O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 27
Capítulo 27


Notas iniciais do capítulo

Continuando...



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   Por Mayra

 

  —Tia! — Exclamo ao vê-la completamente desolada no chão do corredor. — O que aconteceu com a senhora?

 

  —Nada, minha sobrinha. — Ela responde, limpando as lágrimas de seu rosto. — Não se preocupe comigo.

 

  —Como não me preocupar se eu nunca vi a senhora assim antes? — Pergunto. — Sente alguma dor? Quer que eu chame meu avô?

 

  —Nenhuma das fórmulas de Paser vai amenizar a dor que estou sentindo, Mayra. — As palavras de minha tia me deixam confusa. — Quando a dor é no coração nada pode fazer com que sare, apenas o tempo.

 

  —Há algo que eu possa fazer?

 

  —Preciso sair daqui. — Ela fala. — Não seria adequado para a princesa do Egito ser vista nesse estado no chão do palácio.

 

  —Eu posso levá-la onde quiser, tia. — Falo. — Me diga onde quer ir e eu irei com a senhora.

 

  —Eu gostaria de estar em um lugar bem longe daqui, Mayra. — Ela sorri para mim ao acariciar meu rosto. — Mas, nenhuma distância seria suficiente para fugir do que estou sentindo.

 

  —Venha comigo. — Pego em sua mão direita e tento ajudá-la a se levantar.

 

  —Para onde?

 

  —Apenas venha, tia. — Respondo.

 

 

   Por Hur

 

   Henutmire saiu por aquela porta, magoada e mais uma vez decepcionada comigo. Não nego que o que mais me dói agora é pensar que ela nunca vai voltar... Voltar para mim. Conhecendo-a como conheço, sei que a mentira não é o único motivo que a está fazendo chorar. Minha atitude tão pouco humana para com Miriã certamente é o que mais está pesando em seu nobre e bondoso coração. Como eu fui tolo! Mentira alguma dura para sempre, cedo ou tarde ela se encontra com a verdade e o impacto desse encontro é sentido por todos os que estão ao redor. Eu, que tanto lutei pelo amor de Henutmire, agora sou obrigado a vê-la escapar de minhas mãos sem que eu nada possa fazer. Porque ela tem razão em tudo o que disse, em seu lugar eu também não me perdoaria. Mas, não há consolo para mim. Sinto-me como o mais infeliz dos homens, ao qual foi arrancado uma parte si mesmo. Henutmire sempre teve o meu coração, mas agora ela tirou-o de mim e o levou para tão longe que jamais poderei alcançá-la... Aqui, eu deixo de viver e passo apenas a existir. Porque minha vida é como meu próprio reflexo no espelho: impossível me reconhecer nele, pois só vejo Henutmire em mim.

 

  —Pai? — Hadany parece se surpreender ao entrar nos aposentos e me encontrar chorando como uma criança. Minha filha caminha em minha direção, mas detêm seus passos assim que um de seus pés esbarra na taça jogada no chão. Ela abaixa-se e pega o objeto de ouro, em seguida coloca-se novamente de pé e vem até mim. — O que houve?

 

  —Sua mãe já sabe de tudo, Hadany. — Falo, sem conseguir olhá-la. — Ela sabe sobre mim e Miriã.

 

  —Por Ísis! — Ela exclama, já preocupada com Henutmire. — Como isso aconteceu?

 

  —Alguém contou a ela, mas não sei quem. — Respondo e então olho para minha filha. — Somente você, Uri e Leila sabiam dessa história, mas tenho certeza que nenhum de vocês contaria a Henutmire.

 

  —Onde ela está? — Hadany pergunta, mas eu permaneço em silêncio. — Onde está minha mãe?

 

  —Eu não sei! — Falo, nervoso comigo mesmo. — Ela estava magoada demais para me dizer onde ia quando saiu daqui.

 

   Minha filha não pronuncia uma palavra sequer, apenas vira-se e ao fazê-lo deixa a taça cair de sua mão. Ela se retira dos aposentos com passos apressados e novamente eu me vejo em companhia da solidão e da culpa, da minha grande e torturante culpa.

 

  —O que será de nós agora, Henutmire? — Pergunto ao pegar a taça em minhas mãos.

 

 

   Por Hadany

 

   Ando desnorteada pelos corredores a procura de minha mãe. Só de imaginar como ela pode estar, meu coração se aperta. Me lembro que quando descobri sobre meu pai e Miriã, eu disse a ele que minha mãe deveria saber a verdade por ele, não por mim. Mas, ela soube pela boca de outra pessoa e isso só piora a situação.

 

  —Tany! — Encontro com minha irmã em um dos corredores. — De onde está vindo?

 

  —Do harém. — Ela responde.

 

  —Nossa mãe está lá? — Pergunto.

 

  —Não, eu ainda não a vi hoje. — Tany fala.

 

  —Ela tem que estar em algum lugar do palácio.

 

  —O que houve, Hadany? — Minha irmã pergunta ao me olhar com seriedade. — Por que está nervosa desse jeito?

 

  —Nossa mãe precisa de nós, Tany. — Respondo. — Agora mais do que nunca ela precisa de nós duas ao lado dela.

 

  —Hadany! Tany! — Mayra chama por nós ao nos ver no corredor. — Eu estava procurando por vocês.

 

  —O que houve, Mayra? — Pergunto ao notar algo diferente em minha prima. — Você parece assustada.

 

  —Encontrei tia Henutmire no corredor de seu quarto. — Minha prima fala. — Ela estava sentada no chão e chorava como eu nunca vi antes.

 

  —Onde ela está? — Pergunto novamente. Depois de tanto procurar, finalmente alguém neste palácio viu minha mãe.

 

  —Em meus aposentos. — Ela responde. — Foi o único lugar para onde pensei em levá-la.

 

  —Será que vocês podem me explicar o que está acontecendo? — Tany se manifesta.

 

  —Você já vai entender. — É tudo o que digo, antes de sair correndo em direção aos aposentos de Mayra, acompanhada por ela e por minha irmã.

 

(...)

 

  —Mãe... — Chamo ao entrar no quarto. Corro até ela e me ajoelho ao seu lado, segurando suas mãos entre as minhas, enquanto Tany se senta na cama, ao lado dela. — Eu procurei pela senhora por todos os cantos do palácio.

 

  —Se dependesse de mim, não estaria mais no palácio e sim debaixo das águas do Nilo. — Minha mãe fala, me fazendo mensurar o tamanho de sua tristeza.

 

  —Não brinque com algo tão sério, mãe. — Tany pede.

 

  —Não estou brincando, minha filha. — Ela nos olha. — Se não fosse por vocês, eu já teria colocado fim a minha vida.

 

  —O que aconteceu de tão grave para a senhora desejar a morte? — Minha irmã pergunta.

 

  —Mayra... — Minha mãe chama a menina, que logo se aproxima dela. — Sei que estamos em seu quarto, mas você pode me cedê-lo por alguns instantes para que eu converse com minhas filhas?

 

  —Leve o tempo que precisar, tia. — Mayra fala. — Irei para a aula de dança e pedirei aos guardas da porta que não deixem ninguém atrapalhar vocês, poderão conversar tranquilas.

 

  —Obrigada, minha menina. — Minha mãe agradece com um sorriso, que parece não combinar com seus olhos avermelhados e inchados de tanto chorar.

 

  —Ela já sabe dar ordens aos guardas. — Falo rindo, assim que Mayra se retira.

 

  —Vocês também sabiam quando tinham a idade dela.

 

  —Agora, pode nos contar o que houve para a senhora estar assim? — Minha irmã pergunta.

 

  —Eu não sei se deveria envolver vocês nisso, mas somente em minhas filhas encontrarei o apoio que preciso. — Ela respira fundo, como que buscando forças para falar. — No passado, Hur teve um relacionamento com Miriã.

 

  —O quê? — Tany se mostra incrédula. — Eu não entendo! O papai sempre foi apaixonado pela senhora.

 

  —Nem sempre seu pai pôde demonstrar seu amor por mim. Eu era uma mulher casada, ele me amava em segredo. — As palavras parecem pesar no coração de minha mãe e faz com que lágrimas comecem a brotar de seus olhos. — Ele procurou me esquecer e usou Miriã para isso. Talvez teria dado certo, se eu não tivesse me tornado uma mulher livre ao ficar viúva.

 

  —Então, meu pai deixou Miriã para ficar com a senhora. — Minha irmã conclui.

 

  —Sim, mas não foi tão simples como está pensando. — Minha mãe fala. — Seu pai deu esperanças a Miriã, mas quando surgiu a oportunidade que tanto esperou de ter o meu amor, ele simplesmente a deixou de lado e correu para mim. Sem explicar porque a estava deixando, simplesmente sumiu.

 

  —Pelos deuses! — Tany exclama. — Jamais pensei que meu pai fosse capaz de algo assim.

 

  —Eu não consegui acreditar plenamente nisso, mas ele confessou o que fez. — Minha mãe tenta esconder as lágrimas, mas não consegue. — De fato as pessoas que estão próximas de nós são as que mais podem nos surpreender.

 

  —Mas, ele se arrependeu. — Argumento, após ouvir tudo o que foi dito em silêncio. — Apenas não teve coragem de pedir perdão a Miriã.

 

  —O nome disso é covardia, Hadany! Nosso pai foi covarde em todos os sentidos! — Tany eleva o tom de sua voz. — Tente se colocar no lugar de Miriã, imagine como ela sofreu.

 

  —Eu sei muito bem como ela se sentiu, ouvi de sua própria boca.

 

  —O que está dizendo, Hadany? — Minha mãe me olha, intrigada, e então me dou conta de que falei mais do que devia.

 

  —Eu já sabia, mãe. Não faz muito tempo que descobri, por acaso, o que houve entre meu pai e Miriã. — Revelo, para surpresa de minha mãe e de minha irmã. — Depois que ele me contou a verdade, eu fui até a vila para ouvir a versão dela sobre o que aconteceu.

 

  —Então, foi por isso que se arriscou tanto em sair do palácio no meio da noite e ir até a vila dos escravos. — Tany me olha ao se lembrar da noite em que, cheia de mistérios, eu saí do palácio sem a permissão do soberano ou de nossos pais.

 

  —Eu precisa ouvir o que Miriã tinha a dizer, saber como ela se sentia em relação ao que houve. — Falo ao me lembrar que, naquela noite, Miriã se deixou tomar pela dor de tal forma que perdeu o controle sobre suas palavras e eu acabei lhe desferindo um tapa no rosto. — Sei que foi uma atitude impulsiva e insana, que eu não deveria ter ido até lá.

 

  —Não deveria mesmo! Talvez não tenha ideia do perigo que correu. — Minha mãe faz com que meu olhar se encontre com o seu. — Mas, ensinei minhas filhas a sempre ouvirem seus corações. Você fez o que eu teria feito em seu lugar.

 

  —Obrigada, mãe. — Agradeço sua compreensão.

 

  —Isso explica a discussão que teve com seu pai e porque relutou tanto em perdoá-lo. — Ela conclui.

 

  —Saber a verdade mudou todo o conceito que eu tinha sobre meu pai. — Me levanto e me distancio um pouco de minha mãe. — Ter que guardar um segredo tão terrível fazia com que eu me sentisse péssima e naquele dia eu acabei de me deixando levar por isso e explodi em revolta. — Olho para minha mãe. — Perdão por não ter contado o que sabia para a senhora. Eu achei que deveria saber por meu pai, não por mim.

 

  —Você estava certa, meu amor. — Minha mãe me chama para perto de si. Eu novamente me ajoelho ao seu lado e coloco minha cabeça em seu colo. Ela então acaricia meu rosto com sua mão esquerda e com seu braço direto abraça minha irmã. — Seu pai deveria ter me contado sobre Miriã desde o início, mas preferiu esconder de mim a verdade e mentir quando disse que não houve outra mulher em sua vida depois da mãe de Uri. Mas, o que está feito, está feito. Nada vai mudar o que aconteceu e muito menos dimunuir a dor e a decepção que estou sentindo.

 

  —O que a senhora vai fazer agora, mãe? — Pergunto.

 

  —Eu não sei. Não quero tomar nenhuma decisão agora da qual possa me arrepender depois. — Ela fala. — Mas, vocês podem fazer algo por mim.

 

(...)

 

  —A princesa quer falar comigo? — Miriã pergunta, incrédula. — Desculpe, mas não consigo acreditar.

 

  —Tenha a certeza de que eu não teria vindo até aqui se não fosse um pedido de minha mãe. — Falo.

 

  —E o que sua mãe poderia querer com uma escrava? — Ela fala com uma ponta de ironia.

 

  —Só vai saber se vier comigo ao palácio.

 

  —Não posso. — A hebreia demonstra certo receio em me acompanhar.

 

  —Não tem nada a temer, Miriã. — Afirmo. — Lhe dou a minha palavra de que nada irá acontecer com você.

 

  —Sinto muito, princesa, mas ter a sua palavra não me transmite confiança alguma.

 

  —Já que não acredita em mim, não me deixa outra escolha. — Falo e ela me olha sem entender. — Você deve vir comigo até o palácio imediatamente! É uma ordem da princesa, não ouse desobedecer ou sofrerá as consequências.

 

 

   Por Tany

 

   Não que esta tenha sido uma das melhores e mais sensatas ideias que minha mãe já teve, mas eu nada pude fazer a não ser concordar. Ajudei Hadany a sair do palácio sem chamar muita atenção para que ela fosse até a vila buscar Miriã, conforme nossa mãe nos pediu. No entanto, tenho muito medo do que pode acontecer. Magoada como está, seria totalmente compreensível se minha mãe não desejasse ver a irmã de Moisés ou sequer ouvir seu nome durante um bom tempo. Todavia, ela fez completamente o oposto disso ao mandar trazer Miriã ao palácio, sob que argumento fosse.

 

  —Não acha que sua irmã está demorando muito? — Leila pergunta, inquieta. — Talvez ela tenha de perdido.

 

  —Hadany já foi a vila antes, conhece o caminho. — Tento acalmar minha cunhada, enquanto observo o silêncio absoluto e o olhar distante de minha mãe. — No momento, ela é o que mais me preocupa.

 

  —Sua mãe é forte, princesa. — Leila coloca suas mãos em meus ombros. — Não é a primeira vez que a vida lhe derruba, não será agora que ela não saberá como se levantar.

 

  —Eu quero muito acreditar nisso, Leila, mas não consigo. — Desabafo. — Em toda a minha vida, jamais vi minha mãe tão abalada como agora.

 

  —O que aconteceu foi muito sério, mas ela vai saber como lidar com isso. — Minha cunhada faz com que eu olhe para ela. — Sua mãe é uma guerreira sem espadas. Ela não vai se deixar abater, tenha certeza.

 

  —É aqui. — Ouço a voz de minha irmã através da porta, que logo se abre. Hadany entra primeiro e, quase que caminhando em sua sombra, Miriã entra em seguida. É notável que a mulher hebreia se sente deslocada, seu olhar tímido e receoso parece devorar cada canto dos aposentos de Mayra, ambiente luxuoso onde certamente ela jamais esteve até hoje.

 

  —Alteza. — Miriã faz uma reverência ao notar o olhar de minha mãe sobre si.

 

  —Saiam, por favor. — Minha mãe pede. — Quero conversar a sós com Miriã. 

 

  —Estaremos por perto. — Falo. — Nos chame se precisar.

 

   Então, minha irmã, Leila e eu saímos dos aposentos, deixando minha mãe e Miriã sozinhas. Que os deuses permitam que nada de mal aconteça e que essa conversa entre as duas ocorra da melhor forma possível.

 

  —Ninguém entra neste quarto enquanto a hebreia estiver com a princesa. — Hadany ordena aos guardas da porta.

 

  —Como quiser, alteza. — Um dos homens fala.

 

  —O que acham que vai acontecer? — Leila nos pergunta, preocupada.

 

  —Nada que piore a gravidade da situação, eu espero. — Hadany responde.

 

 

   Por Henutmire

 

   Miriã mantém seus olhos no chão e permanece imóvel como uma estátua. Sua respiração irregular denuncia seu nervosismo, talvez seu medo por ter sido trazida a minha presença. Eu a observo com atenção, como que decorando cada detalhe seu. Só de olhá-la sei que não tem culpa alguma do aconteceu, o culpado é Hur. Mas, ao mesmo tempo eu não consigo vê-la com total inocência diante dos fatos. Vejo apenas uma bela mulher, com a qual meu marido se envolveu.

 

  —Obrigada por ter vindo. — Falo como forma de iniciar conversa.

 

  —Obrigada por pedir gentilmente. — Ela rebate, com leve ironia que posso sentir em sua voz.

 

  —Levante seu rosto, quero que fale comigo olhando para mim. — Peço e ela assim o faz. Então, noto algo em seus olhos que ainda não havia notado. — Seus olhos... Se parecem com os meus.

 

  —Apenas na cor, alteza. — Ela ressalta.

 

  —Sabe porque está aqui? — Pergunto.

 

  —Não.

 

  —Por ironia do destino, a pessoa que mais me odeia neste palácio me fez um grande favor. — Falo. — Talvez tenha sido com más intenções, mas o fato é que ela trouxe ao meu conhecimento uma verdade que estava escondida.

 

  —A princesa pode ser mais clara? — Miriã pede.

 

  —Eu sei que você e Hur tiveram um... relacionamento no passado.

 

  —Não se pode chamar aquilo de relacionamento, sequer posso dizer que foi uma pura amizade. — Ela fala e eu sinto ressentimento em sua voz. — O que houve entre mim e seu marido não tem nome.

 

  —Compreendo sua mágoa e não pedi que viesse até aqui para fazê-la reviver esse passado, pois somente de olhar em seus olhos vejo o quanto isso ainda dói dentro de você. — Me aproximo dela e isso a assusta. — Eu a trouxe aqui para saber se, de alguma forma, você me culpa pelo que aconteceu.

 

  —Devo ser sincera?

 

  —Eu peço que sim.

 

  —Sim, princesa, eu já a culpei pelo que aconteceu. Afinal, Hur me deixou para ficar com a senhora. — Miriã fala. — Mas, na verdade a culpa era minha por ter sido cega o bastante para não perceber que havia outra no coração do homem que eu amava e que não havia espaço para mim. Era minha culpa por ter sido ingênua a ponto de achar que ele se interessaria por uma escrava, quando sonhava com o amor de uma princesa.

 

  —Você não tem culpa, Miriã. — Dou as costas a irmã de Moisés. — Se eu não existisse, você e Hur estariam juntos.

 

  —Mas, a senhora existe e sempre existiu nos sonhos de Hur. Ele sempre a amou, mesmo sabendo que não devia, que era um amor impossível. — Sinto a mão de Miriã em meu braço, fazendo com que eu me vire para ela. — Porém, não deve se culpar pelo que houve entre ele e eu. As coisas aconteceram como tinham que acontecer.

 

  —Então, você não tem raiva de mim?

 

  —Por que eu teria, princesa? Eu não poderia odiá-la apenas porque tem o amor que eu queria ter. — Miriã sorri para mim. — Confesso que não foram poucas as vezes em que eu chorei por esse amor, mas eu tive que aceitar a realidade e compreender que a senhora não tinha culpa de nada.

 

  —E Hur?

 

  —A vida se encarregou de nunca mais nos colocar frente a frente. — Ela baixa seu olhar. — Não nego que tenho uma grande mágoa em relação a ele e que talvez jamais possa perdoá-lo. Mas, a distância que existe entre nós dois é o melhor remédio para a minha dor.

 

  —Então, ainda é uma ferida aberta dentro de você? — Pergunto.

 

  —Nunca irá cicatrizar por completo, princesa. — Miriã volta seu olhar para mim. — Mas, não deixe que o mesmo aconteça com a senhora.

 

  —Não entendo o que quer dizer.

 

  —Eu não fui esposa, não fui mãe, mas a senhora é. — Um estranho brilho toma os olhos de Miriã. — Eu não fui feliz ao lado de Hur, mas a senhora foi, é e sempre será.

 

  —Eu já não tenho tanta certeza disso. — Falo, infeliz.

 

  —Veja tudo o que Hur fez pela senhora, até mesmo passar por cima de seus valores ao me descartar como se eu fosse um objeto sem importância. — Ela fala. — Ele fez tudo isso porque a ama.

 

  —Sim, eu sei que ele me ama! — Elevo a voz. — Mas, não posso perdoar mentiras e muito menos aceitar o que ele te fez.

 

  —A senhora não pode mudar o passado, mas pode mudar o futuro. — Miriã fala e suas palavras trazem uma lembrança a minha memória.

 

   Flash back on

 

  —E o que mudaria caso pudesse reescrever? — Hur pergunta.

 

  —Eu não sei... Tanta coisa. — Respondo ao tirar meu olhar dele, fingindo contemplar o jardim a minha volta e até mesmo o céu anoitecido e suas estrelas. — Mas, não se pode mudar o passado, não é mesmo?

 

  —Mas, pode mudar o futuro. — Hur fala e suas palavras conseguem balançar meu coração, de tal forma que permaneço de costas para ele, sem conseguir olhá-lo. — A sua história ainda não terminou, está sendo escrita agora, nesse exato momento. — Sinto sua voz mais próxima, mas mesmo assim não me viro para ele. — Basta que tenha coragem e decida o que acontece daqui em diante.

 

   Por alguns instantes eu nada digo, principalmente por perceber que há razão em cada palavra dita por Hur. Então, respiro fundo antes de voltar minhas atenções para ele, mas me surpreendo ao me deparar com meu amigo tão perto de mim. Porém, não me afasto e nem faço com que ele se afaste. Apenas olho em seus olhos, ainda que um pouco sem jeito.

 

  —E o que você acha que poderia acontecer? — Pergunto, mas recebo silêncio em forma de resposta. — Você, Hur... Está satisfeito com a sua vida?

 

  —Não tenho do que reclamar.

 

  —Você não me parece uma pessoa que tenha realizado todos os seus desejos.

 

  —Certamente que não. — Ele ri discretamente, mas sou incapaz de compreender o que isso significa.

 

  —E você teria coragem de correr riscos para mudar as coisas em busca de... — Parecem me faltar as palavras certas para completar minha pergunta. — Sei lá, uma felicidade maior?

 

  —Se me fossem dadas as condições, eu não hesitaria um só instante. — Hur responde, com seus olhos fixos em mim.

 

   Flash back off

 

  —Pense bem, princesa. Vossa alteza construiu uma vida ao lado de Hur, uma família. — Miriã olha em meus olhos. — Não deixe que isso se acabe por causa de um erro do passado quem nem mesmo é seu.

 

  —Miriã, eu agradeço imensamente que tenha atendido ao meu pedido e vindo até aqui, mas do meu casamento cuido eu. — Eu a olho com repreensão, que ela demonstra entender ao curvar sua cabeça. — Não sei o que vai acontecer comigo e Hur, mas já é um grande alívio saber que você não me culpa pelo que houve e que não tem ressentimentos para comigo.

 

  —Aqui, na frente da princesa, eu peço perdão por um dia ter colocado essa culpa sobre seus ombros. — A hebreia fala com certa docura na voz. — Sei que isso não significa que vamos virar grandes amigas da noite para dia, mas essa conversa já tirou um pouco do peso que eu tinha em meu coração.

 

  —Mais uma vez, obrigada por ter vindo. — Inacreditavelmente, um sorriso nasce em meus lábios.

 

  —Não precisa agradecer.

 

  —Leve lembranças minhas a sua família e principalmente a Moisés. — Peço. — Diga a meu filho que eu o amo muito.

 

  —Eu direi a ele. — Miriã sorri e faz uma reverência simples. — Shalom, princesa.

 

  —Adeus, Miriã. — Falo tão baixo que só eu mesma ouço, enquanto observo a mulher hebreia atravessar as portas e ir embora.

 

(...)

 

 

   Por Leila

 

  —Ela comeu? — Hadany pergunta ao ver a bandeja com o jantar da princesa sobre a mesa.

 

  —Quase nada. — Respondo. — Sua mãe vai ficar fraca se não se alimentar direito.

 

  —Foi um longo dia para ela, Leila. Amanhã faremos com que se alimente e reponha suas forças. — Ela fala, ao acariciar o rosto adormecido de sua mãe. — Ao menos ela conseguiu dormir.

 

  —Graças a uma fórmula calmante que Paser trouxe. — Acrescento.

 

  —Ela vai ficar bem, Hadany? — A filha do faraó pergunta.

 

  —Vai sim, Mayra. — Hadany sorri, transmitindo confiança para a prima. — Ela só precisa de uma boa noite de sono.

 

  —Vocês vão levá-la para o quarto dela? — A menina indaga, já que a princesa Henutmire adormeceu em seus aposentos.

 

  —Não seria justo acordá-la, já que demorou tanto a cair no sono. — A filha da princesa responde. — Você cuidaria dela por mim esta noite?

 

  —É claro que sim. — A princesa Mayra se anima.

 

  —Ótimo! Assim poderei dormir tranquila sabendo que minha mãe está em boas mãos. — Hadany fala, fazendo a menina sorrir. — Qualquer coisa é só mandar me chamar.

 

  —Está bem.

 

  —É melhor irmos, já é tarde. — Falo.

 

  —Tem razão. — Hadany concorda. — Boa noite, minha prima. — Ela dá um beijo na testa da menina. Em seguida, deposita um beijo suave e carinhoso no rosto de sua mãe. — Durma bem, mamãe.

 

  —Boa noite, alteza. — Faço uma reverência a princesa Mayra.

 

  —Boa noite, Leila. — A menina corresponde com um sorriso.

 

 

   Por Tany

 

  —Também não consegue dormir? — Minha presença no jardim pega meu pai de surpresa.

 

  —Não pensei que ainda estivesse acordada. — Ele fala.

 

  —Não pensamos em muitas coisas, pai. — Sento-me ao seu lado.

 

  —E sua mãe?

 

  —Dormindo, depois de um longo dia. — Respondo. — Ela tomou uma fórmula calmante e acabou pegando no sono nos aposentos de Mayra, passará esta noite noite lá.

 

  —Ela está bem? — Meu pai pergunta, preocupado.

 

  —Melhor do que eu imaginei que estaria diante dessa situação. — Falo. — Ela estava muito abatida, triste... Mas, depois da conversa que teve com Miriã, sua aparência era de quem se sentia mais leve.

 

  —Miriã? — Ele me olha sem acreditar. — Ela esteve no palácio?

 

  —Sim, minha mãe pediu para buscá-la e ela veio. — Minhas palavras parecem surpreender meu pai. — E antes que me pergunte, eu não sei o que elas conversaram. Minha mãe não quis nos dizer nada, mas creio que correu tudo bem. Caso contrário, as estruturas do palácio teriam tremido com esse encontro. — Olho para ele. — Posso lhe fazer uma pergunta?

 

  —Sim.

 

  —Como conseguiu conviver todos esses anos com esse peso na consciência?

 

  —Nem eu mesmo sei, minha filha. Talvez eu tenha deixado o medo ser maior do que o meu caráter... Medo de perder Henutmire, medo da reação de Miriã se eu a procurasse para pedir perdão. — Meu pai responde. — Mas, por favor, não venha também me dar sermões. Eu já ouvi o bastante de sua irmã, quando ela descobriu a verdade, e agora de sua mãe.

 

  —Eu não vou repetir o que todos já disseram, por mais que o senhor mereça. — Me levanto. — Eu apenas vou passar a noite em claro, tentando entender como o homem honrado que eu sempre chamei de pai foi capaz de algo tão... desprezível.

 

  —Você também não vai me perdoar? — Ele pergunta ao me olhar. Seus olhos refletem a tristeza de sua alma, mas eu tento não me comover diante disso.

 

  —Não tenho o que perdoar, pai. Seu erro não foi comigo e sim com minha mãe e Miriã. — Respondo com firmeza. — É a elas que o senhor deve pedir perdão.

 

  —Talvez seja melhor eu ir embora do palácio. — Ele sugere. — Ir para bem longe do Egito para não causar sofrimento a mais ninguém.

 

  —Não deve ir a lugar algum! — Discordo. — Uri, Hadany e eu ainda somos seus filhos. Nós ainda precisamos do nosso pai ao nosso lado.

 

  —E Henutmire? — Meu pai questiona. — Ela ainda precisa de mim ao seu lado?

 

  —Deve perguntar isso a ela, não a mim.

 

 

   Por Henutmire

 

   Adormeci nos aposentos de Mayra e não posso negar o bem que isso fez a minha sobrinha. Durante a madrugada silenciosa, acordei com a menina abraçada a mim. Certamente ela o fez na intenção de cuidar de mim, mas também para desfrutar do carinho que me ter ao seu lado podia proporcionar a ela. Mayra é uma criança mais que especial.

 

   Mas, assim que o sol despontou no horizonte e sua luz iluminou o Egito, eu percebi que não poderia passar mais um dia nos aposentos da filha do faraó. Se é para ficar trancada em algum lugar, que seja no meu próprio quarto. Não nego que eu temia encontrar Hur quando voltasse, mas ao entrar em meu aposento ele estava vazio... Tão vazio como talvez esteja o meu coração. Mas, este sempre foi o meu quarto. Já era antes mesmo de me casar com Hur e se alguém tem que sair daqui esse alguém é ele, não eu.

 

  —Com licença, princesa. — Leila fala ao entrar nos aposentos. — Trouxe seu desjejum.

 

  —Obrigada, minha querida. — Agradeço. — Eu estou faminta.

 

  —Como a senhora está, depois de ontem?

 

  —Viva e pronta para enfrentar o que vier. — Respondo e então olho com mais atenção para minha dama. — Você está pálida, Leila. O que houve? Meu filho voltou a desafiar Ramsés?

 

  —Antes fosse, senhora. — Ela fala. A expressão de seu rosto é de espanto, mas seu olhar é de pura preocupação para comigo.

 

  —O que aconteceu? Me diga.

 

  —Yunet. — Leila fala, mas até parece temer pronunciar tal nome. — Ela voltou ao palácio e parece que com a permissão do rei.


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Notas finais do capítulo

E eis que a naja suprema está de volta. Será que agora vamos ter Yunet e Anat infernizando a princesa?



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