O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 33
Capítulo 33


Notas iniciais do capítulo

Sim, mais de 5 mil palavras... Apesar de extenso esse capítulo vem trazer grandes surpresas. Preparados? Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/691593/chapter/33

   Por Hadany

 

   Dias se passaram desde que a praga terminou e a cada um deles eu me sentia aliviada ao ver que minha mãe resistia. Não posso dizer que tudo tenha voltado ao normal, mas o pior com certeza já passou. Embora sua recuperação tenha se dado absurdamente devagar, minha mãe já sorri como antes, já tem forças para se levantar da cama pela manhã, já consegue se trocar sem a ajuda de Leila. Podem parecer coisas fáceis e simples de serem feitas, mas durante alguns dias minha mãe não conseguiu fazer nada disso devido a estar muito fraca. Foram os muitos cuidados de Paser e a atenção e carinho que recebeu de mim, Tany, Mayra, Leila e até mesmo de Uri que fizeram com que a melhora de minha mãe se fizesse notar e que aos poucos ela volte a ser como sempre foi. Todavia, a falta de alimentação e a praga deixaram uma consequência. Minha mãe ainda não consegue comer muito, ingere apenas pequenas porções dos alimentos mandados por Moisés, que a propósito estão acabando.

 

   Caminho pelo corredor em direção a sala de Paser, para quem pretendo pedir um conselho. Preciso saber como proceder quando os alimentos mandados por meu irmão se findarem e só houver alimentos do palácio para oferecer a minha mãe, pois ela pode novamente se recusar a comê-los por medo de ser envenenada por Yunet e por Anat. Anat... Desde que minha mãe nos contou que perdeu o bebê por culpa da sacerdotisa de Seth, minha vontade é dar-lhe uma surra tão grande que deixe marcas em seu corpo para o resto de sua vida desprezível. Mas, tenho tentado me conter, já que minha mãe quer ela mesma castigar Anat, que por muito pouco não teve o mesmo fim dos magos Janes e Jambres, que morreram durante a praga das úlceras e seus corpos foram encontrados no santuário.

 

  —Eu apenas cumpro o meu dever alertando o rei sobre as coisas que vem acontecendo. — Ouço Paser falar quando me aproximo de sua sala. Vejo-o em companhia de Yunet e me escondo para que não me vejam.

 

  —E o que vem acontecendo, Paser? Por acaso eu sou culpada de tudo o que acontece? — Yunet pergunta. — Por acaso eu sou culpada da tolice de Henutmire em parar de se alimentar a ponto de quase morrer?

 

  —Não seja cínica, Yunet! Você fica ridícula no papel de vítima! — Paser fala. — Você quase provocou a morte da princesa. Todos aqui sabem do que você é capaz. — Ele olha para ela. — E eu ainda nem mencionei o seu pior segredo.

 

  —Do que você está falando? — Ela pergunta, indignada.

 

  —Eu não engoli aquela história de encontrar fora do lugar o papiro com a fórmula do veneno que não deixa vestígios, justamente na ocasião da morte do rei Seti.

 

  —Agora você foi longe demais. — A mãe da rainha se defende. — O idiota do Simut bagunça os seus papiros e você me culpa?

 

  —Eu sei muito bem quando o meu assistente mexe em alguma coisa por aqui e, ao contrário de você, ele não mente. — Paser deixa Yunet sem reação por alguns instantes. — Seti jamais permitiria que Ramsés se casasse com nossa filha, então você o matou para que Nefertari pudesse se tornar rainha das duas terras.

 

  —Pois preste bem atenção, se eu me livrei do antigo faraó do Egito posso muito bem me livrar de quem quiser. — Yunet praticamente mata Paser apenas com o olhar. — Posso me livrar de você, de Ramsés ou de qualquer um que se coloque na minha frente.

 

  —Então, é verdade. Você matou Seti e agora ousa ameaçar Ramsés, o rei, marido de sua filha, pai de seus netos! — Ele exclama. — Yunet, você sempre tem a capacidade de me espantar. Será possível que você não teme nada?

 

  —Não, eu não tenho medo de nada! — Ela esbraveja. — E se Ramsés começar a me irritar, eu dou um jeito para que ele vá de encontro ao pai no mundo dos mortos e ainda leve Henutmire junto.

 

   Saio desnorteada pelo corredor, minhas pernas bambas me fazem cambalear como alguém que exagerou no vinho. As palavras de Yunet ecoam por minha mente, como um som horrível e altamente gritante. Tento assimilar tudo o que ouvi, mas parece impossível crer que o faraó mais temido da história do Egito foi assassinado por uma mizerável meretriz.

 

  —Meu tio precisa saber. — Falo, enquanto me encosto contra a parede para permanecer de pé. — Deus, me dê forças para fazer o que tem que ser feito.

 

 

   Por Tany

 

   As crianças brincam pelo jardim real, mas eu apenas ouço suas risadas e seus passos rápidos ao correrem. Meus olhos estão fixos no bracelete de ouro em meu braço direito e meus pensamentos se estendem até a vila dos hebreus, até meu pai. Dias já se passaram desde que eu o vi atravessar os portões do palácio para nunca mais voltar, mas o tempo não ameniza a falta que sinto dele. A luz do sol bate sobre o bracelete, que reluz seu brilho de imediato. Quando minha mãe se recuperou um pouco, Hadany e eu nos dispomos a lhe devolver os braceletes que nosso pai lhe deu, mas ela recusou e insistiu que devem ficar conosco, pois são um presente que nos deu. Desde então, minha irmã e eu usamos os braceletes sempre, pois, como nossa mãe disse, são pequenos símbolos em símbolos maiores do amor que existe entre entre ela e meu pai.

 

  —Princesa Tany? — Ouço Chibale chamar por mim e me surpreendo ao vê-lo tão próximo.

 

  —Há quanto tempo está aqui? — Pergunto.

 

  —Acabei de chegar, mas vossa alteza estava distraída e não me viu. — Ele responde. — Posso?

 

  —Claro. — Permito que ele se sente ao meu lado.

 

  —Fico feliz com a melhora da princesa de Henutmire. — Chibale fala sorrindo. — Meu pai e eu ficamos muito preocupados com ela.

 

  —Eu agradeço por isso, por serem amigos leais e atenciosos. — Sorrio. — Em breve minha mãe estará completamente reestabelecida e nós a veremos ilumimar o palácio novamente com a luz de seus olhos.

 

  —Fico satisfeito em ouvir isso.

 

  —Mas, não parece. — Falo ao ver que seus olhos contrariam suas palavras. — Está tudo bem, Chibale?

 

  —Não, não está nada bem. — Ele responde, triste. — Tive um desentendimento com sua irmã.

 

  —Foi por causa do que falei sobre Hadany e Alon? — Pergunto, já me sentindo culpada.

 

  —Sim, eu acabei cobrando da princesa coisas que não devia e ela ficou furiosa comigo, com razão. — Chibale baixa seu olhar, envergonhado. — Desde então não trocamos uma palavra sequer. Quando nos encontramos por acaso em algum corredor do palácio, ela finge não me ver e passa por mim como se eu fosse um reles servo insignificante. — Ele me olha. — Esse afastamento tem me deixado muito mal. Eu a amo demais para suportar isso.

 

  —Eu vou lhe dar um conselho não como princesa e irmã da mulher que ama, mas sim como a amiga que cresceu com você. — Olho firmemente para ele. — Procure por Hadany, reconheça que errou e lhe peça perdão.

 

  —Já pensei em fazer isso, mas não tenho coragem de encará-la depois do que fiz. — Ele fala, infeliz por sua covardia. — Eu mostrei a sua irmã que sou imaturo e inconsequente. Ela está certa em não querer uma pessoa assim nem mesmo como amigo.

 

  —Se você a ama de verdade, mostre a ela que se arrependeu de sua atitude e que está disposto a mudar. — Falo. — Mostre que vale a pena lutar por Hadany, seja para ser digno de seu amor ou de sua amizade.

 

  —Prometo que vou pensar no que vossa alteza acaba de dizer. — Chibale se levanta e faz uma reverência simples. — Com sua licença, princesa.

 

  —Lute por quem ama, Chibale. — Sussuro, enquanto o observo deixar o jardim. — Pois, nem todos têm o privilégio de ter seus sentimentos correspondidos.

 

 

   Por Ramsés

 

  —Tio! — Hadany exclama ao entrar na sala do trono. — Eu preciso conversar com você, agora.

 

  —Pode ir. — Dispenso o servo que me servia vinho. — Pois bem, estou ouvindo.

 

  —É sobre meu avô. — Ela fala. — Seti não morreu de causas de naturais, ele foi assassinado.

 

  —Que tipo de acusação é essa, Hadany? — Pergunto, incrédulo. — Você enlouqueceu?

 

  —Não é uma simples acusação, eu sei muito bem o que digo. — Minha sobrinha afirma com segurança. — Yunet envenenou meu avô e é a única culpada de sua morte.

 

  —Yunet?

 

  —Eu ouvi de sua própria boca. — Hadany fala. — Ela confessou que matou o faraó Seti e ameaçou fazer o mesmo com Paser e com você.

 

  —Não é possível!

 

  —Tudo o que a princesa diz é verdade, soberano. — Paser surge do nada na sala do trono. — Yunet assassinou o rei Seti, ela mesma me confessou seu crime. Sua sobrinha deve ter nos escutado por acidente, mas é essa a verdade.

 

  —Mas, você mesmo examinou o corpo de meu pai e disse que sua morte havia se dado por causa naturais. — Falo.

 

  —Eu não tinha provas, senhor. Não tive outra escolha senão atestar morte por causa natural. — Paser fala. — Mas, naquela ocasião, encontrei fora do lugar um papiro com a fórmula de um veneno que não deixa vestígios. Certamente Yunet o pegou, mas não soube colocar de volta onde estava.

 

  —Mas, por que Yunet mataria o meu pai? — Pergunto.

 

  —Para que Nefertari pudesse se casar com vossa majestade e se tornar rainha do Egito. — Ele responde. — O senhor sabe que o rei Seti não aprovava minha filha como sua noiva.

 

  —MALDITA! — Esbravejo furioso.

 

  —Essa rameira tem que pagar por tudo o que fez. — Hadany diz e eu me espanto com seu modo de falar.

 

  —Vossa alteza não deveria usar de uma palavra tão pouco adequada para ser dita por uma princesa. — Paser a repreende.

 

  —Diante da pessoa em questão, isso é um elogio. — Ela rebate.

 

  —Hadany tem razão. É hora de Yunet pagar por todas as atrocidades que cometeu. — Falo. — Guarda!

 

  —Soberano. — De imediato um oficial que estava por perto se apresenta a mim.

 

  —Traga a mãe da rainha até minha presença imediatamente. — Ordeno e no mesmo instante o homem se retira para fazer o que mandei. — Hadany, onde está sua mãe?

 

  —Em seus aposentos. — Ela responde.

 

  —Vá chamá-la. — Peço calmamente. — Que ela esteja aqui quando Yunet for trazida a mim.

 

  —Majestade, a senhora Henutmire ainda não está suficientemente bem de saúde para suportar fortes emoções. — Paser adverte.

 

  —Não sou o único filho de Seti, Henutmire tem o direito de saber a verdade sobre a morte de nosso pai. — Afirmo. — Exijo a presença da princesa do Egito, nem que ela tenha que sair carregada daqui quando tudo acabar.

 

 

   Por Henutmire

 

   Poucas pessoas encararam morte de frente e tiveram a oportunidade de viver para contar como é essa experiência. Hoje, posso dizer que sou uma dessas pessoas. Eu sobrevivi após ficar dias sem me alimentar, sobrevivi a ter minhas poucas forças sugadas pela dor que as úlceras causavam. Eu resisti dia após dia, enquanto observava meu corpo se recuperar lentamente. Eu estou viva e se não fosse uma ou duas consequências que estes maus momentos deixaram, poderia dizer que sou a mesma Henutmire. Mas, de fato não sou a mesma. Eu estou ainda mais forte do que era antes. Se meu pai tivesse vindo me buscar, como um mensageiro enviado pela morte, eu teria o maior prazer em lhe dizer: "Hoje não."

 

  —Abra a boca, tia. — Mayra pede, estendendo-me um pedaço de pão.

 

  —Você já me fez comer o suficiente, mocinha. — Falo rindo. — Não se aproveite do fato de eu ter deixado você me dar comida na boca para me engordar.

 

  —Até parece que um simples pedaço de pão a engordaria. — Ela me olha. — A senhora tem o corpo de uma menininha, nem parece que um dia teve uma barriga enorme quando estava grávida de minhas primas.

 

  —Elas exigiam muito espaço por dividirem o mesmo ventre. — Falo nostálgica ao me lembrar de quando estava grávida, do quanto minha barriga cresceu, assustando até mesmo a mim.

 

  —Por que a senhora não teve mais filhos, tia? — A menina pergunta.

 

  —Porque Hadany e Tany foram suficientes para me  completar como mãe. — Respondo, sorrindo. — Depois, chegou você e eu não precisei de mais ninguém para ser plenamente feliz.

 

  —Mas, pense em como seria ter outro bebê aqui dent...

 

  —O que houve, alteza? — Leila pergunta ao ver que Mayra se calou de repente ao tocar em minha barriga.

 

  —Nada, foi apenas uma sensação estranha. — Mayra responde, mas parece estar escondendo algo de mim. — É como se algo estivesse para acontecer, algo que vai mudar tudo.

 

  —Mãe... — Hadany pronuncia ao entrar em meus aposentos. — A senhora precisa se preparar.

 

  —Para quê? — Pergunto sem entender.

 

  —O rei mandou chamá-la a sala do trono imediatamente. — Minha filha responde, um tanto quanto nervosa.

 

  —Pela sua cara, boa coisa não há de ser. — Falo. — Sabe o motivo?

 

  —O único que posso dizer é que estou indiretamente envolvida. — Ela responde e eu a olho, já imaginando o que pode ter aprontado. — Mas, não se preocupe. Eu não fiz nenhuma besteira.

 

  —Não acho prudente a senhora se apresentar ao rei, já que em todos esses dias ele não a procurou. — Leila aconselha.

 

  —Ramsés não teve coragem de olhar para mim e ver que a culpa de eu quase ter morrido também era sua, por isso não me procurou desde que deixei aquela cela. — Falo e me levanto. — Mas, se ele exige minha presença, irei obedecer sua ordem.

 

  —É melhor se apressar, mãe. — Hadany sugere. — Ele a quer na sala do trono antes de...

 

  —Antes de quê? — Indago ao ver que minha filha não conclui o que dizia.

 

  —Vai saber quando estivermos lá. — Ela fala.

 

(...)

 

   O olhar de Ramsés rapidamente se voltou para mim quando me viu entrar na sala do trono, acompanha por Hadany, Mayra e Leila. Faço o possível para demonstrar que estou inteiramente viva, não graças a ele.

 

  —Por que trouxe Mayra com você? — Ele pergunta ao ver a menina agarrada a minha mão esquerda.

 

  —Você sabe muito bem que sua filha anda em minha sombra desde que aprendeu a caminhar. — Respondo.

 

  —Sim, eu sei. — Ramsés fala. — Me lembro perfeitamente que os primeiros passos dela foram em direção a você, mesmo que Nefertari e eu também estivéssemos lá, com os braços abertos para ela.

 

  —Mayra e eu temos uma ligação muito especial, e depois do que aconteceu ela não quer ficar longe de mim. — Olho para ele com firmeza. — Por que mandou me chamar com tanta urgência?

 

  —Logo você saberá. — É tudo o que ele diz. Olho para Paser, na tentativa de que ele me diga o que está acontecendo.

 

  —Esteja preparada, minha senhora. — O sumo sacerdote fala.

 

   Antes que eu pergunte a Paser para o quê preciso estar preparada, as portas da sala do trono se abrem e Yunet adentra o ambiente. Não preciso que diga uma só palavra, apenas seu olhar demonstra sua incredulidade e insatisfação em me ver de pé após tentar provocar a minha morte e desejar que eu não resistisse a cada dia em que eu me recuperava. Ela detém seus passos diante do trono, de onde Ramsés a olha sério e em silêncio.

 

  —Mandou me chamar, majestade? — Ela pergunta.

 

   O rei permanece olhando-a, mas não pronuncia uma palavra sequer. Ramsés então toma nas mãos o flagelo e o gancho cruzados, colocando-os diante de si e se prepara para dar um veredito.

 

  —Yunet, você é acusada do assassinato de Seti, antigo soberano do Egito e meu pai. — Ramsés fala solenemente.

 

  —O quê? — Exclamo, incrédula.

 

  —É isso mesmo que ouviu, Henutmire. — Ele responde. — Paser e sua filha estavam presentes quando Yunet confessou ter assassinado nosso pai com um veneno que não deixa vestígios.

 

  —Foi por acaso, mas ouvi Yunet confirmar a Paser que matou meu avô. — Hadany fala. — Ela ameaçou a vida do sumo sacerdote, de meu tio e até mesmo da senhora. Por isso, me apressei em vir até o rei e contar tudo o que ouvi.

 

  —MALDITA MERETRIZ! — Esbravejo, tomada pelo ódio. — Você matou o meu pai!

 

  —Acalme-se, senhora. — Leila pede ao me amparar em seus braços, juntamente com Hadany, ao ver que perco minhas forças por alguns instantes.

 

  —Soberano, a princesa ainda não está forte o suficiente para suportar algo assim. — Paser fala. — Permita que ela se retire.

 

  —Não! — Exclamo, surpreendendo a todos. — Eu vim até aqui e vou ficar até o final. — Olho para meu irmão. — Prossiga com o veredito, Ramsés.

 

  —Além do assassinato de Seti, é também acusada do assassinato de Maya, de alta traição e conspiração contra a vida do Hórus vivo reinante, além de atentar contra a vida de minha irmã. — O rei fala. — Por esses e por todos os crimes que cometeu, eu a condeno a morte sem direito a julgamento.

 

  —Majestade, eu lhe imploro que não faça tal coisa comigo. — Yunet chora diante do rei. — Pense em Nefertari, em seus filhos que sequer tiveram a oportunidade de conviver com a avó. — Ela caminha em direção a Mayra, na intenção de trazê-la para junto de si e comover Ramsés com sua atitude.

 

  —AFASTE-SE DELA! — Ordeno ao esbofetear Yunet com toda a força. — Mayra é como minha filha e eu jamais vou permitir que faça mal algum a ela ou que a use como escudo para se livrar do castigo que merece.

 

  —Ela é minha neta. — Ela fala com ênfase.

 

  —Ela é minha filha! — Falo com ainda mais ênfase. — Pode não ter nascido de mim, mas tem o meu sangue, o sangue da casa real de Ramsés I, e fui eu quem cuidou dela todos esses anos. — Meu olhar para Yunet é pleno de raiva. Eu poderia matá-la agora mesmo com minhas próprias mãos. — Não ouse sequer olhar para Mayra, ou eu terei prazer em arrancar seus olhos e fazer com que se alimente deles.

 

  —Henutmire, contenha-se. — Ramsés pede e eu tento me recompor.

 

  —Soberano, eu tenho direito a um julgamento. — Yunet suplica.

 

  —Você não tem direito algum! Não há perdão para seus crimes e seu castigo será a altura das atrocidades que cometeu. — Meu irmão decreta. — Eu a condenei, mas concedo a Henutmire o direto de escolher qual será sua sentença de morte.

 

  —Não, por favor! — Yunet se desespera ao ver que seu fim está em minhas mãos.

 

  —Segurem ela. — Ramsés ordena e dois homens seguram a mãe de Nefertari pelos braços.

 

  —Por favor, majestade, decida o senhor qual será a minha sentença. — Yunet pede a Ramsés. — A princesa me odeia pelo que lhe fiz, irá me condenar ao pior dos castigos.

 

  —Cale-se! — Meu irmão ordena e olha para mim. — E então, Henutmire?

 

  —Quero que ela seja enterrada viva, em um lugar afastado e fora da cidade. — Falo, surpreendendo até a mim mesma com minhas palavras. — Não terá direito a nenhuma honraria fúnebre concedida aos nobres egípcios, apenas a um sarcófago simples e sem luxo para que possa se retorcer dentro dele estando debaixo da terra.

 

  —Não! Não! — O desespero de Yunet me faz sorrir e meus lábios são tomados pelo doce sabor da vingança. — Não, por favor! Não!

 

  —Será feito conforme a palavra de Henutmire, primeira filha de Seti e princesa do Egito. — Ramsés concorda, me deixando ainda mais satisfeita. — Yunet ficará presa até que minha irmã decida quando a sentença será aplicada a essa... rameira.

 

   Vejo Hadany dar um sorriso furtivo para Ramsés, o que não compreendo. Mas, não faço questão de questioná-los sobre isso, apenas me dedico a desfrutar da maravilhosa cena de dois oficiais arrastando Yunet, que grita como uma louca, para fora da sala do trono. Não evito um sorriso vitorioso e vingativo, mas eu o escondo ao olhar para Mayra e ver o quão assustada ela está.

 

  —Venha cá. — Chamo por minha sobrinha, que no mesmo instante vem até mim e envolve seus braços ao redor de minha cintura. — Não fique triste por sua avó, ela não merece.

 

  —Não estou triste, tia. Para mim, é apenas uma estranha criminosa tendo o fim que procurou. — Mayra me impressiona com suas palavras. — Yunet só se importou com Amenhotep desde que chegou ao palácio, nunca procurou por mim.

 

  —É melhor que tenha sido assim, minha menina. — Acaricio seu rosto. — Yunet tem talento para destruir tudo a sua volta e eu não suportaria que ela machucasse você.

 

  —Henutmire, eu ainda tenho um assunto a tratar com você. — A seriedade da voz de Ramsés me faz estremecer, mas não demonstro isso.

 

  —Leila, leve Mayra para brincar no jardim. — Peço. — Vá com elas, Hadany.

 

  —Tem certeza, mãe? — Minha filha pergunta.

 

  —Assim que a conversa com seu tio terminar, eu irei até vocês. — Falo com segurança. — Não se preocupe comigo.

 

  —Como quiser. — Hadany diz e em seguida se retira da sala do trono, acompanhada por Leila e por Mayra.

 

  —Devo deixá-los a sós, soberano? — Paser pergunta.

 

  —Não, quero que esteja presente para ouvir o que irei dizer.

 

  —Agradeço por me dar o direito de me vingar dessa serpente que tanto me fez mal, mas fale de uma vez o quer comigo. — Peço, impaciente.

 

  —Peço perdão por ter ordenado sua prisão, eu o fiz para impedir que você fosse para a vila viver com Moisés e me ridicularizar diante de todos com tal atitude. — Ele fala, olhando-me seriamente. — Mas, agora você está livre, graças a suas filhas e seu enteado.

 

  —Seja mais direto, por favor.

 

  —Eu não mandei você de volta para a cela e nem pretendo mandar, mas irei me certificar de que não tentará fugir com suas filhas novamente. — Ramsés me deixa confusa. — A partir de hoje está confinada ao palácio, não podendo sair sob circunstância alguma.

 

  —Você vai me prender aqui dentro, é isso? — Questiono.

 

  —Digamos que sim, mas você terá liberdade de ir e vir por todas as dependências do palácio, apenas não poderá passar dos portões para fora. — Ele responde, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.

 

  —Obrigada por expandir o tamanho de minha cela, soberano. — Falo completamente irônica.

 

  —E como eu sei que tem verdadeira adoração pelo Nilo, poderá ir a passeios até o rio sagrado, mas devidamente escoltada pela guarda real.

 

  —Era só isso, majestade? — Uso novamente de ironia. — Posso me retirar?

 

  —Sim, você pode. — Ramsés fala e eu lhe dou as costas. Caminho em direção as portas, mas sua voz interrompe meus passos quando estou no meio da sala do trono. — A propósito, darei início aos trâmites do seu divórcio.

 

  —Faça como achar melhor. — Falo por entre os dentes e me dirijo para fora do salão.

 

(...)

 

  —Acalme-se, minha senhora. — Paser pede ao fazer com que eu me sente em sua cadeira. — A alteza ainda está muito frágil para ficar assim tão nervosa.

 

  —Eu só vou me acalmar quando Yunet pagar por tudo o que fez! — Decreto. — Ela matou o meu pai.

 

  —Eu imagino como está se sentindo, mas...

 

  —Não, você não imagina. — Discordo. — Naquela noite, meu pai me procurou para pedir perdão. Mas, Yunet tirou de mim o direito ao tempo que eu precisava para perdoá-lo. Ela condenou meu pai a deixar este mundo sem saber que a filha que tanto amava podia sim lhe perdoar.

 

   Meus olhos doem pela imensa vontade que sinto de chorar, mas meu ódio é tamanho que me impede de derramar uma lágrima sequer. Simut se aproxima e entrega a Paser um pequeno frasco de cor escura, certamente com a fórmula que o sumo sacerdote pediu a seu assistente para acalmar meu ânimos.

 

  —Pelos deuses, Simut! — Paser o repreeende ao olhar para o frasco em sua mão. — Você quer ajudar a princesa ou piorar a situação dela?

 

  —É claro que eu quero ajudar, por isso trouxe a fórmula calmante que o senhor pediu.

 

  —Isso é um veneno, Simut. Não é mortal, mas causa dores insuportáveis em quem o ingere. — Paser fala, despertando meu interesse. — É isso o que você quer? Causar ainda mais dor a princesa?

 

  —Claro que não, mestre. — Ele responde. — Perdão, alteza. É o que os frascos são muito parecidos e eu me confundi.

 

  —Não se preocupe com isso, Simut. — Falo.

 

  —Vá fazer algo de útil longe daqui e deixe que eu mesmo cuido da princesa. — Paser fala para Simut, deixando claro o quanto sua preocupação comigo o deixa desnorteado, pois jamais o vi tratar alguém dessa maneira.

 

   O assistente do sumo sacerdote se retira, mas antes deixa sobre a mesa o frasco com veneno, do qual meus olhos não se desviam. Uma ideia sórdida me vem a mente ao ter diante de minha visão a chance de uma pequena vingança. Olho para Paser, que está concentrado na fórmula que prepara. Então, pego o frasco e escondo-o comigo.

 

  —Beba, princesa. — Paser me entrega uma pequena taça com um líquido dentro. — Irá ajudá-la a se acalmar.

 

  —Isso é horrível! — Reclamo ao sentir um gosto amargo em minha boca.

 

  —Fiz um pouco mais forte do que de costume, a situação exige. — Ele fala e me olha. — A senhora vai mesmo permitir que isso aconteça?

 

  —A que se refere? — Pergunto.

 

  —Ao seu divórcio. — Ele responde.

 

  —Ramsés está decidido. Não há nada que eu possa fazer para mudar isso. — Falo, infeliz. — Eu já não posso mais salvar o meu casamento, Paser.

 

  —É claro que pode, princesa. A senhora enfrentou o rei para se casar com Hur e conseguiu fazê-lo aprovar a união de vocês. — Paser fala. — Pode muito bem convencer o soberano a desistir desse absurdo e talvez até a aceitar Hur de volta no palácio.

 

  —Mas, eu não quero Hur de volta! — Afirmo, surpreendendo-o. — Antes de eu ser presa, nós discutimos severamente por um motivo muito sério. Eu não posso perdoar o que ele fez.

 

  —Seja o que for, não é maior que o amor que ele sente pela senhora.

 

  —Eu não conheço o homem com quem me casei, não completamente. — Desvio meu olhar para o vago. — Hur mentiu para mim, não posso e não devo perdoá-lo.

 

  —Minha senhora, vossa alteza tem uma linda e rara história de amor com Hur, além de duas maravilhosas filhas que são fruto desse amor. — Paser fala, em seu tom doce e conselheiro de sempre. — Vai deixar que tudo o que viveram juntos termine assim?

 

  —É o melhor. — Me levanto e dou alguns passos a frente, me afastando de Paser. — Ramsés decretará o divórcio e Hur levará o amor que sente por mim para Canaã, quando os hebreus partirem do Egito. — Respiro fundo, tomada por uma profunda tristeza ao saber que irei me separar para sempre do grande amor da minha vida. — E eu ficarei aqui, com o amor que sempre terei por ele e com os dois maiores presentes que me deu: nossas filhas.

 

   Saio em silêncio da sala de Paser, que não tenta me impedir. Só eu sei o quanto me dói reconhecer que o divórcio é o melhor caminho para Hur e eu. Sim, eu amo. Amo como jamais amei alguém em minha vida, e como jamais irei amar. Mas, sinto-me cada vez mais magoada por sua mentira, por saber o que ele foi capaz de fazer com Miriã. Desejei nunca mais colocar meus olhos em Hur e é exatamente o que irei fazer. Eu só conseguiria olhá-lo novamente se conseguisse perdoá-lo. Todavia, não consigo imaginar um motivo sequer que seja forte o bastante para fazer com que meu coração conceda esse perdão.

 

 

   Por Anat

 

   Ao contrário do que eu pensava, a praga das úlceras não me levou a conhecer a morte, mas sei que escapei por muito pouco. No entanto, parece que mortes ainda são o principal assunto dentro deste palácio. A notícia de que Yunet assassinou o faraó Seti I espalhou-se com rapidez. Por todos os cantos as pessoas comentam sobre mais esse crime da mãe da rainha e sobre a condenação de morte que o soberano impôs a sua sogra.

 

  —Com sua licença, senhora. — Um servo pede ao entrar em meus aposentos. — Trouxe água fresca.

 

  —Ah, que ótimo. — Falo. — A água que havia em meu quarto já acabou.

 

  —Precisa de mais alguma coisa? — O homem pergunta após colocar o jarro com água sobre a mesa ao lado de minha cama e o jarro vazio em sua bandeja.

 

  —Não, obrigada. — Agradeço e o servo então se retira.

 

   Caminho até a cama e sento-me, servindo a água fresca em uma taça. Levo-a até meus lábios e rapidamente bebo de seu líquido puro e cristalino. Desde a praga de sangue, valorizo muito cada gota de água que bebo.

 

  —Olá, sacerdotisa. — Henutmire fala sorridente ao entrar em meu quarto.

 

  —A princesa do Egito em meus aposentos. — Me levanto solenemente e coloco a taça sobre a mesa. — É algo que não se vê todo dia.

 

  —Vim perguntar se já sabe o que aconteceu com sua tia.

 

  —Sim, eu sei que ela assassinou seu pai e que por esse, e tantos outros crimes, o soberano a condenou a morte. — Falo. — Não se fala em outra coisa no palácio.

 

  —Mas, não deve saber que o rei me deu o direito de escolher de qual forma aquela víbora irá morrer. — Ela fala, surpreendendo-me. — E sabe o que eu fiz? Ordenei que Yunet seja enterrada viva. Uma morte lenta e torturante, digna de sua maldade.

 

  —Vejo que estive errada quando pensei que a alteza não fosse o tipo de mulher que aprecia a vingança. — Eu a olho. Sinto uma leve dor em meu abdômen, mas não dou importância.

 

  —Acredite, aprecio mais do que você imagina. — Ela sorri, estranhamente.

 

  —Ainda bem que não tem em suas mãos o poder de me decretar uma sentença de mor... — Interrompo minhas palavras ao sentir a dor aumentar de uma hora para a outra. Levo uma de minhas mãos até meu abdômen, tentando reprimí-la, mas isso parece apenas piorá-la. — Pelos deuses! O que é isto?

 

  —Se sente bem, Anat?

 

  —Não. — É tudo o que respondo antes de cair deitada em minha cama, contorcendo-me de dor. Grito ao perceber o quão insuportável ela é, a ponto de me fazer pensar que irei morrer. — Ch-chame meu tio.

 

  —Paser?

 

  —Por todos os deuses, princesa! Eu estou morrendo! — Grito, sentindo cada vez mais dor. — Pare de se fazer de desentendida e chame meu tio.

 

  —Eu faria o que me pede, se Paser pudesse ajudá-la. — Ela me olha friamente. — Mas, como não é o caso, prometo que chorarei no seu funeral.

 

  —O que você fez comigo? — Pergunto ao perceber que estou nesta situação por obra e graça de Henutmire.

 

  —Nada menos do que o que você me fez. — Ela responde. — Havia veneno em sua água, eu mesma coloquei.

 

  —Maldita seja! — Esbravejo, sem conseguir me levantar da cama devido a dor que se torna mais insuportável a cada instante. — Maldita seja, Henutmire!

 

  —Apenas estou retribuindo o que me fez. — A princesa diz. — Estou vingando o filho que você matou.

 

  —Eu bem que gostaria, mas não encostei um dedo em nenhum dos seus filhinhos hebreus. — Falo.

 

  —Você matou o bebê que eu carregava no ventre durante a primeira praga! — Henutmire esbraveja furiosa, espantando-me com a revelação de que esteve grávida uma segunda vez. — Agora sabe porque o seu veneno não me matou. Aquele filho morreu para salvar a minha vida.

 

  —Eu não sabia... — Falo, desnorteada pela dor e pelo fato de saber que matei um bebê ainda no ventre de sua mãe. — Eu não sabia que estava grávida, do contrário jamais faria o que fiz, por mais que desejasse vê-la morta. — Faço uma breve pausa para silenciar um grito de dor entre as almofadas da cama. — Jamais atentaria contra a vida de uma criança inocente. Jamais.

 

  —Isso não importa agora, Anat! — Ela fala, plena de raiva em seus olhos azuis. — Você matou o meu filho e vai pagar por isso.

 

  —Lamento que tenha descido tão baixo, princesa. — Reuno forças para levantar minha cabeça e olhar firmemente para ela. — Minha morte irá convertê-la em uma cruel assassina.

 

  —Eu não sou como Yunet e como você, que matam porque acham graça no sofrimento de quem odeiam. — Ela me encara. — O veneno não é para matá-la, apenas para que tenha ideia da dor que eu senti ao saber que perdi meu filho por sua culpa. — Henutmire aproxima seu rosto do meu, de tal forma que sinto sua respiração quente em minha face. — Mas, nem assim você vai saber o que uma mãe sente ao perder um filho.

 

  —Não fale do que não sabe. — Falo por entre os dentes, ressentida por suas palavras me fazerem lembrar do filho que foi tirado de meus braços logo após eu trazê-lo ao mundo.

 

  —Você não é mãe, Anat. Não é e nunca será. — A princesa fala, me ferindo profundamente. — Mas, tente imaginar qual é a sensação de saber que seu filho morreu em seu ventre, antes mesmo de saber que ele estava crescendo dentro de você. — Ela deixa claro que não sabia que estava grávida quando ingeriu o veneno que lhe dei. — Sabe como eu me senti? Foi como ter o coração arrancado e ainda assim precisar viver.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Acho que a casa caiu para as vilãs da história. Henutmire vingadora está na área! Aguardo vocês nos comentários...



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Maior Amor" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.