prisioneira não deve receber comida ou água nos próximos dois dias. — Ordeno. — Quero que ela prove um pouco do que fez minha mãe passar.

—Será feito como ordena, princesa. — Ele diz.

—Vejo você no dia de sua sentença, Yunet. — Falo e logo em seguida saio do local sem olhar para trás.

Flash back off

Não me arrependo do que fiz. Ferir o orgulho de Yunet me deu imensa satisfação, pois eu a atingi onde mais lhe doía. Me levanto de minha cama e caminho até a varanda. Enquanto a brisa da noite balança meus cabelos, observo uma fogueira acesa a certa distância do palácio. Duas servas carregam em suas mãos vestidos, jóias e adornos que pertenciam a Yunet. Os objetos são atirados no fogo, que consome por completo cada um deles.

 

Por Henutmire

Caminho pelas margens do Nilo, enquanto acaricio cuidadosamente o meu ventre, que mesmo ainda pequeno já se mostra imponente por sobre o tecido azul de minhas vestes. Meus lábios não deixam de sorrir e tenho a certeza de que meus olhos emanam a alegria que sinto em meu coração. A brisa é tão suave ao tocar em minha pele que mais parece o toque macio e frágil da mãozinha de um bebê. Acho que nunca antes eu me senti tão em paz como agora.

—Henutmire. — Alguém me chama e me viro em direção a sua voz.

—Hur. — Pronuncio um tanto surpresa por me deparar com meu marido. — O que faz aqui?

—Eu não poderia estar em nenhum outro lugar se você não estivesse lá. — Ele se aproxima de mim e pousa sua mão esquerda sobre meu ventre. — Se a nossa família não estivesse lá.

—Mas, eu ainda estou aqui. — Falo ao colocar minha mão esquerda junto a dele. — Aqui, em meio aos caos que minha vida se tornou.

—É apenas uma tempestade, meu amor. — Hur sorri para mim. — Uma tempestade que em breve terá fim.

—E então, o céu se enfeitará com as sete cores do arco-íris e trará esperança aos corações. — Repito a frase de um poema que eu recitava para nossas filhas quando eram crianças. Olho nos olhos de Hur e sorrio. — Não sabe como eu sinto a sua falta.

—Tente me reconhecer na criança que carrega em seu ventre. — Ele pede. — Assim saberá que estou sempre com você, independente do que aconteça.

—Esse filho precisa de você, assim como eu. — Retiro a mão de Hur de sobre meu ventre e seguro-a junto a meu rosto. — Não me deixe sozinha, por favor.

—Eu não posso ficar, Henutmire. — Meu marido diz. — Não por enquanto.

—Não vá embora, Hur. — Suplico. — Não quero ficar sem você.

—Apenas tente não se acostumar com minha ausência. — Ele fala, enquanto seu dedo indicador desliza sobre o anel que ele próprio me deu quando me pediu em casamento e que hoje uso em minha mão esquerda. — Eu volto, me espera.

—Mas, como você irá voltar? — Pergunto.

—Seus olhos são e sempre serão a luz que preciso para guiar meus passos de volta para você. — Hur olha em meus olhos e eu consigo me ver refletida nos seus. — Não se esqueça de quem você é, por mais perdida que possa se sentir.

—Eu devo tanto a você, meu amor. — Sorrio, emocionada. — Devo toda a minha felicidade e tudo o que hoje eu sou.

—Você é a melhor versão que tenho de mim mesmo. — Hur une seus lábios carinhosamente aos meus.

—Eu te amo. — Falo quase em um sussuro, quando nossos lábios se separam, e uma única lágrima escapa de meus olhos azuis.

—Eu também te amo. — Ele limpa a lágrima de meu rosto com um gesto delicado de seus dedos e em seguida me abraça. — Eu prometo a você que irei voltar, apenas me espere.

Meus olhos se abrem devagar, me despertando aos poucos. Em minha pele consigo sentir o carinho do abraço de Hur em meus lábios o toque macio de seu beijo. Sento-me em minha cama, ainda um pouco atordoada. Levo uma de minhas mãos a meu ventre e uma lágrima rola por meu rosto.

—Foi apenas um belo sonho, meu filho. — Falo para a criança que carrego comigo. — Um sonho que eu gostaria muito que fosse verdade.

Seco as lágrimas de meus olhos e suspiro profundamente. Só eu sei o quanto sinto a falta de Hur, principalmente depois que descobri que estou grávida e passei a raciocinar como deveria. Eu não podia ter permitido que a mágoa fosse maior que tudo, maior até do que o amor que sinto por meu marido. Hur errou sim, e não foi um erro qualquer. Saber do que ele foi capaz de fazer com Miriã me feriu grandemente, a ponto de não conseguir reconhecer o homem com quem me casei. Saber a verdade mudou minha forma de olhar para Hur. Mas, agora eu compreendo que quando o amor é maior e mais forte que si mesmo, o coração mais machucado torna-se capaz de perdoar o mais imperdoável dos erros.

—O papiro. — Sussuro ao me lembrar do papiro que Hur escreveu para mim antes de ir embora do palácio. — Onde eu o guardei?

Me levanto e começo a procurar pelo papiro nas gavetas dos móveis e até mesmo em alguns baús. Como é possível que eu não me lembre onde coloquei algo tão importante? Sei que quando Leila o entregou a mim não dei importância alguma, mas agora é diferente. Reviro algumas caixas em cima da mesa até que, ao abrir uma delas, finalmente encontro o papiro. Sorrio ao tê-lo em mãos, ao mesmo tempo em que minha curiosidade toma conta de mim.

—Vamos ver o que seu pai escreveu para nós. — Acaricio meu ventre e então me sento novamente em minha cama. Devagar, desato a fita que amarra o papiro e logo abro-o diante de meus olhos.


"Não pretendo usar de muitas palavras para tomar seu tempo, apenas escrevo este papiro como forma de me despedir. Não me dói deixar o palácio, ter sido expulso pelo rei ou abandonar a vida de luxo e conforto que o título de nobre me deu. Me dói saber que estou deixando para trás a mulher que amo e que me deu duas filhas maravilhosas, as quais também estou deixando para trás. Perdão, Henutmire... Perdão por ter te decepcionado, essa jamais foi minha intenção. Se agora você pudesse olhar profundamente em meus olhos, saberia que eu nunca quis magoá-la e que meu maior medo sempre foi perder você. Por isso, omiti o que houve entre Miriã e eu. Afinal, que importância teria um envolvimento passageiro comparado ao imenso amor que sempre senti por você? Eu sempre te amei mais que a minha própria vida, Henutmire. Era amor desde o primeiro instante em que te vi e será amor até que meus olhos vejam a luz deste mundo pela última vez. Espero que um dia possa me perdoar, mesmo sabendo que não mereço seu perdão. Meu coração me diz que uma parte de mim está ficando com você e que isso te mostrará que a história que juntos escrevemos até aqui não foi em vão."


Não consigo pronunciar uma só palavra, apenas sinto lágrimas inundarem meus olhos. Eu sempre tive absoluta certeza do amor de Hur, mas, se é possível, agora tenho ainda mais. Quando ele deixou o palácio, eu estava na prisão. Nem ele, nem eu sabíamos que eu já esperava um filho. Mas Hur soube, ou melhor, seu coração soube que um pedaço seu ficara comigo. Isso apenas reafirma o quanto é intensa a ligação que temos um com o outro, o quanto pertencemos um ao outro a ponto de parecer que somos uma só pessoa.

—Já é hora de resolver essa situação. — Falo, determinada.


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Notas finais do capítulo

O que será que Henutmire vai fazer? Até o próximo capítulo.



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