O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 34
Capítulo 34




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   Por Henutmire

 

   Flash back on

 

   Meus olhos se abrem devagar, ainda sonolentos. Assusto-me ao perceber que há alguém em minha cama, mas acabo rindo de mim mesma ao perceber que se trata de Hur. Por breves instantes, me esqueci de que agora sou uma mulher casada e que, depois da noite que tivemos, é mais do que normal amanhecer nos braços de meu marido.

 

  —Bom dia. — Hur me olha com um sorriso ao ver que despertei.

 

  —Bom dia. — Sorrio e dou-lhe um beijo suave.

 

  —Dormiu bem? — Ele pergunta.

 

  —Está dizendo que passei nossa noite de núpcias dormindo? — Falo, maliciosa.

 

  —Não toda a noite. — Hur fala, ruborizado, o que me faz rir. — Você estava tão nervosa.

 

  —E ainda assim você soube como lidar pacientemente comigo e me proporcionou a noite mais maravilhosa de toda a minha vida. — Olho para ele. — Não imagino outra pessoa com quem eu quisesse estar.

 

  —Eu prometo que todas as nossas noites e dias juntos serão assim. — Ele acaricia meu rosto. — Farei de tudo para te fazer feliz, Henutmire.

 

  —Eu confio em você, sei que não vai me decepcionar. — Me aninho em seus braços, que me envolvem com mais força contra si.

 

  —Confie sempre no meu amor por você, Henutmire. — Ele diz, me fazendo sorrir. — Sempre.

 

   Flash back off

 

   Se há algo de ruim nas lembranças é o fato de elas aparecerem quando menos esperamos. Leila faz a maquiagem de meus olhos e eu me esforço para que nenhuma lágrima escape deles. Hur pediu para que eu sempre confiasse em seu amor por mim, mas a verdade é que eu não consigo confiar em nada, nem em mim mesma. A minha vida mudou completamente desde que eu soube sobre Hur e Miriã, e nada me mostra um caminho para que eu volte a ser a Henutmire que eu era antes.

 

  —Terminei. — Leila diz e eu abro meus olhos, torcendo para que não estejam avermelhados pelas lágrimas que contive. — Veja se está bom.

 

  —Excelente. — Falo ao ver meu reflexo no espelho.

 

  —A senhora parece desanimada.

 

  —Eu não queria esta festa, Leila. — Falo. — Mas, Ramsés tanto insistiu que conseguiu realizar essa comemoração contra a minha vontade e praticamente me obrigar a ir.

 

  —Talvez o soberano apenas queira agradá-la com uma grande festa em comemoração ao seu aniversário. — Leila fala, otimista como sempre.

 

  —Eu tenho a impressão de que esta será a festa de aniversário mais surpreendente que já tive nos últimos anos.

 

   Levanto-me e caminho suavemente até o centro de meus aposentos, ajeitando o tecido macio de tom azul escuro de meu vestido sobre meu corpo. É impossível não lembrar que, em meu último aniversário, foi a mão de meu marido que me conduziu até a sala do trono. Eu já não sei mais o que sinto. Não sei se sinto falta de Hur ou se quero que ele permaneça longe de mim. Não sei se luto para conservar o amor que tenho por ele ou se deixo que a mágoa mate por completo este sentimento. Estou sozinha em meio a um deserto, sem saber qual direção seria a certa a seguir.

 

  —Está pensando nele? — Leila traz minhas atenções para si ao se referir a Hur. — É claro que está.

 

  —Seres humanos são criaturas estranhas, Leila. — Falo, olhando-a. — Quanto mais algo lhes faz mal, mais desejam ter aquilo.

 

   Minha dama me olha em silêncio, certamente por entender o que quero dizer. Hur me magoou como nunca, me decepcionou e partiu meu coração com sua mentira. Mas, ainda assim eu não consigo odiá-lo. Minha cabeça grita para que eu dê razão a sensatez e tire Hur de minha vida para sempre, mas algo forte e desconhecido grita ainda mais alto pedindo por ele junto a mim outra vez. São duas vozes distintas dentro de minha alma, falando ao mesmo tempo e me deixando sem saber a qual devo dar ouvidos.

 

  —Hur deixou isto para a senhora antes de sair do palácio. — Leila me entrega um papiro que deixara entre as almofadas do divã quando chegou. — Pediu que eu lhe entregasse quando fosse o momento certo. Acho que esse momento chegou.

 

   Pego o papiro em minhas mãos e começo a desatar a fita que o amarra, mas de súbito detenho-me. Vou até a mesa e coloco-o dentro de uma caixa, a mesma na qual Hur me presenteou os braceletes, fechando-a em seguida.

 

  —Eu não quero ler! — Falo, surpreendendo Leila. — A minha história com Hur acabou. Não quero nada que me lembre o que vivemos, apenas minhas filhas.

 

  —Como achar melhor, senhora. — Ela fala em curtas palavras.

 

  —Mãe, a senhora está pronta? — Hadany pergunta ao entrar em meus aposentos com sua irmã, mas ambas se paralisam ao olhar para mim da cabeça aos pés.  —A senhora está linda.

 

  —Deslumbrante como uma rainha. — Tany elogia, me deixando um tanto constrangida.

 

  —Posso assegurar que nenhuma rainha esteve tão bela como a senhora Henutmire está hoje. — Leila acrescenta sorrindo.

 

  —Eu nunca fiz questão dessa festa, mas já que Ramsés insistiu é melhor que eu me apresente a altura da homenagem. — Caminho até minhas filhas. — Me acompanham até a sala do trono?

 

  —Será um honra, alteza. — Hadany fala divertida.

 

 

   Por Anat

 

   Acho que jamais houve ou haverá ironia maior do que eu comparecendo a uma festa em homenagem ao aniversário de Henutmire, principalmente depois do que ela me fez. Eu pude ver em seus olhos o quanto me ver contorcendo-me de dor a encheu de satisfação. Ela se vingou pela morte do filho, mas eu sequer sabia que havia um bebê em seu ventre quando envenenei seu vinho. Eu reconheço a minha maldade e do que ela me torna capaz, mas jamais atentaria contra a vida de uma criança inocente. Sei o que se sente quando se perde um filho, é algo que não desejo para ninguém.

 

  —Senhora Anat? — Simut chama por mim ao abrir a porta de meus aposentos.

 

  —Entre, Simut. — Falo e ele assim o faz.

 

  —Desculpe atrapalhá-la, sei que está se preparando para a festa da princesa, aliás, todos no palácio estão. — Ele fala, com seu jeito de sempre. — Isto chegou para a senhora. Foi trazido por um mensageiro, que disse ser urgente.

 

  —É de Atalia. — Concluo ou ver o papiro fechado com o selo do templo de Om. — Obrigada, Simut.

 

  —Disponha. — Ele sorri. — Com sua licença.

 

   O assistente de meu tio se retira, deixando-me sozinha com o papiro em mãos. Abro-o com rapidez, já temendo que o motivo que fez a grande sacerdotisa me escrever seja dos piores. Começo a lê-lo e conforme cada palavra começa a fazer sentido mais perplexa eu fico. Sento-me em minha cama, trêmula e completamente incrédula de que o que este papiro diz é verdade.

 

  —Não pode ser! — Falo para mim mesma, ainda olhando para o papiro em minhas mãos.

 

 

   Por Henutmire

 

   Nunca uma festa me deixou tão entediada. Ver as mesmas pessoas vazias de sempre e sorrir para cada uma que se aproxima para dar-me suas felicitações por mais um ano de vida que completo. Todavia, minhas atenções não se desviam de Hadany, Tany e Alon, que conversam amistosamente próximos a mim. Nunca me opus a nenhuma amizade de minhas filhas, mas algo nesse rapaz me incomoda, embora eu sequer o conheça bem. Talvez seja o fato de Alon ser como a sombra de Anat e assim me fazer acreditar que ele é como ela.

 

  —Peço a atenção de todos, por favor. — Ramsés fala, chamando a atenção de todos os presentes e fazendo com que a música cesse. Alon então faz uma reverência a mim e se afasta, tomando seu lugar na festa ao lado de Anat.

 

  —Meu tio vai fazer um discurso? — Hadany pergunta ao ver Ramsés descer do trono, trazendo Amenhotep consigo, e se colocar diante dos convidados sobre o largo degrau que quase se iguala a altura do chão do salão.

 

  —Espero que não. — Respondo.

 

  —Sei que a festa é em homenagem a minha irmã, mas gostaria de aproveitar a ocasião para fazer um comunicado. — Ramsés volta seu olhar para Hadany e lhe estende sua mão direita. — Venha até aqui, minha sobrinha.

 

   Receosa, minha filha olha para mim antes de caminhar até o rei. Sua mão pousa delicadamente sobre a de Ramsés, enquanto sobe os dois pequenos degraus e se coloca ao lado dele. Todos aguardam ansiosos para saber o que o soberano tem a dizer. Já eu tento imaginar o que Ramsés fará de tão importante para interromper a festa que tanto insistiu em fazer para mim.

 

  —Quero informar a todos o compromisso de noivado entre Amenhotep, meu filho, e Hadany, filha de Henutmire. — Ramsés fala, deixando-me estarrecida.

 

  —Como? — Hadany o olha, incrédula.

 

  —O que pensa que está fazendo, Ramsés? — Altero minha voz, chamando a atenção de todos para mim. Me coloco frente a frente com meu irmão. — Como você toma uma decisão como esta sem antes me consultar?

 

—Você deveria se orgulhar, Henutmire. — Ele fala com calma impressionante. — Sua filha irá se casar com o futuro rei do Egito.

 

  —Não pode decidir a minha vida por mim! — Minha filha protesta. — Eu não aceito esse noivado.

 

  —Não ouse me rejeitar diante de toda a corte! — Meu sobrinho fala furioso ao agarrar o braço de Hadany. — Você agora é minha noiva, um dia será minha esposa e me deve respeito.

 

  —Me solte! — Ela tenta se livrar do primo. — Eu nunca vou me casar com você. Nunca!

 

  —Tire suas mãos de minha filha! — Ordeno ao empurrar Amenhotep para longe de Hadany.

 

  —Se acalme, Henutmire. — Nefertari pede ao descer do trono em defesa do filho.

 

  —Você sabia disso? — Pergunto.

 

  —Não, estou tão surpresa quanto você. — Minha cunhada responde.

 

  —Silêncio! — Ramsés ordena. — Vocês são todos inferiores a mim! Ninguém tem o poder de contestar uma decisão minha.

 

  —Sua decisão é absurda em todos os sentidos, Ramsés. — Nefertari demonstra que também não aprova a atitude de seu marido. — Pense melhor no que está fazendo.

 

  —Não tenho que pensar em nada! O noivado de Amenhotep e Hadany é oficial e o casamento será realizado quando ambos tiverem idade suficiente para se tornar marido e mulher. — Ramsés decreta e então olha para mim. — É a decisão do rei e assim será feito.

 

  —O seu filho não é digno da minha filha. — Eu o encaro, diante dos olhares espantados de todos que estão voltados para nós. — Você pode oficializar o noivado, mas esse casamento só vai acontecer se eu estiver morta. — Afirmo com segurança e em seguida saio da sala do trono.

 

(...)

 

  —Como ousa sair da sala do trono sem a minha permissão e abandonar a festa que mandei preparar para você? — Ramsés pergunta ao entrar em meus aposentos.

 

  —Quem você pensa que é para impor uma loucura como esta a minha filha? — Falo, dando ênfase as últimas palavras. — Hadany e Amenhotep são primos, têm o mesmo sangue.

 

  —Exatamente por isso, minha irmã. — Ele fala, me deixando confusa. — O casamento entre os dois dará ao trono descendentes puros de sangue real.

 

  —Você enlouqueceu, Ramsés! — Esbravejo. — Está pensando em casar dois netos de Seti, e um deles ainda tem o sangue maldito de Yunet e Disebek.

 

  —E sua filha tem o sangue imundo dos hebreus! — Ele rebate. — Se dê por satisfeita por eu querer uma princesa híbrida como esposa do príncipe do Egito.

 

  —Hadany não vai se casar com Amenhotep, eu não vou permitir.

 

  —Não há nada que você possa fazer, a decisão já foi tomada. — Ramsés me olha firmemente. — Se você quer as coisas diferentes, torne-se rainha.

 

  —Então, me devolva o trono que você me roubou! — Falo tomada pela fúria, o que o assusta. — Eu sou a primeira filha de Seti, o trono é meu por direito legítimo.

 

  —EU SOU O REI! — Ele esbraveja, sem me causar medo.

 

  —Sim, você é. Mas, os mais poderosos reis podem cair diante de alguém mais forte e ainda mais poderoso. — Lanço-lhe um olhar intimidador. — Eu posso reunir um grupo de súditos insatisfeitos com o seu governo, não será difícil. Eles serão o meu povo e farão de mim a sua rainha. Lutarão para me dar trono e entregarão a sua coroa em minhas mãos.

 

  —Não está falando sério.

 

  —Continue duvidando de mim e verá com seus próprios olhos a primogênita de Seti reinando sobre o Egito em seu lugar.

 

(...)

 

—Tem certeza que quer fazer isso, princesa? — Leila pergunta, receosa. — A senhora já a condenou a morte, o que mais pode querer?

 

  —Vê-la sofrer. — Respondo. — Ou melhor, fazê-la sofrer.

 

  —Alteza. — Os oficiais que guardam a cela de Yunet fazem uma reverência ao me ver.

 

  —Quero falar com a prisioneira. — Peço e de imediato um dos homens abre a porta para mim.

 

  —Henutmire? — Yunet se espanta com a minha presença.

 

  —Surpresa em me ver? — Pergunto.

 

  —O que veio fazer aqui? — Ela responde com outra pergunta. — Saudades dos dias que passou nesta cela?

 

  —Reconheço que esse lugar não me traz boas lembranças, mas eu precisava retribuir a visita que me fez quando estive presa. — Aproximo-me dela. — Está gostando de seus novos aposentos?

 

  —O que pretende, princesa? — Yunet me olha. — Não veio até aqui para que eu lhe dê minhas felicitações por seu aniversário, certo?

 

  —Certamente que não. — Respondo rindo.

 

  —Então, me diga o que a traz aqui. — Ela pede. — Não se deu por satisfeita em decretar minha sentença de morte?

 

  —Pelo contrário, Yunet. Estou muito feliz por ser eu a pessoa que escolheu como será o seu fim. — Sorrio. — É justo, não acha?

 

  —Diga de uma vez o que quer e vá embora.

 

  —Como se sente sabendo que a vingança pela morte de Seti veio até você pela mãos da filha dele? — Pergunto. — Aliás, não apenas dele, mas também de todos os filhos que você matou ainda em meu ventre.

 

  —Está se sentindo inatingível, não é? A princesa através da qual a justiça se manifesta. — Ela me encara. — Deveria saber que decretar a morte de uma meretriz não lhe dá poder algum.

 

  —Guardas! — Chamo e no mesmo instante os dois oficiais entram na cela. — Matem-na.

 

  —Não! Me soltem! — Yunet se debate ao ter seus braços segurados pelos dois homens. — Você enlouqueceu, Henutmire?

 

  —Façam o que mandei. — Ordeno. Então, um dos homens saca sua espada, deixando Yunet apavorada. — Parem! — Ordeno novamente ao ver a lâmina brilhante e afiada próxima ao pescoço de Yunet. — Eu mudei de ideia, podem soltá-la.

 

  —Mas, o que significa isso? — A mãe de Nefertari pergunta, ofegante.

 

  —É uma pequena amostra do poder que eu tenho. Uma ordem minha e você deixa de existir. — Eu a encaro, fazendo com que recue ao dar um passo para trás. — Deveria saber que a sua vida está em minhas mãos e que posso fazer com você o que eu bem entender, inclusive antecipar a sua morte.

 

  —E por que não acaba com isso de uma vez? — Ela fala, nervosa. — Dê a ordem e me mande para o mundo dos mortos como tanto deseja.

 

  —Ainda não é hora, seja paciente.

 

  —Até quando vai me torturar com essa espera?

 

  —Até que você se ajoelhe perante mim e implore por sua vida. — Respondo. — Mas, como eu sei que isso nunca irá acontecer, me contentarei em vê-la definhar dentro desta cela.

 

  —Vejo que a maldade vive dentro de cada um, só precisa de um motivo para ser despertada. — Yunet diz. — Eu achava que dos filhos de Seti você era a que não havia herdado sua crueldade.

 

  —Não nego o sangue que tenho. — Sorrio. Então, agarro com força o queixo de Yunet, fazendo com seus olhos verdes me contemplem com pavor. — Você passou toda a sua vida desejando o que é meu, não é? Pois agora, a cela que foi minha é sua.

 

   Atiro Yunet com força contra o chão frio da cela. Ela apenas me olha, furiosa, mas não reage a humilhação que acabo de fazê-la passar. Dou-lhe as costas e saio do local, acompanhada por Leila e pelos dois oficiais. O doce sabor da vingança toma meus lábios e um sorriso se forma ao me dar conta de que finalmente estou fazendo com que as pessoas que me fizeram mal paguem.

 

  —Ela não deve receber visitas de ninguém, sem exceções. — Ordeno aos oficiais. — Se alguém reclamar, mande que vá falar comigo.

 

  —Como a alteza ordenar. — Um dos homens fala.

 

   Caminho para fora da prisão com certa rapidez, talvez pelo fato de que não me agradou em nada os dias que passei neste lugar, ao qual pretendia nunca mais voltar. Sem muita demora, chego a um dos principais corredores do palácio que leva até o jardim real, mas uma tontura faz com eu me sinta fraca e pare de caminhar assim que entro no jardim.

 

  —Senhora Henutmire! — Leila de imediato me ampara. — O que houve?

 

  —Estou um pouco tonta.

 

  —Não deveria ter ido até a prisão, princesa. — Ela fala ao me ajudar a sentar. — Querendo ou não a senhora ainda está frágil para suportar tantas emoções e hoje foi um dia repleto delas.

 

  —Pelo visto eu nunca vou me recuperar por completo. — Falo ao sentir meu estômago revirar-se dentro de mim, causando um terrível enjôo.

 

  —A senhora está pálida.

 

  —Estou enjoada. — Falo, deixando minha dama preocupada. — Deve ter sido algo que comi durante a festa.

 

  —Talvez seu organismo esteja rejeitando a comida do palácio, já que até poucos dias a senhora se alimentava apenas com as provisões mandadas por Moisés. — Leila diz e eu concordo com ela. — Princesa, a senhora esteve a beira da morte e sobreviveu. Mas, precisa se cuidar até estar completamente reestabelecida.

 

  —Não se preocupe, minha querida. — Sorrio para ela. — Se a fome e a praga das úlceras não me mataram, não serão as consequências que deixaram em mim que me matarão.

 

 

   Por Hadany

 

   Mais parece que estou dentro de um pesadelo, do qual não consigo despertar. Um novo dia começou, mas não conseguiu fazer com que eu me esqueça dos momentos que vivi ontem. Nunca em minha vida imaginei que seria submetida a aceitar um noivado contra a minha vontade. Isso é um completo absurdo! Amenhotep e eu somos primos e desde crianças nunca fomos de nos entender tão bem um com o outro. Caminho ao redor da arena de treinamento, em companhia de minha irmã e de Alon. Mas, a verdade é que sequer consigo dar atenção ao que conversam de tão distraída que estou. Não distraída com Ikeni e Pepy, que são os únicos treinando luta de espada, mas sim com os problemas.

 

  —Hadany? — Tany chama por mim. — Está tudo bem?

 

  —Vossa alteza está tão calada. — Alon fala.

 

  —Está assim por causa do noivado, não é? — Minha irmã pergunta.

 

  —Eu não quero acreditar que meu tio está me obrigando a ser a prometida de Amenhotep. — Respondo. — Isso é loucura!

 

  —O príncipe não pareceu desapontado com o noivado. — Alon observa.

 

  —Certamente ele já saiba e meu tio o convenceu de que é conveniente casar-se comigo. — Afirmo. — Se ao menos se tratasse de uma união por política eu procuraria entender, mas não é.

 

  —Como não? — Tany indaga.

 

  —Ainda não percebeu que o rei quer que eu me case com o príncipe herdeiro porque temos o mesmo sangue? — Respondo com uma pergunta. — Sendo assim, nosso possíveis filhos serão herdeiros de sangue puro.

 

  —É uma lógica incorreta, já que vossa alteza tem também o sangue de seu pai. — Alon acrescenta.

 

  —E Amenhotep tem o sangue de sua mãe, que é uma mistura do sangue de Yunet e de Disebek. — Ressalto. — Percebem o quanto isso é absurdo?

 

  —Ou terrívelmente irônico já que Disebek foi marido de nossa mãe e Yunet é a pessoa que mais a odeia nesse palácio. — Minha irmã fala.

 

  —Eu vou enlouquecer se continuar pensando nisso! — Exclamo, exausta. — Não quero me casar com Amenhotep, mas não há nada que eu possa fazer para acabar com esse noivado.

 

  —Acalme-se. — Ela pede. — Nós vamos encontrar uma solução.

 

  —Assim espero. — Respiro fundo. — Vamos mudar de assunto.

 

  —Sobre o que quer falar? — Alon pergunta.

 

  —Fale sobre você, não sabemos muito a seu respeito. — Tany sugere.

 

  —Eu me chamo Alon e sou guardião no templo das sacerdotisas de Seth, em Om. — Ele fala, nos fazendo rir. — Qual é a graça?

 

  —Nós e todo o palácio sabemos o que você acabou de dizer. — Falo. — Conte sobre sua vida, sobre seus pais.

 

  —Eu não os conheci, alteza. Fui criado no templo pela senhora Atalia desde bebê. — Alon fala com certa tristeza em seu olhar. — O único que sei sobre minha mãe é que ela me abandonou na porta do templo quando eu tinha poucos dias de nascido e deixou apenas um papiro dizendo que não tinha condições de cuidar de mim.

 

  —Eu sinto muito. — É tudo o que consigo dizer.

 

  —O que significa isto? — Amenhotep grita ao chegar ao campo de treinamento. Ele olha com fúria para Alon. — Afaste-se de minha noiva!

 

  —Pare de gritar, Amenhotep. — Peço.

 

  —O que está fazendo em companhia desse guardião? — Ele pergunta.

 

  —Estávamos apenas conversando. — Alon responde em meu lugar. — Não há motivos para que o príncipe se altere desta maneira.

 

  —Eu não lhe perguntei nada! — Amenhotep empurra Alon. — Não quero você perto de Hadany!

 

  —Pare com isso! — Ordeno. — Não está vendo o quão ridículo você é?

 

  —Você está me fazendo de ridículo! — Ele grita. — Acha que eu não notei a forma como ele olha para você? — Amenhotep então encara Alon. — Você pode estar apaixonado por ela, mas é comigo que Hadany está comprometida e é comigo que ela vai se casar.

 

  —Chega, Amenhotep! — Tany intervém. — Você está fazendo mais escândalo do que uma criança birrenta.

 

  —Tudo isso é medo de que eu provoque dores em sua cabeça antes mesmo de nos casarmos? — Pergunto, sarcástica.

 

  —É melhor começar a se comportar como a futura rainha do Egito. — Amenhotep segura em meu braço direito. — Você será minha esposa e sabe muito bem que não pode mudar isso.

 

  —Eu prefiro dançar para os homens na casa de Senet, como sua avó fazia, do que me tornar sua esposa. — Falo com firmeza, deixando-o com ainda mais raiva. — Me solte, você está me machucando.

 

  —Isso não é nada perto do que eu posso fazer se você continuar me irritando. — Ele afunda seus dedos em minha pele com ainda mais força.

 

  —Me solte, Amenhotep! — Ordeno. Sinto a dor em meu braço aumentar em proporções gigantescas, mas não dou a meu primo o prazer de me ouvir gritar.

 

  —Solte-a! — Alon faz com que Amenhotep se afaste de mim e se coloca a minha frente. Levo minha mão esquerda até meu braço e vejo cinco marcas roxas se destacarem em minha pele clara. — Você não vai machucar a princesa, não na minha frente.

 

  —Tem razão, é melhor eu machucar você. — Amenhotep então pega sua espada e disfere um golpe em direção a Alon, que no mesmo instante se defende ao usar sua espada.

 

  —Não faça isso, príncipe. — Ikeni tenta intervir.

 

  —Alon, não! — Tany tenta impedí-lo de revidar.

 

  —Vai deixar que uma mulher mande em você? — Meu primo o provoca.

 

  —Afastem-se. — Alon pede a mim e a minha irmã.

 

  —Não! — Me recuso ao me aproximar ainda mais dele e segurar em seu braço. — Por favor, não se deixe levar pelas provocações de Amenhotep.

 

  —Afaste-se! — Ele me empurra para longe de si e acabo indo parar nos braços de Ikeni, o que impede que meu corpo se choque contra o chão. — É hora do príncipe aprender uma lição.

 

  —Estou esperando. — Amenhotep ri.

 

   Os dois rapazes caminham até o centro da arena e tudo o que se ouve é o som das lâminas ao se chocarem uma com a outra. Amenhotep usa todos os golpes que conhece contra Alon. Eu nunca o vi lutar com tanta raiva, ele está decidido a matar o guardião de Om. Todavia, Alon é habilidoso com a espada e não se deixa vencer pelo príncipe herdeiro. A cada movimento feito, mais medo eu tenho de que este confronto termine em uma grande tragédia.

 

  —Faça alguma coisa, Ikeni. — Peço ao comandante.

 

  —Eu não posso, alteza. — Ele fala. — Se eu entrar no meio dos dois, um deles pode acabar se ferindo ou ferindo a mim.

 

  —Eles vão acabar se matando. — Tany fala, aflita.

 

   Então, em um golpe rápido e preciso, Alon consegue desarmar meu primo e jogá-lo no chão, colocando fim ao confronto. Ele joga ao solo a espada com a qual lutava e caminha em minha direção, com um sorriso vitorioso nos lábios por ter me defendido. Porém, Amenhotep levanta-se e corre em direção a Alon, tendo em sua mão direita o punhal que lhe foi dado por seu pai.

 

  —CUIDADO! — Grito, apavorada.

 

   Alon então vira-se no mesmo instante para se defender, porém é tarde demais. Vejo meu primo enterrar o punhal em seu abdômen, fazendo com que seu sangue de imediato se espalhe em suas vestes brancas. Amenhotep retira bruscamente a arma de dentro do guardião e aproveita-se do fato de ele estar ferido para empurrá-lo contra o chão.

 

  —Alon! — Corro até ele, me ajoelho ao chão e coloco sua cabeça em meu colo. — Veja o que você fez, Amenhotep!

 

  —Ele procurou por isso. — Amenhotep fala, satisfeito. — Tomara que morra para aprender a ficar longe do que é meu!

 

  —Já chega, príncipe! É melhor sair daqui. — Ikeni fala com seriedade e Amenhotep se retira.

 

  —Prin... prince... — Alon tenta falar comigo, mas não consegue.

 

  —Ele está perdendo muito sangue. — Falo com uma de minhas mãos sobre o ferimento.

 

  —Saia de perto dele! — Tany sai do estado de choque em que estava e me empurra com certa brutalidade, afastando-me de Alon e colocando sua cabeça em seu colo. — A culpa é sua, Hadany!

 

  —Minha? — Indago, incrédula.

 

  —Sim, sua! Nada disso estaria acontecendo se não fosse por você. — Tany fala, demasiadamente nervosa. — Alon lutou com Amenhotep para te defender, ele está nessa situação por sua causa! Se Alon morrer, eu jamais vou te perdoar.

 

  —Eu não tenho culpa do que aconteceu! — Esbravejo. — O único culpado é Amenhotep por achar que esse maldito noivado lhe dá direitos sobre mim.

 

  —Cale-se! — Ela exclama. — Eu não quero mais ouvir sua voz, Hadany.

 

  —Eu não entendo a sua atitude, Tany! — Falo, também já nervosa. — Você nunca trocou mais de uma frase com Alon e agora age como se ele fosse a pessoa mais importante de sua vida, como se...

 

  —Como se eu o amasse? Era isso o que ia dizer? — Ela me interrompe. — Pois bem, minha irmã, é exatamente isso. Eu amo Alon, amo desde o dia em que me dei conta de que o que eu sinto por ele é amor. — As palavras de Tany me pegam de surpresa, bem como suas lágrimas. — Mas, ele te ama e nunca irá olhar para mim da forma como olha para você.

 

  —Vamos levá-lo para dentro, alteza. — Ikeni fala ao ver que permaneço sem reação alguma. — Ele precisa dos cuidados de Paser.

 

   Ikeni pega Alon nos braços e, juntamente com Tany, caminha em direção ao interior do palácio. Eu permaneço sentada no meio da arena, olhando minhas vestes manchadas pelo sangue do guardião. Acabo me entregando as lágrimas, me sentindo culpada por Alon estar ferido e por roubar o amor do homem que minha irmã ama, mesmo que eu jamais tenha desejado esse amor. Vejo alguém se aproximar de mim e me estender sua mão.

 

  —Chibale? — Falo ao levantar meu rosto.

 

  —Levante-se, princesa. — Ele segura minha mão e então me ajuda a levantar.

 

  —Você viu o que aconteceu? — Pergunto.

 

  —Sim e desejo sinceramente que Alon fique bem. — Chibale responde. — Tudo isso poderia ter sido evitado se...

 

  —Se? — Indago ao vê-lo se calar.

 

  —Se a futura soberana do Egito não desse a entender que se interessa por Alon estando comprometida com o príncipe. — Chibale fala, deixando-me abismada. — A amizade que vossa alteza tem pelo guardião faz com o príncipe se volte contra Alon por saber que ele a ama.

 

  —Como eu estive errada sobre você. — Afirmo, enojada com suas palavras. — Eu pensei que com você seria diferente, seria da forma como sempre sonhei.

 

  —O que está dizendo? — Ele me olha confuso.

 

  —Eu amo você, Chibale. — Revelo e com tal atitude tiro um grande peso de sobre minhas costas. — Mas, agora estou vendo o quanto meu coração se enganou ao escolher o seu amor e não o de Alon. — Eu o olho com seriedade. — Ele lutou para me defender de Amenhotep e você... Você agiu como se eu fosse sua propriedade, exatamente como Amenhotep acaba de fazer, e me recrimina por ser amiga de um homem estando submetida a um noivado contra a minha vontade.

 

  —Eu peço perdão, alteza. Sei que fui um imbecil quando lhe fiz cobranças que não devia e que com isso dei a entender que via a princesa como algo que me pertence. — Chibale segura minhas mãos. — Mas, por favor, me diga que não estou sonhando. Me diga que realmente ouvi a alteza dizer que me ama.

 

  —Sim, você ouviu e eu nunca estive tão certa de algo em toda a minha vida, talvez porque eu tenha passado muito tempo refletindo sobre isso. — Tiro brucamente minhas mãos das de Chibale. — Mas, você não merece o meu amor.


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Notas finais do capítulo

Que os jogos comecem...



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