O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 26
Capítulo 26


Notas iniciais do capítulo

O capítulo de hoje é em comemoração ao aníversário da minha linda, amada e muito louca irmã, para quem esta história também é dedicada. Parabéns, Maria Fernanda! Muito obrigada por tudo, tudo mesmo. Inclusive pelo apoio incondicional com "O Maior Amor". Eu te amo muito, sis! ♥

Sem mais rodeios, vamos ao capítulo 26. Sim, eu sei que ficou um pouco grande, mas esse é um capítulo muito importante na história.



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   Por Anat

 

   Flash back on

 

  —Faça alguma coisa, mãe! — Suplico entre lágrimas incessantes.

 

  —Acalme-se, Anat! — Ela pede. — Você não pode se exaltar dessa maneira.

 

  —É o meu filho! — Esbravejo, tentando me levantar. Todavia, meu corpo não possui força alguma e eu não saio de onde estou.

 

  —Como eu faço esse menino se calar? — Ausar fala, irritado com o choro da criança em seus braços.

 

  —Me devolva o meu filho, Ausar! — Ordeno, mas ele não me dá ouvidos. — Por tudo o que é mais sagrado, não faça isso comigo.

 

  —Você não me deu escolha, Anat! — Ele fala, furioso. — Eu avisei o que aconteceria se tivesse esse filho.

 

  —Trazer essa criança ao mundo foi escolha minha, eu quem o gerei e eu quem cuidarei dele. — Falo, chorando. — Ele é meu filho e você não pode tirá-lo de mim.

 

  —Sim, eu posso. — Ausar afirma, sem piedade alguma. — Lamento muito que tenha perdido seu tempo amando essa criança a cada lua que ela crescia em seu ventre.

 

  —Ausar, não! — Exclamo nervosa, enquanto ele envolve o bebê em panos brancos e macios. — Por favor, não!

 

  —Você nunca mais me verá, nem a mim e nem ao seu filhinho. — Ele me lança um último olhar. — Adeus, Anat!

 

  —AUSAR! — Grito com todas as forças da minha dor ao ver o homem atravessar a porta e sair da casa com meu filho chorando em seus braços. Sou completamente incapaz de conter minhas lágrimas e sequer me importo que elas saiam de meus olhos. Eu fui igualmente incapaz de impedir que ele arrancasse meu filho de meus braços e o levasse para longe de mim. — Não! Meu filho não!

 

  —Talvez tenha sido melhor assim, minha filha. — Minha mãe me abraça, tentando me oferecer algum consolo.

 

  —Ele vai matar o meu filho, mãe. — O choro torna minha voz frágil. — O meu menino inocente...

 

   Flash back off

 

   Eu era apenas uma jovenzinha, mas a imagem daquele homem cruel saindo de minha casa com meu filho em seus braços jamais saiu de minha mente. Aquela foi a única vez em que não tive forças suficientes para defender quem eu amava e desde então uma outra Anat surgiu. A morte de meu filho transformou a garota tola e inocente que eu era em uma mulher que muitos julgam má e incapaz de amar. Nenhum bom sentimento salvou a vida da criança que gerei em meu ventre, não impediu que ela pagasse pela minha ingenuidade e estupidez. Ausar arrancou de mim o único motivo que eu poderia ter para conservar a bondade em meu coração e eu nada fiz para impedir. Eu fui fraca e carregarei essa culpa até o fim de meus dias.

 

  —Entre. — Falo ao ouvir batidas nas portas de meus aposentos. Nathifa, a serva que veio comigo de Om, logo entra por elas. — Nathifa? O que faz aqui?

 

  —Preciso conversar com a senhora sobre aquele assunto.

 

  —Sente-se. — Indico o divã à moça e nos sentamos. — O que descobriu?

 

  —Pouca coisa, senhora. — Nathifa responde. — Ao que parece, ele foi impecável durante toda a sua vida.

 

  —Era de se esperar. Ele vive no palácio desde muito jovem e se tornou o joalheiro real quando o faraó Seti ainda governava o Egito. — Falo. — Talvez tenha sido perda de tempo pedir a você para investigar a vida desse homem.

 

  —Não, senhora. — Ela discorda de imediato. — O que eu descobri pode não ter sido muito, mas talvez possa ajudá-la.

 

  —Então, me conte de uma vez o que descobriu.

 

  —Ele se envolveu com uma mulher, muito antes de se casar com a princesa. — Nathifa revela. — Uma hebreia de nome Miriã, que por coincidência é irmã de sangue de Moisés.

 

  —E como isso pode favorecer meus planos? — Indago, com certo nervosismo. — Qualquer homem pode ter um envolvimento com outra mulher antes de casar-se...

 

  —Ele a abandonou, senhora. — Ela me interrompe, mas eu não fico enfurecida com sua atitude pois suas palavras despertam meu interesse. — Ele abandonou a hebreia sem dar uma explicação sequer, simplesmente desapareceu.

 

  —Mas, é claro! Quando a princesa ficou viúva, ele foi correndo para os braços dela e descartou a outra. — Concluo, com um sorriso malicioso nos lábios. — E ainda por cima a outra é a irmã do filho da princesa. Isso é maravilhoso!

 

 

   Por Tany

 

  —O pai de Anat era um homem importante em Aváris, conhecido e respeitado por todos. — Paser fala. — Sempre teve verdadeira adoração pela esposa e pela única filha, mas infelizmente as deixou cedo demais.

 

  —Quantos anos Anat tinha quando o pai morreu? — Pergunto.

 

  —Apenas cinco anos, alteza. — Ele responde e seus olhos se entristecem, certamente por se lembrar da irmã falecida. — Eu ainda posso ouvir o choro de Kytzia pela morte do marido e as inúmeras vezes em que ela se perguntava como iria cuidar de sua filha sem o pai. — Paser respira fundo, antes de continuar. — Mas, minha irmã foi valente como eu jamais pensei que seria. Ela criou Anat sozinha, deu a ela uma educação digna e não deixou que o respeito que todos tinham por sua família morresse com o marido. Ela se tornou forte pela filha e posso garantir que foi por Anat que Kytzia se manteve de pé até o último dia de sua vida.

 

  —Sua irmã era uma mulher admirável, Paser. — Dou um leve sorriso. — É uma pena que a filha não seja como a mãe.

 

  —Nem sempre Anat foi essa pessoa que vossa alteza conhece. Ela foi um criança doce e gentil, uma adolescente prestativa e leal, que sempre esteve ao lado da mãe e pronta a ajudar quem precisasse. — O sumo sacerdote fala, mas parece impossível acreditar que a pessoa que ele descreve realmente seja a sua sobrinha. — Anat herdou as melhores qualidades que seus pais possuíam.

 

  —E o que houve com essa Anat? — Minha pergunta surpreende Paser. — Sim, porque a mulher que está no palácio e que carrega o título de sacerdotisa de Seth não se parece em nada com a pessoa que você acaba de descrever.

 

  —Não sei, alteza. Sinceramente, não sei o que levou minha sobrinha a se transformar nesse ser perverso. Talvez tenha sido a morte de sua mãe, mas eu não poderia afirmar com certeza. — Ele me olha, intrigado. — Perdão, mas o que a princesa pretende me fazendo tantas perguntas sobre Anat?

 

  —Apenas quero entender aquela mulher. — Respondo. — Pensei que se soubesse mais sobre sua história, encontraria alguma explicação para tamanha maldade que ela tem em seu coração.

 

  —Se ela se tornou má não foi porque seus pais a ensinaram a ser má ou porque a vida lhe deu motivos para isso. — Paser afirma. — Anat é má porque quer, porque escolheu isso para si.

 

  —Tany! — Minha irmã entra afoita na sala de Paser, que ao vê-la lhe reverencia de imediato. — Desculpe entrar desse jeito, Paser.

 

  —Não se preocupe com isso, alteza. — Ele fala. — Aconteceu alguma coisa?

 

  —Não, mas acho que vai acontecer. — Hadany responde, conseguindo nos assustar. — Nossa mãe mandou nos chamar, e pelo visto ela não está nem um pouco contente.

 

(...)

 

  —Sentem-se. — Minha mãe nos olha com seriedade, assim que entramos em seus aposentos.

 

  —O que aconteceu, mãe? — Hadany pergunta, enquanto nos sentamos no divã.

 

  —É exatamente o que eu quero saber. — Ela responde. — Anat veio até meus aposentos e me esbofeteou como forma de agradecer um presente que recebeu de uma de minhas filhas. — Sinto meu sangue correr como fogo dentro de minhas veias ao saber que Anat teve a audácia de desferir um tapa no rosto de minha mãe. — O que vocês fizeram? Não ousem mentir para mim.

 

  —Hadany não fez nada, eu fiz. — Falo. — Pedi a um servo que levasse um vinho especial aos aposentos da sacerdotisa.

 

  —Espera que eu acredite que Anat iria se enfurecer por causa de um simples vinho? — Minha mãe questiona.

 

  —De fato não iria, se eu não tivesse colocado dentro da bebida a cabeça de uma rã, que ela quase engoliu.

 

  —O quê? — Ela me olha, incrédula e um tanto nervosa. — Você fez isso, Tany?

 

  —Sim, minha mãe. Eu peguei a rã, cortei a cabeça e coloquei dentro do vinho que mandei para Anat. — Me levanto, também nervosa. — E se quer saber, eu não me arrependo!

 

  —Você tem noção do que fez, menina? — Minha mãe agarra meus braços, olhando em meus olhos. — Eu disse para você e sua irmã ficarem longe de Anat! Além de me desobedecer, você decapitou um animal sagrado.

 

  —A senhora está me machucando, mãe. — Falo e então ela solta meus braços. — Eu sei o que fiz, sei que não foi a atitude mais correta. Mas, eu faria novamente apenas pelo prazer de saber que causei medo e repulsa em Anat.

 

  —E por isso ela veio até mim ameçar vocês! — A voz de minha mãe ecoa pelos aposentos. — Entendem agora? Anat pode fazer o que for comigo, mas eu não suportaria que ela fizesse mal a minhas filhas para me atingir.

 

  —Ela não faz nada além de ameaças. — Hadany se aproxima de nossa mãe. — Anat sabe que não pode contra nós.

 

  —Pode sim, Hadany! Se ela quiser pode trazer o caos para dentro desse palácio somente para saciar sua sede de vingança. — Minha mãe olha nos olhos de minha irmã. — Anat é imprevisível, como uma cobra que espera pacientemente para dar o bote em sua presa. — Ela me olha. — Se ela atacar vocês, eu serei a primeira a defendê-las e não irei impedir que se defendam também. Mas, eu não quero que ataquem Anat em hipótese alguma. Fui clara?

 

  —Qual será a minha punição pelo que fiz com a sacerdotisa? — Pergunto, após alguns segundos de silêncio.

 

  —Nenhuma, minha filha. — Minha mãe me surpreende com sua atitude. — Eu poderia sim punir você, mas o que quero é que entenda que estou tentando proteger as duas pessoas que mais amo no mundo. A vida e o bem estar de vocês vale mais que toda a riqueza que possuo como princesa do Egito.

 

   Desde muito pequena sei o que Hadany e eu significamos para minha mãe, vejo isso todas as vezes em que olho em seus olhos. Fomos as primeiras que saíram com vida de seu ventre, as primeiras que ela carregou em seus braços sabendo que tínhamos o seu sangue. As filhas que nasceram de um grande e verdadeiro amor... Minha mãe não pensaria duas vezes em dar sua própria vida se isso significasse proteger a mim e a minha irmã. Por isso, não julgo a sua preocupação conosco, embora saiba que sabemos muito bem como nos defender das artimanhas de Anat. Mas, cada vez que contemplo o cinismo estampado no rosto daquela víbora é praticamente impossível controlar a minha raiva e o desejo que tenho de fazê-la pagar por cada lágrima derramada por minha mãe. Todavia, haverão muitas mais lágrimas derramadas pela mulher que me deu a vida se Anat conseguir fazer algum mal a mim ou a Hadany.

 

  —Mãe... — Me aproximo dela e seguro suas mãos. — Sinto muito se o que fiz trouxe ainda mais preocupação para a senhora. Mesmo que eu não tenha medo das ameaças de Anat, sei que devo ser prudente. — Um sorriso nasce nos lábios de minha mãe. — Não vai se repetir, eu prometo.

 

  —Não sabe como suas palavras me tranquilizam, filha. — Ela sorri e me abraça. Logo em seguida traz também Hadany para dentro do abraço. — Vocês são as pessoas mais importantes da minha vida e mantê-las seguras sempre será minha prioridade.

 

  —Princesa Henutmire! — Leila exclama ao entrar nos aposentos, visivelmente assustada. Seus olhos parecem estar maiores do que são devido ao espanto que carregam consigo.

 

  —O que houve, Leila? Por que está nesse estado? — Minha mãe pergunta, preocupada com sua dama de companhia.

 

  —Uma nova praga, senhora. — Minha cunhada responde. — Está vindo em forma de uma imensa nuvem negra e logo estará no palácio.

 

  —Eu sabia! Avisei a Ramsés e Nefertari que isso aconteceria, mas eles não me deram ouvidos. — Minha mãe fala, um pouco nervosa. — O deus dos hebreus não está brincando!

 

   Então, um enxame de moscas nos surpreende ao invadir o quarto. Jamais em toda a minha vida vi tão grande número desses insetos e menos ainda dentro do palácio. As moscas não se aproximam de mim ou de irmã, nem de Leila, mas vão diretamente até minha mãe. Ela balança seus braços no ar, tentando espantá-las, mas de nada adianta.

 

  —Mãe! — Minha única reação é abraçá-la como forma de protegê-la e só então as moscas deixam de importuná-la.

 

  —Vou procurar um véu para que ela possa se cobrir.  — Leila fala e de imediato começa a revirar os baús a procura de um véu.

 

  —Isso vai ser pior do que eu pensava. — Minha mãe fala, ainda envolvida em meus braços. — Além de serem insetos repugnantes, o barulho que fazem é irritante.

 

  —Hadany, faça alguma coisa! — Falo ao ver minha irmã completamente estagnada no meio do quarto. — Acenda alguns incensos.

 

  —Isso vai espantá-las? — Ela questiona.

 

  —Eu não sei, mas deve ajudar. — Falo. Minha irmã então acende os incensos, mas isso não faz com que as moscas recuem. Parece que a única coisa que protege minha mãe de ser importunada por essa nova praga é a minha presença, é o meu corpo junto ao dela e meus braços que a envolvem.

 

  —Tome, senhora. — Leila entrega um véu branco a minha mãe e ajuda-a a cobrir-se com ele, o que impede que as moscas encostem em sua pele clara.

 

  —Eu tenho que falar com Ramsés. — Minha mãe fala, decidida. — Ele tem que fazer alguma coisa!

 

(...)

 

   Eu bem que tentei, mas não consegui impedir que minha mãe fosse até a sala do trono falar com meu tio. Detesto reconhecer, mas duvido muito que ela consiga convencê-lo a colocar fim de uma vez por todas a esta guerra. Ao andar pelos corredores do palácio ouço vozes apavoradas, passos correndo apressados e até mesmo o barulho de mãos e objetos cortando o ar na tentativa de espantar as moscas inoportuntas. Como minha mãe disse, o deus dos hebreus não está brincando. Mas, meu tio parece ainda não ter percebido isso.

 

  —Olhe por onde anda! — Exclamo ao sentir o choque de meu corpo contra o de uma mulher que esbarra em mim ao passar correndo pelo corredor.

 

  —Perdoe-me! Eu não a vi... — A mulher não completa o que diz ao levantar seu olhar e contemplar meu rosto. Não escondo minha insatisfação ao ver que se trata de Anat.

 

  —Por todos os deuses! — Reviro meus olhos, demonstrando minha falta de paciência. — Você era a última pessoa que eu queria ver hoje.

 

  —Acho que este palácio está ficando pequeno demais para nós duas, não é? — Ela sorri cinicamente.

 

  —O palácio é minha casa, eu cresci aqui. — Falo com firmeza. — Se alguém está fora do seu lugar, esse alguém é você.

 

  —Não se esqueça que eu morei aqui durante alguns anos. — A sacerdotisa argumenta, enquanto se debate contra o ar tentando se livrar das moscas.

 

  —Mas, isso não fez do palácio o seu lugar. — Lanço tais palavras para Anat e lhe dou as costas.

 

  —Eu já tinha ouvido falar que as herdeiras da princesa são favorecidas por terem sangue hebreu. — Anat fala e eu detenho o segundo passo que me levava para longe dela. — Mas, confesso que ver com meus próprios olhos é espantoso.

 

  —Aonde quer chegar, Anat? — Me viro para ela e fixo meu olhar em seu belo rosto de sacerdotisa profana.

 

  —A lugar algum, alteza. Apenas cheguei a conclusão de que ter o sangue hebreu não é de todo ruim, não é? — Ela me olha com pleno sarcasmo. — Afinal, o sangue de escravos que seu pai te deu serve para alguma coisa.

 

  —Se acha que me provoca jogando em minha cara que tenho sangue hebreu, está enganada. — Falo com tamanha calma que sequer me reconheço. — É o sangue do meu pai, sangue que junto ao de minha mãe me deu a vida e eu me orgulho muito disso.

 

  —Ora, por favor! Se orgulhar de ser metade hebreia, de ter o sangue dessa gentinha imunda? — Ela ri. — Bem se vê que não tem nenhuma vocação para ser da realeza.

 

  —Tendo ou não vocação eu pertenço a família real egípcia e não há nada que possa fazer para mudar isso. — Me aproximo de Anat, o que faz com que algumas moscas saiam de perto dela. — Conforme-se e procure aceitar que eu estou muito acima de você, mesmo tendo o sangue hebreu junto ao sangue real.

 

  —Voc... — Anat interrompe o que estava por dizer, pois assim que abriu sua boca uma mosca entrou nela. A sacerdotisa começa a tossir sucessivamente, certamente tentando expulsar o inseto de sua boca, mas ele acaba descendo por sua garganta.

 

  —Na próxima vez em que abrir sua linda boquinha para falar besteiras, lembre-se de que pode engolir uma mosca. — Dou um meio sorriso, pleno de deboche. Então, me viro e deixo a sacerdotisa sozinha no corredor.

 

 

   Por Henutmire

 

  —Ramsés. — Chamo por meu irmão ao entrar na sala do trono, notavelmente nervosa pelo incômodo que as moscas me provocam. — Você precisa fazer alguma coisa, meu irmão.

 

  —Já fizemos de tudo, Henutmire. — Ele fala. — Incensos, fumaça... Nada espanta as moscas.

 

  —Você sabe muito bem o que fazer para acabar com essa praga. — Falo, tentando manter a calma. — Deixe os hebreus irem fazer o sacrifício ao deus deles.

 

  —Eu não posso.

 

  —É claro que pode. Não só pode como deve! — Exclamo. — Os alimentos estão sendo contaminados por causa desses insetos, logo não teremos mais o que comer.

 

  —Eu não posso, Henutmire. — Ramsés tira seu olhar de mim e leva-o até o chão. — Deixar os hebreus irem ao deserto é o mesmo que afirmar a minha fraqueza. E um rei não deve se mostrar fraco.

 

  —Não, Ramsés. — Levanto o véu com o qual me cobria para que meu irmão olhe em meus olhos. — Atender ao pedido de Moisés mostrará a todos que o rei do Egito é sensato e que de fato está fazendo o melhor pelo reino.

 

   O silêncio toma conta da sala do trono. O olhar de meu irmão parece perdido e ao mesmo tempo pensativo. Talvez minhas palavras tenham causado o efeito que eu desejava em Ramsés, talvez tenham feito com que ele abra seus olhos e veja com clareza o que está acontecendo. Minhas atenções se voltam para um servo de pé ao lado do trono. Certamente, meu irmão mandou besuntar o homem com mel para atrair as moscas para si.

 

  —Bakenmut! — Ramsés chama pelo general.

 

  —Sim, meu senhor. — Ele prontamente se apresenta ao rei.

 

  —Vá chamar Moisés e Arão. — Meu irmão ordena e o general de imediato deixa a sala do trono.

 

  —O que vai fazer? — Pergunto.

 

  —Não sei, mas talvez eu acabe com isso de uma vez por todas. — Ele fala de forma decidida. — Peço que se retire, não quero que esteja aqui quando Moisés chegar. Sua presença pode influenciar, de alguma forma, a conversa que iremos ter.

 

  —Está bem, farei como pede. — Concordo. — Mas, pense bem na decisão que irá tomar, Ramsés. Dela depende o futuro de todo o Egito. — Coloco o véu novamente sobre meu rosto, dou as costas a meu irmão e caminho para fora do salão.

 

  —Você deveria estar sentada nesse trono, não eu. — As palavras de Ramsés fazem com que eu detenha meus passos.

 

  —Por que diz isso?

 

  —Porque você é sensata, bondosa e nobre de coração. Ouve seus sentimentos, mas não se deixa guiar por eles quando precisa ser justa. — Ramsés responde. — Henutmire deveria ter sido a rainha que sucederia Seti.

 

  —Você nasceu para me tomar o trono, Ramsés, mesmo que eu jamais o tenha desejado. — Me viro para ele. — Nasceu para que nosso pai não tivesse que carregar a vergonha de não ter tido um descendente homem, para que ele não tivesse que deixar a coroa real para sua única filha. — Falo sem pensar. — O trono é seu por direito de nascimento. A responsabilidade de governar o Egito é sua e um dia será de Amenhotep.

 

(...)

 

  —Hadany? — Chamo por minha filha ao entrar em seus aposentos. Não há uma só mosca no quarto, o que é totalmente compreensível pois sei que minhas filhas são imunes as pragas pelo sangue de Hur que corre em suas veias. Mas, o que realmente me surpreende é notar que nem mesmo a minha presença atrai as moscas para dentro dos aposentos.

 

  —As moscas não entram em meu quarto, mesmo que um egípcio esteja aqui dentro comigo. — Minha filha fala, certamente ao notar minha perplexidade. — Já pedi que tragam Mayra para cá, ela passará a noite aqui para que possa dormir tranquila.

 

  —Fez bem, minha filha. Sua prima é apenas uma criança, merece um pouco de paz em meio a esta guerra.

 

  —Se a senhora quiser, também pode dormir aqui. — Hadany fala divertida.

 

  —Agradeço a oferta, mas acho que ter seu pai ao meu lado já me garante uma noite de sono um pouco mais tranquila. — Falo rindo, mas logo volto a observar cada canto do quarto sem a presença de uma mosca sequer. — É impressionante a forma como o deus dos hebreus protege o seu povo, até mesmo os que não são inteiramente hebreus.

 

  —Confesso que esse deus tem me impressionado desde o dia em que o cajado de Arão se transformou em serpente bem diante de meus olhos. — Ela fala. — Como foi a conversa com meu tio? Conseguiu fazê-lo mudar de ideia?

 

  —Não sei ao certo. Ramsés mandou chamar Moisés e Arão, mas não permitiu que eu ficasse na sala do trono. — Respondo e me aproximo de minha filha. — Mas, não foi para isso que pediu que eu viesse até aqui, não é?

 

  —Talvez não seja o melhor momento para falar sobre isso, mas eu preciso contar para a senhora o que houve.

 

  —Você está nervosa. — Falo ao notar suas mãos inquietas. — Aconteceu algo grave?

 

  —Depende do ponto de vista, minha mãe. — Hadany faz com que eu me sente ao seu lado. — É melhor não procurar rodeios e ir direto ao assunto.

 

  —Então, fale.

 

  —Chibale me beijou. — Ela revela em curtas palavras. — E não foi só o beijo, ele se declarou para mim. Disse que me ama e que está seguro de seus sentimentos.

 

  —Isso não me surpreende. — Dou um leve riso.

 

  —Como não? — Hadany me olha, incrédula.

 

  —Há algum tempo eu venho observando você e Chibale com mais atenção. — Falo. — Não foi difícil notar que a amizade de vocês já se tornou algo maior.

 

  —Chibale e eu crescemos juntos, somos amigos desde crianças. Ele sempre foi a minha melhor companhia, preferia brincar com ele a brincar com Amenhotep. Nós dividimos travessuras, risadas, momentos felizes... — Hadany suspira. — Tente imaginar como é ver seu melhor amigo se declarar para você, após te surpreender com um beijo.

 

  —Eu não preciso imaginar, eu vivi essa experiência. — Falo ao me lembrar do primeiro beijo que me foi dado por Hur. — Foi assim que minha história com seu pai começou.

 

  —Mas, a senhora soube que me amava meu pai. Não de imediato, mas soube depois. — Ela argumenta. — O único que eu sei é que não quero magoar meu amigo por não poder correspondê-lo como ele espera.

 

  —Talvez possa, Hadany. Sei que agora está cheia de dúvidas, mas logo vai ter todas as respostas que procura. — Acaricio o rosto de minha filha. — Saiba que o amor é o mais sublime de todos os sentimentos, mas também o mais complicado. É a primeira vez que ele se apresenta para você dessa forma, em breve vai saber como lidar com o que está sentindo.

 

  —É esse o problema, mãe. — Ela desvia seu olhar para o vazio. — Eu não sei o que estou sentindo.

 

  —Mas, sabe que Chibale te ama, entende que ele busca algo mais de você e que talvez tenha esperado muito tempo para revelar seus sentimentos. — Trago o olhar de minha filha de volta para mim ao tocar seu queixo. — Foi o que eu disse para mim mesma quando me vi confusa diante do amor de seu pai, pois até ali eu só o via como um grande amigo.

 

  —Eu não sei se quero que Chibale e eu sejamos uma versão adolescente da senhora e do papai. — Hadany me faz rir com sua comparação. — Mas, ao mesmo tempo não quero também que se passem anos para que eu me dê conta de que o meu melhor amigo é o amor da minha vida.

 

  —Quando seu pai se declarou para mim, eu tive medo de perder a amizade dele caso eu não pudesse corresponder aos seus sentimentos. — Sorrio. — Eu não queria perder um amigo que sempre foi tão bom para mim, mas o que eu ganhei foi um marido que jamais deixou de ser o amigo que eu precisa e que me mostrou que bastava um verdadeiro amor para unir os pedaços do meu coração que havia se quebrado.

 

  —Jamais haverá um amor igual ou que sequer se compare ao amor da senhora e de meu pai. — Hadany me deixa sem fala com suas palavras. — Sem dúvida alguma, é o maior amor que existe.

 

(...)

 

   Adormeci coberta por um véu e envolvida pelos braços de Hur. Tais coisas me proporcionaram uma noite de sono razoável. Despertei sem que houvesse a presença de uma só mosca em meus aposentos e em todo o palácio. De minha janela, vi os inúmeros insetos deixarem o Egito em direção ao deserto, como uma nuvem negra riscando o céu azul. A praga acabou e isso certamente deve-se ao fato de que Ramsés concordou com o pedido de Moisés e deixou os hebreus irem ao deserto. Eu me sentiria plenamente aliviada por isso, se não fosse esse pressentimento de que meu irmão talvez não cumpra o que prometeu a meu filho, como já fez antes. Se isso acontecer, o deus dos hebreus enviará mais pragas, e confesso que está cada vez mais difícil resistir a elas.

 

  —Dormiu bem? — Hur pergunta, sem desviar seus olhos de mim.

 

  —Nunca dormir ao seu lado me deu um sono tão tranquilo, meu amor. — Falo de forma divertida, enquanto coloco minhas jóias.

 

  —Tenho algo para você. — Ele traz a minha visão uma caixa de madeira de porte médio e coloca-a sobre a mesa.

 

  —O que é?

 

  —Abra e saberá.

 

   Ao abrir a caixa, as jóias fazem contraste com a luz do sol que ilumina meus aposentos. Jamais vi algo tão singelo e ao mesmo tempo tão belo. Dois braceletes reluzem em ouro puro, mas as pequenas e delicadas flores que os enfeitam são feitas de prata e no meio de cada uma brilha uma pequena e notável pedrinha azul.

 

  —São lindos, Hur. — Falo, observando as jóias em minhas mãos, jóias tão lindas e cuidosas em detalhes que me fazem imaginar o esforço de Hur em fazê-las para mim.

 

  —São o seu presente de aniversário. — Meu marido sorri. — Sei que está um pouco adiantado, mas acho que não precisamos de uma dia em especial para presentear quem amamos. Basta fazer especial cada novo dia.

 

  —Obrigada, meu amor. — Sorrio para ele. — Não apenas pelo presente, mas por tudo o que você é para mim.

 

  —Eu faço qualquer coisa para te ver sorrir, Henutmire. — Hur então aproxima seu rosto do meu e em meus lábios eu sinto seu beijo pleno de amor e de carinho.

 

  —Você é um dos motivos que eu tenho para sorrir, Hur. — Falo assim que nossos lábios se separam. — Mas, é melhor ir trabalhar. As jóias mais belas de todo o Egito não vão se fazer sozinhas.

 

  —A verdadeira jóia mais bela do reino não foi feita por mim, eu apenas a chamo de minha esposa. — Ele me elogia e eu sinto meu rosto corar. — Eu te amo muito, Henutmire. Aconteça o que acontecer, nunca duvide do meu amor por você.

 

  —Por que diz isso? — Eu o olho, intrigada pela forma como fala.

 

  —Por nada. Apenas quero que minha princesa saiba o quanto eu a amo e amarei sempre. — Hur deposita um beijo suave em meus lábios, antes de sair de nosso quarto rumo a oficina.

 

  —Minha princesa... — Sorrio ao repetir as palavras de Hur, enquanto coloco os braceletes em meus braços. — Um dia eu posso deixar de ser princesa, mas sempre serei sua.

 

(...)

 

  —Bom dia, alteza. — Anat entra em meus aposentos, com um largo sorriso nos lábios.

 

  —Acaba de se tornar um péssimo dia.

 

  —Pelos deuses! Quanta grosseira. — Ela caminha até mim. — Eu venho em missão de paz.

 

  —Você é completamente o oposto de paz, sacerdotisa. — Falo, sem muita paciência.

 

  —Eu tenho algo muito importante para lhe dizer. — Anat fala. — Algo que pode mudar toda a realidade que a princesa vive agora.

 

  —Nada do que você tenha a dizer me interessa. — Afirmo. — A porta pela qual entrou é a mesma pela qual pode sair. Retire-se!

 

  —É melhor me ouvir, alteza. — Ela insiste. — É sobre o seu marido.

 

  —Novas intrigas, Anat? — Pergunto, encarando-a. — Pensei que não usaria das mesmas artimanhas do passado.

 

  —Vossa alteza pode estar certa de que o que vou lhe contar nada tem a ver com o que fiz no passado. — A sacerdotisa me olha seriamente. — Aliás, o fato se deu muito antes de eu ser trazida ao palácio por meu tio.

 

  —Então, fale de uma vez. — Ordeno. — Mas, saiba que jamais vou acreditar em uma palavra que sair de sua boca mentirosa.

 

  —Sei que quando um homem e uma mulher se casam, o que viveram ou fizeram até ali não tem muita importância. Afinal, eles começarão a escrever uma nova história juntos. — Anat fala e eu tento entender onde ela quer chegar com essa conversa. — Mas, vossa alteza sabe que Hur abandonou uma mulher para ficar com a senhora?

 

  —Que absurdo é esse que está dizendo? — Falo, incrédula. — Antes de casar-se comigo, a única mulher na vida de Hur foi a mãe de Uri.

 

  —Engana-se, princesa. E ao que parece, ele a enganou também fazendo-a acreditar nisso. — Ela fala com tanta convicção que eu começo a temer que exista verdade no que diz. — Vossa alteza conhece sua história melhor do que ninguém. Sabe perfeitamente que Hur sempre foi apaixonado pela senhora, mas julgava ser um amor impossível. E foi pensando assim que o nobre joalheiro procurou uma forma de tentar esquecê-la e a encontrou em uma mulher hebreia de nome Miriã.

 

  —Miriã? — É impossível não demonstrar meu espanto.

 

  —Este nome lhe é familiar, certo? É o nome da irmã de seu filho e é exatamente a ela que me refiro. — Anat dá alguns passos a frente, se aproximando de mim. — Eu não posso lhe contar em detalhes porque os desconheço, mas o que sei é que Hur estava envolvido com Miriã, até que a princesa ficou viúva.

 

  —Seja mais clara. — Peço, mas na verdade não sei se quero ouvir o que ainda pode ser dito.

 

  —Ora, não é difícil imaginar o que aconteceu. — Ela ri. — Hur sempre a amou, mas estava com Miriã para esquecer-se da senhora, porque a considerava proibida para ele. É evidente que quando o general Disebek morreu, Hur teve a chance que tanto esperava de demonstrar seu amor e tentar conquistar o coração daquela que tanto amava.

 

  —Está insinuando que...

 

  —Não estou insinuando, estou afirmando. — Anat me interrompe, elevando o tom de sua voz. — Hur abandonou Miriã, sem dar uma explicação sequer. Ele usou os sentimentos da hebreia, mas depois simplesmente a descartou, como um objeto que já não servia mais.

 

  —Isso é mentira! — Esbravejo. — Hur jamais faria algo assim!

 

  —Acreditamos no que queremos acreditar, alteza. — Ela argumenta. — Eu já fiz minha parte lhe contando o que sei. Agora, cabe a senhora conversar com seu marido e ouvir dele toda a verdade.

 

   Pode parecer impossível, mas é a primeira vez que não vejo vestígios de mentira nos olhos claros de Anat. Suas palavras têm veneno, como sempre, mas desta vez não parecem ter falsidade e intenções vãs de causar intrigas. Ela parece estar sendo sincera... Tal situação me deixa sem reação alguma e, sem que eu diga uma palavra, a sacerdotisa se retira de meus aposentos, me deixando em companhia da dúvida. Afinal, eu devo ou não acreditar em tudo o que acabo de ouvir?

 

  —Princesa? — Leila chama por mim ao entrar em meus aposentos, mas eu não consigo respondê-la. — Senhora Henutmire? — Ela novamente me chama, agora com preocupação na voz. Então, o único que faço é olhar para minha dama. — Eu vi Anat sair de seus aposentos e fiquei preocupada. O que ela fez para deixá-la assim?

 

  —Chame Hur, Leila. — Peço. — Diga que quero falar com ele imediatamente.

 

(...)

 

  —Henutmire... — Hur entra em nosso quarto e vem diretamente até mim, que permaneço imóvel, sentada na cama. — Você está pálida, meu amor. O que Anat fez com você?

 

  —Nada, ainda. — Respondo e com muito esforço dirijo meu olhar para ele. — Me responda uma coisa, Hur. O quanto você conhece Miriã, a irmã mais velha de Moisés?

 

  —Muito pouco.

 

  —Eu quero a verdade, Hur.

 

  —Não estou mentindo. Sempre nos víamos quando eu ia a vila, mas nunca fomos tão íntimos para que eu a conhecesse bem. — Ele tenta transparecer firmeza em suas palavras, mas seu nervosismo o atrapalha.

 

  —São amigos? — Pergunto com ironia que meu marido não nota.

 

  —De minha parte, sim. — Hur responde. — Mas, por que está me fazendo essas perguntas?

 

  —Porque quero saber se é verdade que você e ela tiveram um relacionamento no passado. — Falo sem rodeios.

 

  —Quem lhe disse isso? — O nervosismo de Hur aumenta, demonstrando que o que Anat me contou é verdade.

 

  —Não importa quem me disse! — Altero a voz, mas logo tento me acalmar. — É verdade, não é?

 

  —Foi muito antes de nos casarmos. — Ele confessa. — Eu achava que jamais teria o seu amor e...

 

  —E resolveu usar Miriã para me esquecer, para sufocar um amor proibido dentro de você. — Eu o interrompo e me levanto, completamente nervosa. — Se sempre foi apaixonado por mim, como diz, o único que você fez foi iludir Miriã com falsas esperanças. Você brincou com os sentimentos dela!

 

  —Não nego o meu erro, mas naquele momento não pensei dessa forma. — Ele baixa seu olhar. — Eu achei que poderia amar Miriã, que o amor dela me faria esquecer você.

 

  —Seria uma atitude nobre de sua parte, já que eu era uma mulher impossível para você. — Falo. — Mas, quando deixei de ser, você não pensou duas vezes em abandonar Miriã, sem se importar com o que ela sentia por você.

 

  —Sei que agi mal, mas quando percebi que tinha a chance de me declarar para você realmente não pensei em mais nada. — Hur fala. — Eu sempre sonhei em ter o seu amor, Henutmire.

 

  —E Miriã sonhava com o seu. — Volto suas palavras contra ele mesmo. — Por acaso pensou em como ela se sentiu quando se deu conta de que apenas foi usada por você? Se perguntou como ficou o seu coração quando você simplesmente desapareceu, sem dar uma explicação sequer?

 

  —Eu sei que errei, Henutmire! Todos os dias quando acordo eu sinto o peso da culpa pelo que fiz com Miriã. — Ele me olha. — Mas, esse assunto é entre mim e ela. Por que está revirando um passado que não é seu?

 

  —Porque você mentiu para mim! — Esbravejo. — Uma vez eu lhe perguntei se havia se interessado por outra mulher antes de mim e você me garantiu que, depois da mãe de Uri, eu era a única mulher em sua vida.

 

  —Eu disse a verdade. — Ele se aproxima de mim, mas eu me afasto ao dar um passo para trás. — Miriã jamais significou ou significará metade do que você significa em minha vida.

 

  —Espera que eu acredite que a hebreia é assim tão insignificante, Hur? — Indago. — Se fosse, você não teria se envolvido com ela tentando me esquecer.

 

  —Mas, eu nunca consegui te esquecer! — Hur me surpreende ao segurar com força em meus braços. — O meu amor por você sempre foi maior do que tudo.

 

  —Não toque em mim! — Faço por onde libertar meus braços das mãos de Hur. — Se me ama como diz, não teria me escondido algo tão sério.

 

  —Eu não contei nada antes para evitar que acontecesse exatamente o que está acontecendo agora.

 

  —Isso não justifica! — Exclamo. — Se eu soubesse por você, o estrago seria bem menor do que saber pela boca de outra pessoa.

 

  —Eu tentei! — Ele fala com voz alterada. — Várias vezes eu tentei contar para você, mas não consegui.

 

  —Você é um covarde, Hur! Covarde por ter abandonado Miriã, por tê-la feito chorar, por não ter lhe pedido perdão. — Eu respiro fundo para conseguir continuar falando ao olhar nos olhos de Hur. — Você mentiu para mim uma vez e eu disse que não admitiria mais mentiras.

 

  —Henutmire, eu...

 

  —EU AINDA NÃO TERMINEI! — A mágoa faz com que minhas palavras sejam gritadas entre as paredes do aposento. — Agora entendo sua reação sempre que o nome de Miriã era citado. Você tinha medo... Não somente medo de que eu descobrisse o que fez, mas também medo da sua própria consciência.

 

  —Sim, você está certa. — Ele concorda. — Eu tinha medo, mas era medo de te perder.

 

  —Se realmente tivesse medo de me perder, não iria me magoar dessa forma. — Meus olhos cedem espaço as lágrimas. — Por uma mentira, o nosso casamento quase acabou uma vez. E agora, é novamente uma mentira que tudo muda entre nós.

 

  —Do que está falando, Henutmire? — Meu marido me olha e eu posso notar certo desespero em seus olhos.

 

  —Saia daqui, Hur! — Ordeno com calma. — Eu não quero voltar a colocar meus olhos em você.

 

  —Henutmire, não faça isso! — Hur pede, na verdade suplica.

 

  —Eu não posso continuar vivendo mentiras. — Tento conter as lágrimas, mas elas parecem ser mais fortes do que eu. — Não quero olhar para você todas as manhãs e me dar conta de que me casei com um homem que é capaz de mentir para mim.

 

  —Você sequer vai me perguntar por que? — Ele questiona. — Não vai deixar eu me explicar?

 

  —Seria perda de tempo. — Respondo. — Você diria que fez o que fez para me proteger, por medo de me perder ou qualquer outra justificativa que encontre.

 

  —Eu posso te perder, mas não vai ser dessa forma. — Hur se aproxima de mim, mas dessa vez eu não me afasto. — Eu amo você e por esse amor sou capaz de qualquer coisa, até mesmo de esconder de você coisas que não deveriam ser escondidas. — Ele olha em meus olhos. — Eu prefiro magoar a mim mesmo ou viver toda uma vida com a consciência pesada do que fazê-la chorar. — Meu marido toca meu rosto e enxuga minhas lágrimas com suas mãos. — Cada lágrima que sai de seus olhos é como um punhal cravado em meu coração.

 

  —Elas doem muito mais em mim do que em você, tenha certeza. — Falo. — Eu poderia esperar que qualquer pessoa fizesse algo para me magoar, para me decepcionar... Qualquer pessoa, menos você.

 

  —Me perdoe, meu amor. — Ele pede. — Eu não cheguei até aqui para perder você, seria maior dor do que posso suportar. Não me obrigue a isso, por favor.

 

  —Eu poderia dizer tantas coisas, Hur... Poderia e gostaria muito de colocar uma pedra em cima do que houve, esquecer tudo o que ouvi. — Eu o afasto de mim. — Mas, não posso. Eu abomino a mentira mais do que tudo, não posso perdoar você dessa vez.

 

  —Henutmire...

 

  —Vá embora, Hur. — Peço. — Tudo o que eu preciso agora é ficar sozinha.

 

  —Eu não posso renunciar a você. — Hur fala e então eu noto seus olhos marejados por lágrimas. — Se eu sair por aquela porta, é exatamente o que estarei fazendo.

 

  —Saia! — Peço mais uma vez, agora sem muita calma.

 

  —Não!

 

  —FORA DAQUI, HUR! — Tomada pela fúria, pego uma taça que estava por perto e atiro-a em Hur, que por pouco consegue desviar-se dela.

 

  —Henutmire, acalme-se!

 

  —Se você não sai, saio eu. — Falo e no mesmo instante dirijo meus passos para fora dos aposentos. Hur tenta me impedir, mas meu braço direito escapa de sua mão e ele apenas fica parado no meio do quarto.

 

   Meus pés não me levam para longe de meus aposentos, mas também não conseguem me guiar para lugar algum. Então, no chão do corredor, meu corpo desaba sem forças enquanto lágrimas sem fim caem de meus olhos. Jamais imaginei que fosse passar por isso novamente. Todavia, agora a dor de saber que Hur mentiu para mim é muito maior e mais devastadora do que a que senti há anos atrás. Porque não foi apenas a mentira... Foi a falta de caráter em brincar com os sentimentos de alguém e a mais pura covardia em não pedir perdão por seu erro. Nunca pensei que Hur seria capaz de tais atos, nunca pensei que tantos anos de casamento não seriam suficientes para conhecer meu marido. Ele mentiu para mim sobre Anat, sobre Miriã... Hur mentiu para mim, assim como Disebek o fez várias vezes.

 

  —Foi o seu amor, Hur... Foi o seu amor que curou as feridas deixadas por Disebek em meu coração. — Falo, mas o choro faz com que minha voz seja tão baixa a ponto de parecer que meus lábios se mexem, mas som algum sai deles. — Mas, não há amor que cure a dor que agora é causada por você.


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